10.10.2018   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 367/1


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre o Impacto de uma nova estrutura de aprovisionamento energético sem emissões de carbono, descentralizada e digitalizada no emprego e nas economias regionais

(parecer de iniciativa)

(2018/C 367/01)

Relator:

Lutz RIBBE

Decisão da plenária

15.2.2018

Base jurídica

Artigo 29.o, n.o 2, do Regimento

 

Parecer de iniciativa

Competência

Secção Especializada de Transportes, Energia, Infraestruturas e Sociedade da Informação

Adoção em secção

28.6.2018

Adoção em plenária

11.7.2018

Reunião plenária n.o

536

Resultado da votação

(votos a favor/votos contra/abstenções)

123/1/1

1.   Conclusões e recomendações

1.1.

A transição do sistema de energia para um aprovisionamento sem emissões de carbono, descentralizado e digitalizado proporciona grandes oportunidades, em especial para as regiões rurais e estruturalmente desfavorecidas na Europa. O desenvolvimento das energias renováveis pode ter efeitos positivos consideráveis no emprego e ser orientado de forma a gerar novos impulsos na economia regional.

1.2.

Em particular, as políticas europeias de energia e de coesão têm potencial para se reforçarem mutuamente no que respeita aos seus efeitos positivos. O Comité Económico e Social Europeu (CESE) lamenta que este potencial ainda não seja suficientemente reconhecido, e muito menos ativado, não só pela Comissão, mas também pelos Estados-Membros.

1.3.

É verdade que a política de coesão contribui, desde a sua reorientação, para promover as energias renováveis e a eficiência energética, algo que o CESE saúda. No entanto, até à data, a política energética europeia pouco apoiou a política de coesão. Não se reconhece que as energias renováveis poderiam promover substancialmente o desenvolvimento económico das regiões desfavorecidas em particular. Deste modo, é desperdiçado um enorme potencial político de crescimento regional.

1.4.

Para concretizar este potencial, há que capacitar as regiões e apoiá-las para lograrem não só impulsos de crescimento na economia regional, através do desenvolvimento das energias renováveis e das respetivas infraestruturas de rede, mas também uma participação social ampla neste crescimento. Uma forma de participação particularmente importante para a criação de valor acrescentado regional consiste no reforço do papel dos consumidores que, enquanto «prossumidores», e também graças à digitalização, poderiam assumir toda uma nova responsabilidade no setor da energia, procurar a participação na economia e apoiar objetivos políticos mais ambiciosos através de uma abordagem de proteção do clima «da base para o topo».

1.5.

É importante prosseguir uma abordagem holística que tenha em consideração a economia regional no desenvolvimento das energias renováveis, o que implica a articulação entre a produção e a utilização das energias renováveis a nível local, nomeadamente abrangendo os setores da eletricidade, do aquecimento e da mobilidade. Neste contexto, a inteligência artificial e as «redes inteligentes» podem dar um valioso contributo.

1.6.

Até que ponto as regiões serão bem-sucedidas neste processo depende da relação entre a procura de energia a nível regional e a produção ou capacidade de produzir energias renováveis a esse nível. O CESE recomenda que, no quadro dos «planos regionais relativos à economia circular no domínio da energia», se realizem análises que possibilitem uma avaliação diferenciada do potencial económico regional das energias renováveis para cada região. Os planos devem indicar igualmente o impacto na política de emprego da região em causa. Com efeito, ainda que, de um modo geral, se possa afirmar que a transição energética criará mais empregos, comparando com o sistema energético anterior, haverá regiões que beneficiam deste efeito mais do que outras.

1.7.

Os planos regionais relativos à economia circular no domínio da energia poderiam servir de base para um diálogo estruturado e diferenciado com as populações locais, que é importante para a) preservar e promover a aceitação local das energias renováveis e b) reforçar a atividade económica regional. O CESE considera surpreendente que, até ao momento, este tipo de análises e de planos só exista em casos muito particulares.

1.8.

Uma abordagem holística que tenha em consideração a economia regional no desenvolvimento das energias renováveis poderia dar um contributo importante para a política europeia de coesão, mas não só. Existem também a seu favor uma série de argumentos no âmbito da política energética (redução da dependência energética e da pobreza energética, apoio à integração de setores, utilização do potencial de inovação da digitalização e descongestionamento da rede).

1.9.

Perante o exposto, o CESE apela à Comissão e aos Estados-Membros para que tomem as medidas necessárias à adoção de uma abordagem holística do setor da energia no desenvolvimento das energias renováveis: definição de regiões energéticas, apoio à análise empírica da relação entre a procura de energia a nível regional e a produção ou capacidade de produzir energias renováveis a esse nível, formação inicial e contínua específica, incentivos à sua implantação, por exemplo apoiando o desenvolvimento de infraestruturas de energias renováveis, abertura das redes e a correspondente fixação dos preços inerentes aos custos das redes.

2.   Contexto

2.1.

A União Europeia encontra-se perante mudanças profundas no que se refere ao abastecimento de energia e à política energética. Estas mudanças abrangem não só a produção (passando das fontes de energia à base de combustíveis fósseis carbonosos para o desenvolvimento das energias renováveis), mas também resultam em grandes alterações estruturais, tanto no que toca ao local da produção de energia (transição da produção centralizada nas grandes centrais elétricas para estruturas descentralizadas) como aos padrões de fornecimento e consumo (novos intervenientes e novos modelos de consumo e de distribuição, designadamente como consequência da digitalização).

2.2.

O CESE já se pronunciou em diversos pareceres sobre o impacto da transição energética nas regiões que serão afetadas negativamente, por exemplo, as regiões carboníferas (1). Nessas regiões, já muitas pessoas perderam o emprego e a perda de mais postos de trabalho será praticamente inevitável. Torna-se, assim, tanto mais importante o reconhecimento atempado e o acompanhamento político das mudanças estruturais, a fim de reduzir e mitigar o mais possível as consequências económicas e sociais. O CESE congratula-se com as primeiras iniciativas da Comissão a este respeito (2).

2.3.

No entanto, o CESE constata que as alterações positivas que podem, por exemplo, trazer valor acrescentado regional e criar emprego apenas foram, até agora, marginalmente objeto de debate. Embora a Comissão, nos considerandos da Diretiva Energias Renováveis (2009/28/CE), em vigor, chame a atenção em diversos pontos para a importância das energias renováveis para o desenvolvimento económico regional, certo é que, nas suas pesquisas, o CESE constatou que a) quase não existem estudos sobre as possíveis consequências da expansão das energias renováveis na economia regional e b) nem na Comissão nem nos Estados-Membros se vislumbra uma estratégia para interligar, de forma efetivamente mais assestada, a política energética e o desenvolvimento regional. Assim, não se pode falar de uma estratégia política visível que se destine a explorar plenamente o referido potencial.

2.4.

Todavia, existe já atualmente na Europa um elevado número de exemplos positivos da abordagem «da base para o topo» no desenvolvimento das energias renováveis a nível local e regional. É o caso de — para citar apenas um exemplo aleatório — Langres, no leste de França (10 000 habitantes), onde foi construída uma central térmica a madeira que, com uma rede local de aquecimento de 5 km, abastece 22 instalações de aquecimento de água e, indiretamente, por exemplo, um hotel, um parque aquático e um lar de terceira idade. Por ano, poupam-se assim 3 400 toneladas de CO2. Observa-se que, neste tipo de iniciativa, só raramente é realizada uma avaliação sistemática da sua pertinência para a economia regional. A este respeito, há que constatar uma grande falta de conhecimentos estatísticos.

2.5.

Em Feldheim (perto de Berlim), no entanto, há cerca de 20 anos que são utilizados sistematicamente os recursos locais para a produção e o abastecimento de energia a nível local, bem como descritos exaustivamente os efeitos na economia regional. Entretanto, a oferta de energia elétrica na cidade ultrapassa em muito a procura e as necessidades de aquecimento estão totalmente satisfeitas. Para além das receitas diretas provenientes da venda de energia, assinale-se a poupança nas despesas: os habitantes pagam um preço de eletricidade de apenas 16,6 cêntimos/kWh, o que corresponde a pouco mais de 50 % do preço de eletricidade médio na Alemanha. Na economia circular da energia gerida de forma consequente, a população local participa intensivamente como «força motriz» (3).

O CESE considera importante fazer um balanço global entre estes potenciais efeitos positivos na economia regional e os referidos efeitos secundários negativos da transição energética.

2.6.

O presente parecer de iniciativa visa contribuir para que, finalmente, se incentive um debate aprofundado, descrevendo as potencialidades e abordagens exemplares, bem como identificando as insuficiências.

3.   Importância das energias renováveis para o desenvolvimento económico e social da Europa e suas regiões

3.1.

A UE é o maior importador de energia a nível mundial, importando anualmente 53 % da sua necessidade de energia primária, o que perfaz um montante total superior a 400 mil milhões de euros. A dependência energética da União representa um grave problema do ponto de vista económico e geopolítico.

3.2.

Os objetivos da «União Europeia da Energia» são a) aumentar a segurança energética da Europa através da redução da importação da energia, b) fomentar a proteção do ambiente e c) criar novos postos de trabalho. O CESE considera que estes objetivos macroeconómicos europeus são pertinentes e devem ser aplicados também na esfera regional.

3.3.

Neste contexto, a promoção das energias renováveis como fontes de energia «autóctones», que — ao contrário dos recursos fósseis — estão disponíveis em todas as regiões da União, não só deve ser debatida no âmbito da proteção do clima mas também deve ser encarada como um importante objetivo no âmbito da economia regional: a produção de energia pode e deve fomentar a economia regional.

3.4.

Quanto mais se lograr a participação económica dos atores regionais — sejam eles cidadãos, empresas regionais ou municípios —, tanto maior será a necessária aceitação do desenvolvimento de infraestruturas de energias renováveis. Quanto mais ativa for a participação das partes interessadas a nível regional, tanto maior será o valor acrescentado regional gerado pelas energias renováveis.

3.5.

Uma análise diferenciada da cadeia de valor nas energias renováveis mostra a forma que uma tal participação económica pode assumir em particular.

Em primeiro lugar, refira-se o investimento propriamente dito nas instalações de energias renováveis, que são, na maioria dos casos, «importadas» de outras regiões. O mesmo acontece com o processo de planeamento, que, especialmente em projetos de maior dimensão, é normalmente efetuado por gabinetes de engenharia ou de estudo, que frequentemente também não se situam na região; os efeitos na economia regional são, deste modo, bastante limitados.

Por outro lado, os custos de exploração e manutenção das instalações geram um valor acrescentado regional direto. No entanto, essas despesas são baixas nas instalações de energias renováveis quando comparadas com outro tipo de instalação. Efeitos positivos, nomeadamente no caso das instalações de energia fotovoltaica ou eólica montadas no solo, prendem-se com o arrendamento aos proprietários de terrenos locais, para além de eventuais receitas fiscais para os municípios.

A verdadeira vantagem económica das instalações de energias renováveis decorre da utilização e venda da energia produzida. Por conseguinte, para a economia regional é decisivo quem explora as instalações e quem pode gerar lucro com a sua exploração.

3.6.

Uma forma de participação económica traduz-se nos postos de trabalho regionais que possam surgir no setor da energia em consequência do desenvolvimento das energias renováveis. Vários estudos mostram que o efeito líquido da transformação do sistema de energia no emprego é claramente positivo. Tal é o caso de um estudo recente nos Países Baixos (4). É de salientar que, de acordo com este estudo, todas as regiões neerlandesas beneficiaram destes efeitos positivos.

A fim de concretizar esta evolução positiva em todas as regiões da Europa, é necessário investir quanto antes na qualificação adequada das pessoas.

3.7.

É evidente que estes efeitos positivos não conseguem compensar totalmente, em todos os casos, as desvantagens decorrentes das mudanças estruturais, designadamente nas regiões carboníferas. No entanto, a transição para as energias renováveis proporciona grandes oportunidades para o desenvolvimento positivo nas muitas regiões da Europa que, atualmente, são meramente importadoras de energia.

3.8.

Uma outra forma de participação económica regional prende-se com a participação direta nos investimentos em instalações de energias renováveis e, portanto, com a respetiva exploração. Os custos de capital representam a maior parte dos custos totais das instalações de energias renováveis. É, portanto, da maior importância para o valor acrescentado regional que os intervenientes regionais possam investir em instalações de energias renováveis. Segundo um estudo realizado para o Estado federado alemão de Hesse, o valor acrescentado regional pode ser até oito vezes maior se um parque eólico for explorado a nível regional (5).

3.9.

Em algumas regiões europeias, os responsáveis políticos reconheceram esta importância e lançaram iniciativas destinadas a reforçar a participação regional nas energias renováveis, como, por exemplo: Community Empowerment Bill [lei relativa à capacitação da comunidade] (Escócia), Lov om fremme af vedvarende energi [lei relativa à promoção das energias renováveis] (Dinamarca), Bürger- und Gemeindenbeteiligungsgesetz [lei relativa à participação dos municípios e dos cidadãos] (no Estado federado alemão de Meclemburgo-Pomerânia Ocidental) ou a estratégia nacional para a independência energética da Lituânia.

3.10.

Uma terceira forma de participação consiste na possibilidade de aquisição direta, pelos consumidores, da energia produzida em instalações situadas na região, por exemplo, através dos chamados contratos de aquisição de energia (CAE). A digitalização tornará os CAE igualmente acessíveis aos pequenos consumidores de energia, e a evolução dos custos deixa antever que os custos da energia eólica e solar produzida localmente serão cada vez mais baixos do que os preços do mercado grossista.

3.11.

Pode existir um outro efeito importante. Quando uma economia circular regional no âmbito da energia assegura, através de poupanças ou receitas provenientes das energias renováveis, um novo valor acrescentado numa região, ou seja, quando reduz a saída de capital da região inerente à importação de energia, fica disponível capital que pode ser investido noutras áreas da economia — isto é, fora do domínio da energia. Não devem apenas considerar-se os efeitos «diretos» da criação de postos de trabalho (como os empregos no âmbito das energias renováveis), mas também os efeitos «indiretos», que podem resultar dos novos fluxos financeiros regionais.

4.   As energias renováveis como política regional — um cenário positivo da Polónia (Podláquia)

4.1.

A região polaca da Podláquia constitui um exemplo que ilustra bem de que forma as considerações da secção 3 podem ser concretizadas a nível regional, ou seja, o modo como, numa região estruturalmente mais desfavorecida, é possível executar uma política regional bem-sucedida através do desenvolvimento de energias renováveis — inclusive quando as condições nacionais não são ideais. Condição essencial é, porém, a adoção de uma abordagem sistemática, tal como descrito adiante.

4.2.

Em 2012, o parlamento regional (Sejmik) aprovou um plano de desenvolvimento regional, que constitui a base para a execução dos programas operacionais relativos à utilização dos fundos estruturais europeus.

4.3.

A Podláquia, uma das regiões mais desfavorecidas da Europa em termos estruturais e de rendimentos, importa anualmente cerca de 5,2 mil milhões de zlótis (= 1,25 mil milhões de euros) em energia. Esta região não dispõe de fontes de energia próprias de origem fóssil.

4.4.

A estratégia de desenvolvimento consiste numa «revolução» planeada com quatro objetivos: 1) independência das importações de eletricidade, 2) aumento da percentagem de energias renováveis no consumo de energia, 3) redução das emissões de CO2 e 4) aumento do potencial económico da região, através da substituição das fontes de energia importadas (à base de carbono) por formas de energia regionais (limpas).

4.5.

Na Podláquia, reconheceu-se que uma «política energética regional» só pode ter êxito se for tida em conta a estrutura dos intervenientes no mercado da energia. Assim, a ambição é que os habitantes e as empresas da Podláquia sejam os proprietários das fontes de energia descentralizadas.

4.6.

Desde o final de 2016, o município de Turośń Kościel, na Podláquia, organizou, em nome dos seus habitantes, a aquisição de 38 bombas de calor, 77 instalações de energia fotovoltaica e 270 instalações de energia solar térmica, com recursos do FEDER. O município coordena os cálculos, as encomendas e a montagem, libertando, assim, os seus munícipes de todas as atividades jurídicas e técnicas. Os investimentos foram financiados em 85 % pelos fundos estruturais da UE. No futuro, cerca de 25 % de todas as habitações estarão equipadas com tecnologias modernas de energias renováveis.

4.7.

Em coordenação com o sistema de «contagem líquida» que existe na Polónia para pequenas instalações fotovoltaicas, os cidadãos produzem a sua própria eletricidade «verde» por cerca de 0,18 zlótis/kWh (aproximadamente 4,3 cêntimos/kWh) (incluindo todas as despesas conexas). Em comparação: atualmente é preciso pagar 0,65 zlótis/kWh (= 15,5 cêntimos/kWh) por aquisições da rede (eletricidade produzida essencialmente à base de carvão). Tal representa uma redução dos custos com eletricidade de aproximadamente 75 %, e a poupança daí decorrente reverte a favor da economia regional.

4.8.

O Gabinete do presidente da região adotou esta abordagem e, em 2017, viabilizou projetos similares em 62 outros municípios. No total, foi solicitado apoio para cerca de 4 700 painéis de energia solar térmica e 2 250 painéis fotovoltaicos domésticos com uma capacidade global de pouco mais de 7 mWp; a sua aplicação deve ocorrer em 2018.

4.9.

No entanto, há muito que se pensa em avançar mais além, por exemplo, no sentido da mobilidade elétrica. Dos 5,2 mil milhões de zlótis que saem anualmente da Podláquia com a importação de energia, cerca de 1,5 mil milhões de zlótis destinam-se à importação de gasolina e gasóleo só para automóveis.

4.9.1.

A «reflexão da Podláquia» nesta matéria: os automóveis registados na região percorrem anualmente cerca de 5,2 mil milhões de quilómetros. Se todos os veículos fossem movidos a eletricidade, seriam necessários cerca de 800 000 MWh de eletricidade para um consumo de 15 kWh/100 km. Ao custo atual das aquisições da rede de 0,63 zlótis/kWh, tal custaria aproximadamente 500 milhões de zlótis, em vez dos 1,5 mil milhões de zlótis para combustíveis fósseis, que são gastos atualmente. Bastaria isto para que ficassem cerca de mil milhões de zlótis na região, que poderiam contribuir para reforçar a economia.

4.9.2.

A quantidade necessária de eletricidade poderia ser produzida com aproximadamente 70 turbinas eólicas (instaladas na região). A eletricidade produzida anualmente por uma instalação deste tipo é suficiente para o funcionamento de cerca de 7 000 automóveis, ao preço de 6-7 cêntimos/kWh. Se 7 000 condutores unissem esforços e explorassem a instalação através de uma cooperativa, poderiam reduzir ainda mais, de forma significativa, os custos de funcionamento dos veículos elétricos. Contudo, tal teria de ser viabilizado do ponto de vista jurídico e administrativo, nomeadamente abrindo as redes para a distribuição entre pares (peer-to-peer), uma possibilidade criada pela digitalização e que a realidade política está a bloquear.

4.10.

Na Podláquia, está igualmente a ser estudada a utilização de energia eólica produzida na região em substituição do carvão nas centrais térmicas. A energia eólica seria utilizada em bombas de calor industriais e em acumuladores de calor. Tal parece ser uma opção altamente económica. No entanto, estas ideias ainda não passaram da fase preliminar de planeamento, nem existem fontes de financiamento para um estudo de viabilidade.

5.   Mais valor acrescentado regional através da utilização de energias renováveis produzidas na região

5.1.

O exemplo da Podláquia demonstra que um efeito significativo das energias renováveis reside no possível reforço do poder de compra regional. Para o alcançar, é importante avaliar primeiramente as potencialidades no quadro de uma «economia circular da energia a nível regional», quer no domínio da eletricidade, quer no aquecimento e nos transportes.

5.2.

O potencial de uma abordagem que tenha em consideração a economia regional está bem ilustrado no exemplo da energia solar térmica. A instalação e a exploração acarretam um valor acrescentado regional reduzido, sobretudo porque também comportam efeitos negativos, designadamente, se um sistema de aquecimento a óleo for substituído e colocar sob pressão postos de trabalho de distribuidores de fuelóleo. Efetivamente, a energia solar térmica tem um efeito positivo mais elevado para os consumidores. Quanto maior for a percentagem de calor solar na energia total para satisfazer as necessidades de aquecimento dos consumidores, tanto mais estes poderão abdicar da importação de matérias-primas energéticas como o carvão, o petróleo ou o gás natural, que representa a saída do poder de compra da região em benefício dos países exportadores de carvão, petróleo e gás ou das empresas multinacionais de óleos minerais e de gás natural.

5.3.

Globalmente, num balanço energético regional, é necessário ter em conta até que ponto o consumo de energia regional é, ou pode, ser satisfeito com a produção (e, eventualmente, o armazenamento intermediário) de energias renováveis a nível regional. Este balanço deve incluir quatro aspetos:

1.

É necessário determinar qual a procura de energia de uma região nos setores da eletricidade, aquecimento e mobilidade. É importante ter em consideração os setores do aquecimento e da mobilidade por duas razões: por um lado, estas áreas representam 75 % do consumo de energia; por outro lado, as aplicações do aquecimento e da mobilidade apresentam opções de flexibilidade importantes, que, na maior parte das vezes, apenas se encontram disponíveis localmente.

2.

Há que identificar qual o potencial existente para satisfazer esta procura através de energias renováveis provenientes da região. Importa determinar igualmente até que ponto se consegue, deste modo, redirecionar efetivamente os fluxos de capital em benefício da região. No caso da bioenergia, a origem da biomassa é fundamental, do mesmo modo que no caso das tecnologias de energias renováveis, as unidades de exploração e as empresas responsáveis pela instalação e manutenção são fatores essenciais. Além disso, deve determinar-se, com base na estrutura das entidades exploradoras e, eventualmente, no volume do consumo de eletricidade intrarregional, se as receitas geradas pela exploração permanecem na região e em que medida implicam uma participação económica dos atores regionais.

3.

A diferença entre a procura de energia a nível regional e a percentagem que pode ser satisfeita com energias renováveis produzidas na região representa a quantidade de energia que tem de ser importada de outras regiões (saída de capital da região). Muitas regiões europeias continuarão a não conseguir prescindir das importações de energia no futuro — por ser ineficaz, pouco económico ou simplesmente impossível do ponto de vista técnico satisfazer as necessidades energéticas de toda a região através da produção regional.

4.

Caso a produção de energia na região seja superior ao consumo regional, é necessário definir quem terá uma participação nas receitas da venda de eletricidade.

5.4.

Para cada região europeia, deveria ser feito o balanço entre a produção e o consumo de energia a nível regional, sem que para tal se preveja uma obrigação legal. Pelo contrário, cada região deveria ter interesse em elaborar voluntariamente os respetivos balanços. É preciso verificar se a categoria definida de regiões NUTS 3 pode ser aqui utilizada. Em alguns casos, as regiões energéticas transfronteiriças revelam-se atrativas, também no sentido da «Europa das regiões». Neste contexto, o «serviço europeu de informação energética», cuja criação é preconizada pelo CESE num parecer anterior (6), poderia assumir uma função de coordenação.

6.   Potencial de um balanço energético equilibrado ou positivo a nível da energia e da política regional

6.1.

A melhoria do balanço entre a produção e o consumo de energias renováveis a nível regional, conforme descrito na secção 5, contribuirá para reduzir a dependência energética da Europa.

6.2.

Se os atores regionais pudessem reforçar a participação económica nas energias renováveis, tal fortaleceria a coesão regional. Com efeito, é frequentemente nas regiões estruturalmente desfavorecidas que reside o maior potencial em termos de área para a exploração de energias regionais e, por conseguinte, é maioritariamente aí que as energias renováveis produzem impacto na economia regional.

6.3.

A elaboração de balanços energéticos regionais específicos permitiria compreender a importância da transição energética para cada região. O debate sobre uma mudança estrutural em determinadas regiões poderia assentar numa base sólida. Tal permitira desenvolver intervenções de política regional mais adequadas do que atualmente, uma vez que se fala de «regiões carboníferas» ou «ilhas energéticas» de forma relativamente generalizada.

6.4.

O facto de uma região ser região de exportação de energia ou região de importação de energia, ou ter um balanço de energia equilibrado, repercute-se concretamente na população residente. Tal requer um diálogo com as partes interessadas regionais. Não existe uma solução perfeita, que seja adequada igualmente a todas as regiões. Em vez disso, devem ser acordadas soluções mais equitativas e específicas para cada região, tendo em vista também a justiça espacial (spacial justice), ou seja, a questão de saber quais as áreas utilizadas e para que fins. Os representantes políticos e as administrações regionais devem ser qualificados para o efeito.

6.5.

Quanto mais as necessidades energéticas regionais forem satisfeitas com energias renováveis produzidas na região, tanto maior será a independência dos consumidores, que vivem e trabalham na região, face à evolução dos preços no mercado mundial, especialmente dos óleos minerais e do gás natural. Trata-se da melhor maneira de reduzir a pobreza energética e a vulnerabilidade dos consumidores finais. Uma vez que os preços da energia são um critério cada vez mais importante nas decisões de investimento, é possível aumentar, ao mesmo tempo, o caráter atrativo do tecido económico e industrial local.

6.6.

A iminente integração dos setores do aquecimento e da mobilidade no sistema elétrico poderia ser promovida de forma direcionada e reforçada através de incentivos à utilização regional das energias renováveis produzidas na região.

6.7.

A digitalização do setor da energia proporciona grandes oportunidades. Também nesta perspetiva, os incentivos à utilização regional das energias renováveis produzidas na região poderiam libertar o potencial específico da digitalização, promovendo assim a inovação.

6.8.

O objetivo da União Europeia da Energia é reforçar o papel dos cidadãos e dos consumidores de energia na transição energética. Contudo, existem obstáculos imponentes à entrada nos mercados suprarregionais da energia e as economias de escala desempenham um papel importante (7). Em última análise, trata-se de uma consequência das estruturas de mercado monopolistas com raízes históricas. O novo papel mais ativo dos cidadãos e dos consumidores, isto é, no quadro de uma economia circular da energia a nível regional, é muito mais fácil de exercer à escala regional.

6.9.

Se as energias renováveis produzidas a nível regional fossem utilizadas mais a esse nível, tal aliviaria a rede e possivelmente reduziria a necessidade de expandir maciçamente as redes europeias de transporte de eletricidade (ver também o considerando 52 da proposta de diretiva relativa à promoção da utilização de energia proveniente de fontes renováveis [COM(2016) 767 final]).

7.   Exigências relacionadas com a economia circular da energia a nível regional

7.1.

O CESE apela às instituições da UE para que definam como objetivo da política energética europeia e da política de coesão a utilização regional das energias renováveis produzidas a nível regional e para que utilizem como referência o balanço entre a procura regional de energia e a produção regional de energias renováveis. Tal implica que, na futura conceção do apoio às energias renováveis, sejam tidas em conta as características especiais da energia produzida pelos cidadãos e por outros intervenientes regionais que não beneficiam das economias de escala (8). O objetivo deve ser, em especial, o de eliminar os obstáculos de acesso ao mercado que prejudicam as oportunidades dos pequenos intervenientes (regionais). Seria útil também prever um programa europeu para a qualificação dos intervenientes regionais e reforçar o intercâmbio de boas práticas.

7.2.

Para tal, impõe-se primeiramente uma decisão estratégica que oriente a política energética para a descentralização. A este respeito, ainda existem no pacote «Energias limpas para todos os europeus» demasiadas contradições entre uma política energética mais descentralizada e uma política energética claramente centralizada. Seria aconselhável que as regiões e os municípios europeus tivessem a competência de regular diretamente a participação dos atores regionais na utilização das energias renováveis regionais, o que corresponderia também à tradição estabelecida em muitos Estados-Membros dos serviços de interesse geral municipais.

7.3.

O CESE insta a Comissão a apresentar uma abordagem para determinar as medidas do cabaz da política energética, a nível europeu, nacional e infranacional, que ajudam a promover a energia regional. Uma parte deste exercício poderia consistir numa formulação correspondente do direito em matéria de adjudicação de contratos públicos e aquisição pública. Além disso, deveria ser desenvolvida uma metodologia para permitir que as regiões elaborem o seu próprio balanço energético. Seria desejável uma aplicação em linha, para os políticos e as partes interessadas regionais, que produza pelo menos resultados aproximados.

7.4.

Uma reestruturação das tarifas da rede, e possivelmente de outras taxas e impostos, poderia ajudar a alcançar os efeitos descritos do desenvolvimento das energias renováveis na economia regional. Os preços da exportação e, especialmente, da importação de energia devem ter em conta, no mínimo, os custos de transporte.

7.5.

Uma cobrança diferenciada das tarifas de rede — em que a tarifação de uma transação comercial de eletricidade dependa da quantidade de níveis de rede utilizados para a realização da transação —, combinada com uma maior cobertura das necessidades regionais de energia através da produção regional de energias renováveis, também facilita o processo de determinar, de uma forma orientada para o mercado, a necessidade efetiva da expansão da rede. Sem dúvida, será importante interligar adequadamente as regiões energéticas da Europa. No entanto, tal não significa que a expansão da rede tenha prioridade a todo o custo e em todos os casos, o que hoje em dia acontece com demasiada frequência, sem que se justifique do ponto de vista económico (9).

Bruxelas, 11 de julho de 2018.

O Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Luca JAHIER


(1)  JO C 303 de 19.8.2016, p. 1.

(2)  https://ec.europa.eu/info/news/no-region-left-behind-launch-platform-coal-regions-transition-2017-dec-08_pt

(3)  Para mais pormenores, ver a apresentação do estudo de caso na audição do CESE sobre «A transição energética nas regiões da Europa — Avaliação dos efeitos na economia regional da transição para um aprovisionamento energético inteligente e hipocarbónico», em 31 de maio de 2018, https://www.eesc.europa.eu/en/news-media/presentations/presentation-michael-knape

(4)  Weterings, A. et al. (2018): «Effecten van de energietransitie op de regionale arbeidsmarkt — een quickscan» [Efeitos da transição energética no mercado de trabalho regional — Uma síntese], PBL, Haia, p. 36.

(5)  Institut für dezentrale Energietechnologien (2016). «Regionale Wertschöpfung in der Windindustrie am Beispiel Nordhessen» [Valor acrescentado regional na indústria eólica no caso do norte de Hesse].

(6)  JO C 262 de 25.7.2018, p. 86.

(7)  JO C 288 de 31.8.2017, p. 91.

(8)  JO C 246 de 28.7.2017, p. 55.

(9)  Ver Peter, F.; Grimm, V. e Zöttl, G. (2016). «Dezentralität und zellulare Optimierung — Auswirkungen auf den Netzausbaubedarf» [Descentralização e otimização celular — impacto na necessidade de expansão da rede]. https://www.fau.de/files/2016/10/Energiestudie_Studie.pdf