18.9.2020   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 311/55


Parecer do Comité Económico e Social Europeu — Proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho que institui o Fundo para uma Transição Justa

[COM(2020) 22 final — 2020/0006 (COD)]

Proposta alterada de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho que estabelece disposições comuns sobre o Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional, o Fundo Social Europeu Mais, o Fundo de Coesão e o Fundo Europeu dos Assuntos Marítimos e das Pescas, e regras financeiras para estes Fundos e o Fundo para o Asilo e a Migração, o Fundo para a Segurança Interna e o Instrumento de Gestão das Fronteiras e dos Vistos

[COM(2020) 23 final — 2018/0196 (COD)]

(2020/C 311/08)

Relatora:

Ester VITALE

Correlator:

Petr ZAHRADNÍK

Consulta

Conselho da União Europeia, 23.1.2020

Parlamento Europeu, 29.1.2020

Base jurídica

Artigos 175.o, terceiro parágrafo, e 304.o do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia

Competência

Secção da União Económica e Monetária e Coesão Económica e Social

Adoção em secção

13.5.2020

Adoção em plenária

10.6.2020

Reunião plenária n.o

552

Resultado da votação

(votos a favor/votos contra/abstenções)

210/1/5

1.   Conclusões e recomendações

1.1.

O CESE está plenamente convencido de que o Fundo para uma Transição Justa é o primeiro instrumento concreto a contribuir para o objetivo muito ambicioso de alcançar a neutralidade carbónica até 2050 e está em harmonia com o Pacto Ecológico Europeu.

1.2.

O CESE está preocupado com o facto de os investimentos previstos para uma transição justa não estarem à altura do ambicioso Pacto Ecológico da Comissão Europeia e considera que se devem afetar recursos adicionais mediante um reforço do Quadro Financeiro Plurianual, dotando-o de novos recursos próprios ou aumentando a contribuição dos Estados-Membros. A UE deve evidenciar um nível de ambição consonante com o desafio da luta contra as alterações climáticas, consagrando, em média, 40 % do seu orçamento global (QFP 2021-2027) a este objetivo.

1.3.

O CESE recomenda que o quadro financeiro do Fundo para uma Transição Justa seja definido com mais precisão, uma vez que, de acordo com a proposta, só estão garantidos 30 mil milhões de euros e o resto se baseia numa decisão voluntária dos Estados-Membros. O CESE não está convencido de que o quadro financeiro se baseie numa abordagem e em pressupostos conservadores.

1.4.

O CESE está ciente de que o êxito do Fundo para uma Transição Justa (e de todo o Plano de Investimento para a Europa Sustentável) depende de uma nova parceria entre o setor privado e o setor público no que toca ao financiamento e à partilha de responsabilidades. É necessário um novo pacto entre os setores público e privado, que associe todos os intervenientes nos domínios económico, social e ambiental e defina o financiamento e as responsabilidades partilhadas. Uma vez que as necessidades financeiras do Pacto Ecológico Europeu são enormes e que as fontes de receitas orçamentais comuns da UE são bastante limitadas, o setor privado desempenhará um papel proeminente. As ONG deverão contribuir decisivamente para orientar a utilização do fundo de uma forma que integre plenamente todos os grupos da sociedade e assegure uma melhor acessibilidade para as pessoas com deficiência e os idosos.

1.5.

O CESE apoia a abordagem abrangente que tem em conta as dimensões económica, social, industrial e tecnológica da transição para uma economia neutra e que prevê a participação dos intervenientes locais, dos parceiros sociais e das ONG. Os parceiros sociais devem participar na elaboração e na aplicação das políticas e estratégias para uma transição justa. Os sindicatos devem estar presentes em todas as fases do processo de transição justa, a fim de proteger os interesses dos trabalhadores a diferentes níveis.

1.6.

O CESE espera que o diálogo entre a Comissão Europeia e os Estados-Membros no âmbito do Semestre Europeu conte com a participação ativa e substancial dos parceiros sociais e das ONG.

1.7.

Apraz ao CESE saber que os planos territoriais e os eventuais programas específicos serão monitorizados por comités de acompanhamento ao abrigo de regras idênticas às estabelecidas no Regulamento Disposições Comum dos Fundos Europeus Estruturais e de Investimento.

1.8.

O CESE recomenda que os planos territoriais e os eventuais programas específicos do Fundo para uma Transição Justa contem com a participação plena e substancial dos parceiros sociais e das ONG.

1.9.

O CESE saúda vivamente a flexibilidade das regras em matéria de auxílios estatais e o seu impacto implícito esperado, as quais também devem refletir a importância do Pacto Ecológico, em especial nas regiões e nos Estados-Membros carboníferos e de elevada intensidade carbónica. Os auxílios estatais, em especial os auxílios estatais ecológicos, devem contribuir para a transição para uma economia mais verde e mais inclusiva, através de esforços contínuos e mais ambiciosos em prol do recurso a auxílios estatais para promover postos de trabalho para os que são frequentemente excluídos do mercado de trabalho aberto, como as pessoas com deficiência.

1.10.

Dado que o desenvolvimento sustentável e a ação climática têm um impacto positivo na despesa pública e eliminam uma série de externalidades negativas (no domínio da saúde, da reabilitação, da reconstrução, etc.), os investimentos públicos dedicados à proteção do ambiente e às alterações climáticas devem ser excluídos dos condicionalismos do Pacto de Estabilidade. Esta alteração é agora mais importante do que nunca tendo em conta a crise sem precedentes que enfrentamos. A COVID-19 pode ter um grande impacto nos cidadãos da UE, na sua saúde e na economia em geral.

1.11.

Atualmente, a pandemia da COVID-19 é a principal prioridade, já que está a comprometer a nossa vida social e económica e a repercutir-se na atual e futura política orçamental da UE. Concomitantemente, está a gerar uma incerteza sem precedentes que pode conduzir a uma alteração significativa da orientação e afetação do orçamento da UE. Os documentos mais recentes da Comissão propõem e recomendam que os recursos orçamentais da UE ainda disponíveis para 2014-2020 sejam afetados principalmente à atenuação das consequências da pandemia. O CESE respeitará qualquer alteração razoável que seja necessário introduzir no quadro das próximas negociações sobre o QFP no intuito de ajudar a resolver a situação provocada por esta pandemia mortal.

1.12.

O CESE apoia a proposta da Comissão relativa ao Instrumento de Recuperação da União Europeia (Next Generation EU) para reforçar o mecanismo de transição em resposta à crise, bem como a sua nova proposta para o próximo orçamento de longo prazo da UE.

1.13.

O CESE regozija-se com a possibilidade de os Estados-Membros criarem um programa específico do Fundo para uma Transição Justa. O CESE respeita e apoia o papel importante das regiões no processo de programação, governação e execução do Fundo para uma Transição Justa, de acordo com o princípio da subsidiariedade. Além disso, recomenda que se tenham em conta os diferentes níveis de preparação dos Estados-Membros e das regiões para a transição para a neutralidade carbónica, bem como o diferente potencial de cada um deles em matéria de produção de energia limpa na UE. Há ainda que ter em conta as diferenças de atitude dos cidadãos nos Estados-Membros e nas regiões quanto à necessidade de contribuir ativamente para a proteção do clima.

1.14.

O CESE muito apreciaria que se publicasse uma lista de projetos sustentáveis, com vista a partilhar boas práticas. Importa também divulgar o apoio prestado pelas autoridades de gestão, de modo a promover condições de investimento favoráveis, aumentando assim a transparência e evitando o risco de um acesso desigual à informação.

1.15.

O CESE chama a atenção para a necessidade de assegurar a complementaridade entre as intervenções financiadas pelo Fundo para uma Transição Justa e as intervenções cofinanciadas pelo InvestEU no âmbito do segundo pilar e pelo mecanismo de empréstimo do setor público no âmbito do terceiro pilar do Mecanismo para uma Transição Justa.

1.16.

O CESE adverte que é necessário encontrar um equilíbrio entre as medidas de restruturação económica e as medidas consagradas à proteção e reconversão profissional dos trabalhadores afetados pelos processos de transição.

1.17.

O sistema de educação e formação é crucial para apoiar os processos de transição. O CESE recomenda que se canalizem mais recursos para a política de coesão, a fim de reforçar e revitalizar o sistema de ensino secundário e universitário graças a diretrizes científicas e tecnológicas específicas orientadas para as necessidades atuais.

1.18.

O CESE espera que uma parte significativa dos recursos do Fundo para uma Transição Justa seja consagrada aos investimentos necessários para a transição dos trabalhadores de uma atividade profissional para outra. Deve, no entanto, assegurar-se um equilíbrio entre o investimento na reconversão dos trabalhadores em transição para novas formas de emprego mais ecológico e a preparação dos trabalhadores das comunidades afetadas que acabam de entrar no mercado de trabalho com as competências necessárias para as novas formas de trabalho. Cabe conferir especial atenção ao apoio ao emprego das pessoas com menor acesso ao mercado de trabalho, como os jovens e as pessoas com deficiência.

2.   Introdução

2.1.

A Comissão Europeia apresentou a sua visão estratégica a longo prazo para uma economia próspera, moderna, competitiva e com impacto neutro no clima até 2050. Tal como estabelecido na Comunicação — Pacto Ecológico Europeu, a Comissão propõe um Mecanismo para uma Transição Justa que complementa as propostas legislativas e orçamentais já apresentadas para o período 2021-2027. Entre 2021 e 2027, será disponibilizado um pacote de 100 mil milhões de euros para todas as ações do mecanismo, a fim de apoiar e facilitar a reconversão de atividades que geram emissões nocivas, a redução do consumo de hulha, a promoção da eficiência energética e a transição para tecnologias mais limpas em todos os setores da produção. O fundo será dotado de um orçamento inicial de 7,5 mil milhões de euros, destinados a mobilizar um montante total previsto de 100 mil milhões de euros através do cofinanciamento nacional, do instrumento financeiro InvestEU e do Banco Europeu de Investimento.

2.2.

O Mecanismo para uma Transição Justa assenta em três pilares:

O Fundo para uma Transição Justa, executado no âmbito da política de coesão. Este fundo é criado através de um regulamento específico, que estabelece o seu objetivo específico, a sua abrangência geográfica, a metodologia a seguir para afetar os recursos financeiros e o conteúdo dos planos territoriais de transição justa necessários para apoiar a programação. Este fundo assegurará, em primeiro lugar, a concessão de subvenções às regiões para apoiar os trabalhadores — ajudando-os, por exemplo, a adquirir aptidões e competências que possam ser utilizadas no mercado de trabalho do futuro —, as PME, as empresas em fase de arranque e as incubadoras que procuram criar novas oportunidades de negócio nas regiões em questão. Apoiará igualmente os investimentos na transição para as energias limpas, inclusivamente em eficiência energética.

Um regime específico no âmbito do InvestEU abrangendo projetos no domínio das infraestruturas de energia e transportes, incluindo as infraestruturas de gás e o aquecimento urbano, bem como os projetos de descarbonização.

Um mecanismo de empréstimo destinado ao setor público, executado pelo BEI, a fim de disponibilizar recursos financeiros aos órgãos de poder local e regional em causa. O financiamento previsto no orçamento da UE poderá ser complementado por uma bonificação de juros ou uma subvenção ao investimento associada a empréstimos concedidos pelo BEI.

2.3.

Serão desbloqueados recursos públicos e privados adicionais e estão previstas regras setoriais em matéria de auxílios estatais para facilitar a utilização de fundos nacionais para projetos que correspondam aos objetivos de uma transição justa.

2.4.

O apoio consultivo e a assistência técnica às regiões serão parte integrante do Mecanismo para uma Transição Justa.

2.5.

O Fundo para uma Transição Justa será sujeito a um regime de gestão partilhada e estará à disposição de todos os Estados-Membros. As dotações terão em conta os desafios que resultam da transição das regiões com emissões de carbono mais elevadas e os desafios societais ligados às potenciais perdas de postos de trabalho.

2.6.

Os Estados-Membros complementarão a dotação que lhes for consignada pelo Fundo para uma Transição Justa com os recursos que lhe são atribuídos pelo FEDER e o FSE+. Estas transferências devem equivaler, no mínimo, a uma vez e meia e, no máximo, a três vezes a dotação do Fundo para uma Transição Justa. No entanto, cada Estado-Membro não deve utilizar mais de 20 % das suas dotações iniciais do FEDER e do FSE e deverá justificar esses recursos adicionais. Os Estados-Membros devem também intervir com recursos próprios.

2.7.

O processo de programação, incluindo a identificação dos territórios, será acordado entre a Comissão e cada Estado-Membro e orientado pelo processo do Semestre Europeu. Os Estados-Membros são convidados a apresentar os seus planos territoriais, definindo o processo de transição até 2030. Neste contexto, definirão, para cada território, os desafios económicos, sociais e ambientais e as necessidades de reconversão profissional e reabilitação ambiental. O fundo tenderá a concentrar o apoio nos territórios correspondentes às regiões do nível NUTS 3.

2.8.

A aprovação dos planos territoriais permitirá beneficiar do apoio do Fundo para uma Transição Justa e acionará os mecanismos para recorrer ao InvestEU e ao BEI. Os programas que recebem este apoio serão objeto de uma revisão intercalar nos moldes previstos para todos os programas da política de coesão.

2.9.

O Fundo para uma Transição Justa será parte integrante dos fundos no âmbito da política de coesão. Impõe-se, por conseguinte, alterar a proposta de regulamento que estabelece disposições comuns sobre o Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional, o Fundo Social Europeu Mais, o Fundo de Coesão e o Fundo Europeu dos Assuntos Marítimos e das Pescas, e regras financeiras para estes Fundos e o Fundo para o Asilo e a Migração, o Fundo para a Segurança Interna e o Instrumento de Gestão das Fronteiras e dos Vistos, a fim de incluir o Fundo para uma Transição Justa enquanto novo fundo no âmbito da política de coesão.

3.   Observações na generalidade

3.1.

O CESE apoia a estratégia da UE para a redução a longo prazo das emissões de gases com efeito de estufa e o seu objetivo de converter a União Europeia numa economia com impacto neutro no clima até 2050. O CESE congratula-se com o facto de os objetivos ecológicos serem uma das principais prioridades da futura política de coesão, aos quais será afetado, pelo menos, 30 % do Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional e 37 % do Fundo de Coesão. No entanto, o CESE manifesta preocupado com o facto de o investimento previsto para uma transição justa não estar à altura do ambicioso Pacto Ecológico da Comissão Europeia. O financiamento proposto para uma década corresponde, na realidade, ao financiamento anual necessário para alcançar a neutralidade climática em condições equitativas até 2050. O CESE reputa necessário rever em alta as previsões de despesa do QFP. Se se pretende verdadeiramente atingir os objetivos ambiciosos estabelecidos no Pacto Ecológico, será necessário reforçar o orçamento da UE, dotando-o de novos recursos próprios ou aumentando a contribuição dos Estados-Membros.

3.2.

O CESE regozija-se com os esforços envidados para adaptar o Quadro Financeiro Plurianual 2021-2027 às necessidades e desafios climáticos através do Fundo para uma Transição Justa e, num contexto mais vasto, através de todo o Plano de Investimento para uma Europa Sustentável, do qual o Fundo para uma Transição Justa constitui a parte mais significativa. Embora o Fundo para uma Transição Justa seja o primeiro passo tangível para lidar com a questão do ponto de vista financeiro e do investimento, o CESE observa e salienta a necessidade de concretizar os outros compromissos previstos no Pacto Ecológico Europeu. Caso contrário, a eficácia do Fundo para uma Transição Justa será limitada.

3.3.

Como já sublinhado em pareceres anteriores (1), o CESE concorda que importa assegurar financiamento específico no contexto da política de coesão através do Mecanismo para uma Transição Justa. No entanto, o financiamento deve provir de dotações específicas adequadas, a fim de evitar a diminuição subsequente dos fundos disponíveis da política de coesão.

3.4.

Além disso, no caso do FSE+, uma transferência obrigatória poderá dar azo a conflitos de interesses indesejáveis. Por exemplo, podem surgir questões como o apoio a pessoas em risco de pobreza ou a operários, que correm o risco de perder os seus empregos. Estes conflitos de interesses poderão ter um impacto negativo na aceitação da política climática no seu conjunto. Em qualquer caso, a ampliação do âmbito de aplicação do FSE+ terá de ser acompanhada por um aumento dos recursos financeiros.

3.5.

Dado que o desenvolvimento sustentável e a ação climática têm um impacto positivo na despesa pública e eliminam uma série de externalidades negativas (no domínio da saúde, da reabilitação, da reconstrução, etc.), os investimentos públicos dedicados à proteção do ambiente e às alterações climáticas devem ser excluídos dos condicionalismos do Pacto de Estabilidade. Esta alteração é agora mais importante do que nunca tendo em conta a crise sem precedentes que enfrentamos. A COVID-19 pode ter um grande impacto nos cidadãos da UE, na sua saúde e na economia em geral.

3.6.

O CESE está convicto de que há muitos interesses e metas comuns entre o conjunto de soluções para a crise pandémica e os desafios do Pacto Ecológico. No entanto, afigura-se adequado redefinir a concretização de alguns objetivos do Pacto Ecológico, especialmente no que se refere ao seu calendário. Recomenda-se vivamente algum tipo de flexibilidade (comparável à prevista para as regras orçamentais e em matéria de auxílios estatais).

3.7.

Não é concebível que haja grandes investimentos na luta contra as alterações climáticas e na transição ecológica se se mantiverem os condicionalismos ligados ao défice. Naturalmente, tal não implica renunciar ao requisito habitual de estabilização das finanças públicas, mas não deixa de significar que terá de se escolher entre duas alternativas: ou se quer efetivamente inverter o processo de aquecimento global, o que implica disponibilizar somas avultadas para investimento, ou se pretende efetuar apenas alguns ajustamentos para ter a consciência limpa — e as contas públicas equilibradas.

3.8.

O CESE considera que, para tornar a transição economicamente mais vigorosa e politicamente mais credível, é necessário tomar medidas o mais rapidamente possível, a fim de pôr termo ao sistema de subvenções diretas e indiretas ao setor dos combustíveis fósseis, cujos enormes custos ambientais, sociais e económicos podem obliterar os progressos alcançados no domínio da ação climática.

3.9.

Ao eliminar progressivamente as subvenções às energias fósseis, ao estimular um setor emergente, como as energias renováveis, e ao criar condições de concorrência equitativas, as energias renováveis beneficiam os consumidores em termos de acessibilidade dos preços, de prosperidade económica e de sustentabilidade climática.

3.10.

O Fundo para uma Transição Justa representa uma simbiose equilibrada entre subvenções e instrumentos financeiros, entre uma abordagem coordenada e uma abordagem gerida de forma centralizada. É necessário um novo pacto entre os setores público e privado, que associe todos os intervenientes nos domínios económico, social e ambiental e defina o financiamento e as responsabilidades partilhadas. Aplicá-lo de forma eficiente exigirá, no entanto, novas competências de gestão e de governação. O CESE congratula-se com o facto de a Comissão Europeia tencionar apoiar os poderes públicos e os promotores de projetos sustentáveis em todas as fases, do planeamento à execução.

3.11.

Para que esta abordagem seja corada de êxito, é essencial incentivar a entrada de capital privado no sistema. Será necessário estabelecer uma nova parceria entre os setores público e privado, com base no princípio de resultados mutuamente vantajosos.

3.12.

O CESE apoia a abordagem abrangente que tem em conta as dimensões económica, social, industrial e tecnológica da transição para uma economia neutra e que prevê a participação dos intervenientes locais, dos parceiros sociais e das ONG. O desenvolvimento sustentável deve ser abordado de forma coerente em todos os domínios de ação e tender para um modelo de convergência entre os Estados-Membros. O CESE recomenda que se garanta a participação de todas as partes interessadas a todos os níveis e que as repercussões da mudança de paradigma económico no emprego sejam abordadas e geridas através de um diálogo social que associe os níveis nacional e europeu.

3.13.

O CESE considera que o processo de transformação rumo a uma economia descarbonizada também depende do investimento na sustentabilidade e acessibilidade dos sistemas de transportes públicos e das áreas construídas. Em conjunto com o FEDER, o Fundo para uma Transição Justa deve ser utilizado para promover a neutralidade carbónica através de um investimento que seja capaz de assegurar que os transportes públicos e as áreas construídas podem ser utilizados por todos os cidadãos e são acessíveis às pessoas com deficiência e aos idosos.

3.14.

O CESE considera que uma transição justa do ponto de vista social é essencial para conquistar o apoio e a confiança dos trabalhadores, das empresas e da sociedade civil, bem como para facilitar as grandes mudanças económicas necessárias para salvar o mundo das alterações climáticas. O fim da era dos combustíveis fósseis na Europa tem de ser acompanhado dos investimentos necessários para assegurar a proteção dos trabalhadores, a criação de novos postos de trabalho e o apoio ao desenvolvimento local. Os processos de transição devem ser negociados com os parceiros sociais e as organizações da sociedade civil e associados a políticas de transparência e de comunicação eficaz.

3.15.

O CESE adverte que é necessário encontrar um equilíbrio entre as medidas de restruturação económica e as medidas consagradas à proteção e reconversão profissional dos trabalhadores afetados pelos processos de transição. Deve também assegurar-se um equilíbrio entre o investimento na reconversão dos trabalhadores em transição para novas formas de emprego mais ecológico e a preparação dos trabalhadores das comunidades afetadas que acabam de entrar no mercado de trabalho com as competências necessárias para as novas formas de trabalho. Cabe conferir especial atenção ao apoio ao emprego das pessoas com menor acesso ao mercado de trabalho, como os jovens e as pessoas com deficiência.

3.16.

O CESE congratula-se com o facto de o Fundo para uma Transição Justa se destinar a dar resposta às consequências do declínio da indústria do carvão e à necessidade de apoiar os setores da indústria pesada a fim de que possam prosseguir a sua atividade de forma sustentável, bem como à necessidade de lidar com o respetivo impacto social, mas observa que este não se deve limitar a financiar os processos de descarbonização. O CESE espera que uma parte dos recursos do Fundo para uma Transição Justa seja consagrada a investimentos de que os trabalhadores e as comunidades afetadas pela cadeia de valor dos processos de descarbonização necessitam para acompanhar a transição de uma atividade profissional para outra.

3.17.

O sistema de educação e formação é crucial para apoiar os processos de transição. O CESE recomenda que se canalizem mais recursos para o reforço e a revitalização do sistema de ensino secundário e universitário graças a diretrizes científicas e tecnológicas específicas orientadas para as necessidades atuais, recorrendo a todos os recursos disponíveis no âmbito da política de coesão.

3.18.

O CESE apoia a decisão de promover e apoiar patentes e empresas em fase de arranque inovadoras e sustentáveis. O apoio às empresas que se dedicam a atividades responsáveis e sustentáveis e ao desenvolvimento de soluções ecológicas em prol do bem-estar da comunidade deve ser recompensado.

3.19.

A programação dos recursos do Fundo para uma Transição Justa estará estreitamente ligada ao quadro do Semestre Europeu, tal como previsto nos regulamentos relativos aos fundos no âmbito da política de coesão 2021-2027. O CESE está confiante de que o quadro de governação económica da UE será utilizado para monitorizar a aplicação do Fundo para uma Transição Justa nos Estados-Membros através de um diálogo estruturado anual entre estes e a Comissão Europeia, à qual acresce a monitorização já prevista pelas regras da política de coesão. Para o efeito, o CESE espera que esse diálogo entre a Comissão Europeia e os Estados-Membros conte com a participação ativa e substancial dos parceiros sociais e das ONG.

3.20.

O CESE regozija-se com o facto de a programação do Fundo para uma Transição Justa assentar em um ou mais planos territoriais de transição justa, que definirão os contornos do processo de transição até 2030, em consonância com os planos nacionais em matéria de energia e clima e com a transição para uma economia com impacto neutro no clima. O CESE concorda com a possibilidade de os Estados-Membros criarem um programa específico do Fundo para uma Transição Justa.

3.21.

O CESE recomenda que os planos territoriais e os eventuais programas específicos do Fundo para uma Transição Justa contem com a participação plena e substancial dos parceiros sociais e das ONG.

3.22.

Apraz ao CESE saber que os planos territoriais e os eventuais programas específicos serão monitorizados por comités de acompanhamento ao abrigo de regras idênticas às estabelecidas no Regulamento Disposições Comum dos Fundos Europeus Estruturais e de Investimento.

4.   Observações na especialidade

4.1.

O CESE está convicto de que seria apropriado definir com maior precisão o quadro financeiro não só do Fundo para uma Transição Justa, mas também de todo o Mecanismo para uma Transição Justa e do Plano de Investimento para uma Europa Sustentável. O CESE assinala ainda que não está garantida a mobilização de recursos para além dos 30 mil milhões de euros previstos (ou seja, as transferências uma vez e meia superiores à dotação do Fundo para uma Transição Justa não são obrigatórias). Há também muitas questões pendentes relativas ao regime especial no âmbito do Programa InvestEU e ao mecanismo de concessão de empréstimos ao setor público do BEI.

4.2.

O CESE receia que a opção por afetar cerca de um bilião de euros em dez anos à transição ecológica, nomeadamente mobilizando investimento público e privado com recurso ao InvestEU, possa privar de recursos outros setores que beneficiam deste fundo. O CESE chama a atenção para a necessidade de assegurar a complementaridade entre as intervenções financiadas pelo Fundo para uma Transição Justa e as intervenções financiadas pelo InvestEU no âmbito do segundo pilar e pelo mecanismo de empréstimo do setor público no âmbito do terceiro pilar do Mecanismo para uma Transição Justa.

4.3.

Os objetivos do Pacto Ecológico serão igualmente apoiados com recursos da política agrícola comum, que afetará 40 % da sua dotação total ao apoio de objetivos no domínio do clima. A este respeito, será importante que os governos nacionais e as instituições da UE mantenham o empenho que demonstraram no passado em investir na coesão.

4.4.

O CESE acolhe com satisfação os procedimentos tendo em vista uma interpretação mais flexível das regras em matéria de auxílios estatais e uma simplificação contínua propostos pela Comissão como parte do quadro estratégico mais lato definido na Comunicação — Plano de Investimento para a Europa Sustentável. São necessárias regras diferentes para permitir investimentos que conduzam a um novo crescimento.

4.5.

O CESE compreende a lógica que preside ao conjunto de critérios de elegibilidade devidamente quantificados para o financiamento ao abrigo do Fundo para uma Transição Justa e concorda com eles.

4.6.

Auxílios estatais ecológicos:

aplicar condições ecológicas aos auxílios estatais concedidos às empresas em setores com uma pegada carbónica e/ou material elevada;

aplicar condições ecológicas semelhantes a empréstimos bancários novos e prorrogados (com ou sem garantias públicas) a estes setores;

negar a concessão de auxílios estatais a empresas e setores que não podem ou não querem adotar tecnologias hipocarbónicas e circulares, e requalificar os seus trabalhadores para novos empregos;

acelerar os procedimentos de planeamento dos projetos e infraestruturas de energias renováveis, de transportes públicos e de construção circular. As empresas lutam pela sobrevivência e precisam de receber rapidamente auxílios estatais.

Para reduzir os encargos administrativos iniciais, os governos podem optar por efetuar uma verificação ambiental sumária aquando da concessão do auxílio estatal e, a posteriori, uma verificação similar, porém mais rigorosa. Se uma empresa não cumprir as condições ecológicas acordadas, o auxílio estatal teria de ser total ou parcialmente reembolsado, dependendo da gravidade da infração. Para reduzir ao mínimo a burocracia, propõe-se também visar setores fundamentais que utilizam carbono e materiais de forma intensiva (2).

4.7.

O CESE congratula-se igualmente com o facto de serem enumerados os setores aos quais podem ser atribuídos recursos do Fundo para uma Transição Justa e aqueles que não são passíveis de ser financiados por ele. O método de afetação ajuda a assegurar que os fundos estão suficientemente concentrados nos Estados-Membros que enfrentam os desafios mais exigentes, oferecendo simultaneamente um apoio significativo a todos os Estados-Membros. Em particular, os Estados-Membros cujo RNB per capita for inferior a 90 % da média da UE receberão cerca de dois terços dos fundos do Fundo para uma Transição Justa.

4.8.

Dadas as circunstâncias, o CESE recomenda abrir o acesso a outros intervenientes para além das PME, uma vez que as principais empresas mineiras e da indústria pesada afetadas pela ação climática são, geralmente, empresas de grande dimensão. Além disso, estas empresas costumam proporcionar uma grande quantidade de empregos dignos e são cruciais para o bem-estar económico das regiões. A prevenção do desemprego deve passar a ser um objetivo fundamental dos planos territoriais. Tal deve passar não só por ajudar os atuais trabalhadores na transição para novas formas de emprego, mas também por apoiar os jovens e as pessoas excluídas do mercado de trabalho aberto, como as pessoas com deficiência, na procura de emprego nestes setores em crescimento.

4.9.

O CESE congratula-se com a nova possibilidade de os órgãos de poder local e regional assumirem diretamente a responsabilidade pela gestão de projetos e aplicarem uma abordagem de base local, uma vez que as unidades de base para os planos territoriais de transição justa são as regiões do nível NUTS 3.

4.10.

Os parceiros sociais e as ONG ativas neste domínio devem ser associados à elaboração e execução de políticas e estratégias para uma redução ambiciosa das emissões, a fim de assegurar uma transição justa que garanta empregos dignos e logre um equilíbrio entre sistemas de energia limpa e qualidade duradoura dos postos de trabalho. Os sindicatos devem estar presentes em todas as fases do processo de transição justa, a fim de proteger os interesses dos trabalhadores a diferentes níveis.

4.11.

A fim de alcançar os resultados pretendidos, a abordagem da Comissão relativamente à elegibilidade dos territórios é bastante restritiva, porquanto o financiamento só pode ser atribuído a países que aplicam e dispõem de um plano territorial de transição justa. Por conseguinte, o CESE insta todos os Estados-Membros a elaborarem os seus planos o mais rapidamente possível, para que, em toda a Europa, seja possível apoiar muitos trabalhadores das regiões identificadas nos planos.

4.12.

O CESE congratula-se com a adaptação do Regulamento Disposições Comuns a fim de criar uma base jurídica clara e transparente para a futura política de coesão da UE e a sua orientação para as questões climáticas.

4.13.

Tendo em conta o elevado grau de incerteza quanto ao impacto da transição no emprego e à sua possível distribuição geográfica, o CESE observa que teria sido preferível não haver qualquer atribuição geográfica ex ante das dotações do Fundo para uma Transição Justa. Outra preocupação é a governação do fundo. A designação das zonas elegíveis e a repartição das dotações entre estas competem exclusivamente aos governos nacionais. Dada a escassez de dotações regionais, há o risco de que tal conduza a desequilíbrios na distribuição do financiamento a nível infranacional e de que as regiões menos vulneráveis ao impacto negativo dos objetivos em matéria de alterações climáticas não recebam recursos.

4.14.

O CESE observa que a intenção de recorrer ao InvestEU e ao BEI para mobilizar, respetivamente, 45 mil milhões de euros e entre 25 e 30 mil milhões de euros terá de ser acompanhada de perto, para evitar a repetição dos problemas apontados aos investimentos do FEIE (3). É necessário assegurar que estes investimentos estão plenamente alinhados com o Acordo de Paris e que os objetivos da UE tornam a Europa o primeiro continente com impacto neutro no clima.

4.15.

O CESE apoia a proposta da Comissão relativa ao Instrumento de Recuperação da União Europeia (Next Generation EU) para reforçar o mecanismo de transição em resposta à crise, bem como a sua nova proposta para o próximo orçamento de longo prazo da UE. O CESE espera que o orçamento total do Fundo para uma Transição Justa seja aumentado para 40 mil milhões de euros e que o regime de transição adequado no âmbito do InvestEU seja reforçado. O CESE aprova igualmente a proposta da Comissão relativa a um empréstimo ao setor público, que mobilizará entre 25 e 30 mil milhões de euros. Deste modo, o mecanismo de transição adequado poderá mobilizar pelo menos 150 mil milhões de euros de investimento público e privado.

4.16.

Manter um orçamento ambicioso para a política de coesão pós-2020 deve continuar a ser a principal prioridade da luta contra as alterações climáticas a nível territorial. Por outras palavras, a criação de um novo fundo não deve servir de pretexto para justificar cortes adicionais na dotação da política de coesão no contexto das negociações sobre o QFP.

4.17.

O CESE tem algumas reservas quanto ao processo de programação, atendendo a que ainda é necessário adotar o texto jurídico e alterar o RDC. A Comissão prevê que os planos territoriais sejam aprovados no segundo semestre de 2020 e que os programas relativos ao Fundo para uma Transição Justa sejam adotados no decurso de 2021, o que poderá conduzir a atrasos na execução de alguns programas da política de coesão.

Bruxelas, 10 de junho de 2020.

O Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Luca JAHIER


(1)  Ver parecer do CESE sobre o Regulamento Disposições Comuns 2021-2027 (JO C 62 de 15.2.2019, p. 83).

(2)  Os setores a seguir indicados apresentam uma pegada carbónica e material relativamente elevada: (1) transportes: os transportes rodoviários, aéreos e marítimos e fluviais utilizam predominantemente combustíveis fósseis; (2) indústria transformadora: muitos fabricantes ainda recorrem a tecnologias com utilização intensiva de energia e materiais; (3) construção: muitos construtores ainda recorrem a materiais não recicláveis e com utilização intensiva de energia, como o cimento; (4) energia: a transição dos combustíveis fósseis para as energias renováveis é muito gradual.

(3)  Relatório Especial n.o 03/2019 do Tribunal de Contas. Alguns apoios do FEIE apenas substituíram outros financiamentos do BEI e da UE e certos financiamentos foram concedidos a projetos que poderiam ter utilizado outras fontes de financiamento público ou privado. Em última análise, as previsões de investimentos adicionais mobilizados pelo FEIE foram, por vezes, sobrestimadas e a maior parte dos investimentos foram canalizados para alguns dos maiores Estados-Membros da UE-15, que possuem bancos nacionais consolidados.