22.9.2015   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 313/17


Parecer do Comité das Regiões Europeu — Livro Verde — Construção de uma União dos Mercados de Capitais

(2015/C 313/05)

Relator:

Tadeusz TRUSKOLASKI (PL-AE), presidente do município de Białystok

Textos de referência:

Livro Verde — Construção de uma União dos Mercados de Capitais

COM(2015) 63 final

I.   OBSERVAÇÕES DE CARÁTER GERAL

O COMITÉ DAS REGIÕES EUROPEU,

1.

acolhe favoravelmente a iniciativa da Comissão Europeia constante do Livro Verde — Construção de uma União dos Mercados de Capitais, que tem por objetivo fundamental a construção de um mercado único de capitais;

2.

recorda que a iniciativa privada e o empreendedorismo desempenham um papel fundamental no processo de criação de uma economia competitiva na União Europeia;

3.

frisa a importância da criação de um mercado único comum de capitais;

4.

convida a Comissão a acelerar os seus trabalhos sobre o plano de ação e a apresentar o mais rapidamente possível propostas legislativas para realizar o objetivo de um mercado único de capitais da UE plenamente integrado até ao final de 2018;

5.

acolhe favoravelmente os esforços envidados pela Comissão no sentido de eliminar os obstáculos ao investimento nas empresas, o que beneficiará em particular as pequenas e médias empresas (PME). Salienta que libertar o potencial do mercado de capitais constitui um fator importante para conseguir um crescimento e postos de trabalho sustentáveis a nível local e regional;

6.

salienta a necessidade de adotar mais medidas estruturais e anticíclicas no domínio dos mercados financeiros, que tenham impacto em todos os Estados-Membros da UE e beneficiem também as regiões com mercados financeiros menos desenvolvidos;

7.

reconhece a necessidade de diversificar as fontes de financiamento da economia da UE, bem como os instrumentos de atração de novos investimentos enquanto fatores favoráveis ao crescimento e à estabilidade;

8.

centra a sua atenção nos elementos dos mercados de capitais da União que podem estimular o desenvolvimento regional e local;

9.

manifesta o seu interesse particular e o seu apoio firme a todas as medidas destinadas a:

a)

reforçar o potencial das PME, reconhecendo o seu papel a nível local na promoção do empreendedorismo, na produção de inovação e na estruturação da sociedade com base no valor do trabalho;

b)

apoiar a viabilidade financeira de importantes projetos de investimento a longo prazo com forte relevância regional, que criem as condições para um desenvolvimento regional e local eficaz;

10.

observa que a união dos mercados de capitais deve permitir diversificar as fontes de financiamento de projetos de investimento que, pela sua especificidade e envergadura, exijam a participação de várias entidades financeiras;

11.

concorda que a construção de uma união dos mercados de capitais exigirá análises e consultas particularmente exaustivas com o objetivo de identificar obstáculos e oportunidades, requerendo em seguida a adoção de um conjunto de medidas que abranjam as esferas regulamentar, institucional e educativa;

II.   BASES E OBJETIVOS DA UNIÃO DOS MERCADOS DE CAPITAIS

12.

acolhe com satisfação o início dos trabalhos relativos ao processo de criação de uma união dos mercados de capitais;

13.

está convicto de que um mercado único de capitais regulamentado no âmbito da União Europeia constituirá um instrumento adicional para melhorar a resistência aos choques assimétricos resultantes dos diferentes ritmos de desenvolvimento das várias regiões da União Europeia. Reconhece que a fragilidade dos mercados de capitais também decorre de fatores profundamente enraizados que levam à falta de procura agregada, nomeadamente, as disparidades no desenvolvimento regional;

14.

acolhe com satisfação a elaboração de uma série de prioridades para medidas futuras, incluindo, nomeadamente: reduzir os entraves no acesso ao mercado de capitais, facilitar o estabelecimento de relações entre detentores de capitais e agentes económicos da categoria das PME, velar pela segurança no mercado de capitais, apoiar e financiar investimentos a longo prazo, desenvolver as emissões privadas e outras formas de financiamento em toda a UE, bem como reduzir os encargos administrativos;

15.

é de opinião que a união dos mercados de capitais tem potencial para integrar os mercados de capitais europeus fragmentados, contribuindo para reforçar o fluxo transfronteiriço de capitais, o que se traduzirá num aumento do volume de investimentos em empresas europeias e em projetos de infraestruturas;

16.

insta a Comissão a ter igualmente em conta o lado da oferta, em particular, analisando e combatendo as causas profundas pelas quais os pequenos investidores e os investidores institucionais não são capazes de mobilizar e transformar capital suficiente para reforçar os serviços financeiros individuais e o investimento a longo prazo na economia real;

17.

receia que os objetivos fixados até à data sejam demasiado genéricos, podendo levar a que não se atinja um nível satisfatório de diversificação das fontes de financiamento para as PME;

18.

entende que a união dos mercados de capitais emergente deve contribuir acima de tudo para o desenvolvimento das PME, mas interroga-se se a titularização, nomeadamente em relação ao seu custo proporcionalmente mais elevado para as PME, constitui uma solução de longo prazo para os problemas de financiamento destas empresas;

19.

apoia a mudança de rumo no sentido de aumentar a participação dos investidores privados no mercado de capitais, mas constata que o Livro Verde não presta atenção suficiente aos investidores privados;

20.

considera que a realização de uma reforma profunda do mercado de capitais deve ser acompanhada de uma supervisão rigorosa a nível da UE e nacional, nomeadamente através do reforço do papel da ESMA na melhoria da convergência da supervisão, por forma a evitar a assunção de riscos excessivos e a instabilidade nos mercados financeiros;

21.

advoga a realização de consultas mais amplas em matéria de processos de titularização, levando em conta os ensinamentos retirados da crise financeira. A titularização não pode gerar um risco sistémico e, por isso, deve evitar instrumentos com um elevado efeito de alavanca e a dependência de financiamentos a curto prazo;

22.

chama a atenção para a considerável heterogeneidade dos diferentes mercados dos Estados-Membros a nível cultural, histórico e jurídico. A complexidade desta questão exige uma análise ex ante alargada relativa à criação e ao impacto da união dos mercados de capitais em cada um dos Estados-Membros;

23.

está convicto de que muitas das iniciativas em prol da união dos mercados de capitais terão de ser implementadas em paralelo e secundadas por programas educativos a vários níveis, tendo em conta as barreiras sociais decorrentes, nomeadamente, das tradições e dos hábitos;

24.

assinala o baixo nível de conhecimentos financeiros e de cultura de investimento dos pequenos investidores e dos proprietários de micro e pequenas empresas. Estes fatores estruturais dificultam o desenvolvimento de um mercado de capitais pan-europeu;

25.

considera que os órgãos de poder local e regional têm um papel fundamental a desempenhar no desenvolvimento da literacia financeira da população; sublinha, além disso, o papel das instituições sociais e das estruturas de ensino na divulgação de conhecimentos económicos e financeiros junto dos jovens europeus;

26.

reputa oportuno considerar uma participação financeira e institucional do setor público em domínios que contribuem diretamente para o desenvolvimento do mercado de capitais, nos quais as iniciativas do setor privado são insuficientes. Solicita que, antes de uma participação do setor público, se verifique se os fundos públicos atraem de facto iniciativas privadas. Nesses casos, a participação do setor público deverá assentar numa análise económica de acompanhamento e possuir um plano claro de desinvestimento, uma vez atingido o efeito almejado, mas também, por motivos de coerência, caso se revelem falhas no processo;

27.

entende que, nos domínios abrangidos pelo plano de união dos mercados de capitais, muitos países dispõem de boas práticas que vale a pena divulgar;

28.

salienta que as entidades a nível local e regional podem desempenhar um papel significativo e variado nos mercados de capitais enquanto investidores que oferecem capital de arranque a longo prazo, para além de que os seus créditos são transacionáveis nos mercados;

III.   HARMONIZAÇÃO DA LEGISLAÇÃO

29.

concorda com a necessidade de elaborar um conjunto coerente de regras em matéria de mercados de capitais que deverão ser respeitadas em todos os Estados-Membros;

30.

entende que ao criar um quadro transparente para o funcionamento do mercado único dos capitais e harmonizar o sistema de garantias se pode esperar um reforço da credibilidade junto dos investidores, permitindo uma afetação mais eficaz do capital;

31.

salienta que um conjunto coerente de regras constituiria um passo importante no sentido de eliminar obstáculos e criar o enquadramento necessário ao estabelecimento e ao funcionamento de um mercado único de capitais em toda a União Europeia mais integrado com os mercados internacionais;

32.

salienta que as propostas regulamentares relacionadas com a União dos Mercados de Capitais não devem impor uma carga regulamentar excessiva às PME nem limitar os benefícios que elas poderão colher em resultado da criação do mercado único de capitais;

33.

reputa essencial criar novas formas jurídicas que permitam a realização de investimentos e a mobilização de capitais na União Europeia;

34.

acredita ser possível lançar novas iniciativas de mercado através do reforço da transparência das informações financeiras acessíveis ao público e da eliminação dos fatores que impedem a comparabilidade das informações financeiras entre os Estados-Membros;

35.

reitera o seu apelo, na esteira de pareceres anteriores do Comité das Regiões europeu, a uma melhoria da comparabilidade e da disponibilidade dos dados sobre o risco associado ao financiamento das empresas do setor das PME em toda a UE;

36.

reputa conveniente definir normas internacionais de informação financeira (IFRS) simplificadas, o que permitiria assegurar a comparabilidade das empresas e melhorar a sua notação. A utilização deste tipo de normas também poderá estimular os investidores a apostarem em empresas que seguem regras transparentes e princípios geralmente reconhecidos;

37.

salienta a necessidade de um trabalho continuado em prol da harmonização da legislação em matéria de insolvência e da convergência do quadro de processos de reestruturação financeira, reconhecendo a complexidade da questão, em particular tendo em conta a ocorrência de diversas formas de favorecimento de grupos sociais e de credores;

38.

é favorável à revisão do quadro legislativo, incluindo as regras prudenciais, a fim de examinar os entraves que bloqueiam o acesso à titularização de ativos no setor das PME e dificultam o funcionamento dos operadores não bancários que oferecem financiamento. É igualmente a favor de um tratamento menos restritivo dos compromissos a longo prazo em projetos de infraestruturas;

39.

chama a atenção para o potencial problema da falta de harmonização dos mercados financeiros, tendo em conta que certos Estados-Membros não fazem parte da união bancária;

40.

sublinha que a união dos mercados de capitais deve ser aberta e competitiva à escala mundial e atrair investimentos internacionais, mantendo padrões elevados na UE, nomeadamente garantindo a integridade do mercado e a estabilidade financeira dos investidores;

IV.   DIVERSIFICAÇÃO DAS FONTES DE FINANCIAMENTO PARA AS PME

41.

gostaria de salientar a importância do setor das PME para a economia europeia e o desenvolvimento das regiões. Na UE-27 exerciam atividade mais de vinte milhões de PME, que geravam cerca de 67 % dos postos de trabalho e 58 % do valor acrescentado bruto. Além disso, havia cerca de dezanove milhões de PME que empregavam até dez pessoas e correspondiam a um quinto dos postos de trabalho na UE. Durante a crise de 2008 a 2011, as PME conseguiram garantir uma maior estabilidade do emprego do que as grandes empresas, apesar de, ao mesmo tempo, o seu contributo para o PIB ter registado um decréscimo relativo (1);

42.

assinala que as PME têm mais dificuldades de acesso a fontes diversificadas de financiamento para as suas atividades. Os empréstimos bancários representam mais de 80 % das fontes externas de financiamento das PME na UE, e 40 % das empresas recorrem a locações financeiras propostas por operadores geralmente associados aos bancos;

43.

faz notar que as dificuldades de acesso das PME ao crédito bancário são mais marcadas em períodos de conjuntura desfavorável, pelo que os processos intrabancários são mais pró-cíclicos do que anticíclicos;

44.

entende que o aumento da concorrência no setor bancário é necessário para diminuir a sua hegemonia ao nível do fornecimento de fontes de financiamento na UE, em particular para o setor das PME. Convém, pois, apoiar vigorosamente a supressão dos obstáculos à concorrência por parte dos novos operadores e instrumentos financeiros não bancários, bem como os novos atores, as inovações exteriores ao setor financeiro e as iniciativas legislativas neste domínio;

45.

salienta que a união dos mercados de capitais não tem por objetivo diminuir a importância dos bancos na economia europeia. Reputa indispensável encontrar um equilíbrio adequado entre, por um lado, as medidas de promoção dos bancos de investimento e do financiamento não bancário e, por outro, o financiamento sob a forma de empréstimos bancários tradicionais;

46.

congratula-se com as medidas adotadas até à data pelos Estados-Membros, nomeadamente sob a forma de regimes de apoio financeiro para as PME (garantias, subvenções, aceleração dos pagamentos comerciais, capitais de arranque);

47.

chama a atenção para importantes fatores que propiciam o desenvolvimento das PME, como um ambiente empresarial favorável, infraestruturas modernas, a existência de setores económicos avançados no plano tecnológico e uma mão de obra altamente qualificada. Convém, por isso, elaborar iniciativas no âmbito da união dos mercados de capitais de molde a reduzir os custos das transações associadas à mobilização de capital e abranger também a categoria das microempresas, que são simultaneamente o grupo mais forte em número e o mais fraco em termos de ligações aos mercados de capitais; assinala a necessidade de minimizar a carga administrativa associada à regulamentação;

48.

receia que as novas regras para o setor bancário da UE (CRD IV/CRR) possam limitar ainda mais o acesso das PME ao financiamento bancário e recomenda, por isso, a realização de estudos regulares sobre o seu impacto na alteração do acesso das PME ao financiamento bancário nos diferentes países;

49.

salienta que os bancos regionais e locais têm um importante papel a desempenhar no financiamento das PME, pois conhecem melhor as economias locais e regionais e dispõem de métodos próprios para avaliarem o risco de concessão de crédito a empresas locais;

V.   FOMENTO DA CONCORRÊNCIA NO MERCADO DE CAPITAIS

50.

espera que o mercado único de capitais possa contribuir para o desenvolvimento e a difusão de alternativas às formas tradicionais de intermediação de crédito e de investimento, dado o seu enorme potencial em termos de fornecimento de capitais de investimento aos operadores económicos locais;

51.

exorta a Comissão Europeia a divulgar boas práticas relativas a formas alternativas de financiamento, as quais estão bem desenvolvidas em determinados Estados-Membros da UE;

52.

reputa desejável garantir, no âmbito dos debates e dos trabalhos sobre a união dos mercados de capitais, um ambiente propício e, em especial, um nível de regulamentação e supervisão adequado ao desenvolvimento de um sistema bancário paralelo e ao financiamento coletivo. Estas soluções não assumiram para já uma dimensão muito significativa, mas apresentam uma forte dinâmica de crescimento (2);

53.

reconhece que as ofertas alternativas de financiamento para as PME e, em particular, os investimentos que apresentam um risco de investimento mais elevado, funcionam melhor no caso de empreendimentos inovadores;

54.

defende que o ambiente regulamentar deve constituir um estímulo e não um entrave à acessibilidade dos novos instrumentos e formas de distribuição de capital;

VI.   OBSERVAÇÕES FINAIS

55.

congratula-se com o interesse acrescido da Comissão Europeia pelo problema do acesso a financiamento não bancário;

56.

entende que o Livro Verde — Construção de uma União dos Mercados de Capitais constitui apenas um primeiro passo no sentido de criar um mercado único de capitais;

57.

mostra-se disposto a participar nos trabalhos futuros neste domínio, convicto de que a diversidade de perspetivas locais e regionais permite a elaboração de disposições que levam em conta as necessidades de todas as partes interessadas;

58.

convida ao debate sobre um programa de trabalho pormenorizado, que deverá imprimir o ritmo adequado e indispensável ao cumprimento do calendário previsto para a construção do mercado único de capitais;

59.

salienta a necessidade de integrar as diferentes partes interessadas a bem da elaboração de um documento plenamente satisfatório, que leve em conta as necessidades dos diferentes territórios e setores;

60.

chama a atenção para a necessidade de reforçar os programas destinados a melhorar o conhecimento das questões do domínio financeiro e de educar o público quanto às possibilidades e necessidades de investimento. Para o efeito, há que completar e apoiar as iniciativas nacionais e os projetos pan-europeus como o «Consumer Classroom»;

61.

preconiza a continuação do debate público sobre o Livro Verde — Construção de uma União dos Mercados de Capitais, bem como sobre a revisão da Diretiva Prospetos e Titularizações que o acompanha.

Bruxelas, 8 de julho de 2015.

O Presidente do Comité das Regiões Europeu

Markku MARKKULA


(1)  Relatório anual de 2012/2013 sobre as PME europeias, Comissão Europeia, outubro de 2013.

(2)  The European Alternative Finance Benchmarking Report [Relatório comparativo sobre formas alternativas de financiamento na Europa], Universidade de Cambridge, fevereiro de 2015.