21.1.2021   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 23/126


P8_TA(2019)0219

Situação na Nicarágua

Resolução do Parlamento Europeu, de 14 de março de 2019, sobre a situação na Nicarágua (2019/2615(RSP))

(2021/C 23/21)

O Parlamento Europeu,

Tendo em conta as suas anteriores resoluções sobre a Nicarágua e, nomeadamente, as de 18 de dezembro de 2008 (1), 26 de novembro de 2009 (2), 16 de fevereiro de 2017 (3) e 31 de maio de 2018 (4),

Tendo em conta o Acordo de Associação entre a UE e a América Central, de 2012,

Tendo em conta o documento de estratégia por país da UE e o programa indicativo plurianual 2014-2020 para a Nicarágua,

Tendo em conta o Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos, de 1966,

Tendo em conta a Declaração Universal dos Direitos do Homem, de 1948,

Tendo em conta as Orientações da UE relativas aos Defensores dos Direitos Humanos, de junho de 2004,

Tendo em conta a Constituição da Nicarágua,

Tendo em conta as conclusões do Conselho dos Negócios Estrangeiros sobre a Nicarágua, de 21 de janeiro de 2019,

Tendo em conta as declarações da Alta Representante, em nome da UE, sobre a situação na Nicarágua, de 2 de outubro de 2018, 15 de maio de 2018, 22 de abril de 2018 e 15 de dezembro de 2018, e de 1 de março de 2019 sobre o reatamento do diálogo nacional,

Tendo em conta as conclusões do Conselho, adotadas em 18 de fevereiro de 2019, sobre as prioridades da UE nas instâncias das Nações Unidas consagradas aos direitos humanos em 2019,

Tendo em conta o relatório aprovado pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos em 21 de junho de 2018, intitulado «Gross Human Rights Violations in the Context of Social Protests in Nicaragua» (Graves violações dos direitos humanos no contexto dos protestos sociais na Nicarágua),

Tendo em conta o relatório do Alto-Comissário das Nações Unidas para os Direitos Humanos sobre violações e abusos dos direitos humanos no contexto das manifestações realizadas na Nicarágua entre 18 de abril e 18 de agosto de 2018,

Tendo em conta o relatório do Grupo Interdisciplinar de Peritos Independentes (GIPI), de 20 de dezembro de 2018, sobre os violentos acontecimentos ocorridos na Nicarágua entre 18 de abril e 30 de maio de 2018,

Tendo em conta a declaração da Alta-Comissária das Nações Unidas para os Direitos Humanos, Michelle Bachelet, de 22 de fevereiro de 2019, sobre a criminalização da dissidência na Nicarágua,

Tendo em conta o artigo 123.o, n.os 2 e 4, do seu Regimento,

A.

Considerando que, em 31 de maio de 2018, o Parlamento Europeu aprovou uma resolução sobre a crise na Nicarágua, na qual condena veementemente a situação; que, na sequência desta resolução, uma delegação de 11 deputados ao Parlamento Europeu visitou o país de 23 a 26 de janeiro de 2019 para avaliar a situação no terreno;

B.

Considerando que a delegação pôde seguir o seu programa e que o governo da Nicarágua concedeu acesso a todas as instalações solicitadas pelos deputados ao Parlamento Europeu, incluindo dois estabelecimentos prisionais; que o governo da Nicarágua deu garantias de que as pessoas que denunciaram a situação atual não seriam vítimas de qualquer retaliação; que a delegação foi testemunha da campanha de assédio, difamação e intimidação dirigida contra os defensores dos direitos humanos e as organizações da sociedade civil com os quais teve uma troca de pontos de vista; que muitas organizações rejeitaram o convite para se reunirem com a delegação, devido à intimidação e às ameaças por parte do governo; que a repressão se intensificou desde que a delegação visitou o país;

C.

Considerando que a delegação rejeitou publicamente a posição oficial do governo de Nicarágua de que havia sido vítima de um golpe de Estado liderado pelos EUA e de campanhas de desinformação; que a principal razão para alimentar as manifestações foi a profunda crise democrática, institucional e política que afetou o Estado de direito e restringiu as liberdades fundamentais, nomeadamente a liberdade de associação, de manifestação e de reunião no país, na última década;

D.

Considerando que a liberdade de expressão, de reunião e de manifestação, incluindo a utilização do hino nacional, está a ser seriamente limitada para muitas pessoas; que um número significativo de presos políticos se encontra detido apenas por ter exercido os seus direitos; que existem vários relatos preocupantes sobre o agravamento da situação dos detidos, nomeadamente tratamentos desumanos;

E.

Considerando que os processos judiciais contra esses detidos violam as normas internacionais, nomeadamente as garantias processuais e penais do direito a um processo equitativo; que as condições de detenção também não cumprem de forma adequada as normas internacionais; que, na Nicarágua, não existe uma clara separação de poderes;

F.

Considerando que o direito à informação está seriamente ameaçado; que os jornalistas estão a ser detidos, exilados e ameaçados; que os meios de comunicação audiovisuais estão a ser encerrados ou objeto de busca sem autorização judicial prévia; que a publicação de jornais se encontra ameaçada pela falta de papel e de tinta, apreendidos pelo governo da Nicarágua;

G.

Considerando que o governo da Nicarágua expulsou do país organizações internacionais, como o GIPI e o Mecanismo Especial de Acompanhamento para a Nicarágua (MESENI), que procuravam uma resolução pacífica para o conflito e a reconciliação nacional; que a repressão das organizações da sociedade civil se intensificou com a retirada do respetivo estatuto jurídico num país dotado de um quadro institucional insuficiente, que pune duplamente as vítimas de repressão;

H.

Considerando que a liberdade académica está igualmente ameaçada; que quase 200 estudantes universitários foram expulsos das universidades por terem participado em manifestações a favor da democracia, de uma maior liberdade e dos direitos humanos;

I.

considerando que o desenvolvimento e a consolidação da democracia e do Estado de direito, bem como do respeito pelos direitos humanos e pelas liberdades fundamentais, devem ser parte integrante das políticas externas da UE, designadamente o Acordo de Associação entre a UE e os países da América Central, de 2012; que este acordo contém uma cláusula democrática, que constitui um elemento essencial do mesmo;

J.

Considerando que o diálogo nacional lançado em 16 de maio de 2018 entre o Presidente, Daniel Ortega, a oposição nicaraguense e grupos de cidadãos, e mediado pela Igreja Católica, não conseguiu encontrar uma solução para a crise; que, em 27 de fevereiro de 2019, foram retomadas as conversações exploratórias para um diálogo nacional entre o governo da Nicarágua e a Alianza Cívica; que a Alianza Cívica estabeleceu os seguintes três objetivos principais a alcançar durante as negociações: a libertação dos presos políticos e o respeito pelas liberdades individuais, as reformas eleitorais necessárias, que devem culminar na realização de eleições, e a justiça; que o governo da Nicarágua libertou 100 presos políticos, aceitando que as suas penas de prisão fossem comutadas para prisão domiciliária; que a maioria é vítima de assédio, enquanto prosseguem as detenções; que um elevado número de prisioneiros (mais de 600) permanece detido; que um processo de diálogo nacional foi interrompido em 10 de março de 2019, depois de a Alianza Cívica se ter retirado das negociações;

1.

Sublinha que se assiste, na Nicarágua, a uma grave violação da democracia, do respeito pelos direitos humanos e do Estado de direito, em consequência dos acontecimentos ocorridos em abril e maio de 2018; reitera a importância da sua resolução de 31 de maio de 2018;

2.

Condena todas as ações repressivas do governo da Nicarágua; indica que a visita realizada pela sua delegação serviu como forma de obter uma imagem fidedigna da situação atual; indica, além disso, que, nos últimos meses, e em particular após a sua visita, se registou, sem dúvida, um aumento da repressão da oposição e das limitações impostas às liberdades fundamentais; condena, neste contexto, a repressão generalizada e a restrição da liberdade de expressão, de reunião e de manifestação, a proibição de organizações não governamentais e da sociedade civil, a expulsão de organizações internacionais do país, o encerramento dos meios de comunicação social e as agressões contra os profissionais desses meios, as limitações do direito à informação, a expulsão de estudantes das universidades, bem como o agravamento da situação nos estabelecimentos prisionais e o recurso a tratamentos desumanos;

3.

Entende que tais ações levadas a cabo pelo governo, pelas suas instituições e pelas suas organizações parapolíticas obedecem a uma estratégia planeada de destruição da oposição política que provocou os protestos do último ano; considera que esta estratégia é aplicada de forma metódica, sistemática e seletiva contra todos os líderes, ONG, meios de comunicação social e movimentos sociais que procuram expressar as suas legítimas exigências de liberdade e democracia;

4.

Manifesta a sua preocupação com os enormes riscos democráticos, políticos e económicos que o povo e o país enfrentam, e que aumentarão se não forem tomadas medidas urgentes, tendo em conta os atuais confrontos internos, a rutura social e o declínio económico; apela urgentemente a um diálogo interno significativo com vista a alcançar uma solução sustentável e pacífica que permita que todos os atores da sociedade disponham de espaço para atuar e expressar-se livremente, bem como a restabelecer os seus direitos civis, como o direito à manifestação pacífica; reafirma que qualquer solução deve responsabilizar todos aqueles que tenham cometido as violações referidas; solicita a todos os partidos políticos, movimentos sociais, dirigentes, estudantes e organizações da sociedade civil que mantenham e reiterem o seu compromisso inabalável relativamente à utilização de meios pacíficos para resolver a crise; reitera o seu pleno apoio à reforma do sistema judicial e da lei eleitoral e solicita que a VP/AR aja em conformidade; solicita à VP/AR e à Delegação da UE que acompanhem de perto as negociações que estão a decorrer no país entre o governo e a Alianza Cívica, e que continuem a dar resposta aos problemas humanos decorrentes da situação criada no país em relação aos prisioneiros, estudantes, manifestantes, jornalistas, etc.;

5.

Lamenta a suspensão do MESENI e a cessação do mandato do GIPI da Comissão Interamericana de Direitos Humanos; condena com veemência a perseguição, a detenção e a intimidação das pessoas que cooperam com as Nações Unidas e outros organismos internacionais;

6.

Insta o governo da Nicarágua a pôr em prática três medidas urgentes como sinal da sua boa vontade no diálogo em curso: a libertação imediata e incondicional dos presos políticos, a cessação imediata de todas as formas de repressão contra os cidadãos nicaraguenses, incluindo o assédio, a intimidação, a espionagem e a perseguição de dirigentes da oposição, e a subsequente eliminação de todas as restrições às liberdades anteriormente mencionadas, bem como a restituição da personalidade jurídica e dos bens das organizações de defesa dos direitos humanos e o regresso das organizações internacionais ao país;

7.

Salienta que, nestas condições, o processo deve conduzir à anulação dos procedimentos legais contra os presos políticos e às garantias da sua integridade física e moral, da sua privacidade e de um processo equitativo, ao regresso dos exilados, incluindo jornalistas e estudantes, à desmilitarização das ruas e ao desarmamento dos grupos paramilitares, e ao estabelecimento de um roteiro claro para a realização de eleições livres, justas e transparentes num futuro próximo, com a presença de observadores internacionais;

8.

Solicita a extradição imediata para a Itália de Alessio Casimirri, que atualmente vive em Manágua, protegido pelo governo da Nicarágua, condenado em Itália por sentença transitada em julgado a seis penas de prisão perpétua pelo sequestro de Aldo Moro, antigo presidente da Democracia Cristã, Presidente do Conselho de Ministros e do Conselho Europeu, e pelo assassinato de agentes da escolta, perpetrado em Roma, em 16 de março de 1978;

9.

Solicita que o Serviço Europeu para a Ação Externa e os Estados-Membros apliquem, sem prejudicar a população nacional, um processo faseado de sanções específicas e individuais, como a proibição de vistos e o congelamento de bens, contra o governo da Nicarágua e os responsáveis pelas violações dos direitos humanos, em conformidade com as conclusões do Conselho de 21 de janeiro de 2019, até que se observe e se restabeleça plenamente no país o respeito absoluto pelos direitos humanos e pelas liberdades fundamentais, tal como solicitado no diálogo; exorta, por conseguinte, nestas circunstâncias, a que se acione a cláusula democrática do Acordo de Associação entre a UE e a América Central, de que a Nicarágua é signatária, suspendendo a participação da Nicarágua no acordo;

10.

Encarrega o seu Presidente de transmitir a presente resolução ao Conselho, à Comissão, aos governos e parlamentos dos Estados-Membros, ao Secretário-Geral da Organização dos Estados Americanos, à Assembleia Parlamentar Euro-Latino-Americana, ao Parlamento Centro-Americano, ao Grupo de Lima e ao Governo e ao Parlamento da República da Nicarágua.

(1)  JO C 45 E de 23.2.2010, p. 89.

(2)  JO C 285 E de 21.10.2010, p. 74

(3)  JO C 252 de 18.7.2018, p. 189.

(4)  Textos Aprovados, P8_TA(2018)0238.