2.2.2017   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 34/38


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre o «Desmantelamento de navios e sociedade da reciclagem»

(parecer de iniciativa)

(2017/C 034/06)

Relator:

Martin SIECKER

Correlator:

Richard ADAMS

Decisão da Plenária

21.1.2016

Base jurídica

Artigo 29.o, n.o 2, do Regimento

 

Parecer de iniciativa

 

 

Competência

CCMI

Adoção em secção

28.9.2016

Adoção em plenária

19.10.2016

Reunião plenária n.o

520

Resultado da votação

(votos a favor/votos contra/abstenções)

202/2/3

1.   Conclusões e recomendações

1.1.

Os armadores da UE controlam aproximadamente 40 % da frota mercante mundial. Também representam aproximadamente um terço dos navios (em arqueação) em fim de vida varados em estaleiros subnorma no sul da Ásia. A UE é o maior mercado a enviar navios em fim de vida para desmantelamento perigoso e poluente. Com a maior comunidade de estaleiros, a UE também tem uma responsabilidade particular na regulamentação da reciclagem de navios.

1.2.

O CESE defende que eliminar os abusos do desmantelamento irresponsável de navios através de um sistema que crie valor acrescentado suficiente em navios em fim de vida para compensar os custos mais elevados da reciclagem responsável é uma questão social e moral importante. Provavelmente, a maior parte da reciclagem de navios continuaria a ser efetuada em países com baixos custos salariais, mas com melhores condições de trabalho e ambientais. Ao mesmo tempo, isto também permitiria tornar os estaleiros de desmantelamento da UE mais competitivos.

1.3.

A ação da Organização Marítima Internacional (OMI) teve pouco impacto até à data, mas devem continuar a ser envidados todos os esforços para atingir um instrumento juridicamente vinculativo através deste fórum. O papel da UE neste processo pode ser dinâmico e ter impacto. A procura de uma solução eficaz para o desmantelamento irresponsável de navios tem estado na agenda da UE há vários anos, o que resultou, até à data, no Regulamento da UE relativo à reciclagem de navios, que será de plena aplicação, o mais tardar, em 31 de dezembro de 2018. No entanto, uma falha fundamental consiste no facto de os armadores poderem facilmente evitar o referido regulamento ao simplesmente arvorarem pavilhão de um país não pertencente à UE.

1.4.

Falta, por exemplo, no regulamento um instrumento económico que permita à Comissão orientar a evolução para o caminho desejado. Um relatório muito detalhado desenvolveu um modelo para esse instrumento mediante a introdução de uma «licença de reciclagem de navios» (LRN). Até ao final do presente ano, a Comissão irá apresentar uma proposta baseada nesta ideia, que incentivará os armadores a desmantelarem navios em fim da vida útil em instalações aprovadas pela UE, de forma social e ambientalmente aceitável.

1.5.

A vantagem do mecanismo financeiro proposto consiste na sinergia que poderia trazer ao quadro regulamentar existente. Os mecanismos de controlo não iriam interferir com os do Regulamento da UE relativo à reciclagem de navios. As atuais instituições da UE já estão preparadas para administrar e aplicar esta licença. No entanto, o CESE insta a Comissão a avaliar se a proposta poderá ser considerada pelos parceiros comerciais da UE como uma ingerência contrária à concorrência na gestão do transporte marítimo internacional.

1.6.

Apenas reconhecendo a responsabilidade do armador com base no princípio do «poluidor-pagador» e acrescentando o custo de reciclagem responsável aos custos operacionais do navio, será possível eliminar as atuais práticas prejudiciais. Todos os operadores e utilizadores de navios de transporte de carga a granel, de fretes e de passageiros têm um papel no processo. Primeiro, ao reconhecerem a existência de um problema grave e, em segundo lugar, ao apoiarem um mecanismo financeiro progressivo e executável como a LRN, capaz de uma difusão a nível mundial, sob os auspícios da OMI e com uma campanha de informação que ultrapasse as fronteiras da UE.

1.7.

O CESE apoia a Comissão Europeia nesta tarefa. Além de se integrar muito bem na política europeia da sociedade da reciclagem, pode igualmente constituir um passo importante no sentido de reformar o setor de desmantelamento perigoso e poluente na Ásia Meridional e de impedir que o mesmo seja restabelecido em outro lugar. O CESE reconhece o potencial da Convenção de Hong Kong caso incorpore os princípios do Regulamento da UE relativo à reciclagem de navios, e sublinha que é necessário um instrumento financeiro. Insta a UE a prestar assistência técnica aos estaleiros de todo o mundo para que cumpram esses requisitos.

2.   Situação atual

2.1.

Sem transporte marítimo, a economia mundial não funcionaria. Todos os anos, aproximadamente 1 000 navios de alto mar (navios-cisterna e de contentores, de carga e de passageiros) são vendidos para desmantelamento. Mais de 70 % destes navios em fim de vida terminam em praias da Índia, do Bangladeche ou do Paquistão para operações de desmantelamento perigosas. Os restantes são maioritariamente desmantelados na China e na Turquia, onde infraestruturas mais adequadas são mais propícias a práticas limpas e seguras, desde que se apliquem os procedimentos adequados (1).

2.2.

A maior parte dos navios retirados de serviço é desmantelada de forma inaceitável através do método de «varadouro». Este método consiste em ancorar os navios em praias arenosas, onde são desmantelados maioritariamente por trabalhadores sem qualificações (existem inclusivamente relatos de trabalho infantil no Bangladeche), sem equipamento totalmente apropriado e com pouca ou nenhuma proteção contra a enorme quantidade de substâncias perigosas libertadas (2).

2.3.

O setor da reciclagem de navios deslocou-se para a Ásia Oriental (China e Taiwan) na década de 1970, altura em que foram introduzidas normas ambientais e de saúde no trabalho mais rigorosas na Europa. Na década de 1980, o setor também se deparou com uma regulamentação mais estrita na Ásia Oriental e, por conseguinte, deslocou-se para a Ásia Meridional. Nos últimos 30 anos, foram comunicadas 470 mortes na Índia. Em 2014, foram comunicados 25 mortos e 50 feridos graves em estaleiros na Ásia Meridional. Pelo menos 16 trabalhadores perderam a vida em estaleiros no Bangladeche no ano passado e, este ano, já ali morreram doze trabalhadores até à data. Muitos outros trabalhadores ficaram gravemente feridos ou doentes devido aos fumos tóxicos e sofreram mortes dolorosas por cancros causados por substâncias perigosas como o amianto. Os ambientes naturais em redor destas instalações de varadouro encontram-se seriamente degradados (3).

3.   A causa do problema — evitar a responsabilidade

3.1.

O problema da reciclagem de navios reside na ausência de governação internacional eficaz para obter uma solução a nível mundial. A OMI, uma agência da ONU, elaborou a «Convenção de Hong Kong para a Reciclagem Segura e Ecológica dos Navios» («Convenção de Hong Kong»), que continua por ratificar e com impacto incerto. Como em muitas outras áreas, a UE, ao promover boas práticas e soluções pragmáticas, pode fornecer um quadro regulamentar e jurídico capaz de produzir resultados positivos a nível mundial e eficaz no tratamento de um conjunto particular de questões extraterritoriais prevalecentes no setor do transporte marítimo.

3.2.

A legislação internacional exige que cada navio mercante seja registado num país. A CNUCED (Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento) comunicou que quase 73 % da frota de navios mundial tem registo ou pavilhão de um país diferente daquele em que o armador beneficiário está registado. As razões para mudar o pavilhão de um navio para um país diferente incluem elisão fiscal, a possibilidade de contornar regulamentações ambientais e laborais nacionais e a possibilidade de recrutar tripulações de países com salários mais baixos. Muitos destes registos livres também são designados de «pavilhões de conveniência» ou «pavilhões de não conformidade». Estes pavilhões provêm de países com fracos resultados em matéria de aplicação da lei internacional. Aproximadamente 40 % de todos os navios em fim de vida varados no sul da Ásia foram importados com pavilhões de conveniência ou de pavilhões de não conformidade, como os pavilhões de São Cristóvão e Neves, das Comores e de Tuvalu. Estes pavilhões de «fim de vida» raramente são utilizados durante a vida útil de qualquer navio e oferecem taxas de desconto especiais para últimas viagens e registos a curto prazo rápidos e fáceis sem quaisquer requisitos de nacionalidade.

3.3.

Apenas um pequeno número de armadores tomou medidas voluntárias para assegurar uma reciclagem limpa e segura dos respetivos navios obsoletos. Menos de 8 % dos navios vendidos para desmantelamento mantêm um pavilhão europeu e estes são desmantelados maioritariamente de forma segura e sustentável. A maior parte dos navios que atingem o final da sua vida útil é vendida aos chamados «compradores a pronto», que conduzem o navio para o respetivo destino final na Ásia Meridional. A maioria dos armadores não lida diretamente com as instalações de reciclagem: distancia-se convenientemente da eliminação final e deixa-a a cargo destes compradores a pronto, que se especializam em navios em fim de vida e assumem o papel de intermediários entre os armadores e os estaleiros de desmantelamento. O serviço que prestam inclui deslocar e tripular um navio para a sua última viagem e lidar com a burocracia necessária e as autoridades no destino de desmantelamento.

Tanto armadores privados como públicos recorrem a estas práticas.

3.4.

Este negócio é lucrativo para:

quem organiza o desmantelamento localmente, ao preço mais baixo, explorando os trabalhadores e prejudicando o ambiente;

os armadores em todo o mundo, que recebem um melhor preço pelo navio desmantelado;

os interesses empresariais dos países envolvidos, uma vez que proporciona uma importante fonte de sucata de aço, que é utilizada na economia local e nacional;

os governos que recebem receitas das trocas comerciais e têm poucos incentivos para regulamentar ou controlar o setor e aplicar as salvaguardas jurídicas existentes.

3.5.

Apesar de existirem, desde 2009, ações coordenadas e voluntárias dos armadores, tais como um conjunto de orientações sobre a elaboração de inventários de materiais perigosos e outras medidas relativas aos navios em fim de vida, em 2015, o Bangladeche, onde as condições são conhecidas como as piores, foi o destino preferido dos navios em fim de vida (4).

4.   Lidar com o problema — tentativas para garantir a responsabilização

4.1.

Em 2009, a OMI adotou um instrumento específico para o transporte marítimo, a Convenção de Hong Kong, que cria um quadro regulamentar com o objetivo último de providenciar as condições de concorrência equitativas e sustentáveis necessárias para as atividades de reciclagem de navios a nível mundial. Na verdade, esta reivindicação não resiste à evidência dos factos. Embora tal seja um pequeno passo em frente, a aplicação e as disposições de execução são insuficientes e abertas a uma grande variedade de interpretações, não existe uma certificação ou auditoria independente estipuladas e, na prática, o desmantelamento em varadouro continua a ser permitido.

4.2.

A Convenção de Hong Kong só entrará em vigor 24 meses após a ratificação por parte de 15 Estados, representando 40 % da arqueação global e cuja capacidade anual de reciclagem de navios representa pelo menos 3 % da arqueação combinada dos signatários. Até ao momento, apenas cinco países, dos quais o Panamá é o único grande Estado de pavilhão, ratificaram a Convenção de Hong Kong, mas nenhum deles cumpre a capacidade de reciclagem de navios exigida para a entrada em vigor da convenção. Por conseguinte, não se prevê para breve a entrada em vigor da convenção.

4.3.

Outra iniciativa da OMI, o Fundo Fiduciário Internacional para a Reciclagem de Navios, não recebeu apoio a nível internacional. Embora a OMI tenha proporcionado uma reforma positiva do setor marítimo em diversos domínios, uma ação eficaz em matéria de desmantelamento de navios não foi uma delas. O setor da reciclagem de navios tendeu a instalar-se ou a deslocar-se para países com baixos custos salariais e onde as normas de saúde e segurança e ambientais são pouco exigentes e não são cumpridas. O papel de «facilitador» destes Estados só pode ser eliminado ao associar um fundo financeiro significativo, mantido de forma independente, a cada navio, que possa ser reclamado se for reciclado de forma responsável. O transporte marítimo é um setor mundial, enquanto o desmantelamento de navios, em que 70 % dos navios são desmantelados em três praias da Ásia Meridional, é um escândalo regional que merece uma solução eficaz.

4.4.

Na UE, os navios colocados fora de serviço são considerados resíduos perigosos e abrangidos pela Convenção de Basileia, que regulamenta todos os tipos de transporte de resíduos perigosos e que é transposta, a nível da UE, através do Regulamento sobre transferências de resíduos. Teoricamente, este deveria impedir o desmantelamento irresponsável dos navios da UE. As regras da convenção e do referido regulamento são também sistematicamente contornadas pelos armadores através da venda de navios em fim de vida a compradores a pronto assim que estes navios abandonam as águas da UE para a última viagem. No entanto, após a entrada em vigor do Regulamento da UE relativo à reciclagem de navios na União, os navios em fim de vida que navegam sob pavilhão de um Estado-Membro da UE serão excluídos, a partir de 2019, do âmbito de aplicação do Regulamento da UE sobre transferências de resíduos e da Convenção de Basileia, que regulamenta todos os tipos de transporte de resíduos perigosos.

4.5.

Após análise, a UE e os respetivos Estados-Membros concluíram que tanto a Convenção de Hong Kong como a Convenção de Basileia parecem oferecer um nível de controlo e aplicação equivalente para navios classificados como resíduos. ONG de todo o mundo, o Relator Especial das Nações Unidas sobre direitos humanos e resíduos tóxicos, bem como o Parlamento Europeu e o CESE, denunciaram a Convenção de Hong Kong por esta não fornecer soluções adequadas.

4.6.

A procura de uma solução eficaz faz parte da agenda da UE há vários anos. Em 2007, a Comissão Europeia elaborou um Livro Verde (5) sobre o tema, seguido de uma comunicação em 2008 (6), e, por último, de uma proposta para um Regulamento da UE relativo à reciclagem de navios (7) em 2012. O regulamento entrou em vigor em 30 de dezembro de 2013, mas a sua aplicação plena só é obrigatória a partir de 31 de dezembro de 2018. O regulamento aplica antecipadamente vários requisitos da Convenção de Hong Kong. Além disso, o Regulamento da UE relativo à reciclagem de navios define uma lista europeia de instalações de reciclagem aprovadas onde os navios com bandeiras da UE terão de ser desmantelados. Estas instalações devem ser submetidas a certificações e auditorias independentes. O Regulamento da UE relativo à reciclagem de navios vai além da Convenção de Hong Kong ao definir normas mais estritas para as instalações de reciclagem e ao ter em conta a gestão de resíduos a jusante e os direitos laborais.

4.7.

No entanto, o Regulamento da UE relativo à reciclagem de navios é muito moderado em relação ao Livro Verde anterior e à comunicação sobre o mesmo tema. Nesses dois documentos, são analisados acuradamente problemas relacionados com a reciclagem dos navios na Ásia Meridional e expressa-se a convicção de que são necessárias medidas severas para combater as condições inaceitáveis nestes países. No entanto, as medidas do referido regulamento não resolvem estes problemas. Embora o regulamento defina normas rigorosas para instalações de reciclagem de navios que excluem eficazmente o método de varadouro subnorma, é muito fácil para os armadores contornar estas normas através da transferência de propriedade ou simplesmente da mudança para um pavilhão não pertencente à UE. Conforme o CESE conclui, a vontade política de responsabilizar o setor do transporte marítimo esteve manifestamente ausente e sentiu-se que a Comissão deveria ter elaborado uma proposta melhor, mais criativa e audaciosa, mais rica em iniciativas e em consonância com o nível de ambição de documentos anteriores da Comissão (8).

5.   Uma abordagem mais eficaz

5.1.

Falta, por exemplo, no regulamento um instrumento económico que permita à Comissão orientar a evolução para o caminho desejado. A Comissão reconheceu a falha fundamental de os armadores conseguirem evitar facilmente o Regulamento da UE relativo à reciclagem de navios ao simplesmente arvorarem o pavilhão de um país não pertencente à UE na sua proposta inicial de 2012, que incluía uma cláusula sobre a «responsabilidade de penúltima propriedade». Embora esta cláusula tenha sido rejeitada durante as negociações tripartidas, o PE assegurou a inclusão de um artigo no regulamento que instava a Comissão a analisar eventuais mecanismos financeiros alternativos.

5.2.

Em julho do ano em curso, a Comissão publicou um novo estudo, realizado pela Ecorys, a DNV-GL e a Universidade Erasmus de Roterdão, sobre uma «licença de reciclagem de navios» (LRN) com o fim de incentivar os armadores a assumirem finalmente a sua responsabilidade relativamente a um desmantelamento de navios limpo e seguro.

5.3.

Esta LRN criaria um fundo dedicado específico para cada navio, que seria conservado em depósito numa importante instituição financeira, acumulando capital para financiar a reciclagem segura e sustentável. O montante da licença seria determinado pela combinação de arqueação, tipo de transporte, frequência de escalas nos portos da UE, conceção com base no princípio do fluxo circular de reciclagem e reutilização de materiais («cradle-to-cradle») e presença de substâncias tóxicas a bordo. O capital é constituído pelos armadores que, cada vez que um dos seus navios fizer escala num porto da UE, pagarão a taxa adequada para o fundo associado a esse navio específico.

5.4.

No fim da vida útil, este fundo seria reclamado caso o navio fosse efetivamente reciclado num estaleiro aprovado pela UE e, consequentemente, utilizado para compensar a perda de receitas derivadas da opção por um desmantelamento responsável. Até ao final do ano, a Comissão apresentará uma posição formal sobre o referido estudo.

5.5.

Uma grande vantagem do mecanismo financeiro proposto consiste na sinergia que poderia trazer ao quadro regulamentar existente. Em particular, os mecanismos de controlo no âmbito do mecanismo financeiro proposto resultariam bastante bem com os mecanismos de controlo existentes no âmbito do Regulamento da UE relativo à reciclagem de navios, como a inspeção das instalações antes e após a respetiva inclusão na lista europeia. As licenças também poderiam ser incluídas na lista de certificados que devem ser verificados regularmente pela inspeção do Estado do porto como parte das obrigações preexistentes. Da mesma forma, a atual Agência Europeia da Segurança Marítima (EMSA) parece reunir as melhores condições para levar a cabo as tarefas de inspeção e emissão de licenças, ao passo que uma das instituições financeiras europeias, como o Banco Europeu de Investimento (BEI) ou o Fundo Europeu de Investimento (FEI), parece estar em melhor posição para administrar as receitas de uma possível LRN. O CESE insta a Comissão a avaliar se a proposta poderá ser considerada pelos parceiros comerciais da UE como uma ingerência contrária à concorrência na gestão do transporte marítimo internacional.

5.6.

Este fundo contribuiria de alguma forma para a proposta do CESE no sentido de apoiar um setor de reciclagem de navios mais abrangente e viável na Europa. Na UE, há capacidade suficiente que deixou de ser utilizada para a construção e a reparação de navios, mas que se presta ao desmantelamento e à reciclagem de navios. Esta possibilidade enquadra-se perfeitamente no objetivo da UE de desenvolver uma sociedade da reciclagem sustentável com uma economia circular, em que os resíduos são transformados em matéria-prima através de um sistema engenhoso e bem estruturado. Tendo em conta os preços alternadamente voláteis e progressivamente crescentes das matérias-primas e a elevada taxa de desemprego em vários Estados-Membros europeus, bem como o facto de diversas plataformas petrolíferas nas águas da UE estarem a atingir o fim de vida economicamente viável, esta opção poderia ser altamente rentável para toda a Europa. Ademais, um setor de desmantelamento de navios em fim de vida representa uma oportunidade para o desenvolvimento dos territórios marítimos e a formação de jovens e desempregados em profissões emergentes.

5.7.

Em 12 de abril de 2016, a Comissão publicou orientações técnicas para instalações de reciclagem de navios que requeiram aprovação no âmbito do Regulamento da UE relativo à reciclagem de navios. As instalações que pretendam ser incluídas na lista de aprovadas pela UE devem assegurar condições de trabalho saudáveis e seguras, o controlo da poluição, incluindo gestão de resíduos a jusante, e a aplicação de direitos laborais internacionais. Podem candidatar-se instalações de dentro e fora da UE. Além das instalações da UE, os melhores estaleiros da China e da Turquia irão provavelmente figurar na lista, que será publicada no final do ano em curso. As instalações de reciclagem que utilizam o método de varadouro já apresentaram a sua candidatura. O CESE concorda com o Parlamento Europeu e a Comissão que o atual método de varadouro não deve ser admitido na lista da UE.

5.8.

Se a Europa pretende desmantelar os seus navios de forma responsável, faz sentido que assegure a integração desses custos nos custos operacionais do navio. Numa economia de mercado nada é gratuito, tudo tem um preço. Para desmantelar os navios de forma responsável, esse preço é pago com dinheiro. No desmantelamento irresponsável, uma parte do preço é paga à custa de outros valores, como a destruição do ambiente local e a perda de vidas humanas. Dado que a UE não pretende aceitar estes valores como meios de pagamento legais, não devemos aceitar a sua utilização como moeda legítima no tráfego de pagamentos com países em desenvolvimento fora da Europa.

5.9.

Num período de excesso de capacidade e de baixo rendimento no setor, existem fortes indicadores de que a grande maioria dos armadores resiste a medidas que envolvam encargos mais elevados. No entanto, o impacto nos armadores será modesto. Para mudar o comportamento de 42 % dos armadores, estima-se que as medidas necessárias para atingir esse objetivo acrescentem 0,5 % aos custos operacionais de navios de menor envergadura e cerca de 2 % aos dos navios de maior envergadura. Se as taxas aplicáveis aos preços das licenças aumentarem e/ou se o período de acumulação de capitais for reduzido, a percentagem de navios vendidos para a reciclagem sustentável de navios aumentará até 68 %. A longo prazo, o relatório calcula que cerca de 97 % dos navios que operam nos portos europeus poderão acumular fundos suficientes para cobrir a diferença para a reciclagem ecológica (9).

5.10.

No entanto, o fundo de receitas das LRN deve demonstrar que corresponde ao custo da reciclagem responsável e que será aplicado e cobrado de forma equitativa a todos os operadores que atracam em portos da UE. No entanto, uma medida regional (a nível continental) como a licença de reciclagem de navios da UE não pode ser aplicada de forma eficaz em todo o mundo sem a cooperação dos armadores e da OMI. Um instrumento financeiro da UE que seja aplicável a qualquer navio que atraque num porto da UE pode estimular essa solução a nível mundial, que poderia ser difundida através da OMI. Os governos dos Estados-Membros com um número significativo de armadores residentes devem envidar esforços consideráveis para desenvolver legislação relevante em harmonia com as políticas relativas à fraude e coerente com as orientações da OMC.

5.11.

Também é possível gerar e apoiar a vontade política através de uma opinião pública informada. A divulgação das condições escandalosas na maioria das instalações de reciclagem no sul da Ásia está a ter algum efeito, mas atualmente não existe nenhuma forma de os membros do público interessados influenciarem diretamente o setor do transporte marítimo através da compra ou boicote de serviços de embarcações relevantes. Esta realidade deve ser alterada incentivando importantes utilizadores empresariais de serviços de frete marítimo a exigirem que os seus bens sejam transportados em navios que cumpram políticas de fim de vida responsáveis e irrevogáveis.

5.12.

Como em muitas outras áreas, a UE, ao promover boas práticas e soluções pragmáticas, tem um papel a desempenhar e pode fornecer um quadro regulamentar de apoio capaz de produzir resultados positivos a nível mundial e eficaz no tratamento de um conjunto particular de questões extraterritoriais prevalecentes no setor do transporte marítimo.

Bruxelas, 19 de outubro de 2016.

O Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Georges DASSIS


(1)  Lista de 2015 de todos os navios desmantelados a nível mundial (em inglês).

(2)  Desmantelamento de navios no Bangladeche e na Índia, vídeo do National Geographic: «Where Ships Go to Die, Workers Risk Everything» (2014).

(3)  ONG «Shipbreaking Platform».

(4)  Regulamento da UE relativo à reciclagem de navios — «Guidelines on Transitional Measures for Shipowners Selling Ships for Recycling» [Orientações sobre as medidas de transição para os armadores que vendem navios para reciclar], 2.a edição, janeiro de 2016.

(5)  Livro Verde — COM(2007) 269 final.

(6)  COM(2008) 767 final.

(7)  Regulamento (UE) n.o 1257/2013 (JO L 330 de 10.12.2013, p. 1).

(8)  JO C 299 de 4.10.2012, p. 158.

(9)  Quadro 4.2, p. 83.