2.3.2018   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 81/44


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre «A transição para um futuro mais sustentável na Europa — uma estratégia para 2050»

(parecer de iniciativa)

(2018/C 081/07)

Relatora:

Brenda KING

Correlator:

Lutz RIBBE

Decisão da Plenária

14.7.2016

Base jurídica

Artigo 29.o, n.o 2, do Regimento

 

Parecer de iniciativa

 

 

Subcomité competente

A Transição para um Futuro mais Sustentável na Europa — uma Estratégia para 2050

Adoção no subcomité

21.9.2017

Adoção em plenária

18.10.2017

Reunião plenária n.o

529

Resultado da votação

(votos a favor/votos contra/abstenções)

185/8/6

1.   Conclusões e recomendações

1.1.

Tal como o resto do mundo, a Europa enfrenta três questões de monta: 1) o esgotamento dos recursos naturais do planeta, incluindo as alterações climáticas e a perda de biodiversidade; 2) as desigualdades sociais, incluindo o desemprego dos jovens e as pessoas esquecidas nas regiões com indústrias em declínio; e 3) a perda de confiança dos cidadãos no governo, no aparelho político, na União Europeia e nas suas estruturas de governação, bem como noutras instituições.

1.2.

Estas três questões fundamentais têm de ser analisadas no contexto da digitalização (uma megatendência) e da globalização, uma vez que estas tiveram um impacto substancial nos mercados de trabalho da Europa e continuarão a afetá-los ainda mais no futuro. A digitalização, em especial, tanto pode facilitar a resolução destas questões como, ao contrário, agravá-las. O impacto positivo ou negativo da digitalização depende do modo como é gerida a nível político.

1.3.

Com base numa análise aprofundada da interação entre estas três grandes questões e a digitalização, o CESE solicita à Comissão que apresente uma estratégia a longo prazo para o desenvolvimento sustentável da Europa, com o objetivo de promover medidas de reforço da sua economia para colher benefícios sociais e ambientais. O presente parecer visa destacar questões e contributos que devem ser tidos em consideração na elaboração da estratégia a longo prazo.

Algumas pessoas resistem à mudança. Num contexto de contínuos avanços tecnológicos, algumas pessoas têm interesses estabelecidos na manutenção do statu quo. Outras pessoas poderão sentir-se inseguras ao tentarem adaptar-se a uma sociedade em constante evolução. Para outros, as mudanças não são suficientemente rápidas (por exemplo, os defensores da energia «verde»). Os responsáveis políticos devem ter em conta estes receios e enfrentar diretamente o problema, em vez de manter o statu quo. A primeira medida consistiria em lançar um debate aberto sobre estas questões e reforçar a democracia participativa, incluindo a iniciativa de cidadania europeia.

1.4.

Não agir não é opção. É necessária vontade política para dar o rumo certo à mudança. É necessária uma maior interligação entre o desenvolvimento económico, a proteção ambiental e as políticas sociais. O Comité Económico e Social Europeu (CESE) defende que a aplicação e a realização dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), juntamente com o Acordo de Paris e transições bem geridas para a economia hipocarbónica e a economia digital, resolverão as grandes questões que a Europa enfrenta, permitindo-lhe vencer o desafio desta nova revolução industrial. O CESE recomenda que a Comissão desenvolva, com urgência, as políticas delineadas no seu documento de trabalho relativo às próximas etapas para um futuro europeu sustentável (1) e se concentre mais em integrar plenamente os ODS e o Acordo de Paris no quadro político europeu e nas atuais prioridades da Comissão, a fim de definir uma visão para uma Europa justa e competitiva para 2050.

1.5.

A necessidade de um forte contributo político não deve ser mal interpretada. Embora um quadro regulamentar adequado seja indispensável para orientar a transição, a Europa necessita de uma estratégia que afete toda a sociedade, ambicionando uma globalização justa, visando o aumento da competitividade e tornando a Europa líder nas novas tecnologias, não deixando ninguém para trás, erradicando a pobreza e criando um ambiente que restabeleça a confiança das pessoas nos sistemas políticos, bem como em formas multilaterais de governação (2). Além de servirem de orientação nos diversos domínios de intervenção, as soluções políticas devem também procurar aproveitar o enorme potencial da sociedade civil. O empreendedorismo social, as iniciativas dos cidadãos e o trabalho comunitário são apenas alguns exemplos do modo como o desenvolvimento sustentável pode ser concretizado a partir das bases, em especial quando se trata da necessária transição para uma economia circular ou hipocarbónica. O caso da produção descentralizada de energias renováveis é a melhor referência neste contexto.

1.6.

No futuro próximo, a Comissão e o CESE devem prosseguir os seus trabalhos em conjunto sobre os principais domínios de intervenção estratégicos analisados no presente parecer, como por exemplo:

a competitividade da UE num mundo em mudança,

o impacto da digitalização no mercado de trabalho (incluindo o trabalho digno) e no ambiente,

a sustentabilidade das finanças e da fiscalidade,

os desafios do desenvolvimento de novos modelos económicos,

os obstáculos à descentralização da produção de energia,

a aprendizagem ao longo da vida numa nova era digital e no contexto da transição para uma economia hipocarbónica,

a promoção de coligações entre múltiplas partes interessadas,

o défice democrático no processo legislativo da UE e o desafio renovado da participação da sociedade civil,

a integração de peritos independentes na elaboração das políticas, face à necessidade de reforçar a participação da sociedade civil,

um novo mecanismo europeu ao serviço de uma estratégia de desenvolvimento sustentável.

1.7.

É necessária uma estratégia abrangente e coerente para concretizar esta combinação de políticas. O CESE recomenda que uma tal estratégia tenha uma perspetiva de longo prazo que seja explícita, integrada horizontal e verticalmente, fácil de gerir e participativa. Por conseguinte, o CESE considera fundamental assegurar que a transição para 2050 seja concebida e realizada com a plena participação dos representantes da sociedade civil. A fim de reforçar a democracia participativa, a Comissão deve refletir sobre o seu direito de monopólio legislativo.

2.   Introdução

Em 2016, a Comissão adotou a sua Comunicação — Próximas etapas para um futuro europeu sustentável. No seu parecer, o CESE formula recomendações para uma estratégia que aborde os desafios que a Europa enfrenta. O parecer apela para uma abordagem centrada nas pessoas, que tenha em conta as dimensões económica, social e ambiental do desenvolvimento numa perspetiva de longo prazo. Esta abordagem deverá sobrepor-se à visão de curto prazo e à lógica de compartimentação prevalecentes nas atuais estratégias da UE.

3.   Uma megatendência e três questões mundiais

No contexto da digitalização (megatendência), a estratégia de sustentabilidade terá de dar resposta a três questões importantes, referidas na secção 1, que têm dimensão mundial e afetam a Europa tanto como todos os outros continentes:

1)

Como lidar com as limitações do planeta e o desafio ecológico global, incluindo as alterações climáticas e a perda de biodiversidade?

2)

Como reagir às desigualdades sociais crescentes num mundo globalizado?

3)

Como superar a erosão do apoio público aos governos e às instituições?

As soluções para estes problemas exigirão um esforço conjunto dos responsáveis pela elaboração das políticas, dos políticos e da sociedade civil. Além disso, tem de ser dada especial atenção aos riscos e às oportunidades da digitalização. Na presente secção, apresentam-se alguns aspetos a ter em conta na procura de soluções para as três grandes questões (3).

3.1.   Uma megatendência: a transformação global da economia e da sociedade através da digitalização

3.1.1.

A evolução a nível mundial da economia das plataformas, da inteligência artificial, da robótica e da Internet das coisas é abrangente e cada vez mais rápida, e acabará por afetar todos os domínios da economia e da sociedade. A tecnologia digital está a tornar-se disponível a cada vez mais camadas da sociedade, embora alguns grupos possam não ter acesso a estas ferramentas digitais extremamente poderosas.

3.1.2.

A convergência das tecnologias digitais com a nanotecnologia, a biotecnologia, a ciência dos materiais, a produção e o armazenamento de energias renováveis e a computação quântica tem potencial para desencadear uma nova revolução industrial (4). Para que a Europa assuma a liderança na nova concorrência tecnológica e económica a nível mundial, são necessários investimentos avultados e novas iniciativas.

3.1.3.

A digitalização traz muitos benefícios. Dá origem a novos produtos e serviços que beneficiam os consumidores. Pode contribuir para a concretização de alguns dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) mediante o aumento dos níveis de rendimento a nível mundial, a melhoria da qualidade de vida, a criação de oportunidades para modelos democráticos mais inclusivos e o aumento do número de empregos de qualidade, bem como da competitividade global da UE — tal como fizeram as anteriores revoluções industriais. Há igualmente riscos — estudos salientam a possibilidade de que a digitalização destrua muitos mais empregos do que os que criará.

3.1.4.

A tecnologia digital alinhará bastante mais a produção pelo consumo, minimizando a superprodução, o que pode contribuir para a redução da pegada ambiental da UE. O comércio direto de bens económicos — seja por meio de transações entre pares ou de uma economia da partilha — pode diminuir o consumo de recursos. Por exemplo, a tecnologia digital propicia a difusão de serviços partilhados de transporte e de veículos autónomos, o que pode aumentar a sustentabilidade ambiental dos nossos sistemas de mobilidade.

3.1.5.

Contudo, a digitalização não é sustentável por si própria. Há obstáculos à entrada no mercado e economias de escala que podem impedir os cidadãos de tirar partido das suas potencialidades. A digitalização pode aumentar as desigualdades, em particular dada a sua capacidade de perturbar os mercados de trabalho e a sua propensão para criar uma polarização através da suscetibilidade à automatização de muitos postos de trabalho que requerem qualificações baixas ou médias. A robotização e a economia das plataformas podem representar uma grave ameaça para muitos locais de trabalho da Europa, além de criarem novos riscos, uma vez que a maior parte das tecnologias em questão funcionam com base em dados, em especial dados pessoais.

3.1.6.

As novas oportunidades de geração de riqueza beneficiam frequentemente apenas uma determinada categoria de pessoas: cidadãos instruídos, com boas competências sociais e elevado nível de tolerância face ao risco. Os principais beneficiários das inovações digitais tendem a ser os fornecedores de capital intelectual, financeiro e físico: inovadores, acionistas, investidores e trabalhadores altamente qualificados. Receia-se que a tecnologia digital venha a ser uma das principais razões da estagnação, ou mesmo da diminuição, dos rendimentos.

3.1.7.

É necessária uma política ativa e abrangente para tirar partido das oportunidades da digitalização, tendo em conta os três principais problemas descritos acima. Os riscos da digitalização também devem ser monitorizados e geridos. O CESE deve continuar a trabalhar ativamente sobre estas questões.

3.2.   As limitações do planeta e o desafio ecológico global

3.2.1.

Empenhada na luta mundial contra as alterações climáticas (nomeadamente através do Acordo de Paris) e a favor da proteção dos recursos naturais, a Europa precisa urgentemente de reduzir de forma significativa a pegada ambiental da sua economia. A crise ecológica já se faz sentir. A nível mundial, o crescimento demográfico, o crescimento económico a longo prazo assente nos combustíveis fósseis e a utilização não sustentável dos recursos e dos solos estão a exercer cada vez mais pressão sobre o ambiente. Um desafio fundamental, que se reflete igualmente nos ODS, consiste em assegurar que o desenvolvimento e o crescimento económicos respeitam as limitações do planeta, no que diz respeito quer à proteção do clima, à utilização e gestão dos recursos e à qualidade do ar e da água, quer à proteção da biodiversidade terrestre e marinha.

3.2.2.

A descarbonização profunda da economia exige a transformação urgente de muitos setores económicos. A transição dos combustíveis fósseis para fontes de energia renováveis exige uma maior flexibilidade energética e conhecimentos especializados. O desenvolvimento global da produção de energia por «prossumidores» (5) deve igualmente constituir uma componente importante e sustentável da política energética da UE (6). Os sistemas de transporte requerem mudanças estruturais através da eletrificação e da partilha de viaturas. A habitação e as infraestruturas precisam de ser renovadas. Uma bioeconomia avançada pode ser um fator determinante para a ecologização da economia.

3.2.3.

A Europa deve abandonar o atual modelo económico linear de «extrair, produzir, consumir e eliminar» em prol de um modelo circular que seja restaurador desde a conceção, que se baseie, sempre que possível, em fontes naturais renováveis e que mantenha o valor dos produtos, materiais e recursos na economia durante o máximo de tempo possível. A digitalização pode ser importante neste contexto (ver ponto 3.1.4).

3.2.4.

A transição para uma economia circular hipocarbónica e respeitadora do ambiente é uma oportunidade para a UE de aumentar a sua competitividade e resiliência. Pode melhorar a qualidade de vida e o bem-estar dos cidadãos europeus. Além disso, diminui a dependência em relação às importações de combustíveis fósseis e matérias-primas essenciais e cria uma base estável para a prosperidade económica.

3.2.5.

No entanto, a descarbonização e a transição ecológica acarretarão desafios sociais (7), devido à redução do número de postos de trabalho nas indústrias com elevada pegada ecológica. Importa aceitar que é uma tarefa política estratégica explorar plenamente o potencial da descarbonização e da transição ecológica para a criação de novos postos de trabalho e para a melhoria da segurança social, de modo que o saldo líquido seja o mais positivo possível.

3.2.6.

A transição para uma economia circular e hipocarbónica tem sido impulsionada por iniciativas da base para o topo, lideradas por cidadãos, órgãos de poder local, consumidores e empresas inovadoras, relacionadas quer com a energia, quer com a produção alimentar. Contudo, em vez de promoverem iniciativas pertinentes e de gerarem massa crítica na Europa, com um resultado positivo para o mercado de trabalho e para a segurança social, os novos progressos são frequentemente entravados pelos sistemas administrativos e regulamentares. Não há uma consciência generalizada de que as iniciativas da base para o topo podem ser um instrumento poderoso para superar os problemas sociais da descarbonização e da transição ecológica. Para revelar o seu potencial, é necessário eliminar os obstáculos estruturais que impedem as pessoas pobres em recursos de acederem aos recursos de que necessitam (sobretudo capital e informação pertinente).

3.3.   Desigualdades sociais crescentes

3.3.1.

Embora tenham levado a um aumento espetacular do comércio e da riqueza mundiais, a globalização e os avanços tecnológicos também contribuíram, em conjunto, para o aumento das desigualdades sociais (e ambientais). De acordo com a Oxfam, oito indivíduos apenas, todos eles homens, possuem tanta riqueza como a metade mais pobre da população mundial.

3.3.2.

Na Europa, as desigualdades estão a aumentar. Segundo um estudo recente da OCDE, a desigualdade de rendimentos mantém-se no nível mais elevado de sempre na Europa. Na década de 1980, o rendimento médio dos 10 % mais ricos da sociedade era sete vezes superior ao dos 10 % mais pobres. Atualmente, é 9,5 vezes superior. A desigualdade na distribuição da riqueza é ainda maior: 10 % dos agregados familiares mais ricos detêm 50 % da riqueza total, ao passo que 40 % dos mais pobres possuem pouco mais de 3 % (8).

3.3.3.

Uma razão para o agravamento das desigualdades na Europa é a dissociação entre o crescimento e o rendimento líquido. Embora o PIB na área do euro tenha crescido mais de 16 % entre 2008 e 2015 (mais de 17 % na UE-28), o rendimento líquido disponível dos agregados familiares estagnou, crescendo apenas 2 % na UE-28.

3.3.4.

Nos 24 países da OCDE, a produtividade aumentou 27 % desde 1995, enquanto a compensação média pelo trabalho aumentou apenas 22 %. O que é ainda pior, o aumento do rendimento proveniente do trabalho foi significativamente inferior para o grupo social com salários líquidos mais baixos. Esta desigualdade salarial agravou-se nos últimos 20 anos em todos os países europeus, à exceção de Espanha. A tendência é mais pronunciada na Hungria, na Polónia, na República Checa e no Reino Unido (9).

3.3.5.

Existe o risco de que este fosso aumente com a evolução da natureza do trabalho. Por exemplo, a automatização de processos industriais complexos através da robótica pode reduzir a procura de trabalhadores com qualificações médias e até mesmo de níveis mais baixos de trabalhadores administrativos altamente qualificados, que são quem realiza atualmente estas tarefas complexas. Tal deverá contribuir para agravar a polarização do mercado de trabalho, uma vez que os novos postos de trabalho criados recairão na categoria de trabalho (ainda mais) altamente qualificado (desenvolvimento e manutenção destes produtos/serviços) ou na categoria de trabalhos pouco qualificados orientados para os serviços. Segundo a OCDE, 9 % dos postos de trabalho estão em risco de serem automatizados, enquanto outros 25 % sofrerão alterações significativas no tipo de tarefas.

3.3.6.

As respostas dos governos ao impacto da digitalização tendem a ser mais reativas do que proativas e são amplamente dirigidas à atenuação dos efeitos secundários da digitalização, em vez de procurarem tirar partido dos seus potenciais benefícios. As respostas governamentais têm de tomar melhor em linha de conta o desafio da representação e participação dos trabalhadores enquanto aspeto importante do investimento no capital humano num mercado de trabalho em evolução. O CESE poderá continuar a analisar cuidadosamente o impacto da digitalização na natureza do trabalho.

3.4.   Perda de apoio público aos governos e às instituições

3.4.1.

O aumento das desigualdades, apenas em parte resultantes da globalização e dos avanços tecnológicos, contribuiu para a perda de confiança nos governos, no aparelho político, nas organizações internacionais, nas instituições e na governação mundial. Além disso, alimentou a ascensão dos movimentos populistas e o declínio dos partidos políticos tradicionais. A abstenção dos jovens (para não falar dos votos de protesto contra o sistema) é especialmente preocupante: apenas 63 % dos europeus de idade compreendida entre os 15 e os 30 anos votaram num ato eleitoral em 2015 (10).

3.4.2.

Muitos cidadãos europeus sentem-se desligados do processo de decisão política a nível nacional e europeu. Consideram que os processos democráticos tradicionais não lhes permitem influenciar as decisões fundamentais. A abordagem que pressupõe uma participação das várias partes interessadas (por exemplo, ao abrigo da Agenda 2030 das Nações Unidas para o Desenvolvimento Sustentável) constitui um modelo democrático inclusivo e uma forma de superar esta falta de confiança.

3.4.3.

A transição para a sustentabilidade não pode nem deve ser decretada «do topo para a base»; só será bem-sucedida se assentar num amplo apoio e na participação ativa da maioria das empresas, dos órgãos de poder local e regional, dos trabalhadores e dos cidadãos. Deve consistir numa cooperação tanto «da base para o topo» como «do topo para a base». Foram estabelecidas alianças multilaterais na elaboração da Agenda 2030, que estão a surgir também no domínio da proteção do clima (11). Estas podem servir de matriz para um modelo de governação democrática inclusiva, suscetível de ser aplicado nos vários setores de intervenção e de facilitar a mudança transformadora e a inovação.

3.4.4.

A geração mais jovem, em particular, exige formas não tradicionais de empenho político, por oposição aos partidos e órgãos políticos convencionais. As comunidades da energia, as parcerias entre cidadãos e municípios para a promoção da eficiência energética (por exemplo, através de modelos de contratação) ou da gestão dos resíduos, as iniciativas de cidades em transição, a agricultura apoiada pela comunidade, os blogues políticos e outros formatos em linha, ou mesmo iniciativas com moedas locais, constituem formas alternativas de intervenção política. Não substituirão certamente as atividades políticas tradicionais, mas podem contribuir de forma significativa para a socialização política e para a integração social.

3.4.5.

A utilização do potencial da Internet é outra abordagem promissora para desbloquear impasses políticos. Nunca a informação circulou tão livremente como numa rede descentralizada sem um guardião de acesso tradicional, o que traz novos desafios à sociedade, tal como se observa com os fenómenos da pós-verdade ou das notícias falsas. No entanto, verifica-se igualmente uma rápida expansão de formas alternativas, não hierarquizadas, de ativismo, bem como uma utilização intensiva de redes sociais em linha entre os cidadãos, particularmente entre os jovens.

3.4.6.

A administração pública em linha pode conduzir a modelos de governação caracterizados por um nível sem precedentes de participação pública na elaboração das políticas. A UE deveria aprender com Estados-Membros como a Estónia, onde já foram realizados progressos consideráveis. A digitalização permite aos cidadãos participar nos processos de decisão a um custo relativamente baixo. No entanto, os dados revelam que a «parcialidade da classe média» (maior representação de membros da classe média em fóruns participativos) também existe no âmbito da participação eletrónica. O CESE está bem posicionado para lançar um diálogo a nível da sociedade civil sobre esta questão.

4.   A Europa que queremos

Confrontada com as três questões mundiais e a megatendência da digitalização acima descritas, a UE tem de conseguir:

tirar o melhor partido da revolução digital para construir uma economia nova, competitiva e sustentável,

avançar rumo a uma economia circular, hipocarbónica e respeitadora do ambiente, assegurando simultaneamente uma transição justa para todos,

construir um modelo social europeu sólido,

assegurar um sistema democrático mais descentralizado e orientado para os cidadãos, aproveitando simultaneamente as vantagens de uma cooperação económica leal a nível mundial.

4.1.

O CESE está convicto de que os ODS, juntamente com o Acordo de Paris (COP 21), revitalizarão a visão da «Europa que queremos» (12)  (13). A Comissão tem de criar o impulso para a execução destes acordos mediante o desenvolvimento das políticas delineadas na sua Comunicação — Próximas etapas para um futuro europeu sustentável, e a sua plena integração no quadro político europeu e nas prioridades atuais da Comissão. «A Europa que queremos», à semelhança da Agenda 2030 (ou seja, os ODS), coloca o indivíduo no centro da sociedade e da economia e pretende dar a todos a oportunidade de decidir como satisfazem as suas necessidades, em harmonia com o meio social e ecológico. Este não é um conceito utópico. Na realidade, a Europa possui atualmente os meios tecnológicos e económicos para concretizar esta visão: a Internet das coisas e os grandes volumes de dados, o controlo de processos complexos através de aplicações móveis, o «prossumo» através da redução da escala da produção e da diminuição dos custos de produção (por exemplo, energias renováveis, impressão 3D), os novos modos de transação e pagamento (cifragem progressiva [blockchain], moeda virtual [bitcoin] e contratos inteligentes), o cooperativismo e a economia da partilha como novos modelos empresariais, entre outras inovações.

4.2.

Todas estas inovações têm o potencial de transformar a visão em realidade, mas tal pressupõe uma estratégia que apresente soluções para os três desafios associados à inovação. Essa estratégia implica um novo conceito de bem-estar «para além do PIB», visando a prosperidade económica, a inclusão social, a responsabilidade ambiental e a capacitação cívica de forma integrada.

4.3.

Não agir não é opção: se a UE não estiver disposta ou não for capaz de desenvolver e pôr em prática uma estratégia abrangente, a Europa não ficará só aquém dos objetivos da Agenda 2030 e da visão da «Europa que queremos». Sem ação, há um risco elevado de fracasso em todos os grandes desafios: a ordem laboral da Europa será destruída, a descarbonização e a proteção dos recursos cessarão, uma vez que os custos sociais da transição ecológica serão considerados demasiado elevados, e as desigualdades sociais, a par da alienação, aumentarão, representando um risco para a democracia.

4.4.

É fundamental que a estratégia contenha recomendações políticas precisas para ajudar a fazer face aos três desafios de monta que a Europa enfrenta e, deste modo, tornar realidade a «Europa que queremos».

5.   Seis abordagens de intervenção política para alcançar a Europa que queremos

São propostas aqui abordagens fundamentais de intervenção política que trazem respostas para três questões de escala mundial (limitações do planeta, disparidades sociais, perda de apoio público) e para a megatendência da digitalização. Cada uma destas abordagens engloba uma combinação de políticas composta por, no máximo, seis domínios:

inovação,

regulamentação/governação,

política social,

acesso livre,

educação/formação,

investigação.

Esta combinação de políticas deve ser aplicada em, pelo menos, quatro domínios de ação: uma economia justa, digital e verde (5.1), novas formas de governação (5.2), a sustentabilidade e o setor financeiro (5.3) e promoção da sustentabilidade através do comércio internacional (5.4). Apresentam-se questões e contributos que devem ser aprofundados pelas instituições da UE e partes interessadas a longo prazo.

5.1.   Uma economia justa, digital e verde que gera prosperidade e bem-estar

5.1.1.

Inovação: a nova revolução industrial constitui uma oportunidade para que a Europa se torne líder tecnológico e aumente a sua competitividade em mercados globalizados. A criação de valor económico sem custos externos elevados deve tornar-se o modelo de negócios padrão. São necessárias sociedades e empresas inovadoras e rentáveis que invistam na produção sustentável e que criem empregos de qualidade e um ambiente económico gerador de bem-estar. Para que a inovação contribua para uma Europa mais sustentável, importa desenvolver um quadro que recompense as atividades económicas cuja pegada externa seja nula ou extremamente reduzida ou cujo consumo de recursos seja limitado. Tal permitirá aos inovadores sustentáveis (sejam cidadãos, empresas, municípios ou regiões) concorrer de forma eficaz com modelos de negócios caracterizados por um nível elevado de exploração de recursos e/ou uma pegada ambiental significativa. Importa igualmente assegurar um apoio pró-ativo — por exemplo, tornando o microcrédito acessível às PME, aos cidadãos, aos agregados familiares, às iniciativas das comunidades, às empresas sociais e às microempresas — aos inovadores que ofereçam soluções novas para responder aos desafios ambientais e sociais e que sejam pioneiros na adoção destes modelos (14). Uma patente unitária europeia seria útil neste contexto, contanto que os custos da sua obtenção não sejam proibitivos (15). No que diz respeito às PME, é necessário rever as medidas em matéria de concessão de uma segunda oportunidade para reduzir o atual nível elevado de aversão ao risco na UE (16). As políticas devem também criar margem para a experimentação em toda a Europa, sobretudo nos setores da mobilidade, dos resíduos, da energia, da agricultura, da educação e da saúde. É possível encontrar novos mercados transferindo a adjudicação de contratos públicos para os serviços digitais, hipocarbónicos, circulares e respeitadores do ambiente, que sejam prestados de forma socialmente inclusiva.

5.1.2.

Regulamentação: um quadro regulamentar tem de cumprir três objetivos. Em primeiro lugar, o preço dos efeitos externos tem de ser estimado com a maior precisão possível para que possam ser desenvolvidos modelos de negócio que contribuam para a consecução dos objetivos de sustentabilidade (17). Em segundo lugar, a regulamentação deve garantir a implantação de infraestruturas digitais bem desenvolvidas em toda a Europa, incluindo nas zonas rurais, bem como o acesso universal às mesmas (incluindo as redes inteligentes de aquecimento e de eletricidade e as redes de mobilidade elétrica). Estes devem ser tratados como serviços públicos do ponto de vista jurídico. Por último, uma vez que a digitalização tende a favorecer as plataformas, existe o risco de monopólios nos principais mercados digitais. São, por conseguinte, necessárias políticas anti-trust ativas (18). O CESE propôs também que a Comissão ponderasse formas de promover as plataformas europeias de modo que o valor acrescentado permaneça nas economias locais (19). Uma agência europeia independente de notação das plataformas digitais poderia desempenhar um papel importante no equilíbrio do seu poder de mercado, agindo com as mesmas competências em todos os Estados-Membros, com vista a avaliar a sua governação nos domínios da concorrência, do emprego e da fiscalidade (20).

5.1.3.

Política social: as mudanças ocasionadas pela descarbonização e pela digitalização (ver secção 3) representam um desafio para os sistemas de segurança social no que toca a gerir o problema da perda de postos de trabalho e da diminuição de receitas fiscais. Novas abordagens e novos modelos devem, portanto, ser analisados e desenvolvidos, com vista a assegurar a sustentabilidade dos sistemas de segurança social dos Estados-Membros, dar resposta às diferentes circunstâncias do trabalho no futuro e apoiar os trabalhadores e as comunidades nos setores e regiões afetados pela transição. No seu parecer sobre o «Pilar europeu dos direitos sociais», o CESE teve em consideração os desafios que o trabalho enfrentará no futuro e instou a uma Estratégia Europeia para o Emprego coerente que aborde o investimento e a inovação, o emprego e a criação de postos de trabalho de qualidade, condições de trabalho justas para todos, transições justas e harmoniosas apoiadas por políticas ativas do mercado de trabalho, e a participação de todas as partes interessadas, sobretudo dos parceiros sociais. Além disso, o investimento público deve apoiar as comunidades, as regiões e os trabalhadores nos setores que já estão a ser afetados por esta transição, bem como antecipar e facilitar a futura reestruturação e a transição para uma economia mais verde e mais sustentável (21).

5.1.4.

Acesso livre: aproveitar o potencial da digitalização para alcançar uma economia verde e justa requer, acima de tudo, uma abertura geral da economia que permita às pessoas participarem ativamente e beneficiarem das oportunidades dos avanços tecnológicos (por exemplo, combinando dados digitais sobre energia com a produção descentralizada de energia). É, por conseguinte, fundamental eliminar as barreiras à participação económica através de mercados abertos, dados abertos, modelos de fonte aberta e normas abertas. Cada um destes elementos deve ser encarado como princípio orientador para programas de ação em setores estratégicos: energia, transportes, logística e processos de produção. O conceito da soberania dos dados tem de ser desenvolvido e aplicado através da legislação europeia: os cidadãos europeus devem ter direito a utilizar os respetivos dados para as finalidades que entenderem, a determinar quais os dados pessoais que são utilizados por terceiros, a decidir de que forma esses dados são utilizados, a ser informados sobre a sua utilização, a ter pleno controlo dessa utilização e a eliminar dados.

5.1.5.

Educação/formação: tanto a economia verde como a economia digital exigem competências específicas, sobretudo tendo em conta que, no futuro, a tecnologia digital será um instrumento importante para alcançar a descarbonização da economia europeia (ver pontos 3.1.4 e 3.2.3). A formação para desenvolver as competências formais e informais necessárias, nomeadamente em áreas como o trabalho colaborativo/comunitário e o empreendedorismo (22), tem de ser integrada nas políticas gerais em matéria de educação e de aprendizagem ao longo da vida. São necessários mais diálogos e análises sobre a questão. É de recomendar uma utilização direcionada dos fundos estruturais, a fim de garantir um apoio eficaz para colmatar o atual défice de competências ecológicas e digitais, sobretudo nas regiões que já se encontram em transição ou que serão afetadas pela transição no futuro. Haverá que afetar os recursos dos sistemas de ensino europeus à educação e ao desenvolvimento de competências nas áreas em que as competências humanas não possam ser substituídas por sistemas de inteligência artificial ou em que os humanos sejam necessários para complementar esses sistemas (por exemplo, tarefas para as quais a interação humana é essencial, em que o ser humano e a máquina trabalham em conjunto ou que queremos que continuem a ser executadas por seres humanos) (23).

5.1.6.

Investigação: uma economia digital, verde e justa será a referência para modelos económicos que sejam válidos no futuro. Uma política de investigação bem orientada, baseada numa análise do impacto ambiental e social das inovações, em especial das inovações digitais, será o caminho a percorrer rumo a esta economia. Neste contexto, terá de ser disponibilizado financiamento para investigação e desenvolvimento aos inovadores que desenvolvam novas tecnologias e serviços digitais como resposta aos desafios ambientais e/ou sociais. Deve ser desenvolvida uma rede de incubadoras para os apoiar.

5.2.   Novas formas de governação

5.2.1.

Inovação: a participação é um elemento fundamental da democracia. As eleições e a representação são um método de organização da participação, mas são necessárias soluções novas e inovadoras, nomeadamente a participação eletrónica. É importante abrir os processos tradicionais de elaboração das políticas a estas formas de atividade política menos formais, socialmente fluidas e não hierarquizadas e fomentar as iniciativas lideradas pela sociedade civil e as iniciativas da base para o topo.

5.2.2.

Governação: as mudanças requerem diálogos transparentes e livremente acessíveis com as diversas partes interessadas em relação a todos os processos legislativos europeus a nível da UE e a nível local. A «sociedade civil» não deve ser restringida à sociedade civil organizada, e sim incluir todos os cidadãos. As novas alianças revestem-se de especial importância para a proteção do clima e dos recursos (24). Para reforçar a democracia participativa, o quase-monopólio da Comissão Europeia relativamente ao direito de iniciativa legislativa tem de ser abolido em prol de mais iniciativas do Parlamento Europeu, associadas a iniciativas legislativas da base para o topo, nomeadamente eliminando os obstáculos técnicos, jurídicos e burocráticos relacionadas com a iniciativa de cidadania europeia (25).

5.2.3.

Acesso livre: os métodos de financiamento colaborativo para todos os atos legislativos da UE constituem uma abordagem adequada para superar os obstáculos estruturais que dificultam a participação dos cidadãos no processo de decisão da UE. Ao conceber esta abordagem, importa prestar especial atenção à acessibilidade, à inclusividade e à responsabilização. O acesso livre às políticas e à política pode ser reforçado através da publicação de todas as atividades e dados da UE na Internet de forma convivial.

5.2.4.

Formação/educação: são necessários programas de capacitação dos cidadãos para superar a «parcialidade da classe média» (ver ponto 3.4.6). Estes programas devem ser concebidos de modo a associar os segmentos da população que tendem a abster-se de participar ativamente na política, na economia e na sociedade. O ensino geral deve sensibilizar para a participação e realçar as oportunidades nesse contexto enquanto princípio básico da democracia. Importa referir que a participação ativa em processos de construção da vontade política traz benefícios mútuos para a sociedade e para o cidadão individual, cujos interesses e pontos de vista são tidos em conta. É necessário mais financiamento para as organizações da sociedade civil que trabalham com estes segmentos da população desafetados e que perseguem objetivos de sustentabilidade.

5.2.5.

Investigação: as ciências sociais têm de centrar-se mais em práticas de democracia alternativas. Refira-se, a título de exemplo, a possível aplicação da metodologia de prototipagem à política. Esta abordagem permitiria conceber soluções de intervenção política num período de tempo reduzido, aplicá-las num «mercado de teste» e avaliar o seu impacto pouco tempo depois com base na reação dos cidadãos e de outras partes interessadas. A avaliação de impacto serviria de base para realizar alterações pertinentes às soluções de intervenção política antes da sua aplicação.

5.2.6.

De um modo geral, é necessária mais investigação sobre a forma de rever a relação entre os conhecimentos (científicos) especializados e a elaboração de políticas e de combinar a integração de conhecimentos especializados totalmente transparentes e independentes na elaboração de políticas com a necessidade de reforçar a participação civil.

5.3.   A sustentabilidade e o setor financeiro

5.3.1.

Inovação: uma economia digital, verde e justa implica um investimento avultado tanto em instalações privadas (por exemplo, instalações de energia renovável ou estações de carregamento de veículos elétricos) como em infraestruturas públicas (por exemplo, na digitalização dos sistemas de eletricidade e de mobilidade). O setor financeiro terá, por conseguinte, de assumir um papel central para tornar esta inovação possível. É necessário afetar recursos financeiros, incluindo recursos públicos, aos investimentos que apoiem a transformação sustentável. Para atingir os objetivos em matéria de clima e de energia, é necessário um ambiente de investimento estável e previsível, bem como instrumentos financeiros inovadores que catalisem o financiamento privado de investimentos que de outra forma não se concretizariam (26)  (27).

5.3.2.

Regulamentação: as políticas devem procurar construir um sistema financeiro privado mais sustentável que inclua fatores de sustentabilidade na avaliação do risco financeiro, alargando as responsabilidades das instituições financeiras aos impactos não financeiros das decisões de investimento e aumentando a transparência relativamente aos impactos ambientais e sociais dessas decisões (28). As políticas devem igualmente incentivar os investidores a assumirem voluntariamente o compromisso de investir em objetos que obedeçam aos princípios de sustentabilidade. A ecologização das normas bancárias é fundamental para que o financiamento privado se oriente para investimentos hipocarbónicos e resilientes às alterações climáticas em detrimento dos investimentos convencionais. Os bancos centrais devem orientar a afetação de capital através de políticas micro e macroprudenciais, incluindo normas de sustentabilidade.

5.3.3.

Política social: os agregados familiares ficarão sob pressão na sequência da digitalização e da descarbonização. Impõe-se, por conseguinte, uma reforma fiscal profunda para aumentar o rendimento disponível dos agregados familiares e para combinar este objetivo com os requisitos da descarbonização. O CESE apela para um regime fiscal baseado na internalização dos custos ambientais e na utilização das receitas adicionais para reduzir a carga fiscal que recai sobre o trabalho. A transferência da tributação do trabalho para a tributação da utilização dos recursos ajuda a corrigir as deficiências do mercado, a criar novos empregos sustentáveis a nível local, a aumentar o rendimento disponível dos agregados familiares e a incentivar investimentos ecologicamente inovadores (29).

5.3.4.

Investigação: até à data, o impacto da digitalização e da redução do consumo de combustíveis fósseis nas finanças públicas (erosão orçamental) é ainda amplamente desconhecido. A investigação deve centrar-se neste aspeto, bem como no contributo geral que uma política financeira estratégica pode dar para o desenvolvimento sustentável.

5.4.   Promoção da sustentabilidade através do comércio internacional

5.4.1.

Inovação e oportunidades negociais: dada a dimensão mundial das três grandes questões, não bastará tornar a Europa mais sustentável através de uma política de inovação clara. A Europa, em cooperação com os seus parceiros comerciais, tem de desenvolver conceitos de inovação que sejam transferíveis para outras regiões do mundo. O comércio pode ajudar neste contexto, contanto que os aspetos da sustentabilidade sejam critérios fundamentais na política comercial internacional, nomeadamente nos acordos comerciais bilaterais e multilaterais. Importa atribuir um papel especial à Organização Mundial do Comércio (OMC), que deve ter mais em conta a política ambiental internacional, como o Acordo de Paris ou as metas de biodiversidade de Aichi. Uma vez que as respetivas normas estejam em vigor, as empresas europeias, os cidadãos, as iniciativas comunitárias, os municípios e as regiões poderão desenvolver inovações importantes (produtos e serviços) que podem ser exportadas, em resposta à necessidade de descarbonização e aproveitando as oportunidades oferecidas pela megatendência da digitalização. Estas têm o potencial de se tornar êxitos de exportação. Acima de tudo, a Comissão Europeia deve cooperar com a OMC e com os seus principais parceiros para tirar partido dos acordos de comércio a fim de melhorar a fixação de preços do CO2 e quaisquer outras externalidades que prejudiquem a inovação sustentável.

5.4.2.

Regulamentação: uma das causas da crescente pegada ambiental das nossas economias é a distância cada vez maior entre os locais de produção, transformação, consumo e, por vezes, eliminação/recuperação dos produtos. Tornar o comércio internacional compatível com o desenvolvimento sustentável exige uma abordagem regulamentar inteligente da liberalização, que tenha em conta e reforce os sistemas de produção locais de pequena escala. A promoção e o apoio às políticas de economia circular devem assegurar que os sistemas são duradouros, curtos, locais e limpos. Em atividades industriais específicas, os ciclos podem adquirir uma grande dimensão (30). A regulamentação tem de dar resposta a este problema através de acordos comerciais bilaterais e multilaterais.

5.4.3.

A UE deve exortar o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional a desempenharem um papel importante na promoção de reformas dos sistemas orçamentais e financeiros, para criar um ambiente que ajude os países em desenvolvimento a mobilizarem mais recursos próprios. Tal deverá implicar reformas fiscais nacionais, mas também a mobilização da comunidade internacional para lutar em conjunto contra a evasão fiscal, o branqueamento de capitais e os fluxos ilícitos de capital que resultam na saída de mais dinheiro dos países em desenvolvimento do que o que entra através da ajuda pública ao desenvolvimento. Mais concretamente, a Comissão Europeia deve utilizar a Agenda 2030, moldada pelos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, como quadro para todas as políticas e programas externos financiados pela UE (31).

5.4.4.

Política social: uma das formas de executar os ODS e promover uma política comercial inovadora que seja benéfica para todos é a adoção de abordagens multilaterais para a conduta responsável das empresas. Nestas abordagens, as empresas, as ONG, os sindicatos e os governos definem, em conjunto, o modo de cumprir na prática a responsabilidade de respeitar os direitos humanos. Há cada vez mais preocupações com as violações dos direitos humanos nas cadeias de abastecimento, especialmente no que diz respeito aos «minerais de conflito», como o cobalto, que é utilizado no fabrico de baterias recarregáveis para telemóveis, computadores portáteis, veículos elétricos, aeronaves e ferramentas elétricas. Tendo em conta o compromisso de transição para uma economia hipocarbónica, a marcha contínua rumo à digitalização e a complexidade de uma conduta empresarial responsável nas cadeias de abastecimento internacionais, a colaboração entre todas as partes interessadas é fundamental. Por conseguinte, apraz ao CESE ser parceiro na iniciativa do Governo neerlandês, com a qual se congratula, de sensibilizar para o modo como as ações multilaterais podem gerar entendimento quanto a uma verdadeira conduta responsável das empresas, em especial nas cadeias de abastecimento complexas que exploram o trabalho infantil ou forçado ou estão expostas a condições perigosas.

5.4.5.

Acesso livre: os novos acordos comerciais devem basear-se na aprovação obtida através de novos processos democráticos, com uma participação crescente dos cidadãos em processos decisórios conjuntos. Os capítulos de comércio e desenvolvimento sustentável dos acordos comerciais da UE em vigor não são tão eficientes como deveriam. Em primeiro lugar, esses capítulos deveriam incorporar acordos multilaterais a nível mundial (Agenda 2030 e Acordo de Paris). Em segundo lugar, haveria que reforçar os mecanismos de acompanhamento pela sociedade civil e incluir uma análise da perspetiva da sociedade civil. Em terceiro lugar, os mecanismos de execução também se devem aplicar aos próprios capítulos relativos ao comércio e desenvolvimento sustentável (32).

5.4.6.

Investigação: são necessários mais dados empíricos para avaliar o impacto da rápida emergência, no comércio internacional, de novos modos de consumo e de produção, que se estão a alargar progressivamente aos serviços transnacionais, sobretudo no que diz respeito ao seu impacto na tributação transnacional. Esta deve ser a base para uma decisão quanto à sua inclusão nas regras gerais da OMC ou nos acordos bilaterais e regionais, tal como aconteceu com a Agenda do Trabalho Digno.

5.4.7.

O CESE lembra a Comissão da sua anterior recomendação para que realize uma avaliação de impacto completa sobre os efeitos prováveis da aplicação dos ODS e do Acordo de Paris na política comercial da UE.

6.   Elaborar uma estratégia para um futuro sustentável na Europa — quatro critérios

6.1.

Na secção 5, foram identificados vários domínios nos quais se impõem medidas de intervenção política para construir uma Europa mais sustentável num contexto socioeconómico em profunda mutação. É possível identificar quatro critérios para a estratégia de sustentabilidade da Europa. A estratégia deve ser:

orientada para o longo prazo,

explícita,

integrada horizontal e verticalmente,

fácil de gerir.

Estes quatro critérios são descritos mais pormenorizadamente a seguir.

6.2.   Abordagem a longo prazo

6.2.1.

Pensar estrategicamente significa desenvolver uma perspetiva a longo prazo baseada na visão da «Europa que queremos», descrita na secção 4, e estabelecer o caminho que a Europa deve seguir para concretizar essa visão. Serão necessários até trinta anos para que as alterações sociais provocadas pelos problemas mundiais e pela megatendência da digitalização descritos na secção 3 se manifestem. Muitas decisões importantes, nomeadamente ao nível do investimento, levam tempo até surtirem efeito. Assim, um período de trinta anos afigura-se um quadro temporal adequado para a estratégia de sustentabilidade da Europa. Os objetivos pertinentes e as medidas de política correspondentes devem ser projetados com base nesse quadro temporal (33). Esta abordagem retrospetiva implicaria tomar como ponto de referência o cenário mais otimista para 2050 e, a partir deste, inferir todas as medidas necessárias para a sua concretização. Uma abordagem baseada no cenário mais otimista permite o desenvolvimento de uma narrativa positiva. O abandono da economia com utilização intensiva de recursos e de carbono e da sociedade centralizada do século XX não deve ser encarado como punitivo ou como o fim do progresso, mas sim como uma nova era positiva que oferece oportunidades atrativas para os cidadãos.

6.3.   Caráter explícito

6.3.1.

A abordagem a longo prazo da estratégia de sustentabilidade não implica que não seja necessário adotar medidas de intervenção política a curto prazo. Pelo contrário, um elemento central da estratégia de sustentabilidade deve ser o desenvolvimento da cadeia de medidas de intervenção política necessárias para alcançar os objetivos projetados para 2050, começando por programas políticos que produzam efeitos a longo prazo, planos de intervenção com efeitos a médio prazo e medidas específicas orientadas para o curto prazo. A fim de alcançar a máxima eficácia possível, é necessário determinar claramente a hierarquia entre os programas políticos, os planos de intervenção e as medidas. Anteriores abordagens da sustentabilidade, sobretudo as desenvolvidas ao abrigo da Estratégia de Lisboa e da Estratégia Europa 2020, não eram claramente explícitas no que se refere às medidas específicas de intervenção política. Neste aspeto, a estratégia de sustentabilidade europeia deve tomar como referência a Estratégia em favor do Desenvolvimento Sustentável (34) adotada em Gotemburgo, com o seu claro enfoque em medidas políticas, posteriormente renovado na comunicação da Comissão sobre uma plataforma de ação (35).

6.4.   Integração horizontal e vertical

6.4.1.

No que diz respeito à concretização das abordagens de intervenção política descritas na secção 5 e à aplicação das diversas medidas de intervenção aí referidas, um aspeto tem de ser levado muito a sério: a interligação estreita dos três problemas mundiais com a megatendência da digitalização. Uma estratégia bem-sucedida deve, por conseguinte, evitar o raciocínio compartimentado e ser horizontalmente integrada, englobando os seis domínios de ação. Uma tal estratégia abrangente a longo prazo poderia suceder à atual Estratégia Europa 2020, combinando a aplicação dos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável universais, que reflete um forte compromisso para com o Acordo de Paris sobre alterações climáticas, com as prioridades de trabalho da Comissão Europeia (36).

6.4.2.

Uma política de sustentabilidade bem-sucedida deve também ser integrada verticalmente. O desenvolvimento sustentável necessitará de apoio a todos os níveis pertinentes de intervenção política (local, regional, nacional, europeu e mundial). É, por conseguinte, necessário definir claramente a que nível político devem ser tomadas as diferentes medidas estabelecidas no quadro estratégico. O CESE recomenda a criação de um quadro de governação e de coordenação em paralelo com a estratégia, a fim de assegurar a coerência entre medidas centralizadas e descentralizadas e de envolver a sociedade civil organizada a nível nacional e regional. O Semestre Europeu deve ser desenvolvido de forma a integrar um mecanismo para a coordenação vertical da consecução dos ODS.

6.5.   Facilidade de gestão

6.5.1.

O desenvolvimento sustentável exige gestão política. Com base nos objetivos mensuráveis projetados para 2050 (ver ponto 6.2), há que definir metas intermédias que sirvam de marcos. É necessária uma avaliação contínua para monitorizar se a cadeia de medidas de intervenção explícitas (ver ponto 6.3) está a produzir os resultados pretendidos. No caso de os resultados ficarem aquém dos objetivos e das metas, é necessário assegurar o alinhamento imediato dessas medidas de intervenção.

6.5.2.

Para avaliar os progressos relativamente ao quadro estratégico a longo prazo e ao cenário mais otimista para 2050, é necessário um painel de classificação amplo que reflita a abordagem multissetorial complexa descrita no presente parecer. Este painel de classificação deve incluir indicadores dos seis domínios de ação, a fim de ter em conta a interligação dos três problemas mundiais com a megatendência da digitalização descritos na secção 2. Uma abordagem da sustentabilidade verdadeiramente estratégica só será possível se for realizada a tarefa altamente analítica de definir indicadores adequados e inclui-los num «painel de classificação global». É igualmente necessário gerir a coordenação vertical e horizontal da política de sustentabilidade (ver ponto 6.4). Estas três tarefas (acompanhamento e avaliação, alinhamento das medidas de intervenção política e coordenação da integração horizontal e vertical) exigem entidades administrativas que possam ser responsabilizadas. Uma solução possível seria uma direção-geral a nível da UE e entidades semelhantes a nível nacional.

6.5.3.

Além disso, o CESE reconhece que, num mundo em rápida mutação, é necessário avaliar as comunidades com base em indicadores que vão além do crescimento económico. Assim, o CESE propôs a utilização de um novo paradigma de referência: «o progresso das sociedades». Esta medida tem em conta fatores para além do crescimento económico na avaliação do progresso de uma comunidade. O progresso de uma sociedade deve ser encarado como um paradigma de referência complementar ao crescimento económico, que proporciona uma perspetiva mais ampla da situação numa comunidade (37).

Bruxelas, 19 de outubro de 2017.

O Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Georges DASSIS


(1)  SWD(2016) 390 final.

(2)  Observações do secretário-geral das Nações Unidas no Fórum Político de Alto Nível para o Desenvolvimento Sustentável, em julho de 2017.

(3)  Primeiro vice-presidente, Frans Timmermans, na reunião plenária do CESE de 15 de dezembro de 2016.

(4)  Parecer do CESE sobre «O cidadão no cerne de um mercado interno digital inclusivo: Plano de ação para um êxito garantido» (JO C 161 de 6.6.2013, p. 8).

(5)  Consumidores ativos de energia que consomem e produzem eletricidade.

(6)  Parecer do CESE sobre «Energia de “prossumidores” e cooperativas de energia: oportunidades e desafios nos países da UE» (JO C 34 de 2.2.2017, p. 44).

(7)  Parecer do CESE sobre «Justiça climática» (NAT/712) (ver página 22 do presente Jornal Oficial).

(8)  OCDE: Understanding the Socio-Economic Divide in Europe. Background Report 2017 [Compreender o fosso socioeconómico na Europa. Relatório de base, 2017].

(9)  Schwellnus, C., Kappeler, A., e Pionnier, P.: OECD Working Papers. Decoupling of Wages from Productivity: Macro-Level Facts [Documentos de trabalho da OCDE. Dissociação dos salários e da produtividade: factos macroeconómicos].

(10)  Eurobarómetro.

(11)  Parecer do CESE sobre o tema «Criar uma coligação entre a sociedade civil e os órgãos de poder infranacionais para cumprir os compromissos assumidos no Acordo de Paris» (JO C 389 de 21.10.2016, p. 20).

(12)  Building the Europe We Want [Construir a Europa que queremos], estudo do Fórum de Partes Interessadas para o Comité Económico e Social Europeu, 2015.

(13)  Common appeal to European leaders by European Civil Society Organisations and Trade Unions [Apelo comum das organizações da sociedade civil e sindicatos europeus aos líderes europeus], 21 de março de 2017.

(14)  Parecer do CESE, em fase de elaboração, sobre «Novos modelos económicos sustentáveis» (SC/048) (ver página 57 do presente Jornal Oficial).

(15)  Parecer do CESE sobre o plano de ação da UE relativo aos direitos de propriedade intelectual (JO C 230 de 14.7.2015, p. 72).

(16)  Parecer do CESE sobre a «Iniciativa a favor das empresas em fase de arranque e em expansão» (JO C 288 de 31.8.2017, p. 20).

(17)  Parecer do CESE sobre «Desenvolvimento sustentável: Levantamento das políticas internas e externas da UE» (JO C 487 de 28.12.2016, p. 41).

(18)  Parecer do CESE sobre a «Estratégia para o Mercado Único Digital na Europa» (JO C 71 de 24.2.2016, p. 65).

(19)  Parecer do CESE sobre a «Mutação das relações laborais e respetivo impacto na manutenção de um salário digno, e repercussões da evolução tecnológica no sistema de segurança social e no direito do trabalho» (JO C 303 de 19.8.2016, p. 54).

(20)  Parecer do CESE sobre a «Economia colaborativa» (JO C 75 de 10.3.2017, p. 33).

(21)  JO C 125 de 21.4.2017, p. 10.

(22)  Parecer do CESE sobre o tema «Promover a criatividade, o empreendedorismo e a mobilidade na educação e na formação» (JO C 332 de 8.10.2015, p. 20).

(23)  Parecer do CESE sobre «Inteligência artificial» (JO C 288 de 31.8.2017, p. 1).

(24)  Parecer do CESE sobre o tema «Criar uma coligação entre a sociedade civil e os órgãos de poder infranacionais para cumprir os compromissos assumidos no Acordo de Paris» (JO C 389 de 21.10.2016, p. 20).

(25)  Parecer do CESE sobre a «Iniciativa de cidadania europeia (revisão)» (JO C 389 de 21.10.2016, p. 35).

(26)  JO C 75 de 10.3.2017, p. 57.

(27)  Parecer do CESE sobre «Instrumentos de mercado para uma economia eficiente em termos de recursos e hipocarbónica na UE», JO C 226 de 16.7.2014, p. 1 (ponto 3.9.4).

(28)  Relatório do PNUA, Building a Sustainable Financial System in the European Union [Construir um sistema financeiro sustentável na União Europeia], inquérito do PNUA e 2.a Iniciativa de Investimento, março de 2016; ver também outros relatórios sobre finanças sustentáveis em http://web.unep.org/inquiry

(29)  Parecer do CESE sobre «Instrumentos de mercado para uma economia eficiente em termos de recursos e hipocarbónica na UE», JO C 226 de 16.7.2014, p. 1 (ponto 1.3).

(30)  Parecer do CESE sobre o «Pacote de medidas relativas à economia circular», JO C 264 de 20.7.2016, p. 98 (ponto 1.3).

(31)  Parecer do CESE sobre «A Agenda 2030 — Uma União Europeia empenhada no desenvolvimento sustentável a nível mundial» (JO C 34 de 2.2.2017, p. 58).

(32)  Parecer do CESE sobre «Comércio para Todos — Rumo a uma política mais responsável em matéria de comércio e de investimento», JO C 264 de 20.7.2016, p. 123 (ponto 1.9).

(33)  A Decisão da Conferência das Partes na Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Alterações Climáticas (CQNUAC) que acompanha o Acordo de Paris refere estratégias de desenvolvimento hipocarbónico a longo prazo das emissões de gases com efeito de estufa até meados do século (ponto 35).

(34)  Comunicação da Comissão — Desenvolvimento sustentável na Europa para um mundo melhor: Estratégia da União Europeia em favor do desenvolvimento sustentável, COM(2001) 264.

(35)  Comunicação da Comissão ao Conselho e ao Parlamento Europeu — Reexame da Estratégia em favor do Desenvolvimento Sustentável — Uma plataforma de ação, COM(2005) 658 final.

(36)  Parecer do CESE sobre «Sistemas alimentares mais sustentáveis» (JO C 345 de 13.10.2017, p. 91).

(37)  Parecer do CESE sobre «O PIB e mais além — Participação da sociedade civil na seleção de indicadores complementares» (JO C 181 de 21.6.2012, p. 14).