9.6.2021   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 220/72


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a «Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões sobre uma Estratégia para os pagamentos de pequeno montante na UE»

[COM(2020) 592 final]

(2021/C 220/10)

Relator:

Antonio GARCÍA DEL RIEGO

Correlator:

Kęstutis KUPŠYS

Consulta

Comissão Europeia, 11.11.2020

Base jurídica

Artigo 304.o do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia

Competência

Secção do Mercado Único, Produção e Consumo

Adoção em secção

2.3.2021

Adoção em plenária

24.3.2021

Reunião plenária n.o

559

Resultado da votação

(votos a favor/votos contra/abstenções)

268/2/8

1.   Conclusões e recomendações

1.1.

Os pagamentos estão na vanguarda da digitalização dos serviços financeiros e, para os empreendedores e os comerciantes, os métodos de pagamento expeditos são imprescindíveis, permitindo-lhes lançar e expandir os seus negócios com sucesso. A COVID-19 veio acelerar a tendência para os pagamentos eletrónicos e o comércio eletrónico e aumentar a necessidade de os retalhistas adotarem ferramentas omnicanal para aceitarem pagamentos fora de linha, em linha e móveis. A adoção dessas ferramentas, que exige um investimento em sistemas informáticos e hardware, tem representado um encargo acrescido, em especial para os pequenos e médios retalhistas.

1.2.

O Comité Económico e Social Europeu (CESE) partilha do ponto de vista da Comissão no que toca à importância estratégica dos pagamentos e à necessidade de continuar a envidar esforços para permitir operações de pagamento no mercado único, utilizando as novas soluções de pagamento desenvolvidas a nível nacional e pan-europeu. O CESE concorda que a Comissão deve atuar como um catalisador político, cabendo ao setor privado conceber soluções inovadoras de pagamento digital.

1.3.

O CESE sublinha que o numerário continua a ser o meio de pagamento preferencial dos consumidores nos pontos de venda e nas transações diretas entre pessoas no comércio retalhista. O numerário é vital para a inclusão social e o acesso a serviços de base.

1.4.

O CESE secunda a ideia de que o euro digital deve ser complementar às atuais responsabilidades do banco central, que não deve procurar excluir o setor privado, que o setor privado deve intervir na distribuição de soluções relacionadas com o euro digital e que os direitos e obrigações dos utilizadores devem ser claramente definidos. A privacidade das transações deve ser considerada um direito importante do utilizador, a par de outras características semelhantes às do numerário.

1.5.

O CESE insta a Comissão a:

1.5.1.

Estabelecer prioridades quanto às ações e aos esforços a desenvolver, tendo em conta o elevado número de ações-chave identificadas na estratégia.

1.5.2.

Reduzir as incertezas atuais quanto a um modelo de negócios sustentável para pagamentos imediatos.

1.5.3.

Considerar prematura qualquer iniciativa legislativa no domínio dos instrumentos de pagamento. O CESE prefere que se permita aos intervenientes no mercado desenvolver produtos adequados para os clientes e que só se pondere a adoção de medidas legislativas caso não sejam encontradas soluções adequadas.

1.5.4.

Assegurar o pleno cumprimento do Regulamento SEPA pelos Estados-Membros, especialmente no que toca ao desrespeito do artigo 9.o pelos ordenantes e beneficiários (a chamada «discriminação relativa ao IBAN»), devendo os consumidores da UE poder utilizar uma conta de pagamento única para transferências em euros e efetuar transferências bancárias transfronteiras em euros no SEPA com a mesma facilidade que no seu país de origem.

1.5.5.

Centrar os seus esforços na interoperabilidade entre soluções de identificação eletrónica existentes e emergentes; o setor privado, em conjunto com as autoridades, deve dispor de melhores condições para criar soluções de identificação eletrónica, a serem utilizadas parcialmente para realizar a autenticação forte do cliente (SCA) em transações de pagamento. É necessário um sistema de identificação eletrónica pública universalmente aceite, com base na escolha do consumidor, no seu consentimento e na garantia de que a sua privacidade é totalmente respeitada.

1.5.6.

Harmonizar a aceitação de numerário a nível da UE, uma vez que, atualmente, difere significativamente entre países.

1.5.7.

Alargar a partilha de dados entre diferentes setores com disposições que abranjam todos os prestadores de serviços financeiros, de acordo com os princípios do Regulamento Geral sobre a Proteção de Dados (RGPD) (1), para gerar ainda mais benefícios para os consumidores europeus, uma vez que tal pode promover um setor financeiro inovador e competitivo.

1.5.8.

Propor atos legislativos que visem garantir o direito de acesso, em condições justas, razoáveis e não discriminatórias, às tecnologias de infraestrutura consideradas necessárias para apoiar a prestação de serviços de pagamento.

1.6.

O CESE considera que os intervenientes no mercado pertinentes devem estar sujeitos a legislação, supervisão e fiscalização adequadas, garantindo condições equitativas para aqueles que oferecem os mesmos serviços e atividades.

1.7.

O CESE compreende a necessidade de garantir um ecossistema de pagamentos aberto e acessível e de avaliar a inclusão das instituições de pagamento e de moeda eletrónica no âmbito da Diretiva Caráter Definitivo da Liquidação (SFD).

1.8.

O CESE acolhe favoravelmente as ações propostas que visam garantir o compromisso de reduzir o custo médio global das remessas para menos de 3 % até 2030 e incentiva a Comissão a desempenhar um papel ativo no acompanhamento e na garantia de apoio às ações pertinentes definidas no Roteiro do Conselho de Estabilidade Financeira para melhorar os pagamentos transfronteiras.

2.   A estratégia da Comissão

2.1.

Na sua comunicação de dezembro de 2018, a Comissão apoiou «um sistema de pagamentos imediatos totalmente integrado na UE, a fim de reduzir os riscos e as vulnerabilidades dos sistemas de pagamento de pequenos montantes e para reforçar a autonomia das soluções de pagamento existentes» (2).

2.2.

A inovação digital está a transformar radicalmente a prestação de serviços financeiros. A digitalização e a evolução das preferências dos consumidores estão a levar a um aumento rápido das transações eletrónicas (3). A pandemia de COVID-19 veio impulsionar ainda mais a transição para os pagamentos digitais e confirmar a importância vital de realizar pagamentos seguros, acessíveis e cómodos (incluindo sem contacto) nas transações à distância e presenciais.

2.3.

Verificaram-se melhorias substanciais nos últimos anos, graças sobretudo ao desenvolvimento do espaço único de pagamentos em euros (SEPA) e à harmonização da legislação em matéria de pagamentos de pequeno montante. No entanto, o mercado de pagamentos da UE permanece, em grande medida, fragmentado pelas fronteiras nacionais, uma vez que a maioria das soluções de pagamento nacionais baseadas em cartões ou pagamentos imediatos não funciona além-fronteiras. No entanto, o dinamismo do setor europeu dos pagamentos mostra que existe um risco de incoerências, o que requer um quadro de «governação» claro que sustente a estratégia de pagamentos de pequeno montante da UE.

2.4.

A Comissão pretende criar um mercado de pagamentos altamente competitivo que beneficie todos os Estados-Membros, independentemente da moeda utilizada, e em que todos os participantes do mercado possam competir em condições justas e equitativas para oferecer soluções de pagamento inovadoras e avançadas, no pleno respeito pelos compromissos internacionais da UE.

2.5.

Uma vez que o setor dos pagamentos está na vanguarda da inovação digital no que diz respeito aos serviços financeiros, a execução da estratégia em apreço contribuirá para concretizar a visão mais ampla da Comissão relativamente ao financiamento digital e para os seus objetivos de eliminar a fragmentação do mercado, promover a inovação impulsionada pelo mercado no setor financeiro e responder aos novos desafios e riscos associados ao financiamento digital, assegurando simultaneamente a neutralidade tecnológica.

2.6.

A estratégia para os pagamentos de pequeno montante é, por conseguinte, apresentada paralelamente à Estratégia em matéria de Financiamento Digital para a UE (4) e às duas propostas legislativas sobre um novo quadro regulamentar da UE para o reforço da resiliência operacional digital (5) e sobre os criptoativos (6). Complementa ainda a versão atualizada da estratégia de pagamentos de pequeno montante, apresentada pelo BCE/Eurosistema em novembro de 2019 (7).

3.   Observações na generalidade

3.1.

Os serviços financeiros digitais são cada vez mais importantes para as empresas e os consumidores europeus. A pandemia de COVID-19 veio apenas aumentar a importância da digitalização nas sociedades, inclusivamente nos serviços financeiros. Os pagamentos estão na vanguarda da digitalização dos serviços financeiros e, para os empreendedores e comerciantes, os métodos de pagamento expeditos são imprescindíveis, permitindo-lhes lançar e expandir os seus negócios com sucesso. A COVID-19 veio acelerar a tendência para os pagamentos eletrónicos e o comércio eletrónico e aumentar a necessidade de os retalhistas adotarem ferramentas omnicanal para aceitarem pagamentos fora de linha, em linha e móveis. Essa adoção exige um investimento em sistemas informáticos e hardware, o que representa um encargo acrescido, em especial para os pequenos e médios retalhistas.

3.2.

O CESE congratula-se com o apoio da Comissão à modernização e simplificação dos equipamentos de aceitação de pagamentos dos comerciantes da UE, através de opções de financiamento e formação. É importante sublinhar o papel fundamental que as pequenas e médias empresas (PME) desempenham na economia europeia. Trata-se de um setor crítico, uma vez que cerca de 90 % das empresas europeias são PME e representam mais de 50 % dos postos de trabalho. As pequenas e médias empresas podem contribuir para uma forte recuperação económica.

3.3.

O CESE partilha do ponto de vista da Comissão sobre a importância estratégica dos pagamentos e de que a constante falta de soluções de pagamento digital pan-europeias que possam ser utilizadas em toda a Europa acarreta o risco de uma maior fragmentação do mercado, com os operadores mundiais a captarem todo o mercado europeu de pagamentos transfronteiras. Por conseguinte, mesmo que as empresas e os consumidores europeus já tenham acesso a soluções de pagamento e instrumentos de pagamento eficientes, competitivos e inovadores, é necessário continuar a envidar esforços para permitir as operações de pagamento no mercado único através de novas soluções de pagamento desenvolvidas a nível nacional e pan-europeu. O CESE concorda que a Comissão deve atuar como um catalisador político, cabendo ao setor privado conceber soluções inovadoras de pagamento digital.

3.4.

O CESE está firmemente convicto de que as soluções de pagamento imediato são fundamentais. No entanto, insta a Comissão a estabelecer prioridades claras quanto às ações e esforços a desenvolver, tendo em conta o elevado número de ações-chave identificadas na estratégia. A concretização de algumas das ações-chave e dos objetivos gerais da estratégia para os pagamentos de pequeno montante, nomeadamente o objetivo de soluções de pagamento desenvolvidas a nível nacional e pan-europeu, exigirá esforços consideráveis por parte do setor. O CESE considera que quaisquer requisitos e projetos regulamentares adicionais devem ser cuidadosamente avaliados.

3.5.

O CESE insta a Comissão a prestar especial atenção aos níveis de fraude nos pagamentos imediatos e a tomar as medidas adequadas, se necessário.

3.6.

O CESE insiste na necessidade urgente de melhorar as competências e a literacia digitais através da educação e da formação. Tal deve ser alcançado, em parte, com base no Quadro de Competências Digitais e incentivando os Estados-Membros a melhorar a educação ao longo da vida no que diz respeito às competências que serão mais procuradas, em todos os níveis de ensino. O objetivo é assegurar que as pessoas passem a ser atores com conhecimentos no domínio dos dados, sensibilizando-as e capacitando-as para que possam controlar os seus dados, as aplicações de megadados e a governação de dados, e compreender o ambiente digital e os riscos inerentes à sua utilização (por exemplo, a personalização).

3.7.

O CESE pretende impedir que os consumidores fiquem «desligados» e sujeitos à exclusão financeira devido à falta de competências ou ferramentas digitais, o que constitui um risco evidente para o número crescente de idosos na Europa.

4.   Observações na especialidade

Primeiro pilar: soluções de pagamentos cada vez mais digitais e imediatas com alcance pan-europeu

4.1.

O CESE apoia firmemente os esforços para dotar o mercado de pagamentos europeu de diversas soluções de pagamento desenvolvidas a nível nacional e pan-europeu. Tais esforços devem representar um valor acrescentado para os consumidores e empresas enquanto utilizadores finais, devem permitir aos intervenientes no mercado europeu competir melhor com os intervenientes no mercado atualmente dominantes e os intervenientes nos mercados emergentes e possivelmente dominantes, como as grandes empresas de tecnologia («BigTechs»), e reforçarão o papel internacional do euro. Dada a situação atual do mercado e a posição bem estabelecida dos operadores históricos no mercado de cartões, a criação de tais soluções de pagamento pan-europeias seria um projeto de monta para o setor de pagamentos europeu.

4.2.

O CESE apoia a ideia de analisar a possibilidade de utilizar débitos diretos em toda a Europa para realizar pagamentos em lojas. O modelo de débito direto eletrónico, amplamente utilizado na Alemanha, poderia ser alargado. Os sistemas de cartões com uma posição dominante no mercado ficariam assim expostas à concorrência com base no débito direto (débito direto SEPA).

4.3.

Para permitir o desenvolvimento de soluções de pagamentos pan-europeias baseadas em pagamentos imediatos, é essencial que os intervenientes no mercado sejam claros quanto ao modelo de negócios. Sem essa clareza, não são de esperar decisões de investimento. O CESE insta a Comissão a reduzir as incertezas atuais quanto a um modelo de negócios sustentável para pagamentos imediatos.

4.4.

No que diz respeito ao número de prestadores de serviços de pagamento (PSP) que oferecem pagamentos imediatos denominados em euros e que aderiram ao modelo de transferência a crédito imediata SEPA (o «modelo SCT Inst.»), já existe uma boa cobertura de PSP, em especial na área do euro. No entanto, ainda não é suficiente para alcançar a cobertura total dos pagamentos imediatos. O mercado está a procurar aumentar os níveis de adesão dos PSP e ter uma cobertura e oferta de transferências imediatas em euros mais alargadas. O CESE apoia as medidas que visem gerir, entre outros, a adesão, a interoperabilidade e outras questões decorrentes da utilização generalizada do modelo SCT Inst., nomeadamente as questões relacionadas com a proteção dos consumidores.

4.5.

O CESE concorda com a Comissão quanto à necessidade de as soluções para utilizadores finais serem interoperáveis e acessíveis, acrescentarem valor e satisfazerem as necessidades de uma ampla gama de utilizadores e possuírem características equivalentes às de outros instrumentos de pagamento correspondentes. O CESE considera que é prematuro ponderar qualquer iniciativa legislativa neste domínio e que é preferível permitir que os intervenientes no mercado, estimulados pela concorrência existente, desenvolvam produtos adequados para os clientes, só equacionando a adoção de medidas legislativas caso não sejam encontradas soluções adequadas.

4.6.

O CESE concorda inteiramente com a Comissão quanto à necessidade de garantir o pleno cumprimento do Regulamento SEPA pelos Estados-Membros, especialmente no que toca ao desrespeito do artigo 9.o por parte dos ordenantes e beneficiários (a chamada «discriminação relativa ao IBAN»). Conforme estabelecido no artigo 9.o, os consumidores da UE devem poder utilizar uma conta de pagamento única para transferências em euros e efetuar transferências bancárias transfronteiras em euros no SEPA com a mesma facilidade que no seu país de origem. No entanto, muitos operadores ainda hoje recusam pedidos de débito direto transfronteiras de clientes com IBAN estrangeiros ou mesmo transferências a crédito SEPA para IBAN estrangeiros. Este facto constitui um enorme obstáculo ao mercado único e limita a possibilidade de os clientes acederem a serviços transfronteiras. Os Estados-Membros devem ser chamados a tomar uma posição mais rigorosa para fazer cumprir o regulamento, que está em vigor desde 2014.

4.7.

As soluções de identificação eletrónica (eID) são uma parte essencial dos serviços digitais, inclusivamente dos serviços financeiros. O eIDAS foi um primeiro passo para permitir o reconhecimento e a utilização transfronteiras de sistemas de identificação eletrónica reconhecidos a nível nacional. No entanto, é evidente que o atual quadro do eIDAS não é suficiente, nem pode alcançar os resultados necessários. É necessária um sistema de identificação eletrónica pública, com base na escolha do consumidor, no seu consentimento e na garantia de que a sua privacidade é totalmente respeitada. O CESE exorta a Comissão a centrar os seus esforços na interoperabilidade entre soluções existentes e emergentes e acredita que o setor privado, em conjunto com as autoridades, tal como sucede nos países nórdicos, deve dispor de melhores condições para criar soluções de identificação eletrónica, a serem utilizadas parcialmente para realizar a autenticação forte do cliente (SCA) em operações de pagamento.

4.8.

A aceitação generalizada de pagamentos digitais é uma parte essencial de um mercado de pagamentos moderno. O CESE apoia as medidas destinadas a avaliar o nível de aceitação dos meios de pagamento digitais por parte dos comerciantes e a definir formas de aumentar e facilitar essa aceitação, especialmente por parte das PME e dos pequenos comerciantes. Para a sociedade em geral, é fundamental preservar o acesso e garantir a aceitação de numerário. O mesmo se aplica, no entanto, aos meios de pagamento digitais, uma vez que os consumidores devem poder escolher.

4.9.

O CESE salienta que o numerário continua a ser o instrumento de pagamento preferido pelos consumidores para os pagamentos de pequeno montante nos pontos de venda e nas transações diretas entre pessoas, conforme demonstrado pelo estudo SPACE, recentemente publicado pelo Banco Central Europeu (8). O numerário possui características muito diferentes das dos pagamentos digitais. O numerário é o único instrumento de pagamento que protege a privacidade e é dinheiro público pelo qual o banco central é responsável. No caso de todos os aparelhos elétricos e eletrónicos deixarem de funcionar (um «coronavírus digital»), será a única solução remanescente em termos de meios de pagamento na economia. Além disso, o numerário é vital para a inclusão social e o acesso a determinados serviços de base. A Comissão e o BCE devem analisar atentamente as questões do acesso e da aceitação de numerário e tomar as medidas adequadas, se necessário.

4.10.

Uma das consequências da crise da COVID-19 foi que muitos retalhistas decidiram (temporariamente) não aceitar dinheiro. Conforme indicado pela Comissão, os Tratados conferem ao numerário o estatuto de curso legal. A evolução da utilização de numerário deve ser ditada pela procura. As regras de aceitação de numerário variam de país para país, sendo necessária uma harmonização a nível da UE.

4.11.

Tendo em conta as mudanças em curso, é compreensível que o BCE esteja a estudar a possível emissão de um euro digital e que a Comissão esteja a apoiar esses esforços. A introdução de um euro digital pode ter um impacto sem precedentes e deve ser avaliado com muito cuidado. O CESE apoia os princípios propostos pelo BCE, nomeadamente de que o euro digital deve ser complementar às atuais responsabilidades do banco central, não deve procurar excluir o setor privado, o setor privado deve ter um papel na distribuição de soluções relacionadas com o euro digital e os direitos e obrigações dos utilizadores devem ser claramente definidos. A privacidade das transações deve ser considerada como um direito importante do utilizador, a par de outras características semelhantes às do numerário. A mesma abordagem deve ser válida para quaisquer iniciativas de moeda digital do banco central (CBDC) nos Estados-Membros da UE, fora da área do euro.

Segundo pilar: mercados de pagamentos de pequeno montante inovadores e competitivos

4.12.

A aplicação da Diretiva Serviços de Pagamento 2 (PSD2) (9) foi um projeto muito importante para o setor dos serviços de pagamento e ainda se encontra parcialmente em curso. A PSD2 introduziu duas grandes mudanças: a autenticação forte do cliente (SCA) e o acesso de prestadores de serviços terceiros a contas de pagamento. Em alguns casos, em especial no que diz respeito à SCA para transações de comércio eletrónico, o prazo de aplicação era o final de 2020. O CESE insta a Comissão a examinar em pormenor o impacto da PSD2 antes de propor uma revisão.

4.13.

O CESE apoia a criação de um quadro de «financiamento aberto» para a Europa. O financiamento aberto tem o potencial de trazer ainda mais benefícios para os consumidores europeus, uma vez que pode promover um setor financeiro inovador e competitivo. O CESE considera que não se pode estabelecer um quadro de financiamento aberto abrangente com base nos mesmos princípios da PSD2, uma vez que a diretiva se refere apenas às contas de pagamento e aos prestadores de serviços de pagamento e prevê a partilha unilateral de dados por parte do mercado. É necessário um texto específico que abranja todos os prestadores de serviços financeiros, de acordo com os princípios do Regulamento Geral sobre a Proteção de Dados (RGPD) (10), e explorar o potencial de alargar a partilha de dados entre diferentes setores. A Comunicação sobre uma Estratégia em matéria de Financiamento Digital (11) indica que a Comissão apresentará esta proposta em meados de 2022.

4.14.

Os pagamentos sem contacto têm vindo a generalizar-se e são importantes no atual contexto de pandemia de COVID-19. Na maioria dos países, o(s) montante(s) máximo(s) para pagamentos sem contacto aumentou/aumentaram durante as primeiras fases da pandemia, em muitos casos até ao máximo permitido ao abrigo da PSD2 (50 euros por transação e 150 euros de forma cumulativa), especialmente em reação a pedidos de comunidades de comerciantes. Qualquer alteração desses valores máximos legais no âmbito de uma revisão da PSD2 deve ser criteriosamente avaliada para alcançar um equilíbrio entre a facilidade de utilização e as considerações em matéria de segurança e responsabilidade.

4.15.

O CESE subscreve a opinião da Comissão de que, no âmbito da revisão da PSD2, os riscos decorrentes dos serviços não regulamentados atualmente devem ser incluídos no âmbito de aplicação dos atos legislativos. Esses prestadores, que auxiliam a prestação de serviços de pagamento ou serviços de moeda eletrónica regulados, permanecem fora do perímetro regulamentar, embora sejam importantes intervenientes no mercado. O CESE entende que, sempre que sejam muito importantes para a dinâmica do mercado e que os clientes os considerem prestadores de serviços de pagamento, devem também ser regulamentados e supervisionados enquanto prestadores de serviços de pagamento. É importante que todos os intervenientes no mercado pertinentes estejam sujeitos a uma legislação, supervisão e fiscalização adequadas, garantindo condições equitativas para aqueles que oferecem os mesmos serviços e atividades.

Terceiro pilar: sistemas de pagamentos de pequeno montante e outras infraestruturas de apoio eficientes e interoperáveis

4.16.

O CESE compreende a necessidade de garantir um ecossistema de pagamentos aberto e acessível e de avaliar, no âmbito da revisão da Diretiva Caráter Definitivo da Liquidação (SFD) (12), se seria benéfico alargar o âmbito de aplicação da diretiva para incluir instituições de pagamento e instituições de moeda eletrónica, a fim de lhes permitir o acesso direto a sistemas e infraestruturas de pagamento como o TARGET2 e o serviço de liquidação de pagamentos imediatos através do TARGET (TIPS). O CESE sublinha a necessidade de salvaguardar a segurança e a integridade dos principais sistemas de pagamento. Tal será ainda mais importante se, no contexto da revisão da PSD2, o âmbito de aplicação da diretiva for alargado aos intervenientes no mercado atualmente não abrangidos pela legislação, como os prestadores de serviços técnicos. Mais uma vez, tal realça a necessidade de garantir que todas as partes têm acesso nas mesmas condições e com equidade.

4.17.

O CESE apoia inteiramente o objetivo da Comissão de propor atos legislativos que visem garantir o direito de acesso, em condições justas, razoáveis e não discriminatórias, às tecnologias de infraestrutura consideradas necessárias para apoiar a prestação de serviços de pagamento. Atualmente, algumas tecnologias importantes de apoio à prestação de serviços de pagamento, como a antena de comunicação de campo próximo (NFC) em alguns dispositivos móveis, têm acesso restrito, o que limita a concorrência no domínio dos pagamentos móveis sem contacto, obrigando os bancos a pagar uma taxa a um terceiro apenas por permitir que um consumidor utilize uma tecnologia (como a NFC) para os seus pagamentos quotidianos. Em alguns casos, as taxas pagas pelos bancos podem ser posteriormente cobradas ao consumidor. Embora esta questão já tenha sido resolvida em alguns Estados-Membros, é importante abordá-la a nível europeu, a fim de permitir que todos os cidadãos da UE beneficiem de uma maior concorrência neste domínio, proporcionar condições de concorrência equitativas aos PSP e generalizar a adoção de pagamentos móveis sem contacto. A legislação deve garantir que todos os participantes possuem os mesmos direitos e obrigações e estão sujeitos ao mesmo licenciamento e a outros requisitos regulamentares.

Quarto pilar: pagamentos internacionais eficientes, incluindo remessas

4.18.

O CESE concorda com a importância de melhorar os pagamentos transfronteiras a nível mundial e as ações identificadas pela Comissão, como a promoção da adoção de normas mundiais para os pagamentos, por exemplo a Iniciativa Global de Pagamentos da Sociedade de Telecomunicações Financeiras Interbancárias Mundiais (SWIFT) e a norma ISO20022, que melhora os pagamentos transfronteiras na rede bancária correspondente.

4.19.

As remessas continuam a ser o tipo de pagamento mais caro. O CESE acolhe favoravelmente as ações propostas que visam garantir o compromisso de reduzir o custo médio global das remessas para menos de 3 % até 2030 e incentiva a Comissão a desempenhar um papel ativo no acompanhamento e na garantia de apoio às ações pertinentes definidas no Roteiro do Conselho de Estabilidade Financeira para melhorar os pagamentos transfronteiras. As taxas podem prejudicar desproporcionadamente as pessoas financeiramente desfavorecidas. A concorrência e os avanços da tecnologia já ajudaram a melhorar o acesso a meios mais rápidos e menos dispendiosos de remessas internacionais, mas há ainda muito a fazer. Para os operadores de remessas que trabalham de/para países vizinhos da UE, um melhor acesso à infraestrutura de pagamento sediada na UE pode proporcionar uma base para a redução de custos.

Bruxelas, 24 de março de 2021.

A Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Christa SCHWENG


(1)  JO L 119 de 4.5.2016, p. 1.

(2)  COM(2018) 796 final.

(3)  De acordo com o BCE, em 2018, os pagamentos eletrónicos representaram 91 mil milhões de transações na área do euro e 112 mil milhões na UE, contra 103 mil milhões de transações registadas em 2017.

(4)  COM(2020) 591 final.

(5)  COM(2020) 595 final.

(6)  COM(2020) 593 final.

(7)  https://www.ecb.europa.eu/press/key/date/2019/html/ecb.sp191126~5230672c11.en.html.

(8)  «Study on the payment attitudes of consumers in the euro area (SPACE)» [Estudo sobre as atitudes de pagamento dos consumidores na área do euro (SPACE)], dezembro de 2020.

(9)  JO L 337 de 23.12.2015, p. 35.

(10)  JO L 119 de 4.5.2016, p. 1.

(11)  COM(2020) 591 final.

(12)  JO L 166 de 11.6.1998, p. 45.