2.2.2017   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 34/130


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre o «Relatório da Comissão ao Parlamento Europeu e ao Conselho sobre as práticas comerciais desleais nas relações entre empresas da cadeia de abastecimento alimentar»

[COM(2016) 32 final]

(2017/C 034/21)

Relator:

Peter SCHMIDT

Consulta

Comissão Europeia, 4.3.2016

Base jurídica

Artigo 43.o, n.o 2, do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia

 

[COM(2016) 32 final]

Competência

Secção Especializada de Agricultura, Desenvolvimento Rural e Ambiente

Adoção em secção

30.9.2016

Adoção em plenária

19.10.2016

Reunião plenária n.o

520

Resultado da votação

(votos a favor/votos contra/abstenções)

221/0/5

1.   Conclusões e recomendações

1.1.

O CESE destaca a necessidade de resolver o problema da vulnerabilidade dos operadores mais fracos da cadeia de abastecimento alimentar, pondo fim às práticas comerciais desleais (PCD) pelos retalhistas de produtos alimentares (N.B.: no presente parecer, o termo «retalhistas» refere-se ao comércio a retalho em grande escala) e por algumas empresas transnacionais, que aumentam os riscos e o sentimento de incerteza de todos os operadores da cadeia de abastecimento alimentar, gerando assim custos desnecessários.

1.2.

O CESE reconhece que a mera eliminação das PCD não é suficiente para resolver os problemas estruturais do mercado na cadeia de abastecimento alimentar, tais como os desequilíbrios do mercado temporários, a vulnerabilidade dos agricultores, etc.

1.3.

O CESE reitera as preocupações e recomendações formuladas no seu anterior parecer sobre as «Relações comerciais entre a grande distribuição e os fornecedores de géneros alimentícios — ponto da situação» (1). Em particular, insta novamente a Comissão a adaptar a legislação europeia às características específicas das várias partes que compõem o setor alimentar.

1.4.

O CESE constata o falhanço do mercado, visto que num sistema insuficientemente regulamentado a situação continua a degradar-se (2).

1.5.

O CESE apoia fortemente a resolução do Parlamento Europeu, de 7 de junho de 2016 (3), salientando a necessidade de estabelecer um quadro normativo ao nível da UE que permita lidar com as PCD aplicadas pelos retalhistas de produtos alimentares e por algumas empresas transnacionais e assegurar aos agricultores e consumidores europeus a oportunidade de beneficiarem de condições justas de compra e venda. O CESE considera que, devido à natureza das PCD, a existência de legislação da UE que as proíba é simultaneamente um requisito e uma necessidade.

1.6.

O CESE insta a Comissão e os Estados-Membros a tomarem medidas urgentes com vista a evitar as PCD, criando uma rede de autoridades de execução competentes, harmonizada ao nível da UE, que permita participar no mercado único em condições de igualdade.

1.7.

O CESE saúda a criação da Iniciativa Cadeia de Abastecimento (SCI — Supply Chain Initiative) ao nível da UE e de outros regimes voluntários nacionais, mas apenas como complemento de mecanismos de execução sólidos e eficazes ao nível dos Estados-Membros. Existe, contudo, a necessidade de assegurar a participação de todas as partes interessadas (entre as quais agricultores e sindicatos) e a apresentação de denúncias em regime de anonimato. Afigura-se também necessário estabelecer sanções com efeito dissuasivo. Além disso, tais plataformas devem ser capazes de reagir com independência. O CESE propõe ainda que os eventuais litígios sejam mediados antes de chegar a julgamento por um Provedor de Justiça com poderes regulatórios.

1.8.

O CESE apela à eliminação de práticas abusivas, por exemplo as incluídas na lista do ponto 3.3 do presente parecer.

1.9.

Em particular, o CESE recomenda que os fornecedores, tais como os agricultores, sejam pagos a um preço não inferior ao custo de produção. O CESE apela também para que seja imposta aos retalhistas de produtos alimentares a proibição efetiva de praticarem preços abaixo do preço de custo.

1.10.

O CESE recomenda que seja promovida e apoiada a criação de modelos comerciais alternativos que contribuam para encurtar a cadeia de abastecimento entre os produtores alimentares e o consumidor final, por exemplo através das políticas de contratação pública ao nível dos Estados-Membros.

1.11.

O CESE propõe que o papel e a posição das cooperativas e das organizações de produtores sejam reforçados, a fim de restaurar o equilíbrio de poderes, visto tratarem-se de tipos de negócio adequados e importantes, que permitem aos agricultores enquanto proprietários melhorar coletivamente a sua posição de mercado — incluindo nas condições do mercado único da UE — e reequilibrar de forma ativa a distribuição do poder negocial na cadeia de abastecimento alimentar.

1.12.

O CESE insta os operadores da cadeia de abastecimento a promoverem relações de comércio justo com base em contratos estáveis de longo prazo e a cooperarem mutuamente, trabalhando em conjunto para satisfazer as necessidades e exigências dos consumidores.

1.13.

Apela à proteção e à garantia do anonimato dos autores de denúncias que expõem casos de PCD.

1.14.

Recomenda a introdução do direito de intentar ações coletivas.

1.15.

Propõe que seja lançada, em toda a UE, uma campanha de informação e sensibilização sobre «o valor dos alimentos». Uma tal iniciativa é necessária para assegurar, a longo prazo, uma mudança de comportamento dos consumidores.

2.   Introdução

2.1.

A cadeia de abastecimento agroalimentar liga setores importantes e diversos da economia europeia, que são essenciais para o bem-estar económico, social e ambiental, assim como para a saúde dos cidadãos europeus. Contudo, nos últimos anos, verificou-se uma deslocação do poder de negociação na cadeia de abastecimento, sobretudo em benefício do setor retalhista e de algumas empresas transnacionais e em detrimento dos fornecedores, em especial dos produtores primários.

2.2.

Atualmente, a comercialização e a venda de produtos alimentares é dominada por um pequeno número de empresas. Por exemplo, muitos dos estabelecimentos grossistas num número cada vez maior de Estados-Membros são maioritariamente controlados por três a cinco retalhistas que, juntos, detêm uma quota de mercado de 65 % a 90 %, entre os retalhistas modernos (4), (5).

2.3.

A concentração do poder negocial conduziu ao abuso de posições dominantes, o que torna os operadores mais fracos cada vez mais vulneráveis às práticas comerciais desleais (PCD). Esta situação transfere risco económico do mercado para a cadeia de abastecimento e tem um impacto particularmente negativo nos consumidores e em alguns operadores, por exemplo agricultores, trabalhadores e PME.

2.4.

O CESE já se pronunciou sobre as PCD no seu parecer sobre as «Relações comerciais entre a grande distribuição e os fornecedores de géneros alimentícios — ponto da situação», em fevereiro de 2013 (6). Desde então, a situação das PCD pouco melhorou. Pelo contrário, o poder da grande distribuição até aumentou, o que poderá resultar na ocorrência de práticas abusivas contra alguns operadores, por exemplo agricultores, trabalhadores e PME.

3.   Impacto das práticas comerciais desleais

3.1.

As PCD podem ser definidas, em termos gerais, como práticas que se desviam significativamente da boa conduta comercial e são contrárias à boa-fé e às práticas comerciais leais (7).

3.2.

As PCD podem ocorrer em qualquer fase da cadeia de abastecimento e entre vários operadores. Contudo, são mais prevalecentes em fases posteriores da cadeia de abastecimento, nas quais existe uma maior concentração de poder entre retalhistas e algumas empresas transnacionais. Nos casos em que se detetam PCD em fases precoces da cadeia de abastecimento, são normalmente o resultado de uma transferência do risco decorrente de PCD em fases posteriores.

3.3.

Tais práticas podem incluir, mas não se limitam, de modo algum, às seguintes:

transferência injusta do risco comercial;

condições contratuais obscuras ou ambíguas;

modificações unilaterais e retroativas das condições contratuais, incluindo do preço;

menor qualidade dos produtos ou informação dos consumidores sem comunicação, consulta ou acordo dos compradores;

contribuições para custos de promoção ou de comercialização;

atrasos no pagamento;

comissões de admissão e fidelização;

cobrança de taxas pelo espaço de prateleira;

requisitos para produtos desperdiçados ou não vendidos;

utilização de especificações estéticas para justificar a rejeição de remessas de géneros alimentícios ou reduzir o preço pago pelos mesmos;

pressão para reduzir os preços;

cobrança de pagamentos por serviços fictícios;

cancelamento de encomendas e redução do volume previsto de última hora;

ameaças de retirada dos produtos da prateleira;

taxas fixas cobradas pelas empresas aos fornecedores como condição para assegurar a sua inclusão numa lista de fornecedores («pagar para ficar»).

3.4.

As PCD têm vastas repercussões para operadores e consumidores e também para o ambiente. Contudo, tais práticas são, por natureza, rentáveis e, como tal, quem as aplica usufrui de ganhos a curto prazo, em detrimento de outros operadores da cadeia de abastecimento. A longo prazo, os operadores da cadeia de abastecimento precisam de manter relações de fornecimento sustentáveis e evitar ruturas de abastecimento, de modo a poderem competir e continuar a responder à constante evolução das exigências dos consumidores.

3.5.   Impacto das PCD nos fornecedores

3.5.1.

As PCD têm repercussões diversas e de amplo alcance para os operadores que a elas são submetidos, podendo resultar numa perda de receitas para os fornecedores, motivada quer por uma redução dos preços, quer por um aumento dos custos incorridos em resultado dessas práticas. Estima-se que as PCD tenham um custo de 30 a 40 mil milhões de EUR para os fornecedores (8). Além das contínuas pressões exercidas sobre os preços dos fornecedores, estas práticas criam um ambiente de incerteza, contribuindo assim para a estagnação da inovação e do investimento na cadeia de abastecimento e para a eventual falência de fornecedores competentes e responsáveis.

3.5.2.

A pressão exercida sobre os agricultores e as empresas de transformação de alimentos, e a consequente pressão para a redução dos preços, também conduz a salários reduzidos no setor agrícola e na indústria de transformação alimentar. No que diz respeito ao trabalho de cariz mais permanente, a corrida aos preços baixos também conduz a uma redução dos salários, necessária para assegurar as margens de lucro dos fornecedores.

3.5.3.

As PME são frequentemente as empresas mais expostas às PCD. Por exemplo, no comércio mundial de bananas, onde a produção dos pequenos agricultores é utilizada para «completar» os volumes produzidos pelas grandes plantações, estes fornecedores correm o risco de serem os primeiros a serem excluídos de uma venda se uma encomenda for cancelada sem a devida antecedência (9).

3.5.4.

Em determinadas áreas da produção e transformação alimentar já não existe liberdade contratual. Na Alemanha, alguns desenvolvimentos recentes revelam que os preços de retalho foram reduzidos unilateralmente sem negociação com os fornecedores. No Reino Unido, o leite é muitas vezes um «líder das perdas» no setor alimentar, com os produtores de leite britânicos forçados a vender o leite que produzem a preços cada vez mais baixos, em certos casos abaixo do preço de custo. Em Espanha, no setor da transformação, pagar abaixo do preço de custo é legal, o que debilita seriamente a formação dos preços ao longo da cadeia.

3.5.5.

O setor dos produtos frescos é altamente suscetível às PCD devido à elevada perecibilidade dos produtos que fornece ao mercado europeu. Para assegurarem um tempo de vida útil adequado para o cliente final e consumidor, os agricultores dispõem de pouco tempo para venderem os seus produtos. Muitas vezes, os compradores comerciais de retalhistas e intermediários aproveitam-se destas situações para imporem reduções de preços inegociáveis durante a receção das mercadorias.

3.5.6.

Várias investigações permitiram concluir que há determinados operadores com um poder de compra inquestionável que origina abusos consubstanciados na adoção de práticas comerciais desleais (10). Tais práticas abusivas podem surgir em qualquer fase da cadeia de abastecimento e são também evidentes nas relações entre os agricultores e a indústria alimentar, uma vez que a relativa concentração do poder também confere «poder de compra» às empresas deste setor (11).

3.5.7.

O aumento das vendas de produtos de «marca branca» pelos retalhistas (marca própria) permite-lhes mudar de fornecedor com frequência se encontrarem produtores mais baratos durante ou após o início das relações contratuais. Contudo, os produtos de «marca branca» não são desleais em si, podendo mesmo ajudar as PME a entrar no mercado e garantir aos consumidores uma maior variedade de escolha.

3.5.8.

A expansão de algumas atividades de retalho através da integração vertical na aquisição e transformação pode conduzir ao corte dos preços pelos retalhistas. Este é um exemplo do aumento do poder negocial através da contínua concentração de poder.

3.5.9.

A venda abaixo do custo de produção e a utilização de produtos agrícolas de base, como o leite, o queijo, a fruta e os legumes, como «produtos de saldo» (ou seja, abaixo do custo de compra) pelos grandes retalhistas e por algumas empresas transnacionais põem em risco a sustentabilidade a longo prazo da produção agrícola europeia.

3.6.   Impacto das PCD nos consumidores

3.6.1.

As PCD têm um impacto negativo significativo nos consumidores europeus. Os grandes operadores absorvem frequentemente os custos gerados pelas PCD, mas as empresas mais pequenas são sujeitas a maiores pressões e não conseguem investir e inovar, o que as impede de entrar em mercados de elevado valor (12). Esta situação origina uma menor variedade e disponibilidade de produtos para o consumidor, levando, em última instância, a um aumento dos preços no consumidor.

3.6.2.

A falta de transparência nos rótulos é prejudicial aos consumidores, que não conseguem fazer escolhas informadas apesar de terem, em inúmeras ocasiões, manifestado uma preferência por produtos agroalimentares locais, saudáveis, ecológicos e de qualidade. Esta opacidade afeta negativamente o nível de confiança dos consumidores, agravando a crise que afeta o setor agrícola.

3.6.3.

A pressão sobre os preços força as empresas transformadoras de produtos alimentares a operar com os menores custos possíveis, o que pode afetar a qualidade dos alimentos disponibilizados aos consumidores. A fim de reduzir os custos, em alguns casos, as empresas utilizam matérias-primas mais baratas, que afetam a qualidade e o valor dos géneros alimentícios — por exemplo, o uso de gorduras trans em muitos produtos, em substituição de óleos e gorduras mais saudáveis provenientes da Europa.

3.7.   Impacto das PCD no ambiente

3.7.1.

Há que reconhecer o impacto das PCD no ambiente. As PCD constituem um incentivo à sobreprodução, pois os fornecedores veem nesta solução uma garantia contra a incerteza, o que, por sua vez, pode levar a um desperdício de alimentos, causando um desnecessário esgotamento dos recursos, entre os quais o solo, a água, os produtos agroquímicos e os combustíveis (13), (14).

4.   Resumo do relatório da Comissão sobre as práticas comerciais desleais nas relações entre empresas da cadeia de abastecimento alimentar

4.1.

A Comissão elaborou um relatório (15) que avalia a existência e a eficácia de quadros normativos nacionais que aplicam medidas de combate às PCD, bem como o papel desempenhado à escala da UE pela Iniciativa Cadeia de Abastecimento (SCI — Supply Chain Initiative) voluntária e respetivas plataformas nacionais.

4.2.

O relatório de 2016 da Comissão sublinha o facto de uma grande maioria de Estados-Membros já ter adotado medidas regulamentares e sistemas públicos de aplicação da lei para combater as PCD. Alguns Estados-Membros foram mais longe do que outros, mas são ainda muitos aqueles que não conseguem dar resposta ao «fator medo» sentido pelas vítimas de PCD. Uma vez que as PCD podem ser combatidas com êxito através de diferentes abordagens, a Comissão considera que uma abordagem normativa harmonizada a nível da UE não traria qualquer valor acrescentado na fase atual.

4.3.

A Iniciativa Cadeia de Abastecimento (SCI) (16) é uma iniciativa conjunta de oito associações da UE, que representam o setor alimentar e das bebidas, fabricantes de produtos de marca, o setor retalhista, PME e comerciantes agrícolas. A SCI foi criada no âmbito do «Fórum de Alto Nível sobre a Melhoria do Funcionamento da Cadeia de Abastecimento Alimentar» (17) com o objetivo de ajudar as partes interessadas a lidar com as PCD.

4.4.

O relatório conclui que a SCI melhorou o conhecimento das PCD e é potencialmente uma alternativa mais rápida e menos onerosa às ações judiciais. Pode também facilitar a resolução de problemas transfronteiriços. A Comissão destaca ainda alguns aspetos de potencial melhoria da SCI, entre os quais assegurar a imparcialidade da estrutura de governação e permitir a apresentação individual de denúncias de forma confidencial.

5.   Observações gerais

5.1.

A posição do CESE sobre o relatório da Comissão está em consonância com a resolução do Parlamento Europeu sobre PCD na cadeia de abastecimento, aprovada em 7 de junho de 2016 com o forte apoio de todos os partidos (18). O Parlamento destaca a necessidade de instituir um quadro legislativo à escala da UE e exorta a Comissão a apresentar propostas de combate às PCD na cadeia de abastecimento alimentar, de modo a assegurar rendimentos justos para os agricultores e uma maior variedade de escolha para os consumidores. O Parlamento destaca ainda a necessidade de promover a SCI e outros sistemas voluntários de âmbito nacional ou europeu, não como uma alternativa, mas antes como «complemento de mecanismos de execução sólidos e eficazes ao nível dos Estados-Membros, assegurando o anonimato das queixas e estabelecendo sanções dissuasivas e com uma coordenação ao nível da UE» (19).

5.2.

A Comissão considera que ainda é muito cedo para avaliar o sucesso da Iniciativa Cadeia de Abastecimento. Contudo, o CESE observa que a SCI não foi eficaz na redução das práticas comerciais desleais e abusivas do poder de compra pelos seguintes motivos:

5.2.1.

O peso do setor retalhista na SCI é altamente dissuasor da participação efetiva de qualquer agricultor na plataforma, tendo em conta a desconfiança existente entre estes dois intervenientes. A SCI não garante o nível de confidencialidade de que os fornecedores necessitam para ultrapassarem o «fator medo». Além disso, a SCI não pode, por iniciativa própria, investigar as cadeias de abastecimento, dependendo da apresentação de denúncias por parte dos operadores, o que coloca o ónus da prova nas vítimas de PCD.

5.2.2.

A Comissão propõe que a SCI permita a autorregulação das PCD. A ausência de sanções financeiras leva, contudo, a que os compradores não se sintam dissuadidos de recorrer a PCD rentáveis. Como exemplo, veja-se o caso da Tesco PLC, que foi recentemente acusada de adotar práticas comerciais desleais nas relações com os seus fornecedores, apesar de ser membro da SCI. Embora a Tesco tenha sido penalizada de forma não financeira pela legislação britânica (The Groceries Code Adjudicator — o provedor dos supermercados no Reino Unido), não foi sancionada pela SCI. A única medida dissuasora ao dispor da SCI é a capacidade de expulsar da plataforma uma empresa infratora, algo que ainda não foi aplicado à Tesco PLC. Este é um exemplo claro da incapacidade da SCI para evitar as PCD.

5.2.3.

O CESE observa ainda a ausência de agricultores e de sindicatos entre os membros da SCI. Se, por um lado, algumas organizações nunca aderiram à iniciativa ou às suas homólogas nacionais, a Confederação dos Produtores Agrícolas e Proprietários Florestais finlandesa (MTK), membro fundador da plataforma nacional de aplicação da SCI na Finlândia, abandonou a iniciativa por considerar que a ausência de confidencialidade aumentava os riscos para os agricultores.

6.   Atuais mecanismos de execução no combate às PCD na Europa

6.1.

Vinte Estados-Membros dispõem de instrumentos legislativos e iniciativas regulamentares, mas o seu sucesso é moderado (20). Quinze desses Estados-Membros levaram a cabo avaliações nos últimos cinco anos que demonstraram uma prevalência significativa de PCD na cadeia de abastecimento. Contudo, existe uma grande disparidade entre os diferentes níveis de regulamentação, e muitas autoridades nacionais não têm poderes para aplicar sanções financeiras ou aceitar denúncias anónimas.

6.2.

O código de conduta Groceries Supply Code of Practice  (21) (GSCOP), do Reino Unido, é considerado um dos instrumentos legislativos mais progressistas no combate às PCD (22). Antes da criação deste código, existia um voluntário mas que, por não ter peso legislativo, foi considerado ineficaz na prevenção das PCD. O GSCOP é regulado pelo Groceries Code Adjudicator (GCA), que possui competências jurídicas para receber denúncias anónimas relativas a PCD, iniciar investigações ex officio, divulgar casos de más práticas adotadas pelas empresas e multar os retalhistas até um valor equivalente a 1 % do seu volume de negócios anual por infrações ao GCSOP. Ainda assim, apesar das suas realizações, o GCA só tem poder para regular as relações entre os retalhistas e os seus fornecedores diretos (em grande parte estabelecidos no Reino Unido). A questão apresenta um «risco moral», em que tanto os retalhistas como os fornecedores diretos transferem os riscos para os fornecedores indiretos através de PCD.

6.3.

Outras investigações semelhantes à realizada no Reino Unido foram levadas a cabo em Espanha (23), Finlândia (24), França (25), Itália (26) e Alemanha, todas elas revelando uma elevada prevalência de PCD na cadeia de abastecimento alimentar.

6.4.

Muitos dos operadores europeus realizam transações comerciais em vários Estados-Membros, o que permite a essas empresas adotar práticas de busca do foro mais favorável (forum shopping), com resultados perniciosos para as legislações nacionais dos Estados-Membros. A ausência de uma legislação harmonizada ao nível da UE criou condições de desigualdade no seio do mercado único. Além disso, nos casos em que a legislação apenas regula as transações entre fornecedores diretos e retalhistas, a compra de géneros alimentícios por intermediários contratados por retalhistas reduz a eficácia da referida legislação, tal como acontece no Reino Unido. Esta situação reforça ainda mais a preconização de uma legislação a nível europeu.

6.5.

As mercadorias estrangeiras chegam normalmente aos retalhistas da UE através de importadores e de outros intermediários. Desta forma, é escasso o conhecimento da existência de tais autoridades (27) e quem as conhece não tem acesso à maioria das autoridades de execução para obter uma compensação por PCD.

7.   Apelo à criação de uma rede europeia de autoridades de execução nacionais para evitar as PCD

7.1.

Tendo em conta as observações apresentadas acima, o CESE apela à criação de uma rede europeia de autoridades de execução para evitar as PCD. A natureza das PCD exige e justifica a sua proibição na legislação europeia, de modo a proteger todos os fornecedores de géneros alimentícios, independentemente da sua localização, incluindo em países terceiros. Para que tal medida seja eficaz, as autoridades integradas na rede terão de reunir as seguintes características:

acesso livre a todos os intervenientes e partes interessadas na cadeia de abastecimento alimentar da UE, independentemente da sua localização geográfica;

medidas efetivas de proteção do anonimato e da confidencialidade dos intervenientes que desejem apresentar uma denúncia de PCD;

capacidade de investigação de empresas ex officio no que diz respeito a abusos do poder de compra;

poder de aplicar sanções financeiras e não financeiras a empresas infratoras;

coordenação ao nível da UE entre as autoridades de execução dos Estados-Membros;

potencial de coordenação internacional com autoridades de execução em países terceiros para evitar as PCD dentro e fora do mercado único.

7.2.

Todos os Estados-Membros devem visar a criação de organismos nacionais de execução para lidar com denúncias de PCD, os quais devem possuir, no mínimo, as características acima referidas.

7.3.

As medidas legislativas de prevenção das PCD podem e devem ter uma boa relação custo-eficácia.

7.4.

Na sua resolução, o Parlamento Europeu solicita também à Comissão que tome medidas para assegurar mecanismos de execução eficazes, como o desenvolvimento e coordenação de «uma rede de autoridades nacionais mutuamente reconhecida a nível da UE» (28).

7.5.

O British Institute of International and Comparative Law (BIICL) [Instituto Britânico de Direito Internacional e Comparativo] recomendou que a UE adotasse uma diretiva destinada a definir objetivos para a prevenção das PCD, comuns às autoridades de execução dos Estados-Membros, bem como a estabelecer normas de coordenação europeia de tais autoridades (29).

8.   Boas práticas atualmente implementadas pela indústria para evitar a ocorrência de práticas comerciais desleais

8.1.

Os contratos de preço fixo ou com garantia de preço mínimo, baseados numa negociação justa entre compradores e fornecedores, oferecem a estes últimos um maior nível de segurança do que a venda dos seus produtos no mercado livre. Contudo, apesar de estes tipos de contrato garantirem preços definidos aos fornecedores, esta prática seria mais vantajosa com a fixação de volumes de produtos ou de garantias mínimas. Atualmente, os volumes podem ser alterados retroativamente e os produtos podem ser rejeitados pelos compradores quando se verificam alterações na procura. Por vezes, estas ações são comunicadas no último minuto, resultando em custos imprevistos com novas ações de comercialização, reembalagem ou eliminação dos alimentos.

8.2.

Alguns fornecedores da UE começaram a empregar agentes terceiros para inspecionar os produtos à chegada ao destino, com vista a impedir a devolução de produtos por parte dos importadores com base em queixas falsas. Tais queixas surgem quando se verificam alterações ao nível da oferta e da procura, aumentando o risco para os compradores nas fases posteriores da cadeia de abastecimento. Esta questão é de certa forma sazonal, uma vez que, quando a oferta é elevada e os preços são baixos, os fornecedores correm um maior risco de receber queixas do que quando a oferta é escassa. Apesar de o recurso a agentes terceiros reduzir claramente a frequência das devoluções aos exportadores, tais serviços constituem um custo acrescido para os fornecedores, limitando a sua capacidade de investir e inovar nas respetivas empresas. Além disso, os fornecedores mais pequenos não têm geralmente condições para suportar os custos desse apoio e, por isso, não beneficiam desta prática.

9.   Cadeias de abastecimento alimentar alternativas

9.1.

Existem muitos exemplos de cadeias de abastecimento alimentar alternativas com práticas comerciais mais justas e um maior equilíbrio da distribuição ou reafetação. Apesar de existirem algumas abordagens promissoras no setor cooperativo, estas encontram-se cada vez mais ameaçadas pelo crescente poder dos grupos empresariais e multinacionais.

9.2.

Com vista a aumentar a justiça na cadeia de abastecimento alimentar da UE, é necessária uma combinação de medidas para lidar com o poder concentrado nas grandes empresas da cadeia de abastecimento, de modo a evitar as PCD, e para reforçar o estabelecimento de um contrapoder através do desenvolvimento de cooperativas e canais alternativos de distribuição alimentar.

9.3.

As cooperativas e as associações de agricultores na Europa e noutros continentes permitiram aos fornecedores agregar as suas produções de modo a aumentar o poder de venda, penetrar nos mercados tradicionais e negociar melhores preços. Tais modelos empresariais permitem aos pequenos fornecedores ter um maior controlo sobre a produção e a comercialização dos seus produtos e oferecem uma alternativa às operações de produção intensiva. O Parlamento Europeu instou a Comissão a incentivar a adesão a modelos empresariais, «a fim de reforçar o respetivo poder de negociação e a sua posição na cadeia de abastecimento alimentar» (30). Além disso, é necessário reforçar a promoção a nível regional e setorial da cooperação entre produtores e cooperativas (31).

9.4.

Os sistemas de agricultura apoiada pela comunidade e outras cooperativas de agricultores e consumidores permitem aos consumidores contribuir diretamente para a produção dos seus próprios alimentos. Estudos recentes sugerem que existem atualmente 2 776 destes sistemas a operar na Europa, alimentando 472 055 pessoas (32). Alguns modelos de entrega de cabazes de produtos frescos, de maior dimensão, também beneficiam de pequenas cadeias de abastecimento que entregam os produtos diretamente em casa do consumidor ou em pontos de recolha centralizada.

9.5.

A venda direta de produtos agroalimentares por agricultores, como os mercados de produtores, tem uma dupla vantagem: os produtores não sofrem práticas abusivas e usufruem de mais autonomia e de uma maior receita, enquanto os consumidores têm acesso a produtos frescos, genuínos, sustentáveis e de origem conhecida. Um estudo (33) demonstrou que os agricultores obtêm muito mais rendimentos da sua produção através destas cadeias de abastecimento do que através dos mercados tradicionais. Tais iniciativas deveriam beneficiar de um maior financiamento público, por exemplo no âmbito do segundo pilar da PAC, uma vez que geram crescimento e emprego, ao mesmo tempo que dão resposta às necessidades dos consumidores.

9.6.

Os Estados-Membros devem desenvolver mecanismos para melhorar a situação dos agricultores e das empresas locais de produção alimentar, através de contratos diretos com os poderes públicos quando aplicam novas diretivas sobre contratos públicos, que não se limitem à lógica do menor preço.

9.7.

Além disso, deveria ser lançada uma campanha de informação e sensibilização à escala europeia sobre o valor dos alimentos. Uma maior sensibilização dos consumidores para a importância da produção alimentar e uma maior valorização dos alimentos revelam-se cada vez mais necessárias e podem contribuir para práticas comerciais mais justas.

Bruxelas, 19 de outubro de 2016.

O Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Georges DASSIS


(1)  JO C 133 de 9.5.2013, p. 16.

(2)  Ver nota de rodapé 1.

(3)  Resolução do Parlamento Europeu, de 7 de junho de 2016, sobre práticas comerciais desleais na cadeia de abastecimento alimentar [2015/2065(INI)].

(4)  Friends of the Earth, 2015. Eating From The Farm [Alimentos diretamente da quinta].

(5)  Consumers International, 2012. The relationship between supermarkets and suppliers: What are the implications for consumers? [Relação entre supermercados e fornecedores: quais as implicações para os consumidores?]

(6)  Ver nota de rodapé 1.

(7)  Comissão Europeia, 2014. Lutar contra as práticas comerciais desleais (PCD) nas relações entre empresas da cadeia de abastecimento alimentar, COM(2014) 472 final.

(8)  Europe Economics. Estimated costs of Unfair Trading Practices in the EU Food Supply Chain [Estimativa dos custos das práticas comerciais desleais para a cadeia de abastecimento da UE].

(9)  Make Fruit Fair, 2015. Banana Value Chains in Europe and the Consequences of Unfair Trading Practices [Cadeias de valor da banana na Europa e consequências das práticas comerciais desleais]. http://www.makefruitfair.org/wp-content/uploads/2015/11/banana_value_chain_research_FINAL_WEB.pdf

(10)  Weekly Report, Berlim 13/2011 página 4 e seguintes.

(11)  Ver nota de rodapé 1.

(12)  Fair Trade Advocacy Office, 2014. Who’s got the power? Tackling imbalances in agricultural supply chains [Quem detém o poder? Corrigir os desequilíbrios nas cadeias de abastecimento de produtos agrícolas]. Página 4.

(13)  Comissão IMCO do PE, 2016. Relatório sobre práticas comerciais desleais na cadeia de abastecimento alimentar [2015/2065(INI)].

(14)  Feedback, 2015. Food Waste In Kenya: uncovering food waste in the horticultural export supply chain [Desperdício alimentar no Quénia: divulgação do desperdício de alimentos na cadeia de exportação de produtos hortícolas].

(15)  COM(2016) 32 final.

(16)  http://www.supplychaininitiative.eu/pt-pt

(17)  http://ec.europa.eu/growth/sectors/food/competitiveness/supply-chain-forum/index_pt.htm

(18)  Resolução do Parlamento Europeu, de 7 de junho de 2016, sobre práticas comerciais desleais na cadeia de abastecimento alimentar [2015/2065(INI)].

(19)  Resolução do Parlamento Europeu [2015/2065/(INI)], Ibid.

(20)  Ver nota de rodapé 15.

(21)  GOV UK. 2016: www.gov.uk/government/publications/groceries-supply-code-of-practice

(22)  O código foi criado após uma investigação conduzida pela autoridade da concorrência do Reino Unido concluir que os retalhistas gozavam de um poder desproporcionado na cadeia de abastecimento, resultando numa transferência do risco para toda a cadeia de abastecimento.

(23)  Comisión Nacional de los Mercados y la Competencia, Informe sobre las relaciones entre fabricantes y distribuidores en el sector alimentario [Relatório sobre as relações entre produtores e distribuidores no setor alimentar], 2011.

(24)  Autoridade Finlandesa para a Concorrência (FCA), «O estudo da FCA demonstra que o comércio de bens de consumo diário utiliza o seu poder de compra de diversas formas que são questionáveis para a concorrência», 2012.

(25)  Autorité de la Concurrence, «Avis n.o 12-A-01 du 11 janvier 2012 relatif à la situation concurrentielle dans le secteur de la distribution alimentaire à Paris» [Parecer relativo à situação da concorrência no setor da distribuição alimentar em Paris].

(26)  Autorità Garante della Concorrenza e del Mercato, Indagine conoscitiva sul settore della Grande Distribuzione Organizzata [Inquérito sobre o setor da grande distribuição organizada], 2013.

(27)  Feedback, 2015 Ibid.

(28)  Resolução do Parlamento Europeu [2015/2065/(INI)], Ibid.

(29)  Hiperligação: http://www.biicl.org/documents/872_biicl_enforcement_mechanisms_report_-_final_w_exec_sum.pdf?showdocument=1

(30)  Resolução do Parlamento Europeu [2015/2065/(INI)], Ibid.

(31)  JO C 303 de 19.8.2016, p. 64.

(32)  European CSA Research Group, 2015. Overview of Community Support Agriculture in Europe [Perspetiva geral da agricultura apoiada pela comunidade na Europa]. http://urgenci.net/wp-content/uploads/2016/05/Overview-of-Community-Supported-Agriculture-in-Europe.pdf

(33)  http://www.foeeurope.org/sites/default/files/agriculture/2015/eating_from_the_farm.pdf