11.4.2018   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 129/82


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a «Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões — O papel da produção de energia a partir de resíduos na economia circular»

[COM(2017) 183]

(2018/C 129/14)

Relator:

Dimitris DIMITRIADIS

Consulta

Comissão, 31.5.2017

Base jurídica

Artigo 304.o do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia

Competência

Secção REX

Adoção em secção

7.11.2017

Adoção em plenária

6.12.2017

Reunião plenária n.o

530

Resultado da votação

(votos a favor/votos contra/abstenções)

159/1/1

1.   Conclusões e recomendações

1.1

A evolução social e ambientalmente sustentável das bacias marítimas e das zonas costeiras, capaz de atenuar as disparidades existentes e assegurar a preservação da diversidade cultural e biológica, reveste-se de importância crucial. Além disso, é um dos domínios mais privilegiados para a criação de regimes de cooperação transnacional, dentro e fora da União Europeia. Nesse sentido, o CESE apoia plenamente a iniciativa específica em prol do desenvolvimento sustentável da economia azul no Mediterrâneo Ocidental e exorta as instituições europeias a concluir o ciclo de consultas e a criar o grupo de ação correspondente.

1.2

O CESE considera que o êxito desta iniciativa passa por uma boa comunicação e um clima de cooperação adequado entre os Estados envolvidos e, em segundo lugar, entre as instituições europeias. A União para o Mediterrâneo (UM) é convidada a desempenhar um papel importante, assegurando uma articulação eficaz entre todas as partes envolvidas.

1.3

O CESE reconhece a necessidade de alargar a iniciativa das três formas seguintes:

1.3.1

Além dos domínios de ação da iniciativa específica — 1) um espaço marítimo mais seguro e mais protegido, 2) uma economia azul inteligente e resiliente, com um enfoque no desenvolvimento de competências, na investigação e na inovação, 3) uma melhor governação dos mares —, o CESE propõe o alargamento temático da iniciativa à biodiversidade e conservação e à comunicação intercultural, bem como uma estratégia mais concreta para apoiar as atividades produtivas de pequena e muito pequena escala.

1.3.2

O CESE considera ainda que é muito importante incluir a evolução progressiva dos sistemas de ensino profissional e académico, bem como a cooperação transnacional entre os mesmos, como domínio de intervenção transversal, reforçando a eficácia dos demais domínios da economia azul. Nesse sentido, importa adotar uma abordagem assente numa estratégia macrorregional.

1.3.3

Não será possível abordar com eficácia a longo prazo as questões da segurança marítima (em termos de transportes), da proteção das atividades marítimas, do crescimento económico sustentável e da preservação da cultura e do ambiente se se escamotear o facto de que o Mediterrâneo constitui uma unidade histórica, económica e ambiental (1). Por conseguinte, embora o agravamento das tensões geopolíticas e a escalada dos conflitos na parte oriental da bacia marítima expliquem o lançamento da iniciativa no Mediterrâneo Ocidental, cumpre concebê-la como um projeto-piloto com potencial para proporcionar experiências úteis e boas práticas, o qual poderá ser alargado a todo o Mediterrâneo mercê de uma abordagem holística (consultar igualmente os pontos 3.3., 3.4 e 3.5).

1.4

O CESE prevê que o êxito da iniciativa dependa de um elevado grau de coordenação transnacional e transversal. As políticas e programas para o Mediterrâneo executados nos últimos vinte anos obtiveram resultados fracos e deixaram por utilizar fundos elevadíssimos, devido às diferentes atitudes e à ausência de uma coordenação eficaz entre as instituições da UE e as administrações públicas dos países terceiros mediterrânicos, bem como, em alguns casos, à burocracia que, sob o pretexto da transparência, criou excessivos entraves à utilização dos fundos existentes. Tudo isto torna necessário um subprojeto de assistência técnica que inclua:

1.4.1

Uma análise comparativa aprofundada que identifique os domínios de sobreposição na atual multiplicidade de iniciativas com objetivos semelhantes, se não idênticos (ver pontos 3.9 e 3.10), a fim de economizar recursos e melhorar os resultados finais. O CESE sublinha o risco de a execução da iniciativa sofrer atrasos, ou vir mesmo a ser cancelada, se não houver uma definição clara dos seus objetivos a médio e a longo prazo e/ou das competências dos organismos e instituições participantes.

1.4.2

Impõe-se um plano diretor operacional, que defina as competências do Grupo de Ação para a Economia Azul, os instrumentos organizacionais ou administrativos específicos, as diferentes funções das instituições regionais, nacionais e internacionais envolvidas, bem como um calendário pormenorizado (ver igualmente os pontos 4.5 e 4.6). Dado que as instituições de investigação desempenharão um papel significativo, o(s) autor(es) do plano diretor deve(m) igualmente ter em conta a heterogeneidade regional no que se refere à existência de um setor de I&D experiente e competente, bem como quaisquer exemplos existentes de colaboração bem-sucedida no domínio da I&D entre as duas margens do Mediterrâneo.

1.4.3

A definição e execução de uma estratégia de comunicação com envergadura suficiente para divulgar o conteúdo da iniciativa em prol da economia azul e as oportunidades e perspetivas associadas, a fim de: i) registar todas as instituições e partes interessadas que poderão ser incluídas e/ou afetadas, especialmente a nível regional e local, e ii) fazer circular entre elas as informações pertinentes.

1.5

Com base nestas recomendações gerais, apresentam-se as conclusões pormenorizadas e as propostas conexas que se seguem:

1.5.1

O CESE concorda que, para vencer a luta contra a criminalidade e o terrorismo, as autoridades responsáveis pelas fronteiras terrestres e marítimas de ambas as margens devem criar redes mais eficazes e trocar e analisar dados de forma sistemática, em estreita colaboração com a Frontex e outras instituições mundiais e transnacionais, como a Organização Marítima Internacional (OMI).

1.5.2

Contudo, dada a ligação em rede das autoridades responsáveis pelas fronteiras terrestres e marítimas, o CESE deseja chamar a atenção em particular para as regras da «boa governação» e para a necessidade de considerar cuidadosamente os direitos humanos, individuais e coletivos (ver também o ponto 4.1).

1.5.3

Para que o ordenamento do espaço marítimo e a gestão costeira sejam eficazes, importa adotar, a nível transnacional e, sobretudo, regional e local, uma abordagem de hélice quádrupla. É necessário reforçar a participação dos órgãos de poder local (municípios e regiões), bem como dos parceiros sociais e das organizações da sociedade civil, no âmbito das respetivas áreas de atividade. Para o efeito, a Comissão deve convidar as partes interessadas dos setores público e privado a participar na consulta sobre a comunicação e sobre os domínios de ação específicos — segurança e proteção do transporte, pesca, turismo e energia, coesão social e sustentabilidade ambiental (ver igualmente os pontos 4.2.1 e 4.3).

1.5.4

O «crescimento azul» (2) é uma das principais estratégias a longo prazo para alcançar os objetivos da Estratégia Europa 2020 de crescimento inteligente, sustentável e inclusivo: a pesca e a aquicultura, o (eco)turismo costeiro, a logística marítima (de importância crescente para o Mediterrâneo dada a atual evolução da situação económica e geopolítica), a biotecnologia marinha, a energia dos oceanos e a mineração dos fundos marinhos oferecem novas e multifacetadas oportunidades empresariais.

1.5.5

As pequenas e microempresas, as indústrias artesanais e as empresas familiares com estruturas organizacionais, modos de funcionamento e atividades tradicionais são a espinha dorsal das economias locais de ambas as margens da bacia do Mediterrâneo. Nesse sentido, a criação de redes e de regimes de cooperação para pequenos e microprodutores pode também melhorar a sua resiliência e a competitividade dos custos e, simultaneamente, preservar a tão necessária diferenciação dos bens e serviços que fornecem. Por conseguinte, o CESE considera que, além do empreendedorismo inovador e tecnologicamente avançado, é pelo menos igualmente importante promover programas específicos e bem ajustados para as atividades económicas tradicionais, que tenham em conta as especificidades locais (ver pontos 3.6, 3.7, 4.2.2, 4.2.3 e 4.2.4).

1.5.6

Face à possibilidade de a pobreza e o desemprego jovem se agravarem nos próximos anos, sobretudo nos países do sul do Mediterrâneo, pode ser importante assegurar uma melhor correspondência entre a oferta e a procura no mercado de trabalho, embora, seguramente, tal não baste para combater o desemprego e garantir a coesão social e a sustentabilidade. Nesse sentido, as ações de desenvolvimento sintetizadas no ponto 1.5.5 são fundamentais para criar novos postos de trabalho sustentáveis e melhorar as condições de vida em zonas específicas. Estas ações têm de ser cuidadosamente planeadas em cooperação com as instituições e os órgãos de poder locais. Acresce que estas políticas localizadas constituem a forma mais eficaz de reverter os fatores que favorecem a migração, pelo que cumpre encará-las como um instrumento fundamental para lutar contra os crescentes fluxos migratórios e os problemas socioeconómicos deles decorrentes para ambas as margens, bem como para combater os problemas de segurança e proteção conexos, a criminalidade e o terrorismo (ponto 1.5.1).

1.5.7

No que respeita às pescas, o CESE considera que: i) importa aumentar a flexibilidade do Fundo Europeu dos Assuntos Marítimos e das Pescas (FEAMP), a fim de eliminar as barreiras entre os diferentes níveis da administração pública, e ii) reforçar o papel da Comissão Geral das Pescas do Mediterrâneo (CGPM), de modo a reverter a situação ainda desfavorável das unidades populacionais de peixes de muitas espécies, em estreita cooperação e coordenação com os países terceiros mediterrânicos (ver igualmente pontos 4.3.4 e 4.3.5).

2.   Contexto da comunicação

2.1

Em novembro de 2015, a Conferência Ministerial sobre a Economia Azul (3) da UM adotou uma declaração com vista a um maior desenvolvimento da economia azul (4) mediante o reforço do investimento na tecnologia, inovação, conhecimentos e competências pertinentes, bem como na governação marítima.

2.2

Em outubro de 2016, os ministros dos Negócios Estrangeiros do «Diálogo 5+5» — Argélia, Líbia, Mauritânia, Marrocos e Tunísia, por um lado, e França, Itália, Malta, Portugal e Espanha, por outro — apelaram para a prossecução dos trabalhos sobre uma iniciativa para o desenvolvimento sustentável da economia azul, no âmbito da União para o Mediterrâneo (5).

2.3

A comunicação em apreço (6) e o quadro de ação que a acompanha [SWD(2017) 130] (7) são o resultado desse pedido e têm por objetivo aproveitar as oportunidades e enfrentar os desafios de uma região que requer coordenação multilateral e cooperação internacional para além das fronteiras da União Europeia (UE).

2.4

Além disso, a iniciativa da Comissão subjacente à comunicação baseia-se na longa experiência em estratégias para as bacias marítimas e em estratégias macrorregionais — por exemplo, a Estratégia Atlântica, a Estratégia da UE para a Região do Mar Báltico e a Estratégia da UE para a Região Adriática e Jónica (8). A iniciativa beneficia ainda do diálogo regional em curso sobre a economia azul no âmbito da União para o Mediterrâneo (supramencionada), da Comissão Geral das Pescas do Mediterrâneo (9), da Convenção de Barcelona sobre a proteção do meio marinho e da região costeira do Mediterrâneo (10), bem como da Agenda 2030 das Nações Unidas para o Desenvolvimento Sustentável (11) e dos esforços envidados tendo em vista a execução da Estratégia Mediterrânica para o Desenvolvimento Sustentável (12).

2.5

Além disso, a comunicação em apreço está em conformidade com o debate científico e sociopolítico em evolução a nível mundial. A economia azul é já uma das questões mais importantes dos dias de hoje — em primeiro lugar, atendendo à importância dos recursos dos mares e oceanos e ao potencial em termos do crescimento económico a eles associado e, em segundo lugar, devido ao facto de a sustentabilidade dos mares e dos oceanos a nível mundial constituir o principal parâmetro para a preservação do ambiente a nível mundial (13).

2.6

A comunicação reconhece a necessidade do reforço da segurança e da proteção, de um crescimento económico sustentável e do emprego, bem como da preservação dos ecossistemas e da biodiversidade no Mediterrâneo Ocidental. Por outras palavras, pretende contribuir para a promoção do desenvolvimento económico social e ambientalmente sustentável da bacia marítima, das zonas costeiras meridionais e setentrionais, dos portos e das cidades que constituem um sistema integrado para a mobilidade de pessoas e mercadorias, muito para além das descontinuidades administrativas e políticas existentes. Para o efeito, define três domínios de desafios:

2.6.1

A segurança e a proteção das atividades marítimas: de acordo com a comunicação, o Mediterrâneo Ocidental tem zonas de congestionamento do tráfego expostas a riscos crescentes (em termos de acidentes de transporte) por força de futuros desenvolvimentos geopolíticos e económicos, como a duplicação do canal de Suez. Por outro lado, os problemas de segurança são já significativos — como o demonstra a migração ilegal –, enquanto se prevê que as atuais tendências socioeconómicas e demográficas, a par dos efeitos das alterações climáticas, intensifiquem a concorrência pelos recursos e agravem a instabilidade geopolítica.

2.6.2

Elevadas taxas de desemprego jovem versus uma mão de obra do setor marítimo em envelhecimento: a comunicação reconhece um «paradoxo a nível do emprego» sobejamente conhecido, a saber, a coexistência de elevadas taxas de desemprego e de postos de trabalho por preencher, concentrados em particular em setores e indústrias da economia azul. A Comissão está convicta de que a situação atual se deve sobretudo (se não por completo) à falta de correspondência entre a oferta e a procura, pelo que salienta a falta de diálogo e de cooperação entre a indústria e o sistema de ensino.

2.6.3

Interesses divergentes e concorrentes no mar: de acordo com os dados apresentados na comunicação, o Mediterrâneo Ocidental possui a maior biodiversidade de toda a bacia marítima. Ao mesmo tempo, concentra cerca de metade do PIB do Mediterrâneo, gerado, essencialmente, por atividades marítimas — turismo, aquicultura, pescas e transporte —, o que dá origem a uma crescente urbanização da orla costeira, à sobreexploração das unidades populacionais de peixes, à poluição marinha e a questões de conservação mais vastas. Tendo em conta a natureza transnacional dos interesses em causa e as graves disparidades socioeconómicas, estes fatores justificam plenamente a afirmação da Comissão de que esta zona é «um foco de pressões económicas, demográficas e ambientais».

2.7

Em termos gerais, a Comissão reconhece que os regimes de cooperação existentes em ambas as margens da bacia marítima não se revelaram suficientemente eficazes. Nesse sentido, a iniciativa vem dar resposta a uma necessidade existente. Contudo, o seu êxito depende de numerosas alterações e ajustamentos de caráter tanto geral como específico, muitos dos quais procuraremos apresentar nos próximos pontos.

3.   Observações na generalidade

3.1

O CESE apoia os esforços da Comissão para consolidar e desenvolver uma cadeia de produção e de consumo ambientalmente sustentável, por exemplo, através da utilização de energias limpas para a dessalinização da água do mar, da promoção da eficiência energética e das energias limpas em termos mais gerais, bem como da promoção e do reforço do transporte marítimo verde. Este aspeto é particularmente importante devido ao enorme potencial da zona em apreço no plano das atividades empresariais.

3.2

A expressão «economia azul» remete para a evolução social e ambientalmente sustentável das bacias marítimas e das zonas costeiras, capaz de atenuar as disparidades existentes e assegurar a preservação da diversidade cultural e biológica, tanto mais crucial à luz do passado e tendo em vista o futuro do Mediterrâneo. Nesse sentido, os domínios de ação escolhidos na comunicação — 1) segurança e proteção marítimas, 2) uma economia inteligente e resiliente, 3) melhor governação dos mares —, embora importantes, podem revelar-se ineficazmente redutores em relação às necessidades da bacia. O CESE propõe o alargamento da iniciativa aos domínios da biodiversidade e conservação e da comunicação intercultural, bem como uma estratégia mais concreta para apoiar as atividades produtivas de pequena e muito pequena escala, como a pesca, etc.

3.3

As questões relativas à segurança marítima (do transporte) e, sobretudo, à proteção marítima, embora muito importantes, não se podem cingir ao Mediterrâneo Ocidental. Pelo contrário, a história geopolítica e a atual deterioração da situação, a par da explosiva crise dos refugiados na parte oriental da bacia marítima, fazem ressaltar a necessidade de uma abordagem holística do Mediterrâneo para enfrentar estas questões.

3.4

O mesmo se aplica às demais componentes dos domínios de interesse definidos — crescimento económico sustentável, questões de preservação da cultura e do ambiente, etc. O Mediterrâneo não deve ser dividido numa parte ocidental e numa parte oriental — mesmo que tenha de o ser por razões administrativas e para fins estratégicos de curto prazo, o planeamento estratégico a longo prazo tem de considerar a bacia como um todo.

3.5

O CESE compreende perfeitamente que, dado o agravamento das tensões geopolíticas e a escalada dos conflitos no Mediterrâneo Oriental, o lançamento da iniciativa no Mediterrâneo Ocidental possa constituir uma abordagem mais fácil, mais realista e de mais rápida concretização. Contudo, se não for seguido de uma iniciativa análoga para o Mediterrâneo Oriental, há um risco significativo de os objetivos estabelecidos não serem alcançados. Os mesmos problemas — mas com uma tensão fortemente agravada pelas condições geopolíticas — afetam o Mediterrâneo Oriental, impondo-se uma programação e aplicação de regras e políticas análogas.

3.6

Embora a falta de «diálogo» entre a indústria, por um lado, e os meios académicos e o setor da I&D, por outro, possa constituir uma consideração importante no combate ao desemprego (especialmente a longo prazo e em períodos de crescimento económico), um enfoque exclusivo neste aspeto peca por unilateral e ineficaz. Pelo contrário, há que enfrentar os atuais desequilíbrios económicos (de que a falta de novos empregos e a elevada taxa de desemprego são componentes maiores) e o agravamento das disparidades socioeconómicas na bacia do Mediterrâneo Ocidental sem perder de vista a crise sistémica persistente no norte da região e a falta de vontade generalizada de realizar investimentos produtivos.

3.7

Quando a atividade económica interage fortemente com questões de conservação, quando ocorrem externalidades (macro)económicas (ditadas pela procura ou pela oferta) e quando o somatório das livres escolhas individuais gera questões de sustentabilidade socioeconómica e ambiental, impõe-se uma intervenção política eficaz, que, numa época de intensa internacionalização, cumpre ajustar no plano transnacional. Em casos de sobreexploração das unidades populacionais de peixes, poluição marinha, urbanização excessiva e crescimento desordenado dos aglomerados populacionais, crises económicas ou financeiras persistentes e crescentes disparidades transregionais e sociais dentro e fora da UE, a doutrina da «libertação das forças do mercado» não é suficiente.

3.8

Nesse sentido, as reconhecidas deficiências no quadro de elaboração de políticas na zona — deficiências essas devidas, essencialmente, à falta de cooperação entre os diferentes países (a comunicação faz-lhes referência no terceiro grupo de desafios e lacunas, relativo aos interesses divergentes e concorrentes) —, constituem um fator extremamente importante na resolução dos litígios socioeconómicos e ambientais na região. Os acordos bilaterais atuais e futuros entre países da UE e os seus vizinhos do sul do Mediterrâneo devem ser efetivamente respeitados. A ausência de uma voz unida e, por conseguinte, forte da UE em matéria de política externa pode não ser um fator positivo a este respeito, embora, por outro lado, os países da margem sul da bacia devam esperar que a UE seja o seu principal (se não único) parceiro, com um interesse sólido e sincero em promover as perspetivas comuns de desenvolvimento sustentável e prosperidade na região.

3.9

Além da falta de cooperação transnacional, a confusão gerada pela multiplicidade de iniciativas e plataformas com objetivos semelhantes (se não idênticos) existentes torna igualmente necessária a coordenação política. A comunicação em apreço refere, por exemplo, a estratégia «Crescimento azul» e a política marítima da UE (14), a estratégia europeia em prol do crescimento e do emprego no setor do turismo costeiro e marítimo (15), a iniciativa BlueMed (16) e a Iniciativa Crescimento Azul da FAO (17). Além disso, existem outras atividades que abrangem ambas as margens da bacia, como o Plano de Ação para um Consumo e Produção Sustentáveis e o Plano de Ação Regional para os Transportes na Região Mediterrânica (18).

3.10

À luz da vasta gama de iniciativas existentes de idêntica orientação, o CESE solicita a realização de uma análise comparativa aprofundada, que identifique os domínios em que as iniciativas se sobrepõem, a fim de ser possível utilizá-las de uma forma que permita economizar recursos e melhorar os resultados finais. Importa examinar e considerar mais atentamente as boas práticas aplicadas noutras estratégias macrorregionais (também no mar Báltico) e iniciativas (como a iniciativa «Ilhas Inteligentes») (19).

3.11

Os requisitos irrealistas que limitam a eficácia dos programas europeus no Mediterrâneo, por um lado, e a burocracia resultante da fobia do desperdício de fundos da UE, por outro, aliados à corrupção e à ineficácia em determinadas situações ou setores da administração pública de ambas as margens da bacia, deram origem a deficiências graves na absorção dos fundos europeus disponíveis para o Mediterrâneo.

3.12

Por outro lado, até agora, a UM não conseguiu desempenhar o papel que lhe incumbe, apesar dos diferentes projetos que têm sido anunciados. Em consequência, importa reforçar a sua intervenção na região. As iniciativas da economia azul podem revestir-se de grande importância para a prosperidade geral, mas devem estar efetivamente ligadas às estruturas e quadros existentes.

4.   Observações na especialidade

4.1   Um espaço marítimo mais seguro e mais protegido

4.1.1

A comunicação concentra-se em dois domínios de intervenção específicos: 1) a cooperação entre as guardas costeiras e 2) a partilha de dados e a colaboração entre administrações com vista a reforçar a capacidade de resposta e combate à poluição marinha causada por acidentes.

4.1.2

O CESE considera essencial o reforço das redes e, por conseguinte, da cooperação entre as autoridades responsáveis pelas fronteiras terrestres e marítimas de ambas as margens, com a assistência da Frontex. O intercâmbio e a análise sistemáticos de informações por um centro de análise de dados supranacional é igualmente necessário para que a luta contra a criminalidade e o terrorismo seja bem-sucedida. Não obstante, há que considerar cuidadosamente as regras da «boa governação», bem como os direitos humanos — tanto individuais como coletivos —, em particular à luz da experiência negativa de certos regimes.

4.1.3

O CESE considera que estas duas abordagens bem definidas são uma forma eficaz de lidar com a questão do reforço da segurança e da proteção do espaço marítimo. No entanto, há que melhorar a análise das metas quantitativas subjacentes, de modo a assegurar a vigilância e a avaliação contínuas desta prioridade, cabendo em paralelo envidar esforços de coordenação e colaboração com instituições mundiais e transnacionais, como a OMI (20).

4.2   Uma economia azul inteligente e resiliente

4.2.1

O CESE lamenta que os parceiros sociais e as organizações da sociedade civil estejam, na melhor das hipóteses, sub-representados (se não totalmente ausentes) na comunicação, apesar de poderem ser muito úteis na planificação e na execução de políticas e programas específicos, graças à sua experiência na abordagem de situações críticas e à sua capacidade comprovada de intervenção direta e de resolução de problemas socioeconómicos.

4.2.2

A pobreza e o desemprego dos jovens podem vir a agravar-se nos próximos anos em resultado das alterações climáticas, que afetarão particularmente as condições dos países do sul do Mediterrâneo. A Comissão, em cooperação com os órgãos de poder local e os parceiros sociais, deve empreender ações de desenvolvimento a nível local — por exemplo, incentivo de PME, apoio às indústrias artesanais, ações especiais de apoio ao setor primário e à promoção dos produtos da agricultura e das pescas locais nos mercados europeus, etc. —, a par das melhorias adequadas nos sistemas de ensino e de formação profissional locais, visando melhorar o nível de vida dos residentes e prevenir a migração. A economia azul pode proporcionar um rendimento digno a milhares de famílias através de abordagens modernas, de pequena escala e alta qualidade nos domínios da pesca, da conservação e do fornecimento de produtos da pesca.

4.2.3

As empresas familiares e as pequenas e microempresas com estruturas organizacionais, modos de funcionamento e atividades tradicionais são a espinha dorsal das economias locais de ambas as margens da bacia do Mediterrâneo, sobretudo nos setores e indústrias que constituem a economia azul. Por este motivo, o CESE considera que, além de iniciativas para promover o empreendedorismo inovador e tecnologicamente avançado, é pelo menos tão importante promover programas centrados nas atividades económicas tradicionais.

4.2.4

Nesse sentido, o CESE defende a necessidade de reforçar o segundo grupo de ações que compõem esta prioridade, relativas ao desenvolvimento de polos de atividades marítimas. A criação de redes e de regimes de cooperação para pequenos e microprodutores pode melhorar a sua resiliência e a competitividade dos custos e, simultaneamente, preservar a tão necessária diferenciação dos bens e serviços que fornecem. Por outro lado, o desenvolvimento de polos pode ser eficaz em setores específicos em que a concentração de capital é fundamental, como os setores das energias renováveis e do transporte de mercadorias. Não obstante, o CESE considera que as ideias de desenvolvimento de polos, de criação de incubadoras e de promoção de planos de negócios através de investidores providenciais são algo prematuras, mesmo para as economias mais avançadas da UE, o que denota a necessidade de planear serviços de apoio bem definidos, sobretudo para os pequenos produtores, artesãos e comerciantes da margem sul da bacia.

4.2.5

Além disso, na linha da quarta prioridade estratégica do já referido e recentemente publicado relatório do WWF sobre a revitalização da economia do mar Mediterrâneo, a reorientação do financiamento público e privado para a exploração do potencial dos recursos naturais da região é não só possível como necessária. Com efeito, pode gerar receitas sem deixar de ter em consideração a sustentabilidade social e ambiental através de mecanismos de financiamento ligados ao comércio do carbono, como o pagamento por serviços ecossistémicos (PSE) (21). Por exemplo, as pradarias de ervas marinhas do Mediterrâneo são um dos sistemas mais eficientes de sequestro do carbono, o que significa que o investimento público e privado neste sentido pode aliar o reforço do crescimento económico ao contributo para uma estratégia global em matéria de clima.

4.3   Melhor governação dos mares

4.3.1

Para que o primeiro grupo de ações — ordenamento do espaço marítimo e gestão costeira — seja bem-sucedido, há que adotar uma abordagem de hélice quádrupla (22). É necessário reforçar a participação dos órgãos de poder infranacional (municípios e regiões), dos meios académicos e da I&D, dos parceiros sociais, bem como das organizações da sociedade civil, no âmbito das respetivas áreas de atividade, tendo em conta o seu conhecimento mais aprofundado das condições socioeconómicas e ambientais e a sua flexibilidade administrativa.

4.3.2

Nesse sentido, os interesses económicos e sociais organizados podem e devem desempenhar um papel decisivo no desenvolvimento socioeconómico do Mediterrâneo. A Comissão, em cooperação com a UM, deve convidar as partes interessadas do setor privado a participar na consulta sobre a comunicação, garantindo a sua importante contribuição para o planeamento e, desse modo, o seu envolvimento mais eficaz na execução dos programas e atividades pertinentes. Relativamente às pescas, cumpre adotar medidas destinadas a reforçar os regimes de gestão conjunta, assegurando que as partes interessadas participem adequadamente no processo decisório.

4.3.3

Importa sublinhar a falta de cooperação entre os países europeus e não europeus do Mediterrâneo Ocidental, nomeadamente em relação às questões de segurança e de imigração que afetam o desenvolvimento económico.

4.3.4

A pesca constitui um elemento fundamental da atividade económica do Mediterrâneo e a segunda mais importante fonte de riqueza, a seguir ao turismo. O CESE concorda que é necessário definir ações específicas para este setor — do tipo enunciado no quarto grupo de ações desta prioridade. Os programas devem visar a redução da sobrepesca e o desenvolvimento de serviços de apoio, bem como a concessão de financiamento para assegurar a sobrevivência da pequena pesca e o desenvolvimento concomitante das comunidades costeiras. É necessário reforçar a flexibilidade do FEAMP (23), a fim de eliminar as barreiras entre os diferentes níveis da administração pública aquando da definição de iniciativas eficazes.

4.3.5

O CESE considera que cumpre reforçar o papel da Comissão Geral das Pescas do Mediterrâneo (CGPM), a fim de assegurar a adoção de medidas administrativas necessárias, coerentes e compatíveis, visando reverter a situação desfavorável das unidades populacionais de peixes, em estreita cooperação e coordenação com os países terceiros mediterrânicos.

4.4

O CESE já sublinhou reiteradamente que as políticas e os programas para o Mediterrâneo executados nos últimos vinte anos obtiveram resultados fracos e deixaram por utilizar fundos elevadíssimos, devido à diferença de atitudes e à ausência de uma coordenação eficaz entre as instituições competentes da UE e os governos e administrações públicas nacionais dos países terceiros mediterrânicos. Neste domínio, é urgente a prestação de um apoio e assistência técnica sólidos com vista a melhorar o nível de resposta das instituições não pertencentes à UE aos requisitos de financiamento europeu, bem como a reforçar a capacidade de adaptação da Comissão.

4.5

A execução eficaz das ações definidas na comunicação é comprometida em particular pela complexidade da burocracia, como torna patente o ponto «Governação e execução» da comunicação, mas também pela participação de instituições completamente diversas, com estruturas e posturas diferentes, como as reuniões ministeriais, a Comissão, a UM, etc. Impõe-se um plano operacional com instrumentos organizacionais e administrativos específicos e funções distintas.

4.6

O CESE considera que se impõe criar de imediato o Grupo de Ação para a Economia Azul, em ligação com os grupos de trabalho da UM, dotando-o de um plano de ação e de competências claramente definidas. O grupo de ação deve ter a flexibilidade necessária para reagir rapidamente a situações de emergência — catástrofes naturais e ambientais, etc. — e para desempenhar funções e assumir responsabilidades específicas. O CESE é prudente na sua avaliação da eficácia do grupo de ação, a qual dependerá dos seus membros e da participação direta das instituições europeias e dos governos dos países terceiros. Por conseguinte, reputa necessário concebê-lo criteriosamente desde o início, com um organograma bem definido e um sistema de processos e procedimentos eficaz, bem como um plano de atividades específico e bem estruturado.

Bruxelas, 6 de dezembro de 2017.

O Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Georges DASSIS


(1)  No relatório recém-publicado do Fundo Mundial para a Natureza (WWF) intitulado «Reviving the Economy of the Mediterranean Sea — Actions for a sustainable future» [Revitalizar a economia do mar Mediterrâneo — Ações para um futuro sustentável], os autores defendem, em primeiro lugar, a necessidade de uma abordagem holística e, em segundo, o facto de que «o mar Mediterrâneo é um dos principais contribuidores para o PIB regional e de que os seus recursos naturais constituem uma mais-valia fundamental para a economia azul não só na região, mas também a nível global.»

(Ver página 7 do relatório, http://www.wwf.gr/images/pdfs/Reviving_Mediterranean_Sea_Economy_Full%20rep_Lowres.pdf).

(2)  https://ec.europa.eu/maritimeaffairs/policy/blue_growth_pt

(3)  Programa da Conferência Ministerial sobre a Economia Azul, realizada em 17 de novembro de 2015, disponível em: http://ufmsecretariat.org/wp-content/uploads/2015/10/Agenda_UfM_Ministerial-on-Blue-Economy_MARE-D1.pdf

(4)  Consultar http://ufmsecretariat.org/wp-content/uploads/2015/11/2015-11-17-declaration-on-blue-economy_en.pdf

(5)  Para uma breve panorâmica das decisões adotadas na reunião dos ministros dos Negócios Estrangeiros de 28 de outubro de 2016, consultar http://ufmsecretariat.org/foreign-affairs-ministers-of-the-55-dialogue-discuss-pressing-regional-challenges-and-highlight-the-positive-contribution-of-ufm-activities-to-the-enhancement-of-regional-cooperation/. Sobre a história do «Diálogo 5+5» desde 2003, consultar http://westmediterraneanforum.org/wp-content/uploads/2013/09/131017_chronology5+51.pdf

(6)  https://ec.europa.eu/maritimeaffairs/sites/maritimeaffairs/files/com-2017-183_en.pdf

(7)  https://ec.europa.eu/maritimeaffairs/sites/maritimeaffairs/files/swd-2017-130_en.pdf

(8)  Sobre as três estratégias regionais da UE, consultar os seguintes sítios Web: http://www.atlanticstrategy.eu/ sobre a Estratégia Atlântica, https://www.balticsea-region-strategy.eu/ sobre a Estratégia da UE para a Região do Mar Báltico e http://www.adriatic-ionian.eu/ sobre a Estratégia da UE para a Região Adriática e Jónica.

(9)  http://www.fao.org/gfcm/en/

(10)  A Convenção para a Proteção do mar Mediterrâneo contra a Poluição (Convenção de Barcelona) foi adotada em 16 de fevereiro de 1976 pela Conferência de Plenipotenciários dos Estados costeiros da região mediterrânica sobre a proteção do mar Mediterrâneo, realizada em Barcelona. A Convenção original foi modificada, tendo as alterações sido adotadas em 10 de junho de 1995 [UNEP(OCA)/MED IG.6/7]. Entrou em vigor em 9 de julho de 2004.

(11)  https://www.un.org/pga/wp-content/uploads/sites/3/2015/08/120815_outcome-document-of-Summit-for-adoption-of-the-post-2015-development-agenda.pdf

(12)  https://planbleu.org/sites/default/files/upload/files/smdd_uk.pdf

(13)  Ver o relatório de 2017 do WWF, elaborado com o apoio do Boston Consulting Group, intitulado «Reviving the Economy of the Mediterranean Sea — Actions for a sustainable future» [Revitalizar a economia do mar Mediterrâneo — Ações para um futuro sustentável]: http://www.wwf.gr/images/pdfs/Reviving_Mediterranean_Sea_Economy_Full%20rep_Lowres.pdf

(14)  Ver, por exemplo, o mais recente relatório sobre a estratégia «Crescimento azul» — SWD(2017) 128 final: https://ec.europa.eu/maritimeaffairs/sites/maritimeaffairs/files/swd-2017-128_en.pdf

(15)  COM (2014) 086 final.

(16)  https://ec.europa.eu/maritimeaffairs/content/bluemed-initiative-blue-growth-and-jobs-mediterranean_pt

(17)  Para mais informações sobre a Iniciativa Crescimento Azul da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura, consultar http://www.fao.org/3/a-mk541e/mk541e02.pdf

(18)  Ver http://www.unep.org/ourplanet/june-2017/unep-publications/regional-action-plan-sustainable-consumption-and-production e https://ec.europa.eu/transport/sites/transport/files/themes/international/european_neighbourhood_policy/mediterranean_partnership/docs/rtap2014_2020_en.pdf, respetivamente.

(19)  http://www.smartislandsinitiative.eu/en/index.php

(20)  http://www.imo.org/en/Pages/Default.aspx

(21)  O pagamento por um serviço ecossistémico (PSE) ocorre quando um beneficiário ou utilizador de um serviço ecossistémico efetua um pagamento direto ou indireto ao prestador desse serviço. No caso da bacia do Mediterrâneo, também se pode prever um PSE como justificação ambiental para a transferência de fundos da faixa setentrional para a faixa meridional.

(22)  Consultar http://cor.europa.eu/en/documentation/studies/Documents/quadruple-helix.pdf

(23)  Para mais informações, consultar https://ec.europa.eu/fisheries/cfp/emff_pt