COMISSÃO EUROPEIA
Bruxelas, 29.1.2016
COM(2016) 32 final
RELATÓRIO DA COMISSÃO AO PARLAMENTO EUROPEU E AO CONSELHO
sobre as práticas comerciais desleais nas relações entre empresas da cadeia de abastecimento alimentar
COMISSÃO EUROPEIA
Bruxelas, 29.1.2016
COM(2016) 32 final
RELATÓRIO DA COMISSÃO AO PARLAMENTO EUROPEU E AO CONSELHO
sobre as práticas comerciais desleais nas relações entre empresas da cadeia de abastecimento alimentar
1.Introdução
Em julho de 2014, a Comissão adotou uma Comunicação intitulada «Lutar contra as práticas comerciais desleais (PCD) nas relações entre empresas da cadeia de abastecimento alimentar» 1 . As PCD são práticas que se desviam significativamente da boa conduta comercial, são contrárias à boafé e às práticas comerciais leais e são impostas unilateralmente por um parceiro comercial a outro. A Comunicação explica a razão pela qual a estrutura de mercado da cadeia de abastecimento alimentar é particularmente vulnerável às PCD e descreve os danos que estas práticas podem causar aos operadores com fraco poder de negociação. Para resolver o problema das PCD, a Comunicação incentiva os operadores da cadeia de abastecimento alimentar europeia a participarem em regimes voluntários que visem promover as melhores práticas e reduzir as PCD, e salienta a importância de uma aplicação eficaz e independente a nível nacional.
Em 2015, o debate foi intensificado, sobretudo devido às dificuldades com que se defrontam os agricultores europeus em resultado da queda dos preços de certos produtos agrícolas, em particular dos laticínios e da carne de suíno. A procura de um certo número de produtos diminuiu significativamente, facto que foi agravado pela proibição russa de importação de produtos agrícolas da União. Ao mesmo tempo, a produção mundial aumentou, levando a uma oferta excessiva. Embora as PCD não sejam a causa das reduções de preços recentes, os preços baixos tornaram os agricultores mais vulneráveis a potenciais comportamentos desleais dos seus parceiros comerciais. Em resposta aos desafios enfrentados pelos agricultores, os Ministros da Agricultura de sete países 2 emitiram uma declaração conjunta, convidando a Comissão a levar mais longe a sua análise das PCD e a propor legislação da UE para as combater.
A Comissão respondeu à crise agrícola com um vasto pacote de medidas. Muitas dessas medidas visam o setor dos laticínios, que é particularmente afetado pela queda dos preços. O presente relatório não abrange as medidas específicas relativas às PCD já adotadas para setores específicos. Será criado um grupo de trabalho para os mercados agrícolas que aconselhará a Comissão sobre aspetos específicos relacionados com o funcionamento dos mercados agrícolas e a posição dos agricultores na cadeia alimentar. O grupo de trabalho também emitirá recomendações e proporá iniciativas políticas pertinentes neste domínio.
O presente relatório incide nos quadros existentes para lutar contra as práticas comerciais desleais. É composto por dois elementos principais: 1) uma avaliação dos quadros normativo e de aplicação da legislação nos EstadosMembros; e 2) uma avaliação do impacto da Iniciativa Cadeia de Abastecimento (SCI), uma iniciativa voluntária a nível da UE, e das plataformas nacionais que foram criadas para a mesma.
O relatório conclui que as medidas destinadas a combater as PCD têm evoluído significativamente nos últimos anos. Muitos EstadosMembros, em especial aqueles onde a questão é mais proeminente, introduziram recentemente medidas legislativas e de aplicação, que, de um modo geral, cumprem os critérios que definem os quadros eficazes contra as PCD. No total, mais de 20 EstadosMembros adotaram legislação ou tencionam fazêlo num futuro próximo. Embora seja demasiado cedo para avaliar o impacto global desta legislação, o presente relatório identifica um conjunto de áreas específicas em que ainda é possível fazer melhorias. No que diz respeito à iniciativa voluntária da cadeia de abastecimento, o relatório reconhece os benefícios até agora alcançados, mas também propõe uma série de possíveis medidas de reforço que visam aumentar a credibilidade e a eficácia da iniciativa.
2.Quadros normativo e de aplicação da legislação nos EstadosMembros
Não existe legislação da UE contra as PCD entre empresas da cadeia de abastecimento alimentar 3 . O direito da concorrência da UE abrange os abusos de posição dominante e as práticas anticoncorrenciais, mas a maior parte das PCD comunicadas não é abrangida pelo direito da concorrência, dado que a maioria dos intervenientes se encontra numa posição forte, mas não dominante. Alguns EstadosMembros alargaram a aplicação da legislação europeia em matéria de proteção do consumidor às situações entre empresas 4 . É o que acontece com a Diretiva 2005/29/CE relativa às práticas comerciais desleais ou a Diretiva 93/13/CEE relativa às cláusulas abusivas nos contratos celebrados com os consumidores. No entanto, as práticas objeto da diretiva são, na sua maioria, diferentes das examinadas no presente relatório.
A situação é diferente a nível nacional: a maior parte dos EstadosMembros lida com o problema das PCD de diversas formas, a maior parte delas de cariz legislativo, e algumas com base em iniciativas de autorregulação entre os participantes no mercado. Em termos legislativos, os últimos anos foram um período de grandes mudanças. Mais especificamente, dos 20 EstadosMembros que já dispõem de legislação 5 , 15 introduziramna nos últimos cinco anos 6 . Alguns outros poderão considerar a elaboração de legislação num futuro próximo 7 e outros ainda aperfeiçoaram os seus quadros normativos mais antigos nos últimos cinco anos 8 . O gráfico abaixo dá uma panorâmica geral da situação atual.
Sem legislação e sem plataforma SCI
Plataforma nacional SCI mas sem legislação
Legislação anti-PCD em vigor
Em 2015, a Comissão organizou várias reuniões com os ministérios dos EstadosMembros e as autoridades responsáveis pela aplicação, a fim de recolher informações pormenorizadas sobre os quadros normativos existentes ou previstos. O processo de inquérito foi apoiado por debates de acompanhamento bilaterais.
Cinco elementos principais são importantes para criar quadros normativos eficazes com vista a combater as PCD. São descritos nos pontos seguintes. Os EstadosMembros podem fazer face a estes cinco elementos de modo diferente, mas a diferença de abordagens não parece ter consequências negativas para o mercado único 9 . Não obstante a avaliação global dos quadros normativos a nível nacional, que é satisfatória, a análise abaixo indica os aspetos em que certos EstadosMembros podem ainda melhorar o seu quadro normativo e identifica as possibilidades de cooperação entre os EstadosMembros.
1) Cobertura na cadeia de abastecimento
As medidas contra as PCD destinamse a fazer face a práticas que resultam principalmente de desequilíbrios económicos. A maioria dos EstadosMembros definiu critérios claros para identificar as situações conducentes a PCD. A legislação da maioria dos EstadosMembros aplicase às relações entre empresas («B2B») em todas as fases da cadeia de abastecimento. Alguns EstadosMembros aplicam a legislação apenas às relações em que uma das partes é um retalhista 10 .
Para o futuro, dado que podem ocorrer PCD em qualquer etapa da cadeia, os EstadosMembros que ainda o não tenham feito devem considerar a introdução de legislação que abranja a totalidade da cadeia de abastecimento alimentar entre empresas. Isso é importante para assegurar que todos os operadores mais pequenos têm proteção adequada contra as PCD, uma vez que muitos pequenos operadores não tratam diretamente com os retalhistas. Os EstadosMembros devem assegurar igualmente que a sua legislação abrange os operadores de países terceiros (por exemplo, os produtores primários de África ou da América Latina).
2) Principais tipos de PCD
Os EstadosMembros com legislação em matéria de PCD definiram as práticas desleais que devem ser combatidas, com base na sua análise da situação do mercado e das práticas no seu país.
A análise que precedeu o presente relatório 11 identificou quatro categorias principais de PCD, que devem ser visadas por um quadro normativo:
-uma parte não deve transferir de forma indevida ou desleal os seus próprios custos ou riscos empresariais para a outra parte;
-uma parte não deve solicitar à outra parte vantagens ou benefícios de qualquer tipo sem realizar um serviço relacionado com a vantagem ou o benefício solicitado;
-uma parte não deve introduzir alterações unilaterais e/ou retroativas num contrato, a menos que o contrato o preveja especificamente em condições equitativas;
-não deve haver qualquer cessação abusiva de uma relação contratual ou qualquer ameaça injustificada de cessação da relação contratual.
Embora os EstadosMembros tenham optado por diferentes abordagens e técnicas legislativas, de acordo com as suas tradições jurídicas, os principais tipos de PCD são abrangidos, em grande medida, por todos os quadros normativos 12 .
Para melhorar o entendimento comum entre EstadosMembros no que diz respeito aos tipos específicos de práticas comerciais que devem ser consideradas PCD, os EstadosMembros devem trocar informações e melhores práticas relativas à sua legislação nacional e às suas experiências de aplicação, de forma coordenada e sistemática.
3) Flexibilidade ou rigidez na definição das PCD
Os EstadosMembros optaram por diferentes abordagens legislativas para combater os abusos dos desequilíbrios económicos. Alguns EstadosMembros, como a Alemanha e a Áustria, têm disposições jurídicas gerais que exigem uma avaliação caso a caso 13 para saber se há um desequilíbrio económico significativo entre dois operadores e se o mais forte abusou da sua posição para impor cláusulas ou condições abusivas à parte mais fraca.
Outros EstadosMembros, por exemplo, a República Checa, a Eslováquia e a Hungria, optaram por introduzir legislação específica mais pormenorizada respeitante às PCD. Várias dessas leis contêm extensas listas de práticas consideradas intrinsecamente desleais e, por conseguinte, ilegais (listas negras), em que o caráter abusivo de uma cláusula não é apreciado numa base casuística.
Uma vantagem potencial da primeira abordagem, de caráter mais geral, é a sua flexibilidade e o facto de poder detetar desequilíbrios ao longo da cadeia de abastecimento, bem como diferentes tipos de PCD existentes ou recémcriadas. No entanto, a abordagem geral exige uma avaliação muito abrangente das circunstâncias económicas e contratuais de cada caso. Conforme mostra a evolução recente na Alemanha, essa legislação geral pode ser de aplicação bastante difícil para as autoridades nacionais responsáveis pela aplicação 14 .
A vantagem da segunda abordagem, ou seja, de legislação específica e mais pormenorizada respeitante às PCD, é que a sua execução não exige investigações factuais abrangentes e exigentes em termos de recursos nem apreciações jurídicas para cada caso. Contudo, pode por vezes ser difícil, de acordo com esta abordagem, ter em consideração o contexto económico e contratual de uma única cláusula ou prática, o que pode suscitar preocupações de proporcionalidade.
Os EstadosMembros que escolheram uma abordagem geral devem assegurar que a sua legislação pode ser aplicada na prática, devendo também impor exigências de provas praticáveis e afetar recursos suficientes às atividades de aplicação da legislação, para assegurar uma avaliação casuística completa e efetiva.
Os EstadosMembros com uma abordagem específica das PCD devem examinar cuidadosamente se as medidas são proporcionais, bem como o alcance e a natureza das práticas abrangidas pela sua legislação. Para garantir que a abordagem específica das PCD continua a ser proporcional, os EstadosMembros devem: i) limitar as PCD intrinsecamente proibidas a certas categorias descritas no ponto anterior e ii) avaliar outras práticas potencialmente desleais com base no contexto contratual e económico do caso concreto.
4) Confidencialidade das denúncias e possibilidade de investigações por iniciativa própria
Um sistema eficaz de aplicação da lei tem de ter em conta o receio da parte mais fraca de comprometer a sua relação comercial, caso se queixe abertamente às autoridades sobre as PCD. Este «fator receio» pode facilmente impedir as autoridades de penalizar os operadores do mercado que impõem PCD, uma vez que as autoridades necessitam de informações suficientes para poder dar seguimento a uma denúncia.
Muitos EstadosMembros permitem denúncias formais confidenciais, em que a identidade do autor da denúncia é protegida. Vários EstadosMembros permitem denúncias agregadas que protegem melhor a identidade do autor da denúncia ou que permitem a qualquer parte interessada apresentar uma denúncia. Isso significa que os autores das denúncias não têm de agir em pessoa, podendo, por exemplo, ser representados por uma associação.
Os EstadosMembros designaram diferentes autoridades nacionais responsáveis pela aplicação para combater as PCD. Por vezes, tratase da autoridade nacional de concorrência e, noutros casos, de um organismo específico, como um ministério nacional, uma agência nacional da alimentação ou um organismo de luta antifraude. Estas autoridades têm poderes para iniciar investigações por iniciativa própria, sempre que haja indicações suficientes de que uma empresa utiliza PCD proibidas pela legislação nacional.
As investigações por iniciativa própria lançadas pela autoridade responsável pela aplicação são outro elemento importante para enfrentar o «fator receio». Permitem à vítima de uma prática desleal informar a autoridade sobre alegadas PCD impostas por uma parte mais forte, desencadeando assim uma investigação por iniciativa própria, se a autoridade responsável pela aplicação considerar que existem motivos suficientes.
Praticamente todos os sistemas de aplicação dos EstadosMembros permitem a apresentação de denúncias confidenciais e a realização de investigações por iniciativa própria para lidar com o «fator receio».
As autoridades responsáveis pela aplicação nos EstadosMembros devem coordenar e trocar regularmente informações e boas práticas, para continuar a melhorar a aplicação de medidas destinadas a combater as PCD e a resolver melhor o problemas das potenciais PCD transfronteiras.
5) Efeito dissuasivo
As medidas para combater as PCD devem ter um verdadeiro efeito dissuasivo. O grau de dissuasão destas medidas é determinado pelo risco potencial de as práticas desleais virem a ser investigadas por uma autoridade responsável pela aplicação e pelo nível das potenciais sanções ou multas.
Intensidade da prática de controlo da aplicação
O número real de investigações de alegadas práticas comerciais desleais difere significativamente entre os EstadosMembros. Cerca de um terço dos EstadosMembros com um sistema de aplicação pública não registou qualquer caso nos últimos anos 15 ; outro terço investigou apenas alguns casos 16 ; e os restantes trataram dezenas ou mesmo mais casos 17 . Em certa medida, isso pode deverse ao diferente grau de importância do problema nos diversos EstadosMembros.
As diferenças nas abordagens adotadas para aplicar as medidas antiPCD também são importantes: algumas autoridades responsáveis pela aplicação concentramse na resolução dos conflitos com efeitos ao nível do mercado, enquanto outras tentam resolver litígios específicos. Por isso, a mera comparação do número anual de investigações não daria uma imagem exata da eficácia do sistema de aplicação. Mesmo uma investigação global muito publicitada a nível do mercado pode ter um efeito dissuasor. No entanto, os EstadosMembros sem quaisquer casos recentes devem rever a sua situação nacional.
Multas e outras sanções
A maior parte dos EstadosMembros introduziu multas para as empresas que aplicam PCD, violando, assim, o direito nacional. Na maioria dos EstadosMembros, existe um nível máximo de multas em termos absolutos, mas noutros as multas são calculadas em percentagem do volume de negócios anual da empresa que aplicou PCD contra o seu parceiro comercial mais fraco. O intervalo varia entre 0,05 %, num caso, e 10 % do volume de negócios, em vários outros EstadosMembros.
Outro tipo de sanção pode também ser a denúncia nominal, por exemplo, publicando o nome da empresa que foi declarada culpada. Para ter um verdadeiro efeito dissuasor, as sanções devem ser suficientemente pesadas para compensar qualquer ganho obtido com a imposição da PCD (embora tal possa ser difícil de quantificar) e influenciar o comportamento a nível das empresas. Porém, devem também ser proporcionais à gravidade da conduta e aos seus efeitos nocivos potenciais para a(s) vítima(s).
3.A Iniciativa voluntária Cadeia de Abastecimento e as suas plataformas nacionais
3.1.Contexto
A Iniciativa Cadeia de Abastecimento (SCI) foi criada no âmbito do Fórum de Alto Nível da Comissão sobre a Melhoria do Funcionamento da Cadeia de Abastecimento Alimentar 18 . O objetivo da iniciativa é aumentar a equidade nas relações comerciais ao longo da cadeia de abastecimento alimentar. Para o efeito, todos os representantes do mercado que participam no grupo de trabalho do Fórum sobre as PCD, incluindo os representantes dos agricultores, chegaram a acordo sobre um conjunto de princípios de boas práticas em relações verticais na cadeia de abastecimento alimentar 19 , em novembro de 2011. No entanto, apesar dos importantes esforços desenvolvidos por todas as partes interessadas, os intervenientes na cadeia alimentar não conseguiram chegar a acordo sobre um mecanismo de aplicação voluntária, uma vez que os agricultores e os transformadores de carne consideraram que tal mecanismo não contemplava a confidencialidade do autor da denúncia (o «fator receio») nem a aplicação de sanções.
A SCI, um quadro voluntário para a aplicação dos princípios de boas práticas, foi lançada em setembro de 2013 20 . As empresas podem aderir à SCI quando estiverem em conformidade com os princípios de boas práticas. Nos termos da SCI, os litígios entre operadores podem ser resolvidos por mediação ou por arbitragem. A SCI incide nos requisitos organizacionais a nível da empresa para evitar as PCD, incluindo a formação de pessoal e a participação nos mecanismos de resolução de litígios. O incumprimento destes requisitos organizacionais pode conduzir à exclusão da empresa em causa da SCI. Contudo, a SCI não prevê qualquer outro tipo de sanções. Os membros da SCI devem assegurar que as partes mais fracas que recorrem aos mecanismos de resolução de litígios não são objeto de retaliação comercial.
A SCI é gerida por um Grupo de Governação que representa os retalhistas e os fornecedores da cadeia de abastecimento alimentar. Os representantes dos agricultores decidiram não aderir à SCI, uma vez que, no seu entender, a iniciativa não garante um nível suficiente de confidencialidade para as partes denunciantes e não prevê investigações independentes e sanções.
Até à data, pouco mais de dois anos após o lançamento da SCI, inscreveramse 328 grupos e empresas da indústria transformadora, do comércio por grosso e a retalho, que representam 1 155 empresas ativas em todos os EstadosMembros da UE. Foram estabelecidas ou estão a ser criadas plataformas nacionais da SCI na Bélgica, na Finlândia, na Alemanha e nos Países Baixos (mais informações sobre as iniciativas nacionais em 3.2.3).
3.2.Avaliação do impacto das iniciativas voluntárias
A Comissão contratou uma empresa externa de investigação para avaliar a SCI e as suas plataformas nacionais. O estudo daí resultante baseouse essencialmente num inquérito junto dos operadores de mercado da cadeia de abastecimento alimentar. O inquérito obteve mais de 1 000 respostas, tanto da parte de membros como de não membros da SCI e das suas plataformas nacionais. O estudo concluiu que ainda era muito cedo para avaliar o impacto global das iniciativas, uma vez que apenas tenham sido criadas nos últimos 23 anos, com exceção da iniciativa belga, que data de 2010. As secções seguintes do presente relatório têm em conta as principais conclusões do estudo.
3.2.1.Avaliação da SCI
A participação na SCI aumentou de forma significativa nos dois anos desde a sua criação. No entanto, as PME, e os agricultores em particular, continuam claramente subrepresentados. Em certa medida, isso pode deverse à pouca divulgação de que goza a SCI em todos os EstadosMembros, especialmente entre os agricultores e as PME. Tal como acima descrito, o baixo nível de conhecimento dos agricultores pode resultar da falta de apoio à iniciativa por parte dos representantes dos agricultores, que estão preocupados com a falta de confidencialidade e de independência da iniciativa. O inquérito junto dos operadores de mercado revelou um forte contraste em termos de conhecimento da SCI 21 : apenas 11 % dos agricultores e 15 % dos grossitas que responderam tinham ouvido falar da SCI, contra 48 % dos retalhistas. Do mesmo modo, o conhecimento por parte das PME é muito inferior (13 %) ao das grandes empresas (43 %). As despesas suportadas pelas PME para aderir à SCI são reduzidas e não parecem impedir a sua adesão.
O nível global de confiança na SCI é elevado entre as empresas que têm conhecimento da iniciativa. 72 % dos inquiridos que conhecem a SCI afirmam confiar bastante ou muito nesta iniciativa. No entanto, o grau de confiança é mais baixo na agricultura, nas indústrias transformador e no comércio por grosso (63 %) do que no setor do comércio a retalho (96 %). Algumas partes interessadas externas manifestaram dúvidas, em especial no que diz respeito à estrutura de governação da SCI. O facto de os membros do Grupo de Governação representarem grupos de partes interessadas pode ser visto como limitativo da sua imparcialidade.
A transparência da SCI é, em geral, apreciada pelos operadores que têm conhecimento da iniciativa e, em particular, pelos seus membros. Este aspeto diz respeito a informações sobre o processo e os requisitos para aderir à iniciativa, ao regulamento interno e à evolução dos membros. Geralmente, a informação é apresentada clara e cabalmente no sítio Web da SCI. O sistema de controlo interno da SCI baseiase principalmente em inquéritos anuais aos membros. Embora esta abordagem seja rentável, ela não prevê controlos pontuais nem permite monitorizar de forma sistemática a execução efetiva dos compromissos das empresas no processo. Além disso, as informações sobre os litígios bilaterais e a forma como foram resolvidos ao abrigo da SCI baseiamse nas respostas ao inquérito, podendo, por isso, ser incompletas.
O inquérito confirmou que, em qualquer ponto da cadeia de abastecimento alimentar, podem ocorrer PCD. Demonstrou igualmente que as partes que dizem que estão sujeitas a PCD muitas vezes não lançam um processo judicial nem tentam a arbitragem ou a mediação, por receio de comprometer a sua relação comercial com o parceiro comercial mais forte. Nesta base, o estudo externo identificou os seguintes pontos fortes e fracos no que diz respeito à eficácia da SCI na luta contra as PCD:
Pontos fortes:
oA SCI promove mudanças culturais respeitantes às PCD na cadeia de abastecimento alimentar.
oAs opções de resolução de litígios promovidas pela SCI oferecem geralmente uma alternativa mais rápida e menos onerosa a qualquer ação judicial.
oA SCI é uma iniciativa à escala da UE e pode, por isso, facilitar a resolução de práticas desleais com uma dimensão transfronteiriça.
Pontos fracos:
oDo ponto de vista de alguns operadores, a SCI carece de medidas dissuasivas eficazes contra as PCD.
oA SCI não prevê denúncias confidenciais individuais das potenciais vítimas de PCD nem investigações por iniciativa própria de um organismo independente.
oO recurso às opções de resolução de litígios só foi limitado nos primeiros dois anos da SCI 22 .
O inquérito proporcionou mais informações sobre a experiência dos operadores económicos desde o lançamento da SCI. 73 % dos inquiridos afirmam que a situação em termos de PCD não se alterou significativamente desde 2013. Contudo, esta percentagem inclui também os inquiridos que declararam não terem sido sujeitos a PCD nos últimos cinco anos (53 % do total). A maioria dos inquiridos que afirmam terse deparado com PCD nos últimos cinco anos foram de opinião que a situação melhorou (21 %) em vez de se agravar (6 %). A percentagem de inquiridos que consideram que a situação melhorou é mais elevada no setor retalhista e mais baixa entre os agricultores, mas em todos os setores são mais os inquiridos que consideram que a situação melhorou do que aqueles que acham que piorou. Em todos os setores, os membros da SCI têm mais probabilidades de afirmar que a situação melhorou (56 %) do que os não membros (15 %).
Concluindo, os primeiros indicadores revelam que a SCI começou a promover uma mudança cultural na cadeia de abastecimento alimentar, o que pode aumentar a equidade nas relações comerciais. É ainda demasiado cedo para avaliar com certeza se a SCI tem sido eficaz a eliminar ou reduzir as PCD. Não obstante, a análise identificou alguns aspetos de melhoria possível da iniciativa, descritos na secção que se segue.
3.2.2.Como melhorar a SCI
Com base nas conclusões acima expostas e em trabalhos anteriores do Fórum de Alto Nível sobre a Melhoria do Funcionamento da Cadeia de Abastecimento Alimentar, a Comissão propõe encetar um diálogo com as partes interessadas sobre as formas de melhorar a SCI e alargar a sua participação a toda a cadeia alimentar (incluindo aos produtores primários). Devem ser tomadas as seguintes ações:
oIntensificar os esforços para divulgar a SCI, especialmente entre as PME.
oAssegurar a imparcialidade da estrutura de governação, instituindo, por exemplo, uma presidência independente que não esteja associada a grupos específicos de interessados.
oPermitir que as alegadas vítimas de PCD apresentem denúncias de forma confidencial. Nomear um organismo independente com competência para investigar e impor sanções.
oReforçar os processos internos para verificar se os operadores cumprem os seus compromissos respeitantes aos processos e controlar a ocorrência e o resultado de litígios bilaterais de forma confidencial.
3.2.3.Plataformas nacionais da SCI
No âmbito da SCI, foram elaboradas orientações para a criação das chamadas plataformas nacionais. Os aspetos abrangidos por essas orientações incluem a composição, os regulamentos internos e as atividades de sensibilização para as iniciativas nacionais. Nesta base, pode ser lançado um processo de reconhecimento mútuo entre a SCI e uma iniciativa nacional para estabelecer oficialmente uma plataforma. Até à data, foram estabelecidas plataformas deste tipo na Bélgica, nos Países Baixos e na Finlândia. Na Alemanha, as associações de partes interessadas de toda a cadeia alimentar, incluindo os representantes dos agricultores, estão a considerar a criação de uma plataforma semelhante.
O estudo externo mostrou que o conhecimento da SCI é maior nesses países do que no resto da Europa. Por outro lado, quando existe uma plataforma nacional, o conhecimento dessa plataforma não é mais comum do que o conhecimento da SCI. Também há provas de que os princípios de boas práticas a nível da UE e a SCI funcionaram como catalisadores para o desenvolvimento das plataformas nacionais.
A iniciativa belga (criada em maio de 2010) é anterior à SCI à escala da UE e, por isso, teve mais tempo para produzir efeitos. Em junho de 2014, a iniciativa foi reconhecida como plataforma nacional da SCI. Os membros da plataforma belga e os observadores externos em geral concordam que produziu resultados significativos. O apoio das partes interessadas a todos os níveis da cadeia de abastecimento alimentar, nomeadamente dos agricultores, parece ter contribuído para tornar a plataforma mais eficaz. Na falta de legislação nacional sobre as PCD, a plataforma dá aos operadores na Bélgica um certo nível de proteção contra as PCD. Este é um dos principais motivos por que é considerada eficaz.
A plataforma neerlandesa foi oficialmente lançada ao mesmo tempo que a SCI. Os representantes dos agricultores dos Países Baixos aderiram à plataforma. A plataforma foi criada como um projetopiloto nacional com base na SCI europeia. O projetopiloto foi inicialmente previsto para durar um ano, mas foi posteriormente prorrogado por mais um ano, para possibilitar a produção de resultados.
A plataforma finlandesa foi lançada em janeiro de 2014, pelo que teve pouco tempo para produzir efeito. Inicialmente era composta pelas partes interessadas de toda a cadeia de abastecimento, incluindo os agricultores. No entanto, em setembro de 2015, a União Nacional dos Agricultores retirouse, alegando que não tinham sido apresentados casos no primeiro ano e meio da sua existência, pelo que não consideravam que a iniciativa fosse uma ferramenta eficaz para garantir um melhor funcionamento e um maior equilíbrio da cadeia alimentar. Este retrocesso provavelmente não ajudará a plataforma a apresentar resultados mais palpáveis no futuro próximo.
4.Conclusões
A Comunicação da Comissão, de julho de 2014, propôs um conjunto de iniciativas voluntárias e de medidas legislativas para combater as PCD. A esse respeito, registaramse progressos significativos ao longo dos últimos anos.
Iniciativas voluntárias: A nível da UE, foi lançada a Iniciativa Cadeia de Abastecimento, que atraiu considerável participação, o que estimulou o debate sobre boas práticas e PCD entre os operadores e começou a dar origem a uma mudança cultural no seio da cadeia de abastecimento alimentar. Foram criadas várias plataformas nacionais no âmbito da iniciativa europeia, o que constitui mais um sinal positivo. O presente relatório concluiu que as iniciativas voluntárias parecem funcionar melhor em certos países do que noutros. A iniciativa da Bélgica é exemplo de uma situação em que uma plataforma de adesão voluntária parece ser uma abordagem eficaz para combater as PCD, pelo que não parece ser necessário um sistema normativo. Noutros países, como por exemplo o Reino Unido, as iniciativas voluntárias foram menos bem sucedidas, confirmando a necessidade de medidas legislativas e de uma aplicação eficaz e independente da legislação.
Quadros normativos: O facto de a grande maioria dos EstadosMembros ter introduzido medidas legislativas e sistemas públicos de aplicação da lei constitui um progresso muito importante. Alguns EstadosMembros vão mais longe do que outros, mas quase todos os sistemas de aplicação da lei introduzidos vão além do habitual recurso judicial através dos tribunais, resolvendo, assim, o «fator receio» das potenciais vítimas de PCD. Por conseguinte, dada a evolução positiva em partes da cadeia alimentar e uma vez que a existência de abordagens diferentes pode combater as PCD com êxito, a Comissão não vê que uma abordagem normativa harmonizada a nível da UE tenha valor acrescentado na fase atual. No entanto, a Comissão reconhece que, uma vez que, em muitos EstadosMembros, foi introduzida legislação apenas muito recentemente, os resultados devem ser acompanhados de perto e, se necessário, reavaliados.
A Bélgica e os Países Baixos não dispõem de um quadro normativo, mas optaram por uma plataforma nacional voluntária. Os poucos EstadosMembros que ainda não dispõem de legislação em matéria de PCD podem tirar partido do seu exemplo e estudar, pelo menos, a criação de uma plataforma nacional voluntária.
No que diz respeito a iniciativas voluntárias, a Comissão conclui que a SCI já realizou alguns progressos, mas ainda há margem para melhorias. Para aumentar a credibilidade e a eficácia da iniciativa na luta contra as PCD, a Comissão propõe um debate com as partes interessadas sobre a forma de melhorar a SCI, no âmbito do Fórum de Alto Nível sobre a Melhoria do Funcionamento da Cadeia de Abastecimento Alimentar. O objetivo é melhorar o conhecimento da SCI, especialmente entre as PME, garantir a imparcialidade da estrutura de governação da SCI, permitir que as alegadas vítimas de PCD apresentem denúncias de forma confidencial e conceder poderes de investigação e sancionatórios a organismos independentes.
A Comissão continuará a acompanhar de perto a situação no que diz respeito tanto aos quadros voluntários como aos normativos. O Fórum de Alto Nível sobre a Melhoria do Funcionamento da Cadeia de Abastecimento Alimentar da Comissão continuará o diálogo com os operadores, os EstadosMembros e as outras partes interessadas para garantir a promoção de boas práticas, a criação de plataformas nacionais e, em especial, o reforço da SCI. Em todo o caso, antes do final do seu mandato, a Comissão tenciona reavaliar o valor acrescentado potencial da ação da UE para combater as PCD, tendo em conta os eventuais progressos.