28.7.2017   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 246/55


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a «Proposta de diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho relativa à promoção da utilização de energia proveniente de fontes renováveis (reformulação)»

[COM(2016) 767 final — 2016/0382 (COD)]

(2017/C 246/09)

Relator:

Lutz RIBBE

Correlator:

Stefan BACK

Consulta

Parlamento Europeu, 1.3.2017

Conselho Europeu, 6.3.2017

Base jurídica

Artigo 194.o do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia

Competência

Secção Especializada de Transportes, Energia, Infraestruturas e Sociedade da Informação

Adoção em secção

11.4.2017

Adoção em plenária

26.4.2017

Reunião plenária n.o

525

Resultado da votação

(votos a favor/votos contra/abstenções)

108/1/2

1.   Conclusões e recomendações

1.1.

O Comité Económico e Social Europeu (CESE) congratula-se com a apresentação da diretiva revista relativa à promoção das energias renováveis. O desenvolvimento das energias renováveis, em conjugação com as outras propostas do chamado «pacote de inverno», desempenha um papel decisivo na consecução dos objetivos da União Europeia da Energia, dos objetivos da UE em matéria de ação climática e do seu objetivo de retomar a liderança mundial no domínio das energias renováveis. A quota das energias renováveis no consumo final de energia deverá ser de 27 % em 2030.

1.2.

Para a concretização dos objetivos em matéria de ação climática e para a redução da dependência em relação às importações, um objetivo de 27 % tem uma expressão apenas limitada. Há que associá-lo a outras medidas de redução das emissões de CO2 (por exemplo, ganhos de eficiência), podendo, assim, ser suficiente, na verdade, sobretudo se as regras em matéria de governação levarem os Estados-Membros a tomar eventualmente medidas adicionais. Analisando o objetivo à luz da aspiração da UE de desempenhar um papel de liderança a nível mundial no domínio das energias renováveis, e atendendo a que, sem uma revisão da diretiva, segundo a Comissão, a quota de energias renováveis no consumo energético final atingiria 24,7 % já em 2030, é legítimo perguntar se esta meta é suficientemente ambiciosa.

1.3.

Não obstante as disposições relativas ao planeamento e ao acompanhamento no sistema de governação proposto para a União da Energia, o CESE torna a lamentar a ausência de metas nacionais vinculativas.

1.4.

O CESE subscreve fundamentalmente o objetivo de integrar as energias renováveis no mercado. Considera, por vários motivos, que está fora de questão a concessão de subvenções ad infinitum, quer se trate de fontes de energia fósseis, nucleares ou renováveis.

1.5.

A implantação de fontes de energia renováveis no mercado da eletricidade só poderá ser bem-sucedida, porém, se se criarem condições de concorrência equitativas para todas as fontes de energia. O facto de as energias renováveis necessitarem ainda hoje de apoios públicos deve-se, em grande medida, à forte subsidiação de que é alvo a produção convencional de eletricidade. É, por conseguinte, imperativo eliminar as atuais distorções desfavoráveis às energias renováveis, por exemplo, através de uma combinação entre a tributação da energia e o regime de comércio de licenças de emissão que cubra todos os custos externos (ver o parecer do CESE sobre a «Revisão da Diretiva Desempenho Energético dos Edifícios», ainda não publicado no Jornal Oficial). O CESE salienta que tal deve e pode gerar o mínimo possível de custos adicionais para os consumidores e as empresas.

1.6.

A nova política da energia deve centrar-se nos três «D»: descentralização, digitalização e democratização. As energias renováveis exigem também uma nova conceção de mercado que se ajuste às estruturas descentralizadas de produção de eletricidade a partir de fontes de energia renováveis.

1.7.

O CESE apoia o desenvolvimento de estruturas de mercado descentralizadas e inteligentes, como prevê a Comissão, mas exige uma resposta muito mais eficaz ao apelo da Comissão no sentido de colocar os consumidores e os cidadãos no centro da política europeia em matéria de energia. O desenvolvimento de novas estruturas de mercado inteligentes poderá também libertar o potencial «revolucionário», segundo a Comissão, inerente à transição energética, de modo a maximizar as vantagens sociais e regionais.

1.8.

O CESE acolhe favoravelmente o reconhecimento do prossumidor (produtor-consumidor) enquanto interveniente importante no novo mercado da energia, o que constitui um passo no sentido da democracia energética mediante a capacitação dos utentes de maior e menor dimensão e dos cidadãos. As oportunidades que a proposta lhes oferece representam algum progresso em relação à situação atual, mas não são, de forma alguma, suficientes, por exemplo no que respeita ao direito juridicamente tutelado de acesso e uso das redes públicas de distribuição e eletricidade. Por conseguinte, pode-se considerar a proposta apenas como um primeiro passo no longo trajeto destinado a explorar o verdadeiro potencial social, económico e regional dos mercados orientados para o prossumidor.

1.9.

O CESE salienta a importância de uma implantação rápida das redes inteligentes como forma de assegurar um aprovisionamento estável e seguro, de lograr uma combinação de setores integrando na rede a cogeração com produção de energia térmica (power-to-heat), o aproveitamento de energia para a produção de gás (power-to-gas) e a ligação dos veículos elétricos, inclusive em microescala, bem como de possibilitar uma negociação harmoniosa entre pares, para que os prossumidores participem plenamente e em pé de igualdade no mercado da eletricidade.

1.10.

A digitalização poderá permitir aos prossumidores participarem não só na produção de eletricidade a partir de fontes renováveis, mas também na sua comercialização. Por conseguinte, o CESE recomenda vivamente a formulação de um direito positivo correspondente.

1.11.

O potencial das energias renováveis, nomeadamente das energias biogénicas (incluindo os combustíveis alternativos), para a economia regional, embora mencionado nos considerandos, não é tido em conta no texto legislativo propriamente dito. Falta uma estratégia neste domínio que relacione as energias renováveis com o desenvolvimento económico regional. Também não se reconhece a grande importância das cidades, municípios e regiões, nem das PME, enquanto motores da transição para as energias renováveis.

1.12.

A ligação possivelmente estabelecida entre a nova política energética e o desenvolvimento regional é importante, e não só do ponto de vista da economia regional. A participação das partes interessadas a nível local em projetos de energia descentralizados é igualmente importante para gerar aceitação por parte dos cidadãos: a questão de quem detém a propriedade de um parque eólico — um fundo internacional de capitais privados ou partes interessadas locais — pode ser irrelevante em termos de proteção do ambiente ou de segurança energética, mas é fundamental para a aceitação pública do parque eólico.

1.13.

A pobreza energética é um problema social que cumpre abordar no âmbito da política social. Todavia, o CESE chama a atenção para o potencial, ainda por aproveitar, de uma combinação entre produção de eletricidade e calor a partir de fontes renováveis, poupança de energia, transferência de carga e prossumo (produção-consumo) para enfrentar este problema. Tal pressupõe que se encontrem soluções para financiar os investimentos iniciais, como por exemplo, fundos sociais ou mecanismos de investimento, e que se ultrapassem os obstáculos no acesso ao capital através de uma abordagem política sistemática. Cada cidadão e consumidor europeu deve ser dotado das capacidades para se tornar um prossumidor.

1.14.

O título da proposta de diretiva refere a «promoção da utilização de energia proveniente de fontes renováveis», mas o texto em si não descreve quaisquer instrumentos de apoio específicos. Contudo, é fundamental dispor de regras claras, a fim de garantir a segurança do investimento. Por conseguinte, tem de haver um regime de apoio específico, claro e preciso para as comunidades de produtores de energia em pequena escala e de prossumidores. O CESE solicita a atualização das atuais regras de execução em matéria de auxílios estatais, com vista a garantir o máximo de segurança jurídica para atrair investimento.

1.15.

O CESE saúda o objetivo de promover fontes de energia biogénicas sustentáveis e combustíveis alternativos, mas lamenta que as disposições contempladas na proposta a este respeito em parte não sejam suficientemente flexíveis para permitir uma adaptação às circunstâncias locais no que toca à utilização de matérias-primas e de resíduos. Ao proceder à eliminação progressiva dos biocombustíveis não sustentáveis, importa evitar gerar ativos abandonados.

2.   Observações na generalidade sobre a promoção das energias renováveis

2.1.

Na opinião do CESE, as energias renováveis podem oferecer à União Europeia quatro vantagens fundamentais. Na realidade, a Comissão apenas aborda duas delas na proposta de diretiva, e mesmo essas de forma em parte algo vaga.

a)    Ação climática

2.2.

As energias renováveis desempenham um papel decisivo na concretização do objetivo de descarbonizar quase por completo o sistema energético europeu. Para o efeito, contudo, devem cumprir-se duas condições:

é necessário realizar progressos consideráveis em matéria de eficiência energética (ver o parecer do CESE sobre a «Revisão da Diretiva Eficiência Energética»);

os setores dos transportes e do aquecimento e refrigeração desempenham um papel importante na redução das emissões de gases com efeito de estufa. A utilização de eletricidade 100 % produzida a partir de fontes renováveis será fundamental para tornar os setores do aquecimento e dos transportes mais sustentáveis. Igualmente importantes neste contexto são as propostas relacionadas com a ligação dos veículos elétricos à rede, a regulamentação da cogeração com produção de energia térmica (power-to-heat) e do aproveitamento de energia para a produção de gás (power-to-gas), bem como o desenvolvimento e exploração de redes inteligentes (1).

b)    Segurança do aprovisionamento

2.3.

As energias renováveis darão um contributo indispensável para a segurança do aprovisionamento e reduzirão a dependência em relação à energia importada, desde que haja uma coordenação da produção, do consumo e da gestão da procura. Todavia, para tal são necessários incentivos específicos. O CESE duvida que as medidas de apoio previstas nesta proposta e na proposta relativa à conceção do mercado da eletricidade sejam suficientes. Muito provavelmente, serão necessárias medidas adicionais devido ao problema do «custo marginal zero» das energias renováveis.

c)    Erradicação da pobreza energética

2.4.

As energias renováveis, cujos custos estão constantemente a baixar, são agora mais baratas do que nunca e tornaram-se entretanto tão baratas que já estariam hoje em dia em condições de contribuir de forma construtiva para a mitigação do problema da pobreza energética. Neste contexto, o desenvolvimento do «prossumo» é uma opção extremamente eficaz. Por exemplo, um estudo do Centro Comum de Investigação (JRC Scientific and policy reports, «Cost Maps for Unsubsidised Photovoltaic Electricity» [Mapas de custos da eletricidade fotovoltaica não subsidiada]) mostra que, já em 2014, a eletricidade autogerada a partir da energia solar era mais barata do que a eletricidade da rede para 80 % dos europeus. Não obstante, a Comissão Europeia ainda não desenvolveu uma estratégia adequada para que os cidadãos aproveitem esta opção (ver o parecer TEN/598).

2.5.

O acesso ao capital é especialmente difícil para os grupos com baixos rendimentos, pelo que cabe disponibilizar apoio adequado. Este aspeto social não é abordado na diretiva nem no conjunto do «pacote de inverno», embora seja pertinente para o objetivo da Comissão Europeia de colocar os cidadãos no centro da política energética, em consonância com os artigos 17.o e 21.o da proposta.

2.6.

Neste contexto, o CESE considera útil analisar todas as opções possíveis para dar a todos os cidadãos, na medida do possível, a oportunidade de fazerem parte da «economia da energia» como participantes ativos no mercado e em pé de igualdade. Tal inclui a disponibilização de financiamento do Fundo Europeu para Investimentos Estratégicos (FEIE) ou de outros mecanismos de investimento, em especial também para pequenas e microinstalações. Se os consumidores com baixos rendimentos pudessem ter acesso a capital para instalações descentralizadas de energias renováveis, teriam a possibilidade de se tornarem prossumidores. Através de um sistema de contagem líquida, utilizado em alguns Estados-Membros, nomeadamente em Itália, nos Países Baixos, na Bélgica (Valónia), na Polónia e na Eslovénia, é possível obter um alívio financeiro direto capaz de mitigar o problema da pobreza energética.

d)    Criação de valor regional

2.7.

As energias renováveis são, por natureza, recursos regionais que, tecnicamente, podem ser utilizados por todos. Este facto é particularmente importante em regiões com infraestruturas limitadas, onde é necessário criar novas oportunidades de criação de valor, e a Comissão Europeia refere a justo título esta vantagem em diversos pontos dos considerandos.

2.8.

A criação de valor regional implica, contudo, associar as partes interessadas locais e regionais aos processos económicos, com um assumido intuito estratégico, permitindo-lhes contribuir para a sua configuração e, deste modo, participar na evolução económica. Um efeito secundário positivo desta abordagem é uma maior aceitação do desenvolvimento necessário das infraestruturas, bem como o seu cofinanciamento.

2.9.

O CESE assinala, contudo, a ausência de uma estratégia clara que relacione o desenvolvimento regional com a exploração das energias renováveis. Os Estados-Membros deveriam ter estabelecido estratégias pertinentes já após a adoção da anterior diretiva relativa às energias renováveis, mas tal não aconteceu.

3.   Observações na generalidade sobre a proposta de diretiva

3.1.

O CESE sempre acolheu favoravelmente a ambição da Comissão Europeia de que a UE retome a liderança mundial no domínio das energias renováveis. Com efeito, muitas das medidas apresentadas na proposta de diretiva seguem na direção certa (por exemplo, a previsibilidade dos quadros de apoio, nomeadamente a exclusão de medidas retroativas). Há, todavia, um risco de as três lacunas fundamentais seguidamente expostas se continuarem a sobrepor ao desenvolvimento das energias renováveis.

a)    Adequação dos instrumentos de apoio

3.2.

A proposta de diretiva assenta nos objetivos estabelecidos pelo Conselho Europeu de outubro de 2014 e atualiza o anterior objetivo para a quota de energias renováveis no consumo final de energia de 20 % até 2020 para 27 % até 2030, o que equivale a um aumento inferior a um ponto percentual por ano. Sem a revisão da diretiva, a quota de energias renováveis no consumo energético final da UE seria de 24,7 % em 2030, pelo que se pretende gerar um aumento de 2,3 % adicionais.

3.3.

Esta taxa de crescimento lenta poderá, no entanto, significar que será necessário um aumento exponencial da quota das energias renováveis entre 2030 e 2050 para concretizar os objetivos do Roteiro para a Energia 2050 [COM(2011) 885 final]. As medidas necessárias para o efeito poderão comportar custos económicos adicionais. Em todo o caso, importa acompanhar de perto o desenvolvimento das energias renováveis, a fim de se poderem tomar medidas corretivas da forma mais atempada e económica possível.

3.4.

Na avaliação de impacto que acompanha a proposta [SWD(2016) 418 final], conclui-se que serão necessárias medidas de apoio, pelo menos até 2030, ao abrigo de um quadro jurídico estável. Por conseguinte, o CESE considera que a proposta de diretiva em apreço também deveria definir medidas de apoio muito claras, a aplicar de forma rápida e eficaz — elas não constam, porém, da proposta.

3.5.

A «aplicação» dos mecanismos de apoio fica a cargo dos Estados-Membros, que têm de agir em consonância com as regras da UE em matéria de auxílios estatais. Contudo, o direito vigente da UE em matéria de auxílios estatais estabelece limites extremamente estritos, pelo que cumpre alterá-lo sem demora.

3.6.

Com efeito, as regras em matéria de auxílios estatais da UE em vigor contribuíram para o corte drástico de instrumentos de apoio anteriormente eficazes, como a prioridade na integração de energia na rede e a remuneração da integração, que eram utilizados em particular pelos novos participantes no mercado. Novos instrumentos, como os concursos públicos, representam, em parte, obstáculos quase intransponíveis para os prossumidores, produtores de energia em pequena escala e outros intervenientes no mercado.

3.7.

As medidas de apoio constantes da proposta estão essencialmente relacionadas com a estrutura do mercado e algumas disposições gerais sobre a necessidade de medidas de apoio estáveis que respeitem as regras em matéria de auxílios estatais, o que não é, por si só, suficiente. O CESE considera importante rever, com caráter de urgência, a) o regulamento geral de isenção por categoria no âmbito dos auxílios estatais da Comissão [Regulamento (CE) n.o 800/2008] e b) as atuais orientações relativas a auxílios estatais à proteção ambiental para o período de 2014-2020, a fim de assegurar a compatibilidade com os objetivos constantes da proposta e, em particular, no que se refere às necessidades dos prossumidores e das PME.

3.8.

Por exemplo, há que alargar a derrogação para pequenos projetos (pontos 125 e 127 das orientações relativas a auxílios estatais à proteção ambiental e à energia) e fixar os respetivos valores na Diretiva Energias Renováveis, a fim de assegurar clareza absoluta.

3.9.

O CESE duvida da eficácia da introdução de quotas em relação ao acesso a regimes de apoio para instalações noutros Estados-Membros, em particular no contexto do objetivo de promoção das energias renováveis descentralizadas e do desenvolvimento económico regional.

b)    As distorções de mercado prejudicam as energias renováveis

3.10.

A mensagem do «pacote de inverno» na sua globalidade não poderia ser mais clara: a filosofia da Comissão Europeia é a de que se impõe, a partir de agora, uma integração tão célere quanto possível das energias renováveis no mercado. Embora louvável em essência, esta abordagem continuará a suscitar problemas enquanto não se corrigirem duas distorções fundamentais do mercado. Em primeiro lugar, ainda há a) subvenções nacionais diretas para centrais elétricas alimentadas a combustíveis fósseis, a que se acrescenta b) uma internalização dos custos externos completamente desadequada. Por conseguinte, a eletricidade produzida pelas centrais elétricas alimentadas a combustíveis fósseis e outras formas de energia produzida a partir de recursos fósseis são sistematicamente favorecidas em detrimento das energias renováveis, que geram custos externos nulos ou apenas marginais. O Fundo Monetário Internacional estima que, a nível mundial, as subvenções às energias «sujas» se situem nos 5,3 biliões de dólares por ano, dos quais não menos de 330 mil milhões de dólares anuais provêm da UE.

3.11.

Embora estas distorções de mercado em prejuízo das energias renováveis já sejam conhecidas há anos, e não obstante as promessas no sentido de pôr cobro a semelhante situação de desigualdade de condições de concorrência, esta permanece a grande lacuna a colmatar neste domínio.

3.12.

É curioso, em contrapartida, que ainda há pouco tempo se tenham criticado as supostas distorções de mercado alegadamente causadas pelo apoio às energias renováveis. Não é esse o caso. O facto de hoje em dia ainda ser necessário apoiar as energias renováveis é, em larga medida, uma consequência das subvenções à produção convencional de energia. Por outras palavras, se se deixasse de subvencionar a produção de energia nas centrais elétricas alimentadas a combustíveis fósseis e se criassem assim condições de concorrência verdadeiramente equitativas, o apoio às energias renováveis tornar-se-ia em larga medida desnecessário. O CESE reafirma a sua posição, segundo a qual há que criar condições equitativas de concorrência através, nomeadamente, de instrumentos de mercado para abolir as distorções de mercado e deixar de prejudicar as energias renováveis (ver o parecer do CESE sobre a «Revisão da Diretiva Desempenho Energético dos Edifícios»).

c)    O atual mercado da eletricidade não está adaptado às energias renováveis

3.13.

O antigo setor da energia caracterizava-se por um número relativamente pequeno de unidades de produção de elevada capacidade. Em contrapartida, um sistema energético assente em energias renováveis é caracterizado por unidades de produção de menor envergadura e mais descentralizadas.

3.14.

O CESE já se pronunciou sobre os novos conceitos possíveis para organizar o comércio da eletricidade em sistemas descentralizados, com destaque para a «abordagem celular» (2). Estes modelos baseiam-se no princípio de que os pequenos participantes no mercado também devem poder comunicar diretamente entre si e comercializar a energia. Em causa não está apenas, portanto, a melhoria das possibilidades de produção mas também a participação nas trocas comerciais.

3.15.

Estas transações entre pares permitiriam uma participação ampla da sociedade que não se cingiria à produção e ao autoconsumo, mas também se estenderia à gestão ativa de unidades de energia mais pequenas e de caráter regional, abrindo assim a porta a novas oportunidades de criação de valor. É de incluir neste contexto a integração setorial, visto que o aquecimento e a energia necessária para a mobilidade são amiúde propriedade local, produzidos e consumidos em pequenas unidades.

3.16.

O CESE sublinha que, devido a obstáculos administrativos e, de um modo geral, às lacunas existentes na regulamentação, as transações entre pares são atualmente impossíveis em muitos Estados-Membros. A proposta de diretiva em apreço e a proposta relativa à conceção do mercado da eletricidade deveriam remediar esta situação mas, entende o CESE, apresentam falhas grandes.

3.17.

A abertura dos mercados da eletricidade em toda a União às transações entre pares ajudaria a libertar o imenso potencial socioeconómico das energias renováveis. Ao ignorar este ponto e, nesse processo, não ter em atenção obstáculos de ordem muito prática, como os limites ao comércio da energia, a Comissão Europeia está a desperdiçar uma excelente oportunidade para melhorar substancialmente a posição dos cidadãos, dos pequenos e grandes prossumidores e das PME europeus no mercado da eletricidade, para permitir às grandes companhias exportar «soluções energéticas» para mercados não europeus e, em mais em geral, para reforçar de modo significativo a aceitação social da transição energética.

4.   Observações na especialidade sobre o texto da diretiva

a)    Ausência de metas nacionais vinculativas

4.1.

O CESE reitera as suas críticas (3) quanto ao facto de a nova diretiva já não prever metas nacionais vinculativas, contrariamente à diretiva de 2009. Continua a ter dúvidas em relação à capacidade do quadro de governação previsto para «motivar» os Estados-Membros contrários à definição de metas nacionais vinculativas no sentido de passarem a ser mais proativos. A proposta não prevê qualquer instrumento concreto de intervenção em caso de não cumprimento do objetivo de 27 % (ver o parecer do CESE sobre a «Governação da União da Energia»). Por outro lado, o CESE reconhece a «responsabilidade conjunta» em causa no artigo 3.o da proposta, já que, em conformidade com o disposto no Regulamento Governação, estão previstas sanções financeiras no caso de estas metas não serem conjuntamente alcançadas nos planos nacionais em matéria de energia e alterações climáticas. O modo de assegurar o seu cumprimento continua a não ser claro, porém.

b)    Ausência de estratégia para o desenvolvimento regional

4.2.

No entender do CESE, a Comissão não reconhece a importância da participação ativa dos atores locais e regionais tanto no que diz respeito à aceitação da política implementada como às suas consequências para as economias regionais. Por si só, o crescimento previsto da eletromobilidade criará uma vasta gama de oportunidades inéditas para as economias regionais se o desenvolvimento necessário das infraestruturas de produção e distribuição assentar em modelos de exploração descentralizados (4).

4.3.

Tal também contribuiria para o objetivo de reduzir o mais possível os custos de utilização das energias renováveis para os contribuintes e os consumidores. Para tanto, contudo, não bastará apenas levar em conta os preços da eletricidade, mas também importará considerar a globalidade da conjuntura económica a nível nacional e regional. Há que ter em consideração, por exemplo, a questão relativa às oportunidades de emprego a nível regional (ver considerando 49). O CESE assinala a tendência de certos Estados-Membros para continuarem a) a impor encargos desnecessários e injustificados à energia produzida e consumida localmente e b) a ignorar por completo os aspetos regionais.

4.4.

Refira-se igualmente que, regra geral, a regulamentação dos Estados-Membros não leva em conta os custos da rede e do sistema. O CESE está convicto de que, em última análise, as soluções descentralizadas levam à sua redução e, neste sentido, subscreve a posição defendida pela Comissão no considerando 52.

4.5.

Este considerando constava já da Diretiva 2009/28/CE, sem que por isso os Estados-Membros tivessem desenvolvido nos últimos anos as estratégias regionais específicas correspondentes. O CESE constatou («Mudar o futuro da energia: a sociedade civil como ator principal na geração de energias renováveis» — Estudo do CESE sobre o papel da sociedade civil na execução da Diretiva «Energias Renováveis» da UE) que os regulamentos e os programas de apoio de muitos Estados-Membros não contêm qualquer referência à dimensão local e regional e que, inclusive, determinados governos e administrações nacionais chegam mesmo a justificá-lo invocando a legislação europeia. Também neste domínio se impõe, portanto, uma maior concretização. Embora a proposta crie as condições formais para a descentralização e o desenvolvimento regional, não prevê nenhuma obrigação de aplicar uma estratégia coerente nesse sentido. Na opinião do CESE, enunciar princípios sem os alicerçar numa base jurídica sólida não é uma forma eficiente de legislar.

4.6.

A fim de melhor clarificar o considerando 49, a Comissão Europeia deveria precisar no texto legislativo o significado da afirmação: «Por conseguinte, a Comissão e os Estados-Membros deverão apoiar as medidas de desenvolvimento tomadas nas esferas nacional e regional […] e promover a utilização de fundos estruturais neste domínio». O teor exato do considerando 50 também é algo vago, afirmando-se que «é necessário ter em conta o seu impacto positivo nas oportunidades de desenvolvimento regional e local, nas perspetivas de exportação, na coesão social e nas oportunidades de emprego, em especial no que respeita às PME e aos produtores independentes de energia». Por último, em relação ao considerando 52 («[…] autorizar o desenvolvimento das tecnologias de produção descentralizada de energia renovável em condições não discriminatórias e sem inibir o financiamento dos investimentos em infraestruturas»), o CESE saúda a valorização das abordagens descentralizadas, mas assinala que também aqui há necessidade de clarificar e concretizar consideravelmente o texto.

c)    Necessidade de regras mais claras para os prossumidores e em matéria de direitos do consumidor

4.7.

É positivo que a proposta contenha uma definição pelo menos parcial dos conceitos de «sistemas de aquecimento urbano», «consumidor privado de energias renováveis», «autoconsumo de energias renováveis», «PME» e «comunidades de energias renováveis» (artigo 21.o), reconhecendo-os assim como termos jurídicos pertinentes para fins da política e da regulamentação no domínio da energia. No passado, a falta de clareza terminológica gerou situações de incerteza considerável em matéria de investimento. Há dois problemas, porém. Em primeiro lugar, continua a faltar uma definição clara de «prossumo» (produção-consumo), sendo que as definições propostas nem sempre são aplicadas com coerência no «pacote de inverno». Em segundo lugar, o fundamento jurídico da diretiva não é apropriado para verdadeiramente pôr estes conceitos em prática. O impacto destas regras depende da eficácia da sua aplicação. O CESE lamenta que a Comissão Europeia não forneça orientações claras para o efeito.

4.8.

Consumidores privados de energias renováveis:

O CESE congratula-se com as disposições relativas aos consumidores privados constantes do artigo 21.o (n.o 1 a n.o 3). Todavia, estas disposições poderão permanecer sem efeito se no artigo não se explicar exaustivamente o que significa a asserção de que os consumidores «[t]êm o direito de realizar o autoconsumo e de vender, inclusivamente através de contratos de aquisição de energia, a sua produção excedentária de eletricidade renovável sem estarem sujeitos a procedimentos desproporcionados e encargos que não reflitam os custos». A referência aos seus direitos como consumidores deveria ser complementada por uma referência ao capítulo III da proposta de diretiva que estabelece regras comuns para o mercado interno da eletricidade, em que se definem concretamente os direitos específicos de que dispõem os consumidores privados de energia que consomem a sua própria eletricidade e o modo como podem exercer esses direitos, incluindo o direito de realizar transações entre pares.

Caberia igualmente à Comissão esclarecer que o autoconsumo de eletricidade sem utilização da infraestrutura, à semelhança do autoconsumo de calor, deveria ficar isento de direitos e encargos.

A disposição segundo a qual, em determinadas circunstâncias, os consumidores privados não devem ser considerados fornecedores de energia clássicos vai na boa direção, mas requer clarificação. Com efeito, «autoconsumo» e «fornecimento» são noções fundamentalmente diferentes. Os limites indicados na diretiva são demasiado baixos. Para ter em conta a situação real do mercado — e em aplicação das disposições relativas aos pequenos projetos dos números 125 e 127 das regras atuais em matéria de auxílios estatais —, os limites adequados seriam 20 MWh (6 000 MWh no caso da energia eólica) para agregados familiares e 1 000 MWh (36 000 MWh no caso da energia eólica) para pessoas coletivas.

A disposição segundo a qual os consumidores privados recebem uma remuneração pela eletricidade renovável de produção própria integrada na rede que reflita o valor de mercado requer uma definição do conceito de «valor de mercado». Não é adequado determiná-lo com base no nível de preços no mercado grossista enquanto subsistirem distorções de mercado em virtude das subvenções à produção de energia baseada em combustíveis fósseis. Além disso, a remuneração também deverá ter em conta o estado do sistema na sua globalidade (nomeadamente no atinente à utilização da rede), a fim de incentivar os consumidores privados a armazenarem energia ou a transferirem a carga de uma forma «útil ao sistema».

O CESE aprova a disposição relativa ao aprovisionamento de edifícios individuais, constante do n.o 2, pois permite eliminar uma injustiça profunda que há anos subsiste.

4.9.

No que se refere a requisitos administrativos e autorizações, o CESE assinala que o teor das considerações constantes dos artigos 15.o e 16.o está em essência correto, mas o texto proposto apresenta vários problemas. Em primeiro lugar, o termo «dispositivos descentralizados», no artigo 15.o, n.o 1, alínea d), é demasiado vago e precisa de ser concretizado. Em segundo lugar, os Estados-Membros não costumam cumprir o objetivo de colocar os cidadãos produtores de energia em pé de igualdade com os principais participantes no mercado. Tal deve-se amiúde à interpretação que fazem das regras em matéria de auxílios estatais. Enquanto não se clarificarem as regras relativas aos pequenos projetos, ao autoconsumo e ao prossumo, não haverá condições de igualdade. Cabe à Comissão adotar com urgência medidas neste domínio. Em terceiro lugar, as propostas nos artigos 15.o e 16.o apenas dizem respeito à produção. Para terem um acesso pleno ao mercado e, acima de tudo, poderem realizar transações entre pares, os intervenientes no mercado, como as comunidades de produção de energia, necessitam de procedimentos simplificados para o armazenamento, a comercialização e o autoconsumo da eletricidade.

4.10.

Em relação às garantias de origem, o artigo 19.o da proposta não toma em devida conta as atuais deficiências do mercado. Embora a proposta tenha por objetivo fomentar o desenvolvimento das capacidades em matéria de energias renováveis através das possibilidades de escolha dos consumidores, a legislação europeia em vigor não proíbe as ofertas enganosas sob a capa da «eletricidade verde». Os fornecedores podem utilizar as garantias de origem para forjar uma fachada ecológica, enquanto continuam a produzir, adquirir e vender energia de fontes não renováveis. No futuro, a legislação da UE deveria obrigar as autoridades reguladoras nacionais a definirem requisitos vinculativos para todos os participantes no mercado que oferecem tarifas de «eletricidade ecológica». Os fornecedores deveriam justificar os benefícios ambientais suplementares de tais tarifas. Ainda assim, a proposta da Comissão poderia aumentar a confusão dos consumidores e gerar um excesso de oferta de garantias de origem. Além disso, as comunidades de prossumidores que comercializam diretamente a sua eletricidade deveriam ser dispensadas da obrigação de indicar a origem da eletricidade, visto que ela é claramente identificável no âmbito do prossumo ou da produção de energia em pequena escala.

d)    Mais ambição e flexibilidade para os biocombustíveis e os combustíveis alternativos

Biocombustíveis

4.11.

O CESE considera que a proposta adota uma abordagem demasiado rígida em matéria de biocombustíveis. Sem pôr em causa o objetivo de não interferir na produção alimentar, também é importante permitir uma utilização ótima dos recursos disponíveis. O CESE defende, pois, o desenvolvimento de biocombustíveis que não provenham de produtos agrícolas nem resultem de uma utilização do solo que interfira na produção alimentar, mas de outras fontes, como os produtos residuais, subprodutos e resíduos, nomeadamente de origem florestal (ver o parecer do CESE sobre a «Descarbonização do setor dos transportes») (5). Sublinha ainda a necessidade de prever medidas de eliminação progressiva para evitar gerar ativos abandonados.

4.12.

No seu parecer sobre «Alterações indiretas do uso do solo/biocombustíveis» (6) de 17 de abril de 2013, o CESE questionou o contributo quantitativo que os «biocombustíveis avançados» podem dar e a que custo. Até agora, estas perguntas ainda não obtiveram resposta.

4.13.

O CESE também salientou que aumentando o cultivo e a utilização de plantas oleaginosas no âmbito, em particular, da agricultura sustentável (conceito-chave: culturas mistas) se poderiam desenvolver domínios de aplicação muito úteis, nomeadamente para o funcionamento de equipamentos agrícolas e silvícolas. No entanto, este é outro domínio em que a Comissão parece não dispor ainda de uma estratégia adequada, não dando a proposta de diretiva uma resposta a este problema.

4.14.

O CESE reputa importante usar de flexibilidade em relação à redução dos biocombustíveis, biolíquidos e combustíveis de biomassa produzidos a partir de culturas alimentares e forrageiras, desde que preencham os critérios de sustentabilidade definidos no artigo 27.o da proposta.

4.15.

O CESE apoia firmemente os requisitos estabelecidos no artigo 26.o, n.o 5, a fim de assegurar uma silvicultura sustentável. Recomenda que se reformule a definição de «licença de exploração» no artigo 2.o, alínea jj), para incluir todas as formas de autorizações juridicamente válidas de extração da biomassa florestal.

Eletromobilidade

4.16.

A quota fixada na diretiva para os combustíveis alternativos não toma em devida conta o forte potencial de crescimento da eletromobilidade. Com o aumento rápido da percentagem de energias renováveis na produção de eletricidade, a eletromobilidade também se afirma como uma opção flexível que, se adequadamente executada em termos estratégicos, pode desempenhar um papel fundamental no desenvolvimento das estruturas de prossumo.

4.17.

Além da quota de combustíveis alternativos, nomeadamente por motivos de política industrial e regional, e a fim de pôr termo à dependência energética da Europa, poder-se-ia fixar um objetivo no horizonte 2030 de 10 % a 20 % para a eletromobilidade assente em eletricidade produzida a partir de fontes renováveis. É igualmente importante aplicar ao setor dos transportes os critérios de sustentabilidade relativos à quota máxima de energias renováveis no consumo energético final, previstos no artigo 27.o, a fim de evitar restrições excessivas na utilização de biocombustíveis neste setor.

e)    Novos impulsos para as energias renováveis no setor do aquecimento e nos sistemas de aquecimento urbano

Gás e aquecimento

4.18.

A proposta constante do artigo 23.o de aumentar em, pelo menos, 1 ponto percentual por ano a quota de energias renováveis na produção de energia para fins de aquecimento e refrigeração em cada Estado-Membro é insuficiente. Para atingir os objetivos em matéria de clima, há que fixar metas consideravelmente mais ambiciosas.

4.19.

A exigência prevista no artigo 20.o, n.o 1, relativa à avaliação da necessidade de expandir a infraestrutura da rede de gás para facilitar a integração do gás proveniente de fontes de energia renováveis faz sentido, mas importa ter presente que o gás também é um combustível fóssil finito — remete-se a este propósito para o parecer sobre a «Segurança do aprovisionamento de gás natural» (7). Quando da definição dos critérios de avaliação, cumpre assegurar que se toma em conta a questão da integração setorial.

4.20.

O CESE saúda a disposição constante do artigo 20.o, n.o 3, e do artigo 24.o no sentido de reforçar os dispositivos de aquecimento urbano, visto que são elementos importantes para favorecer a integração setorial, combater a pobreza energética e reforçar a economia regional. Ao mesmo tempo, constata que as soluções urbanas e regionais em matéria de integração setorial falham amiúde devido às regulamentações nacionais.

Bruxelas, 26 de abril de 2017.

O Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Georges DASSIS


(1)  JO C 34 de 2.2.2017, p. 151.

(2)  JO C 82 de 3.3.2016, p. 13, e JO C 34 de 2.2.2017, p. 78.

(3)  JO C 291 de 4.9.2015, p. 8.

(4)  JO C 34 de 2.2.2017, p. 78.

(5)  JO C 198 de 10.7.2013, p. 56.

(6)  JO C 198 de 10.7.2013, p. 56.

(7)  JO C 487 de 28.12.2016, p. 70.