5.6.2019   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 190/1


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre o tema «Para uma diretiva-quadro europeia sobre um rendimento mínimo»

(parecer de iniciativa)

(2019/C 190/01)

Relator: Georges DASSIS

Decisão da Plenária

15.3.2018

Base jurídica

Artigo 29.o, n.o 2, do Regimento

 

Parecer de iniciativa

Competência

Secção Especializada de Emprego, Assuntos Sociais e Cidadania

Adoção em secção

18.12.2018

Adoção em plenária

20.2.2019

Reunião plenária n.o

541

Resultado da votação

(votos a favor/votos contra/abstenções)

158/81/12

1.   Conclusões e recomendações

1.1

Desde a instituição da primeira Comunidade Europeia – a Comunidade Europeia do Carvão e do Aço (CECA), em 1952 –, duas gerações de cidadãos europeus aderiram maioritariamente ao projeto de integração europeia. A coesão económica e social foi um fator importante para a adesão dos cidadãos a este projeto.

1.2

Após a eclosão da crise económica subsequente à crise financeira de 2008 e apesar da retoma económica observada nos últimos anos, a taxa de pobreza continuou a aumentar para os desempregados de longa duração e para os trabalhadores pobres, mantendo-se a níveis preocupantes na maior parte dos Estados-Membros da UE.

1.3

Até ao presente, os documentos e os compromissos da União, como a Estratégia Europa 2020, que tinha por objetivo reduzir em 20 milhões o número de pessoas ameaçadas pela pobreza, não produziram os resultados esperados. A aplicação do princípio da subsidiariedade, com o método aberto de coordenação (MAC) como único instrumento revela-se, portanto, insuficiente para alcançar os objetivos fixados.

1.4

O estabelecimento de um quadro europeu vinculativo para um rendimento mínimo digno na Europa, que permita generalizar, apoiar e torna dignos (adequados) os sistemas de rendimento mínimo nos Estados-Membros, constituiria, portanto, uma primeira resposta europeia importante ao grave e persistente problema da pobreza na Europa. Este quadro inscrever-se-ia plenamente no âmbito do «triplo A social»para a Europa anunciado pelo presidente Jean-Claude Juncker e enviaria aos cidadãos um sinal concreto de que a União está atenta às suas necessidades.

1.5

Poderia assumir a forma de uma diretiva, definindo um quadro de referência para o estabelecimento de um rendimento mínimo adequado, adaptado ao nível e ao modo de vida de cada país e que tenha em conta elementos de redistribuição social, de fiscalidade e de nível de vida, em função de um orçamento de referência cuja metodologia seria definida a nível europeu.

1.6

A escolha dos instrumentos jurídicos subjacentes a esse quadro europeu para o estabelecimento de um rendimento mínimo digno na Europa é justificada pela necessidade de assegurar o acesso a todos aqueles que necessitam desta ajuda e de garantir a adequação da ajuda às suas necessidades reais. O rendimento mínimo digno constitui também um instrumento ao serviço da inserção/reinserção de pessoas excluídas no mercado de trabalho e de combate à pobreza no trabalho.

1.7

A questão do estabelecimento de um rendimento mínimo digno garantido pela União é eminentemente política. Apesar de o TUE, o TFUE, a Carta Comunitária dos Direitos Sociais Fundamentais dos Trabalhadores de 1989, a Carta dos Direitos Fundamentais de 2000 e o Pilar Europeu dos Direitos Sociais justificarem uma ação europeia neste domínio, têm havido discussões sobre a existência de uma base jurídica para uma legislação europeia sobre o rendimento mínimo. Os que defendem o recurso à legislação europeia veem no artigo 153.o, n.o 1, alíneas c) (1) e h) (2), do TFUE essa base jurídica. O CESE recomenda uma abordagem pragmática, que consiste num quadro europeu vinculativo para apoiar e orientar o desenvolvimento de sistemas de rendimento mínimo digno nos Estados-Membros, bem como o financiamento dos mesmos.

1.8

No seu primeiro parecer sobre esta matéria, o CESE convidou a Comissão a examinar as possibilidades de financiamento de um rendimento mínimo europeu, centrando-se, em particular, na perspetiva da criação de um fundo europeu adequado (3). Visto que a Comissão não deu seguimento a esse convite, o Comité considera oportuno reiterá-lo.

2.   Observações gerais

2.1   Introdução

2.1.1

O debate sobre a adoção de um rendimento mínimo a nível europeu inscreve-se no contexto de uma crise social que perdura, apesar da retoma económica, e que é responsável por um fenómeno de exclusão social em larga escala. De acordo com os últimos dados do Eurostat, 112,9 milhões de pessoas, ou seja, 22,5% da população, na União Europeia (UE) estavam em risco de pobreza ou de exclusão social. Isto significa que estas pessoas eram afetadas por pelo menos uma das três condições seguintes: encontravam-se em risco de pobreza após as transferências sociais (pobreza monetária), em situação de privação material grave, ou viviam em agregados familiares com muito baixa intensidade de trabalho. Após três anos consecutivos de aumento entre 2009 e 2012 até atingir quase 25%, a percentagem de pessoas em risco de pobreza ou de exclusão social na UE diminuiu continuamente para se situar nos 22,5% no ano passado, 1,2 pontos percentuais abaixo do nível de referência de 2008 e 1 ponto percentual abaixo do nível de 2016 (4).

2.1.2

Infelizmente, no que diz respeito ao objeto do presente parecer – um rendimento mínimo digno para as pessoas em situação de pobreza e de extrema pobreza – o desemprego de longa duração passou de 2,9% em 2009 (ano de referência quando da adoção da Estratégia Europa 2020) para 3,4% em 2017, tendo o número de trabalhadores pobres na área do euro passado de 7,6% em 2006 para 9,5% em 2016 (na UE-28, passou de 8,3% em 2010, primeiro ano com dados quantitativos disponíveis, para 9,6%).

2.1.3

Os jovens são particularmente afetados. Em 2016, a União Europeia (UE) contava mais de 6,3 milhões de jovens (com idades compreendidas entre 15 e 24 anos) que não trabalhavam, não estudavam e não seguiam uma formação (NEET). Embora tenha diminuído, passando de mais de 23% em 2013 a menos de 19% em 2016, a taxa de desemprego juvenil permanece muito elevada na UE (superior a 40% em vários países). O desemprego de longa duração continua a registar níveis recorde entre os jovens. A taxa de desemprego juvenil corresponde a mais do dobro da taxa de desemprego global (cerca de 19% contra 9% em 2016) e oculta fortes disparidades entre os países: mais de 30 pontos percentuais separam o Estado-Membro com a taxa mais baixa, a saber, a Alemanha (7%), dos Estados-Membros com as taxas mais elevadas, a saber, a Grécia (47%) e a Espanha (44%).

2.1.4

Além disso, esta situação de exclusão maciça e de pobreza afeta particularmente as crianças. Segundo o Eurostat, 26 milhões de crianças europeias vivem em situação de pobreza e de exclusão. Representam 27% da população da UE com menos de 18 anos (5). Estas crianças vivem em famílias pobres, por vezes monoparentais, ou mesmo de trabalhadores pobres, e em situações de isolamento e de pobreza de que é muito difícil sair. Como sublinha igualmente o Parlamento Europeu na sua resolução de 20 de dezembro de 2010 (6), «as mulheres constituem um importante segmento da população em risco de pobreza, devido ao desemprego, às responsabilidades não partilhadas de prestação de cuidados à família, ao trabalho precário e mal pago, às discriminações salariais e às pensões e reformas mais baixas».

2.1.5

Nesta situação, é de salientar a importância dos amortecedores sociais que existem em numerosos países da UE e que permitiram evitar a ocorrência de situações ainda mais dramáticas durante a crise; contudo, estes amortecedores têm limites e não são sustentáveis num contexto de crise social permanente. É, pois, indispensável um relançamento económico gerador de emprego; neste contexto, o rendimento mínimo constituirá um instrumento ao serviço da inserção/reinserção de pessoas excluídas no mercado de trabalho. Aliás, os países que possuem sistemas de rendimentos mínimos dignos têm maior capacidade de resistência aos impactos negativos da crise e de redução das desigualdades que minam a coesão social. Embora haja indicadores de retoma económica encorajadores, essa retoma é ainda frágil e está alicerçada em desigualdades crescentes. Por este motivo, o debate sobre o estabelecimento de um rendimento mínimo digno na Europa afigura-se muito pertinente neste momento.

2.1.6

Até ao presente, os documentos e os compromissos da União, como a Estratégia Europa 2020, adotada em junho de 2010, que tinha por objetivo reduzir em 20 milhões (sic) o número de pessoas ameaçadas pela pobreza, não produziram os resultados esperados. Uma vez que a aplicação do princípio da subsidiariedade, com o método aberto de coordenação (MAC) como único instrumento não produziu os resultados esperados, há que completar este método com um instrumento da UE. Os sistemas de rendimento mínimo digno beneficiam não apenas as pessoas necessitadas, mas toda a sociedade. Estes sistemas garantem que as pessoas que deles necessitam se mantenham ativas na sociedade, ajudam-nas a reintegrar-se no mercado de trabalho e permitem-lhes viver com dignidade. Os rendimentos mínimos dignos são indispensáveis para alcançar uma sociedade mais igualitária, constituem a verdadeira base da proteção social e asseguram a coesão social, benéfica para toda a sociedade.

2.1.7

Embora representem apenas uma percentagem reduzida das despesas sociais, os sistemas de rendimento mínimo oferecem um considerável retorno do investimento, ao passo que o não investimento tem consequências muito negativas para os indivíduos e acarreta custos elevados a longo prazo. Estes sistemas oferecem um conjunto de incentivos eficazes, porquanto os montantes despendidos entram imediatamente na economia, frequentemente nos setores mais afetados pela crise. Graças à sua interação com o salário mínimo, os rendimentos mínimos contribuem igualmente para garantir salários dignos e para evitar o aumento do número de trabalhadores pobres.

2.1.8

Importa não confundir a noção de rendimento mínimo digno, objeto do presente parecer, com a noção de rendimento universal, pago a todos os membros de uma comunidade (município, região ou Estado), independentemente dos respetivos recursos ou do facto de estarem ou não empregados. Além disso, apesar de a maior parte dos países dispor de sistemas de rendimento mínimo (7), há ainda que examinar a sua adequação às necessidades, dado que esta questão continua a ser frequentemente problemática. Estão em curso trabalhos neste domínio na Alemanha e em França (8).

2.1.9

Foram já realizados numerosos trabalhos sobre o rendimento mínimo e muitas posições foram já tomadas sobre esta matéria. Com o presente parecer, o CESE insiste na noção de «dignidade»(um mínimo que permita uma vida condigna, acima do limiar da pobreza) inspirando-se na noção de «trabalho digno»da OIT (9).

2.1.10

Há que ter igualmente em conta os trabalhos realizados pela Comissão do Emprego e dos Assuntos Sociais do Parlamento Europeu, pelos Comités do Emprego e da Proteção Social do Conselho da UE, os contributos já consideráveis de redes como a Rede Europeia do Rendimento Mínimo (EMIN) (10) e todos os trabalhos da Rede Europeia Antipobreza (EAPN) (11), aos quais se associa também a Confederação Europeia de Sindicatos. Importa ainda não esquecer os trabalhos da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e do Conselho da Europa.

2.1.11

A maioria dos Estados-Membros introduziu sistemas de rendimento mínimo. As definições, as condições de acesso e os níveis de aplicação são muito diferentes, pelo que seria útil generalizá-los e harmonizá-los com base em critérios comuns que permitam ter em conta as especificidades de cada país. Até à data, a Comissão tem apoiado o rendimento mínimo, considerando que compete aos Estados-Membros assegurar a resolução desta questão. A ausência de resultados significativos exige a aplicação de políticas nacionais e uma coordenação reforçadas até 2020, mas também o estabelecimento de meios europeus mais eficazes para alcançar o objetivo fixado.

2.1.12

O CESE termina esta introdução com algumas observações fundamentais:

o rendimento mínimo digno só faz sentido no contexto de uma abordagem global de inserção e de inclusão ativa, que alie o acesso a mercados de trabalho inclusivos – com empregos de qualidade e formação contínua – ao acesso a serviços públicos de qualidade, nomeadamente em matéria de educação e de saúde;

o direito ao trabalho deve continuar a constituir um direito fundamental, enquanto elemento central de emancipação e de independência económica;

o rendimento mínimo digno é, essencialmente, um elemento temporário, mas indispensável, que tem por objetivo a inserção/reinserção de pessoas no mercado de trabalho através de medidas ativas – trata-se de uma medida fundamental para a credibilidade social da União Europeia;

a adequação, a cobertura e o acesso ao rendimento mínimo continuam a ser desafios importantes para os Estados-Membros quando tentam melhorar os seus sistemas. Estes sistemas devem ser apoiados e, se necessário, completados a nível europeu.

3.   Vontade política e soluções técnicas

3.1   Existem bases jurídicas e há que utilizá-las

3.1.1

Há vários pontos de vista sobre a existência ou não de bases jurídicas que permitam legislar sobre o rendimento mínimo. É, contudo, evidente que o método aberto de coordenação (MAC) não produziu resultados suficientes para assegurar um rendimento mínimo adequado em todos os países da União, acentuando assim as desigualdades entre eles – o que representa um problema crucial para a credibilidade da União Europeia.

3.1.2

A questão do rendimento mínimo é eminentemente política. Trata-se de uma opção que deve ser feita pela União, e a Comissão não se pode escudar num princípio da subsidiariedade – mal aplicado nesta matéria – para decidir que nada pode fazer. A ausência de iniciativa da Comissão seria inaceitável e tornaria o projeto da União incompreensível para os cidadãos, numa matéria que se prende com a dignidade e com os direitos humanos. Por conseguinte, o Comité exorta a Comissão a tomar medidas imediatas para reforçar uma estratégia coordenada dos Estados-Membros aos níveis nacional e europeu, a fim de melhorar o rendimento mínimo e criar um instrumento europeu vinculativo baseado numa metodologia comum para definir orçamentos de referência que assegurem um rendimento mínimo digno.

3.1.3

Atenta a Carta Social Europeia do Conselho da Europa de 1961, a Carta Comunitária dos Direitos Sociais Fundamentais dos Trabalhadores de 1989 e a Carta dos Direitos Fundamentais de 2000 (artigo 34.o), o rendimento mínimo afigura-se claramente como fazendo parte dos objetivos da União Europeia e da Comissão, que deve tomar a iniciativa no sentido de completar e harmonizar a ação dos Estados-Membros. Acresce que no ponto 14 da proposta sobre o Pilar Europeu dos Direitos Sociais, a Comissão enuncia claramente o «[…] direito a prestações de rendimento mínimo adequadas que […] garantam um nível de vida digno em todas as fases da vida, bem como a um acesso eficaz a bens e serviços de apoio.»

3.1.4

As referências jurídicas dos Tratados são particularmente importantes, como o artigo 3.o do Tratado da União Europeia (TUE), que cita, entre os objetivos da União, o pleno emprego e o progresso social, mas também o combate à exclusão social e às discriminações e a promoção da coesão económica, social e territorial, bem como da solidariedade entre os Estados-Membros, o artigo 9.o do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE), que especifica que «[n]a definição e execução das suas políticas e ações, a União tem em conta as exigências relacionadas com a promoção de um nível elevado de emprego, a garantia de uma proteção social adequada, a luta contra a exclusão social e um nível elevado de educação, formação e proteção da saúde humana»e, mais concretamente, o artigo 151.o do TFUE, que abre o título X, relativo à política social, e enuncia como objetivos da União e dos Estados-Membros «a promoção do emprego, a melhoria das condições de vida e de trabalho, de modo a permitir a sua harmonização, assegurando simultaneamente essa melhoria, uma proteção social adequada, o diálogo entre parceiros sociais, o desenvolvimento dos recursos humanos, tendo em vista um nível de emprego elevado e duradouro, e a luta contra as exclusões», com vista à realização dos quais a União (artigo 153.o, n.o 1, do TFUE) «apoiará e completará a ação dos Estados-Membros nos seguintes domínios: […] c) Segurança social e proteção social dos trabalhadores; […] h) Integração das pessoas excluídas do mercado de trabalho […]; j) Luta contra a exclusão social; [e] k) Modernização dos sistemas de proteção social […].»

3.1.5

É igualmente necessário definir quem é abrangido pelo conceito de «trabalhador». O Comité deve proceder a uma análise mais aprofundada deste conceito, tanto mais que o direito da União não define um conceito comum de «trabalhador». É, pois, necessário determinar qual o conceito de «trabalhador»subjacente ao artigo 153.o, n.o 1, alínea c), do TFUE. Entretanto, podemos afirmar sem hesitação que o elemento decisivo no artigo 153.o do TFUE não é o conceito de «trabalhador»no sentido do direito à livre circulação, mas antes o conceito de «trabalhador»no sentido do direito à segurança social, aplicável a todas as pessoas que têm direito de acesso aos sistemas que cobrem todos os riscos referidos no Regulamento (CE) n.o 883/2004.

3.1.6

Como já declarou anteriormente, o «CESE, atendendo ao facto de que a pobreza e a exclusão social favorecem as tendências populistas em muitos Estados-Membros da UE, congratula-se com as conclusões do Conselho Europeu, de 16 de junho de 2016, sobre o "Combate à pobreza e à exclusão social: Uma abordagem integrada" (12) e defende a criação, no quadro das próximas perspetivas financeiras, de um fundo europeu integrado para combater a pobreza e a exclusão social, baseado na experiência adquirida até à data com a aplicação do Fundo de Auxílio Europeu às Pessoas mais Carenciadas (FEAD) e do Fundo Social Europeu (FSE)» (13).

3.1.7

A vontade política passa por uma avaliação objetiva da execução da Estratégia Europa 2020, dos seus êxitos e dos seus fracassos, e pela visibilidade da ação europeia destinada a apoiar e a completar a ação dos Estados-Membros. Este apoio complementar poderia assumir a forma de um fundo europeu destinado a financiar o rendimento mínimo estabelecido pelo quadro jurídico.

3.1.8

A Comissão não se deve refugiar atrás do princípio da subsidiariedade. Quando os Estados-Membros levantam objeções a título da subsidiariedade, fazem-no normalmente para evitar alterar o seu direito nacional na sequência de uma ação da União. Contudo, a Comissão, na qualidade de guardiã do interesse geral, não pode referir-se de forma abstrata ao princípio da subsidiariedade, porquanto tal equivaleria a uma autocensura, tanto mais grave quanto está em causa uma questão que afeta os direitos fundamentais. Na ausência de um projeto de ato legislativo apresentado pela Comissão, o artigo 6.o do Protocolo n.o 2 relativo à aplicação dos princípios da subsidiariedade e da proporcionalidade não pode produzir plenos efeitos. De facto, além do Conselho, «[q]ualquer Parlamento nacional ou qualquer das câmaras de um desses Parlamentos pode, no prazo de oito semanas a contar da data de envio de um projeto de ato legislativo, nas línguas oficiais da União, dirigir aos presidentes do Parlamento Europeu, do Conselho e da Comissão um parecer fundamentado em que exponha as razões pelas quais considera que o projeto em questão não obedece ao princípio da subsidiariedade». Esta forma de expressão democrática, que pode ser diferente da manifestada pelo Conselho, é posta em causa sempre que o debate entre a Comissão e o Conselho impede a eventual adoção de um ato legislativo.

3.1.9

Por último, a referência ao Pilar Europeu dos Direitos Sociais, cujos princípios o Comité Económico e Social Europeu partilha sem reservas, não pode ser um argumento contra a adoção de um instrumento europeu vinculativo nesta matéria, tanto mais que é incontestável que existe base jurídica no Tratado. O Pilar Europeu dos Direitos Sociais é uma proclamação de todas as instituições europeias com o objetivo de «servir de orientação para atingir resultados eficazes em matéria social» (14). O pilar deve, pois, ser o ponto de apoio para propostas de ação e de legislação, como a Comissão começou a fazer. Por outro lado, o ponto 14 do pilar, que refere que «[q]ualquer pessoa que não disponha de recursos suficientes tem direito a prestações de rendimento mínimo adequadas que lhe garantam um nível de vida digno em todas as fases da vida, bem como a um acesso eficaz a bens e serviços de apoio», não pode, de forma alguma, ser objeto de uma interpretação restritiva. Com efeito, tal interpretação seria contrária ao sexto parágrafo do preâmbulo do pilar, que recorda que «[o] Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia contém disposições que preveem as competências da União nos domínios, nomeadamente, […] da política social (artigos 151.o a 161.o)». Acresce que, no que respeita às competências legislativas da UE, o documento de trabalho da Comissão que acompanha a comunicação sobre o Pilar Europeu dos Direitos Sociais faz referência ao artigo do Tratado relativo à integração das pessoas excluídas do mercado de trabalho.

3.1.10

O Comité Económico e Social Europeu, que partilha sem reservas os princípios enunciados no Pilar Europeu dos Direitos Sociais, considera que a adoção de um instrumento europeu vinculativo para o estabelecimento de um rendimento mínimo digno à escala europeia, por um lado, concretizará as declarações solenes que, desde a Carta Comunitária dos Direitos Sociais Fundamentais dos Trabalhadores, invocam sempre a indispensável luta contra a exclusão social e, por outro, transmitirá a mensagem de que a construção europeia do século XXI não pode deixar de ter em conta a vida dos cidadãos europeus.

3.2   As soluções técnicas indispensáveis

3.2.1

Do ponto de vista técnico, seria necessário definir as condições de acesso ao RMG (rendimento mínimo garantido). O RMG deve ser estabelecido tendo em conta, nomeadamente, os seguintes fatores:

a relação entre o RMG e a condição de ativação,

o impacto da composição do agregado familiar, dada a importância do fator da presença de crianças em situação de pobreza,

outros recursos, como por exemplo o património,

componentes do RMG em dinheiro e em espécie, por exemplo, através do acesso a cuidados de saúde, habitação, mobilidade, apoio à família e serviços de utilidade pública.

3.2.2

O rendimento mínimo deve ser estabelecido no âmbito de uma abordagem global das diferentes necessidades humanas, que não se limite a um nível de sobrevivência ou simplesmente à taxa de pobreza calculada a partir do rendimento médio, que, na realidade, em certos países não responde às necessidades essenciais. É, pois, necessário ter em conta o conjunto das necessidades em matéria de nível de vida, alojamento, educação, saúde e cultura, a fim de proporcionar às pessoas excluídas do mercado de trabalho e em situação de pobreza as melhores condições de inserção/reinserção. Está em curso um debate sobre as condições de acesso, que é necessário clarificar.

3.2.3

Esta abordagem apoia-se nos trabalhos de economistas como Amartya Sen, e sobre o que ele denomina «capacidades», que são compostas por três elementos:

Saúde/esperança de vida – Estudos recentes demonstram que as pessoas em situação de pobreza economizam nos cuidados de saúde, sobretudo nos cuidados dentários. Têm um estilo de vida pouco saudável e alimentam-se menos bem, pelo que têm mais problemas ligados à obesidade. Existem diferenças consideráveis em termos de esperança de vida entre ricos e pobres. Importa ter igualmente em conta o caráter penoso do trabalho que executam.

Saber/nível de educação – As estatísticas demonstram claramente que o nível de desemprego varia em função do nível de educação. Dos europeus com idades compreendidas entre 18 e 24 anos, 11% abandonaram precocemente a escola, de acordo com os dados do Eurostat relativos a 2015.

Nível de vida – O objetivo consiste em integrar todos os elementos da qualidade de vida no poder de compra, e não apenas os elementos relativos à sobrevivência alimentar. A capacidade de mobilidade e o acesso à cultura são elementos importantes de integração/inclusão na relação com os outros e na sociabilidade, ou seja, são meios para evitar que as pessoas em situação de pobreza se mantenham num isolamento que constitui um círculo vicioso de marginalização social.

3.2.4

É necessário criar, de forma flexível e pragmática, instrumentos que permitam calcular um rendimento mínimo adequado. Há que estabelecer uma metodologia comum para definir o cálculo de um orçamento de referência e para adaptar esse orçamento de referência a cada Estado-Membro. Foram já realizados trabalhos importantes, nomeadamente pelo Centre for Social Policy [Centro de Políticas Sociais] da Universidade de Antuérpia e pela EAPN e a EMIN. Estes orçamentos de referência devem, por um lado, assegurar elementos de comparação entre os Estados-Membros e, por outro, proporcionar flexibilidade de aplicação em função das condições de cada país. Devem integrar não só o chamado «cabaz alimentar», mas também os cuidados de saúde e os cuidados pessoais, a educação, o alojamento, o vestuário, a mobilidade, a segurança, o lazer, as relações sociais e a segurança ligada à infância, bem como os dez domínios identificados para a metodologia comum no projeto sobre os orçamentos de referência. Um dos méritos destes orçamentos de referência, muito valorizados pelos investigadores e por organizações não governamentais (ONG) como a EAPN e a EMIN, é a sua utilidade para testar a validade dos indicadores de pobreza até agora utilizados para fixar os limiares de pobreza.

3.2.5

Seria igualmente importante avaliar de que forma o estabelecimento de um rendimento mínimo poderia conduzir à racionalização das prestações sociais em determinados países. Esta é, por exemplo, a abordagem subjacente à proposta de um «rendimento universal de atividade»formulada no plano de luta contra a pobreza apresentado pelo presidente da República Francesa, que visa garantir um nível mínimo de dignidade para todos os que podem beneficiar do mesmo, fundindo um máximo de prestações sociais. Também na Alemanha, está lançado o debate sobre a introdução de um rendimento mínimo de solidariedade que permita lutar contra a pobreza, sobretudo no caso dos desempregados de longa duração, e, simultaneamente, simplificar o sistema de prestações sociais. O governo já previu uma verba de quatro mil milhões de euros até 2021 para este efeito.

Bruxelas, 20 de fevereiro de 2019.

O Presidente

sdo Comité Económico e Social Europeu

Luca JAHIER


(1)  https://www.bmas.de/SharedDocs/Downloads/DE/PDF-Publikationen/Forschungsberichte/fb491-eu-rechtsrahmen-soziale-grundsicherungssysteme.pdf;jsessionid=99C4D0B602A57E640467F949B3C34894?__blob=publicationFile&v=2.

(2)  https://eminnetwork.files.wordpress.com/2017/11/2017-nov-emin-la-route-de-lue-vers-le-revenu-minimum-fr-pdf-novembre-17.pdf; https://www.eapn.eu/wp-content/uploads/Working-Paper-on-a-Framework-Directive-EN-FINAL.pdf.

(3)  JO C 170 de 5.6.2014, p. 23. Recorda-se que o Grupo dos Empregadores do CESE redigira uma declaração sobre o parecer e votara contra o mesmo.

(4)  Eurostat.

(5)  Resolução do Parlamento Europeu de 2015 com base nas estatísticas do Eurostat.

(6)  Proposta de resolução do Parlamento Europeu sobre a igualdade entre homens e mulheres na União Europeia – 2010.

(7)  Consultar a base de dados MISSOC: https://www.missoc.org/missoc-database/comparative-tables/.

(8)  O estabelecimento do rendimento mínimo é um elemento do programa do governo de coligação da Alemanha e o tema faz igualmente parte do plano de luta contra a pobreza apresentado pelo presidente francês em setembro de 2018.

(9)  http://www.ilo.org/global/topics/decent-work/lang–fr/index.htm.

(10)  https://eminnetwork.files.wordpress.com/2017/11/2017-nov-emin-la-route-de-lue-vers-le-revenu-minimum-fr-pdf-novembre-17.pdf.

(11)  https://www.eapn.eu/wp-content/uploads/Working-Paper-on-a-Framework-Directive-EN-FINAL.pdf.

(12)  http://data.consilium.europa.eu/doc/document/ST-10434-2016-INIT/pt/pdf.

(13)  JO C 173 de 31.5.2017, p. 15.

(14)  Parágrafo 12 do preâmbulo do Pilar Europeu dos Direitos Sociais.


ANEXO

A seguinte proposta de alteração foi rejeitada durante o debate, tendo recolhido, contudo, pelo menos um quarto dos sufrágios expressos (artigo 39.o, n.o 2, do Regimento):

Substituir o título e todo o parecer pelo texto seguinte (a justificação figura no final do documento):

Um quadro europeu sobre um rendimento mínimo

Conclusões e propostas

O CESE tem contribuído ativamente para o debate europeu sobre a redução da pobreza. Em particular, a ideia de um rendimento mínimo a nível europeu foi muito debatida em alguns dos pareceres anteriores do CESE, bem como no Parecer da Secção Especializada de Emprego, Assuntos Sociais e Cidadania – Para uma diretiva-quadro europeia sobre um rendimento mínimo. O CESE está convicto de que é necessário continuar a lutar contra a pobreza. Existem, contudo, pontos de vista fortemente divergentes sobre a escolha dos instrumentos adequados. Embora apreciemos sinceramente os esforços do relator no sentido de encontrar um compromisso, não podemos partilhar da sua visão de um instrumento vinculativo para um rendimento mínimo a nível europeu.

O presente contraparecer visa apresentar uma abordagem construtiva e abrangente para a redução da pobreza nos Estados-Membros. Baseia-se no facto de o princípio da subsidiariedade e a repartição de competências, consagrados nos Tratados da UE, estabelecerem claramente que os Estados-Membros são os únicos intervenientes na conceção dos sistemas de segurança social. Por conseguinte, as ações a nível europeu devem basear-se no método aberto de coordenação enquanto principal método para apoiar os Estados-Membros, e numa aprendizagem mútua das melhores abordagens nacionais. O presente contraparecer propõe uma abordagem abrangente destinada a maximizar o alcance das ações a nível da UE a este respeito.

A luta contra a pobreza deve ser um compromisso comum da União Europeia e dos Estados-Membros. Segundo o Relatório conjunto sobre o emprego de 2019, os rendimentos dos agregados familiares continuam a aumentar em quase todos os Estados-Membros. O número total de pessoas em risco de pobreza ou de exclusão social, que ascende a 113 milhões de pessoas, ou seja, 22,5% da população total, embora seja atualmente inferior aos níveis anteriores à crise, é inaceitável e, a longo prazo, insustentável. A atual retoma económica constitui uma oportunidade para intensificar as reformas destinadas a melhorar a inclusividade, a resiliência e a equidade dos mercados de trabalho e dos sistemas de proteção social. No entanto, são também palpáveis os riscos de abrandamento da recuperação, o que torna urgente o aproveitamento destas oportunidades pelos Estados-Membros.

Embora a Estratégia Europa 2020 de reduzir o número de pessoas em risco de pobreza tenha tido resultados positivos, especialmente num contexto de forte recuperação da economia e do mercado de trabalho, são necessários mais esforços para manter a tendência positiva.

O presente contraparecer formula as seguintes recomendações:

1.

As políticas da UE e dos Estados-Membros devem centrar-se na prossecução dos seus esforços de reforma e na criação de condições favoráveis à criação de emprego. É também esta a base de todas as ações para reduzir a pobreza. No segundo trimestre de 2018, o número de pessoas com emprego na UE atingia os 239 milhões, o nível mais elevado desde o início do século. A manter-se a tendência atual, a UE está no bom caminho para atingir, em 2020, a meta de 75% para a taxa de emprego fixada na Estratégia Europa 2020. Esta tendência positiva deve contribuir também para alcançar o objetivo de redução da pobreza previsto na Estratégia Europa 2020. Políticas económicas sólidas, juntamente com a prossecução de reformas estruturais, nomeadamente nos mercados de trabalho e nos sistemas de proteção social dos Estados-Membros, são uma condição prévia para o crescimento económico sustentável, o emprego e o bem-estar dos cidadãos.

2.

Para além do papel fundamental desempenhado por políticas económicas e do mercado de trabalho sólidas na luta contra a pobreza, é necessário uma abordagem integrada com uma combinação de políticas adequadas. O rendimento mínimo desempenha um papel importante nesta abordagem, mas deve ser visto no contexto de políticas e serviços de emprego integrados, nomeadamente os serviços sociais e de saúde, bem como as políticas de habitação. De facto, em todos os países da UE, o rendimento mínimo evoluiu de um simples apoio económico para uma medida ativa destinada a acompanhar os beneficiários na transição da exclusão social para a vida ativa. Como tal, deve ser considerado uma solução temporária, destinada a apoiar as pessoas durante um período de transição enquanto se encontrarem em situação de necessidade. Este tipo de integração inclusiva baseada em políticas de ativação é um passo na direção certa.

3.

À luz do princípio da subsidiariedade, o nível mais indicado para abordar a questão do rendimento mínimo e aplicar medidas destinadas a reduzir a pobreza é o nível nacional. Nesta ótica, todos os Estados-Membros da UE introduziram mecanismos de rendimento mínimo de acordo com as respetivas práticas nacionais e o desempenho económico. As definições, as condições e os níveis de aplicação nos Estados-Membros são diferentes, por razões óbvias.

4.

Há margem para uma ação a nível da UE para apoiar os Estados-Membros nos seus esforços. O CESE recomenda uma abordagem pragmática que respeite o princípio da subsidiariedade, maximizando simultaneamente o efeito das atividades a nível europeu de apoio e orientação para o desenvolvimento de sistemas de rendimento mínimo nos Estados-Membros. A União Europeia e, nomeadamente, a Comissão Europeia devem desempenhar um papel mais ativo apoiando os esforços dos Estados-Membros. Por conseguinte, importa desenvolver, no âmbito do Semestre Europeu, uma estratégia coordenada a nível nacional e europeu, centrada em ações gerais e medidas específicas, tendo em conta o papel dos orçamentos nacionais de referência.

O modo como os Estados-Membros cumprem o objetivo de redução da pobreza deve ser objeto de acompanhamento no quadro do Semestre Europeu, o que pressupõe uma maior coordenação. Os progressos podem ser apoiados e monitorizados através de indicadores/valores de referência acordados conjuntamente. O Comité do Emprego (COEM) e o Comité da Proteção Social (CPS) estão a trabalhar para reforçar o papel dos valores de referência, e o Comité da Proteção Social já dispõe de um valor de referência específico sobre rendimentos mínimos. Este é o instrumento adequado para realizar progressos.

5.

Tendo em conta a Declaração – Um novo começo para um diálogo social reforçado, assinada pelos parceiros sociais europeus em 26 e 27 de janeiro de 2016, importa continuar a reforçar o papel e a capacidade dos parceiros sociais – enquanto principais intervenientes nos mercados de trabalho – no processo de elaboração de políticas e reformas estruturais, tanto a nível europeu como nacional. As organizações da sociedade civil também têm um papel a desempenhar neste processo, contribuindo para a construção de uma Europa mais próxima dos seus cidadãos.

6.

Por último, a abordagem do presente contraparecer está em consonância com o Pilar Europeu dos Direitos Sociais, que «deve ser implementado tanto a nível da União como a nível dos Estados-Membros, no âmbito das respetivas competências, tendo devidamente em conta os diferentes ambientes socioeconómicos e a diversidade de sistemas nacionais, incluindo o papel dos parceiros sociais, e em conformidade com os princípios da subsidiariedade e da proporcionalidade» (1) .

Resultado da votação

Votos a favor: 92

Votos contra: 142

Abstenções: 8


(1)  Proclamação Interinstitucional sobre o Pilar Europeu dos Direitos Sociais, Preâmbulo, ponto 17.