22.3.2019   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 110/75


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a «Proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho que cria o Fundo Europeu de Defesa»

[COM(2018) 476 final]

(2019/C 110/15)

Relator:

Aurel Laurențiu PLOSCEANU

Correlator:

Eric BRUNE

Consulta

Parlamento Europeu, 2.7.2018

Conselho, 4.7.2018

Decisão da Mesa

10.7.2018

Base jurídica

Artigos 173.o, n.o 3, e 304.o do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia

Competência

Comissão Consultiva das Mutações Industriais (CCMI)

Adoção pela CCMI

22.11.2018

Adoção em plenária

12.12.2018

Reunião plenária n.o

539

Resultado da votação

(votos a favor/votos contra/abstenções)

200/1/6

1.   Conclusões e recomendações

1.1.

O CESE considera imperativo aplicar a estratégia global da UE e o Plano de Execução sobre Segurança e Defesa de modo coerente e em conformidade com as disposições da declaração conjunta UE-OTAN, de julho de 2016, e com o princípio da segurança coletiva das Nações Unidas.

1.2.

Desde 2017, o CESE defende a criação de uma União Europeia da Defesa e apoia o Plano de Ação Europeu de Defesa, incluindo a criação de um Fundo Europeu de Defesa (FED) comum. Estima que o reforço da defesa europeia não visa enfraquecer, mas antes reforçar, a OTAN e as relações transatlânticas.

1.3.

O CESE apoia firmemente a proposta de regulamento que cria o Fundo Europeu de Defesa no âmbito do Quadro Financeiro Plurianual (QFP) de 2021-2027, publicada pela Comissão em 13 de junho de 2018.

1.4.

O CESE apela a progressos qualitativos significativos na cooperação europeia no domínio da defesa. Na verdade, a cooperação limitada entre os Estados-Membros em matéria de defesa cria duplicações e mantém a indústria da defesa muito fragmentada. A insuficiente integração no lado da procura do mercado não incentiva a cooperação transnacional entre empresas nem o reforço da integração da indústria. Tal provoca uma afetação ineficaz de recursos, a duplicação de capacidades industriais, lacunas tecnológicas e ausência de novos programas, em especial programas colaborativos.

1.5.

O CESE apoia o objetivo da autonomia estratégica, com o desenvolvimento de tecnologias-chave em áreas críticas e capacidades estratégicas. Este objetivo está estreitamente relacionado com a necessidade de uma boa avaliação e coordenação para garantir que essas tecnologias possam ser dominadas, retidas e produzidas a nível europeu, permitindo à UE tomar decisões e agir autonomamente se tal for necessário.

1.6.

O CESE considera que o reforço da base industrial e tecnológica da defesa europeia é uma condição essencial para o desenvolvimento de capacidades de defesa comuns.

1.7.

O CESE salienta que a União Europeia deve envidar esforços para manter, renovar e desenvolver uma mão de obra altamente qualificada e para conservar no seu território os trabalhadores com essas qualificações.

1.8.

O CESE propõe que a União Europeia intensifique os esforços para harmonizar as regras relativas à exportação dentro da União.

1.9.

O CESE apoia firmemente a especial atenção concedida às PME, assim como às empresas em fase de arranque, incluindo as que trabalham na área da investigação e desenvolvimento para fins de defesa.

1.10.

O CESE defende que o orçamento da UE para apoio das atividades de defesa não deve substituir as despesas com a defesa nacionais, mas impulsionar e acelerar uma maior e melhor cooperação no domínio da defesa. No mesmo sentido, o orçamento da UE para a investigação no domínio da defesa não deve retirar recursos à investigação civil noutros setores. Embora as decisões relativas ao investimento em matéria de defesa e aos programas de desenvolvimento da defesa continuem a ser prerrogativa dos Estados-Membros, o Fundo Europeu de Defesa (FED) poderá trazer valor acrescentado europeu incentivando a investigação conjunta e o desenvolvimento de produtos e tecnologias no domínio da defesa.

1.11.

O CESE está firmemente convicto de que uma política europeia de defesa mais harmonizada e otimizada pode gerar ganhos de eficiência através do aumento da quota de mercado da base industrial e tecnológica da defesa europeia e da melhor distribuição dos produtos entre países, regiões e empresas.

1.12.

O Fundo Europeu de Defesa só fará diferença se apoiar atividades realmente importantes. Assim, os seus programas devem ser estabelecidos com base num processo sólido de planeamento da defesa europeia que identifique as prioridades fundamentais da Europa em termos de capacidades.

1.13.

O CESE apoia uma política de cooperação que promova a participação das PME, bem como dos países não signatários da carta de intenções, sem, no entanto, esquecer as competências que podem acrescentar à base industrial e tecnológica da indústria da defesa.

1.14.

O CESE apoia a proposta destinada a limitar a elegibilidade para fundos europeus nos casos de empresas europeias controladas pela mesma entidade e a exigir a prestação de garantias se um país terceiro participar em atividades de desenvolvimento apoiadas pelo Fundo Europeu de Defesa.

1.15.

O CESE concorda com a ideia de que os fundos europeus devem ser geridos pela Comissão Europeia, mas entende que a Agência Europeia de Defesa pode ter uma intervenção útil na definição das necessidades de equipamento de defesa e na Organização Conjunta de Cooperação em matéria de Armamento (OCCAR), retirando ensinamentos de experiências que nem sempre foram bem-sucedidas, e desempenhar o seu papel na gestão de programas, já que a duplicação de competências no terreno prejudicaria a eficácia do sistema.

1.16.

O CESE apoia a ideia de que as atividades de investigação e desenvolvimento devem ser submetidas à apreciação de um comité de ética. As condições éticas devem ser definidas claramente e aferidas logo na avaliação da proposta, a fim de garantir segurança jurídica e clareza.

1.17.

O CESE está preocupado com o futuro da cooperação com o Reino Unido após o Brexit e defende uma segurança e uma defesa fortes que incluam o envolvimento do Reino Unido no FED.

1.18.

O CESE considera que o nosso continente envelhecido se sente ameaçado, revelando uma tendência para associar, e por vezes confundir, problemas como o terrorismo e os movimentos migratórios, e falta de solidariedade nos Estados-Membros e entre estes, num contexto de ressurgimento do nacionalismo e do autoritarismo em toda a União Europeia, que coloca pressão sobre as democracias europeias. Um instrumento estratégico industrial tão interessante como o Fundo Europeu de Defesa não dispensa novas reflexões sobre a política de defesa europeia.

2.   Apresentação da proposta

2.1.

O contexto geopolítico tornou-se instável na última década: enfrentamos um ambiente complexo e difícil no qual estão a surgir novas ameaças, tais como as ameaças híbridas e os ciberataques, bem como o regresso de desafios mais convencionais.

2.2.

Na declaração conjunta de 25 de março de 2017, em Roma, os dirigentes de 27 Estados-Membros e o Conselho Europeu, o Parlamento Europeu e a Comissão Europeia declararam que a União iria reforçar a sua segurança e defesa comuns e promover uma indústria da defesa mais competitiva e integrada.

2.3.

A defesa europeia enfrenta deficiências de mercado significativas associadas a economias de escala inexploradas (fragmentação dos mercados nacionais com um único comprador) e à duplicação de recursos a nível europeu.

2.4.

A procura provém quase exclusivamente dos Estados-Membros, mas os seus orçamentos consagrados à defesa, sobretudo para a investigação e desenvolvimento (I&D), têm sofrido cortes substanciais nos últimos 10 anos.

2.5.

Em 2015, apenas 16 % dos equipamentos de defesa foram adjudicados através de contratação pública europeia colaborativa, o que fica longe do objetivo coletivo de 35 % acordado no quadro da Agência Europeia de Defesa.

2.6.

O setor da defesa está fortemente fragmentado entre as fronteiras nacionais, com uma duplicação substancial e as ineficiências daí resultantes, o que impede a realização de economias de escala e de efeitos de aprendizagem.

2.7.

A situação atual não é sustentável, e o desenvolvimento de importantes sistemas de defesa de nova geração está cada vez mais fora do alcance dos Estados-Membros individualmente.

2.8.

A falta de cooperação entre os Estados-Membros enfraquece ainda mais a capacidade da indústria da defesa da UE para manter as capacidades industriais e tecnológicas necessárias para preservar a autonomia estratégica da UE e responder às suas necessidades atuais e futuras em matéria de segurança.

2.9.

Em 7 de junho de 2017, a Comissão adotou uma comunicação que lança o Fundo Europeu de Defesa, que é composto pelas vertentes de investigação e de capacidades, acompanhada de uma proposta legislativa de um regulamento que institui o Programa Europeu de Desenvolvimento Industrial no domínio da Defesa, ao abrigo da vertente de capacidades.

2.10.

A proposta de regulamento que cria o Fundo Europeu de Defesa no âmbito do QFP de 2021-2027 foi publicada pela Comissão em 13 de junho de 2018.

2.11.

O Fundo Europeu de Defesa pretende ser um instrumento para estimular a competitividade e a capacidade de inovação da base industrial e tecnológica da defesa da UE, contribuindo assim para a autonomia estratégica da União. Este instrumento destina-se a promover programas de cooperação que não existiriam sem uma contribuição da UE e a proporcionar os incentivos necessários para fomentar a cooperação em cada fase do ciclo industrial.

2.12.

Serão particularmente encorajados os projetos colaborativos com uma participação transfronteiras significativa das pequenas e médias empresas. Garantir-se-á assim que o FED permanece aberto a beneficiários de todos os Estados-Membros, independentemente da sua dimensão e localização.

2.13.

A proposta em apreço é aplicável a partir de 1 de janeiro de 2021, sendo apresentada para uma União de 27 Estados-Membros.

2.14.

Embora a investigação no domínio da defesa se enquadre no âmbito do Programa-Quadro de Investigação e Inovação (Horizonte Europa), as disposições específicas correspondentes para a investigação no domínio da defesa — tais como os objetivos, as regras de participação e os mecanismos de execução — constam da proposta.

2.15.

A proposta procura garantir sinergias com outras iniciativas da UE no domínio da I&D civil, tais como segurança e cibersegurança, controlo de fronteiras, guarda costeira, transporte marítimo e espaço.

2.16.

Estabelecer-se-ão ligações estreitas entre o FED e os projetos executados no quadro da cooperação estruturada permanente em matéria de defesa (CEP).

2.17.

O FED terá em conta o Plano de Desenvolvimento de Capacidades (PDC) da UE que identifica as prioridades em matéria de capacidades de defesa e a Análise Anual Coordenada da Defesa (AACD) da UE.

2.18.

Neste contexto, podem igualmente ser tidas em conta as atividades relevantes desenvolvidas pela Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) e outros parceiros, quando servem os interesses de segurança e de defesa da União.

2.19.

O FED tem igualmente em conta as atividades de defesa executadas através da Facilidade Europeia de Apoio à Paz, um instrumento extraorçamental proposto à margem do QFP.

2.20.

A proposta prevê a possibilidade de combinar o apoio no âmbito do FED com financiamento ao abrigo do Fundo InvestEU.

2.21.

O FED deve ser utilizado para colmatar de modo proporcionado as deficiências do mercado ou as situações em que o investimento fica aquém do desejado, sem duplicar nem excluir o financiamento privado, e deve ter um claro valor acrescentado europeu.

2.22.

Para proteger os seus valores e interesses e o modo de vida europeu, a União, em sinergia e em cooperação com a OTAN, terá de assumir uma maior responsabilidade.

2.23.

Se pretende estar preparada para enfrentar as ameaças de amanhã e proteger os seus cidadãos, a União tem de reforçar a sua autonomia estratégica. Tal exige o desenvolvimento de tecnologias-chave em áreas críticas e capacidades estratégicas que garantam a liderança tecnológica.

2.24.

As decisões relativas aos investimentos em matéria de defesa e aos programas de desenvolvimento da defesa continuam a ser prerrogativa e responsabilidade dos Estados-Membros.

2.25.

A abordagem política proposta é proporcional à dimensão e à gravidade dos problemas identificados. A iniciativa é limitada aos objetivos que os Estados-Membros não podem, por si só, alcançar de forma satisfatória e quando é esperado que a União possa fazer melhor.

2.26.

Em abril de 2017, foi lançada uma Ação Preparatória em Matéria de Investigação no Domínio da Defesa com um orçamento total de 90 milhões de EUR ao longo de três anos. Começou a produzir resultados concretos iniciais com as primeiras convenções de subvenção assinadas em 2018, mas os projetos ainda estão todos em curso.

2.27.

O regulamento relativo ao Programa Europeu de Desenvolvimento Industrial no domínio da Defesa proposto para 2019-2020 terá um orçamento de 500 milhões de EUR e deve estar operacional a partir de 1 de janeiro de 2019.

2.28.

Realizou-se uma consulta pública aberta sobre o FED para todas as partes interessadas entre 13 de janeiro e 9 de março de 2018. Houve algumas críticas de um ponto de vista ético, mas as partes interessadas diretamente afetadas apoiam a iniciativa. As regras relativas aos direitos de propriedade intelectual precisam de ser adaptadas para a defesa.

2.29.

A dotação orçamental proposta para o período de 2021-2027 é de 13 mil milhões de EUR (a preços correntes), dos quais 4,1 mil milhões para ações de investigação e 8,9 mil milhões para ações de desenvolvimento.

2.30.

Sob reserva de confirmação da eficiência dos custos através de uma análise de custo-benefício, o FED pode ser gerido por uma agência de execução da Comissão.

2.31.

É proposto um regime de monitorização para apoiar a elaboração de relatórios sobre o desempenho e a avaliação. Os resultados serão disponibilizados gradualmente.

2.32.

A proposta da Comissão relativa ao QFP 2021-2027 fixa um objetivo mais ambicioso para a integração das questões climáticas em todos os programas da UE, com uma meta global de 25 % das despesas da UE contribuindo para os objetivos climáticos. O contributo do FED para atingir essa meta global será acompanhado através de um sistema de indicadores climáticos da UE a um nível de desagregação apropriado, incluindo a utilização de metodologias mais precisas, sempre que existam.

2.33.

A proposta é aplicável a partir de 1 de janeiro de 2021.

3.   Observações na generalidade

3.1.

O CESE reitera os apelos já lançados nos pareceres CCMI/149 (2017), CCMI/116 (2013) e CCMI/100 (2012). A estratégia global da UE e o Plano de Execução sobre Segurança e Defesa também apresentam abordagens importantes para esse efeito. O CESE considera imperativo executar estas iniciativas de modo coerente e em conformidade com as disposições constantes da declaração conjunta UE-OTAN, de julho de 2016, e com o princípio da segurança coletiva das Nações Unidas.

3.2.

Tendo em conta a atual conjuntura geoestratégica e a mais recente evolução no domínio da segurança, a Europa deve reforçar as suas capacidades em matéria de segurança e defesa. É indispensável ter uma compreensão clara dos objetivos estratégicos comuns da União: essa compreensão ainda não existe e é urgente desenvolvê-la. Trata-se de uma condição prévia para a identificação das capacidades de defesa necessárias que deverão assentar numa base industrial e tecnológica sustentável de defesa europeia.

3.3.

A retirada dos EUA do acordo nuclear celebrado com o Irão em 2015, a crise na Ucrânia, as preocupantes manifestações de força da Rússia nas fronteiras dos Estados bálticos e na fronteira oriental da UE, a turbulência no arco Líbia-Iraque-Síria, a instabilidade permanente no Sael, o potencial confronto político e militar entre um eixo EUA-Israel-Arábia Saudita e um eixo Irão-Síria-Rússia, sobretudo num contexto de ciberameaças, aumento do autoritarismo na Europa e muito maior imprevisibilidade da diplomacia dos EUA: o exercício de equilíbrio estratégico da UE raras vezes foi tão complexo e preocupante.

3.4.

As questões de segurança na UE e na sua vizinhança estão entre as principais preocupações dos cidadãos e dos chefes de Estado.

3.5.

A UE tem de abordar pelo menos quatro desafios, da forma mais consensual possível: autonomia na tomada de decisão, antecipação de crises, influência política e a coerência entre os nossos interesses e os nossos princípios democráticos.

3.6.

Em 2017, o CESE defendeu a criação de uma União Europeia da Defesa e apoiou o Plano de Ação Europeu de Defesa, incluindo a criação de um Fundo Europeu de Defesa (FED) comum.

3.7.

O CESE apelou a progressos qualitativos significativos na cooperação europeia no domínio da defesa. Na verdade, a cooperação limitada entre os Estados-Membros em matéria de defesa cria duplicações e mantém a indústria da defesa muito fragmentada. A insuficiente integração no lado da procura do mercado não incentiva a colaboração transnacional entre empresas nem o reforço da integração da indústria. Tal provoca uma afetação ineficaz de recursos, a duplicação de capacidades industriais, lacunas tecnológicas e ausência de novos programas, em especial programas colaborativos.

3.8.

O CESE apoia o objetivo da autonomia estratégica nas capacidades e tecnologias industriais críticas identificadas. Este objetivo está estreitamente relacionado com a necessidade de uma boa avaliação e coordenação para garantir que essas tecnologias possam ser dominadas, retidas e produzidas a nível europeu, permitindo à UE tomar decisões e agir autonomamente se tal for necessário.

3.9.

O CESE aprova a opção de apoiar o setor da defesa numa política industrial orientada pela procura.

3.10.

O CESE concorda que uma maior eficiência nos orçamentos nacionais deve tornar possível suprir todas as necessidades europeias de equipamento de defesa.

3.11.

O CESE concorda que a coerência entre os programas a nível europeu deve permitir aumentar a dimensão do mercado europeu servido pela indústria da defesa europeia.

3.12.

O CESE defendeu, como condição essencial para o desenvolvimento de capacidades de defesa comuns, o reforço de uma base industrial e tecnológica para a defesa europeia.

3.13.

O CESE salienta que a União Europeia deve envidar esforços para desenvolver uma mão de obra altamente qualificada e para manter no seu território os trabalhadores com essas qualificações.

3.14.

O CESE propõe que a União Europeia intensifique os esforços para harmonizar as regras relativas à exportação dentro da União.

3.15.

O CESE apoia firmemente a especial atenção concedida às PME, incluindo as que trabalham na área da investigação e desenvolvimento para fins de defesa.

3.16.

O Comité opôs-se à utilização para fins de defesa de fundos atuais que servem propósitos de ordem económica ou social.

3.17.

O CESE opôs-se a uma contabilização separada, para efeitos do Pacto de Estabilidade e Crescimento, dos recursos orçamentais nacionais afetados à defesa. As despesas com a defesa não devem desequilibrar as finanças públicas.

3.18.

O CESE apoiou a criação de um Fundo Europeu de Defesa com duas vertentes que incidem na investigação e no desenvolvimento de capacidades. Este instrumento pode apoiar a conceção de um processo de planeamento integrado para investimentos em todo o ciclo tecnológico. As decisões relativas à contratação pública continuam a ser da competência dos Estados-Membros. Uma forma de contratação conjunta, porém, pode reforçar a eficiência do lado da procura e contribuir para a competitividade e a eficiência da indústria da defesa europeia. O orçamento da UE para apoio das atividades de defesa não deve substituir as despesas com a defesa nacionais, mas impulsionar e acelerar uma maior e melhor cooperação no domínio da defesa. No mesmo sentido, o orçamento da UE para a investigação no domínio da defesa não deve retirar recursos à investigação civil noutros setores. O objetivo do FED é promover programas de cooperação e, apoiando atividades de investigação e desenvolvimento, proporcionar os incentivos necessários para fomentar a cooperação em cada fase do ciclo industrial. Embora as decisões relativas aos investimentos em matéria de defesa e aos programas de desenvolvimento da defesa continuem a ser prerrogativa dos Estados-Membros, o FED poderá trazer valor acrescentado europeu incentivando a investigação conjunta e o desenvolvimento de produtos e tecnologias no domínio da defesa.

3.19.

Além de se revestir de importância estratégica para a segurança e defesa dos cidadãos da União, o setor da indústria da defesa contribui de forma significativa para a economia e o bem-estar europeus, com um volume de negócios total de aproximadamente 100 mil milhões de EUR por ano e cerca de 500 000 postos de trabalho direta ou indiretamente ocupados por pessoas altamente qualificadas. Este setor está na origem de produtos, serviços e tecnologias de vanguarda, em que a inovação e o trabalho de investigação e desenvolvimento são essenciais para a competitividade.

3.20.

A indústria da defesa europeia, bem como a despesa com I&D, estão bastante concentradas nos seis países signatários da carta de intenções (Alemanha, Espanha, França, Itália, Reino Unido e Suécia), representando 95 % dos investimentos, a maioria das PME e empresas de média capitalização, bem como empresas de topo. Uma política europeia de defesa mais harmonizada e otimizada pode gerar ganhos de eficiência através da maior especialização de países, regiões ou empresas em determinadas tecnologias.

3.21.

Os países signatários da carta de intenções dominam o mercado da defesa europeu no que diz respeito ao número de empresas ativas e às vendas de armamento. Por exemplo, no Reino Unido, a BAE Systems é a maior empresa do setor da defesa. A SAAB é a principal empresa sueca no domínio aeroespacial e da defesa, enquanto as maiores empresas do setor em França são a Dassault Aviation, Naval Group, Safran e Thales. Na Alemanha, as empresas mais importantes incluem a Rheinmetall, ThyssenKrupp Marine Systems e Diehl. Em Itália, a Leonardo e a Fincantieri são as duas principais empresas. A Airbus, uma empresa transeuropeia, é a segunda maior da Europa neste setor, a seguir à BAE Systems. Uma outra empresa transnacional de relevo é a MBDA, uma empresa comum formada pelos três líderes europeus no domínio aeroespacial e da defesa (Airbus, BAE Systems e Leonardo), que produz mísseis e sistemas de mísseis. A KNDS, proprietária da Nexter e da KMW, também se está a tornar uma empresa transeuropeia. Importa assinalar que algumas destas empresas não operam exclusivamente no mercado da defesa, o que explica os rácios variáveis de vendas por trabalhadores.

No que se refere a empresas de menor dimensão, um estudo recente da IHS identificou quase 1 600 PME ativas no setor da defesa na Europa, estimando o número total de PME nas cadeias de abastecimento da defesa entre 2 000 a 2 500. Algumas destas PME são por natureza empresas de dupla orientação, envolvidas nos domínios civil e da defesa. Em qualquer caso, as PME desempenham um papel importante na indústria da defesa e são um motor essencial da competitividade.

3.22.

A indústria da defesa europeia não está distribuída de forma equilibrada na UE. Este facto sugere que o aumento das despesas militares pelos Estados-Membros da UE pode não beneficiar em igual medida todos os Estados-Membros. Se as despesas suplementares de um país tiverem como destino empresas de outros países, poderão surgir novos fluxos comerciais.

4.   Observações na especialidade

4.1.

O Fundo Europeu de Defesa só fará diferença se apoiar atividades realmente importantes. Assim, os seus programas devem ser estabelecidos com base num processo sólido de planeamento da defesa europeia que identifique as prioridades fundamentais da Europa em termos de capacidades.

4.2.

O CESE defende uma política de cooperação que promova a cooperação transfronteiras, o envolvimento de PME, também de Estados não signatários da carta de intenções, sem, contudo, voltar às políticas de «direito de regresso» que por vezes aumentavam a duplicação de competências.

4.3.

O CESE apoia a proposta destinada a limitar a elegibilidade para fundos europeus a empresas europeias controladas por interesses europeus e a exigir a prestação de garantias se um país terceiro participar em atividades de desenvolvimento apoiadas pelo Fundo Europeu de Defesa.

4.4.

O CESE concorda com a ideia de que a concessão de dotações europeias deve ser gerida pela Comissão Europeia, mas entende que a Agência Europeia de Defesa pode ter uma intervenção útil na definição das necessidades de equipamento de defesa e na OCCAR, retirando ensinamentos de experiências que nem sempre foram bem-sucedidas, e desempenhar o seu papel na gestão de programas, já que a duplicação de competências no terreno prejudicaria a eficácia do sistema.

4.5.

O CESE apoia a ideia de que as atividades de investigação e desenvolvimento devem ser submetidas à apreciação de um comité de ética. As condições éticas devem ser definidas claramente e aferidas logo na avaliação da proposta, a fim de garantir segurança jurídica e clareza.

4.6.

O CESE subscreve a ideia de uma soberania industrial europeia, mas questiona-se sobre a sua tradução política, dado que a maioria dos Estados-Membros da União Europeia se sentem parte integrante da Aliança Atlântica e outros continuam fiéis a um conceito nacional de soberania.

4.7.

O CESE está preocupado com o futuro da cooperação com o Reino Unido após o Brexit e defende uma segurança e uma parceria fortes que incluam o envolvimento do Reino Unido no FED.

4.8.

Atingidos pela globalização, que cria ruturas de muitas formas, os europeus já compreenderam alguns dos seus erros e das suas ilusões. O seu maior erro é a inação. A política de contenção estratégica, que nos permitiu colocar a tónica na economia e nos trouxe tanta prosperidade durante a Guerra Fria e até ao virar de século, transformou-se agora no principal obstáculo da Europa.

4.9.

A Europa, durante muito tempo, impôs a sua vontade ao mundo, primeiro por si só e, mais tarde, com os EUA. Num mundo em que o aquecimento global e os regimes autoritários estão cada vez mais fortes, as desigualdades no desenvolvimento entre países, mas também nos próprios países, estão a tornar-se insustentáveis. O nosso continente envelhecido sente-se ameaçado, revelando uma tendência para associar, e por vezes confundir, problemas como o terrorismo e os movimentos migratórios, e falta de solidariedade nos Estados-Membros e entre estes, num contexto de ressurgimento do nacionalismo e do autoritarismo, que coloca pressão sobre as democracias europeias. Um instrumento estratégico industrial tão interessante como o Fundo Europeu de Defesa não dispensa a União Europeia de levar a cabo reflexões políticas sobre o que se pretende defender e como fazê-lo.

4.10.

A defesa europeia já não se baseia apenas em ameaças estratégicas, intervenções externas, capacidade militar, inovação tecnológica e excelência industrial. Uma vez que a maior ameaça enfrentada hoje pelos europeus é o questionamento da própria democracia europeia, a política de defesa comum já não pode ignorar esta dimensão política.

Bruxelas, 12 de dezembro de 2018.

O Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Luca JAHIER