9.11.2017   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 378/253


P7_TA(2014)0254

Lançamento de consultas para a suspensão do Uganda e da Nigéria do Acordo de Cotonu devido à recente legislação que criminaliza ainda mais a homossexualidade

Resolução do Parlamento Europeu, de 13 de março de 2014, sobre o lançamento de consultas para a suspensão do Uganda e da Nigéria do Acordo de Cotonu devido à recente legislação que criminaliza ainda mais a homossexualidade (2014/2634(RSP))

(2017/C 378/30)

O Parlamento Europeu,

Tendo em conta as obrigações e os instrumentos internacionais em matéria de direitos humanos, incluindo os consagrados nas Convenções da ONU sobre os Direitos do Homem e na Convenção Europeia dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, os quais garantem os direitos humanos e as liberdades fundamentais e proíbem a discriminação,

Tendo em conta a Declaração Universal dos Direitos do Homem, o Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos, a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres e a Carta Africana dos Direitos do Homem e dos Povos,

Tendo em conta a Resolução 17/19 do Conselho dos Direitos do Homem das Nações Unidas, de 17 de junho de 2011, sobre direitos humanos, orientação sexual e identidade de género,

Tendo em conta a segunda revisão do Acordo de Parceria entre os Estados de África, das Caraíbas e do Pacífico, por um lado, e a Comunidade Europeia e os seus Estados-Membros, por outro (Acordo de Cotonu), e as cláusulas e compromissos em matéria de direitos humanos e saúde pública contidos nesse acordo, em particular o artigo 8.o, n.o 4, o artigo 9.o, o artigo 31.o-A, alínea e) e o artigo 96.o,

Tendo em conta os artigos 2.o, 3.o, n.o 5, 21.o, 24.o, 29.o e 31.o do Tratado da União Europeia, e os artigos 10.o e 215.o do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, que impõem à UE e aos seus Estados-Membros, nas suas relações com o mundo, o respeito e a promoção dos direitos humanos universais e a proteção dos indivíduos, bem como a adoção de medidas restritivas em casos de violações graves dos direitos humanos,

Tendo em conta as diretrizes para a promoção e a proteção do exercício de todos os direitos humanos por parte de lésbicas, homossexuais, bissexuais, transsexuais e intersexuais (LGBTI), adotadas pelo Conselho em 24 de junho de 2013,

Tendo em conta a declaração da Vice-Presidente da Comissão/Alta Representante da União para os Negócios Estrangeiros e a Política de Segurança, Catherine Ashton, de 15 de janeiro de 2014, em que esta manifestou a sua preocupação com a promulgação, na Nigéria, do projeto de lei sobre a proibição do casamento entre pessoas do mesmo sexo,

Tendo em conta a declaração, de 20 de dezembro de 2013, da VP/AR sobre a aprovação do projeto de lei contra a homossexualidade no Uganda,

Tendo em conta a declaração do Presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, de 16 de fevereiro de 2014, sobre a aprovação do projeto de lei contra a homossexualidade no Uganda, bem como o seu pedido no sentido de o Presidente Museveni não proceder à promulgação desse projeto de lei,

Tendo em conta a declaração, de 18 de fevereiro de 2014, da VP/AR sobre a legislação em vigor no Uganda contra a homossexualidade,

Tendo em conta a declaração, de 25 de fevereiro de 2014, proferida pelo Secretário-geral das Nações Unidas Ban Ki-Moon instando as autoridades do Uganda a rever ou a revogar o projeto de lei em vigor no país contra a homossexualidade,

Tendo em conta a declaração, de 4 de março de 2014, da Alta Representante, em nome da União Europeia sobre a lei do Uganda contra a homossexualidade,

Tendo em conta a sua resolução, de 5 de julho de 2012, sobre a violência contra as lésbicas e os direitos das pessoas lésbicas, gays, bissexuais, transexuais e intersexuais (LGBTI) em África (1), a sua posição, de 13 de junho de 2013, sobre o projeto de decisão do Conselho relativa à celebração do Acordo que altera pela segunda vez o Acordo de Parceria entre os Estados de África, das Caraíbas e do Pacífico, por um lado, e a Comunidade Europeia e os seus EstadosMembros, por outro, assinado em Cotonu em 23 de junho de 2000 e alterado pela primeira vez no Luxemburgo em 25 de junho de 2005 (2), e a sua resolução, de 11 de dezembro de 2013, sobre o Relatório Anual da UE sobre os Direitos Humanos e a Democracia no Mundo em 2012 e a política da União Europeia nesta matéria (3),

Tendo em conta a sua resolução, de 17 de dezembro de 2009, sobre o Uganda: projeto de legislação anti-homossexualidade (4), de 16 de dezembro de 2010, sobre o Uganda: o chamado «projeto de lei Bahati» e a discriminação contra a população LGBT (5), e de 17 de fevereiro de 2011, sobre o Uganda: o assassínio de David Kato (6),

Tendo em conta as suas resoluções, de 15 de março de 2012 (7) e de 4 de julho de 2013 (8), sobre a situação na Nigéria,

Tendo em conta a sua resolução, de 16 de janeiro de 2014, sobre as recentes tentativas de criminalização das pessoas lésbicas, gay, bissexuais, transexuais e intersexuais (LGBTI) (9),

Tendo em conta a sua resolução, de 28 de setembro de 2011, sobre direitos humanos, orientação sexual e identidade de género nas Nações Unidas (10),

Tendo em conta o artigo 122.o, e o artigo 110.o, n.o 4, do seu Regimento,

A.

Considerando que todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos; que todos os Estados têm a obrigação de impedir a violência, o incitamento ao ódio e a estigmatização com base em características individuais, como a orientação sexual, a identidade de género e a expressão de género;

B.

Considerando que a Política Externa e de Segurança Comum da União Europeia visa o desenvolvimento e o reforço da democracia e do Estado de direito, bem como o respeito dos direitos humanos e das liberdades fundamentais;

C.

Considerando que 76 países consideram ainda a homossexualidade como um crime e que 5 países preveem a pena de morte para os crimes desta natureza;

D.

Considerando que os atos sexuais consentidos entre pessoas do mesmo sexo já eram punidos com 14 anos de prisão no Uganda, ao abrigo da secção 145 do Código Penal do Uganda, e com 7 anos de prisão na Nigéria, ao abrigo da secção 214 do Código Penal da Nigéria (ou com a pena de morte nos 12 Estados onde vigora a lei islâmica Sharia);

E.

Considerando que, em 20 de dezembro de 2013, o Parlamento do Uganda aprovou o projeto de lei contra a homossexualidade, que prevê uma pena até 7 anos de prisão para quem apoie os direitos das pessoas LGBTI, uma pena de 7 anos de prisão para as pessoas que disponibilizem uma casa, um ou mais quartos ou um local de qualquer espécie para «fins de homossexualidade», e uma pena de prisão perpétua para os «infratores reincidentes» ou seropositivos; considerando que o projeto de lei foi promulgado pelo Presidente Yoweri Museveni Kaguta da República do Uganda, em 24 de fevereiro de 2014;

F.

Considerando que as autoridades ugandesas aprovaram o projeto de lei contra a pornografia e o projeto de lei de gestão da ordem pública, que violam novamente os direitos humanos e representam mais um ataque contra as ONG defensoras dos direitos humanos; considerando que esta situação é reveladora da redução e deterioração do espaço político que a sociedade civil enfrenta;

G.

Considerando que, em 17 de dezembro de 2013, o Senado da Nigéria aprovou o projeto de lei sobre a proibição do casamento entre pessoas do mesmo sexo, que pune as pessoas que mantenham relações com pessoas do mesmo sexo com uma pena de prisão até 14 anos, e as testemunhas de casamentos entre pessoas do mesmo sexo, os proprietários de bares LGBTI e as pessoas que frequentem tais bares, bem como os membros de organizações ou de sociedades LGBTI com uma pena de prisão até 10 anos; considerando que o Presidente Goodluck Jonathan promulgou o projeto de lei em janeiro de 2014;

H.

Considerando que há uma tendência crescente para vários órgãos de comunicação social, o público e os líderes políticos e religiosos destes países tentarem intimidar as pessoas LGBTI, limitar os seus direitos, bem como os direitos das ONG e ativistas dos direitos humanos, e legitimar a violência contra estes grupos de pessoas; considerando que, logo após o Presidente Museveni ter promulgado a lei, um tabloide ugandês publicou uma lista de nomes e as fotografias de 200 homossexuais e lésbicas ugandeses, comprometendo seriamente a segurança dessas pessoas; considerando que os meios de comunicação social dão conta de um número crescente de detenções e casos de violência contra pessoas LGBTI na Nigéria;

I.

Considerando que grande número de chefes de Estado e de Governo, dirigentes das Nações Unidas, representantes governamentais e parlamentares, a União Europeia (incluindo o Conselho, o Parlamento, a Comissão e a VP/AR), e muitas outras figuras mundiais têm condenado severamente as leis que penalizam as pessoas LGBTI;

J.

Considerando que, no quadro da sua cooperação, a UE deve apoiar os esforços dos países ACP no sentido de elaborar um quadro jurídico e político propícios e de abolir as leis, políticas e práticas repressivas, bem como a estigmatização e a discriminação que põem em causa os direitos humanos, agravam a vulnerabilidade face ao VIH/SIDA e impedem o acesso à prevenção, ao tratamento, aos cuidados e a um acompanhamento eficazes, incluindo aos medicamentos, aos produtos e serviços destinados às pessoas com VIH/SIDA e às populações mais expostas;

K.

Considerando que a Onusida e o Fundo Mundial de luta contra a sida, a tuberculose e o paludismo receiam que as pessoas LGBTI e 3,4 milhões de cidadãos infetados com o vírus da SIDA na Nigéria e no Uganda sejam privados do acesso a serviços de saúde vitais, e exigem uma revisão urgente da constitucionalidade das leis tendo em conta as consequências graves em matéria de saúde pública e direitos humanos;

L.

Considerando que o reforço da criminalização de atos consensuais entre adultos do mesmo sexo tornará ainda mais difícil a realização dos Objetivos de Desenvolvimento do Milénio, especialmente no que diz respeito à igualdade entre homens e mulheres e à luta contra as doenças, e o êxito do quadro de desenvolvimento pós-2015;

M.

Considerando que vários Estados-Membros, incluindo os Países Baixos, a Dinamarca e a Suécia, bem como outros países como os Estados Unidos da América e a Noruega, decidiram ou suspender os auxílios destinados ao Governo do Uganda ou reafetar essa ajuda a favor da sociedade civil;

N.

Considerando que, nos termos do artigo 96.o, n.o 1-A, do Acordo de Cotonou, pode ser lançado um processo de consulta com vista à suspensão da cooperação com signatários que não cumpram as suas obrigações em matéria de respeito dos direitos humanos previstas no artigo 8.o, n.o 4, e no artigo 9.o;

1.

Lamenta a adoção de novas leis que constituem sérias ameaças aos direitos universais à vida, à liberdade de expressão, de associação e de reunião, e à proibição da tortura e de tratamentos cruéis, desumanos e degradantes; reitera que a orientação sexual e a identidade de género são questões que se enquadram no direito à vida privada, garantido pela legislação internacional e pelas Constituições nacionais; sublinha que a igualdade dos LGBTI faz inegavelmente parte dos direitos humanos fundamentais;

2.

Recorda as declarações da Comissão Africana dos Direitos do Homem e dos Povos e da Comissão dos Direitos do Homem das Nações Unidas, segundo as quais um Estado não pode, através de legislação nacional, negar as suas obrigações internacionais em matéria de direitos humanos;

3.

Apela ao Presidente do Uganda para que revogue a lei contra a homossexualidade, assim como a secção 145 do Código Penal do Uganda; pede ao Presidente da Nigéria que revogue a lei sobre a proibição do casamento entre pessoas do mesmo sexo, assim como as secções 214 e 217 do Código Penal da Nigéria, que violam as obrigações internacionais em matéria de direitos humanos;

4.

Observa que, ao promulgarem as referidas leis, os Governos do Uganda e da Nigéria não cumpriram a obrigação decorrente do respeito pelos direitos humanos, dos princípios democráticos e do Estado de direito mencionados no artigo 9.o, n.o 2, do Acordo de Cotonu;

5.

Reitera que estas leis recaem sob a alçada do artigo 96.o, n.o 1-A, alínea b), do Acordo de Cotonu, uma vez que constituem casos de especial urgência, ou seja, casos excecionais de violações especialmente graves e flagrantes dos direitos humanos e da dignidade humana, tal referido no artigo 9.o, n.o 2, que exigem, portanto, uma reação imediata;

6.

Exorta, por conseguinte, a Comissão a encetar urgentemente um diálogo político reforçado, nos termos do artigo 8.o, a nível local e ministerial, exigindo a abertura de um debate o mais tardar por ocasião da Cimeira UE-África.

7.

Insta a Comissão e os Estados-Membros a reexaminarem a sua estratégia de ajuda à cooperação para o desenvolvimento no que respeita ao Uganda e à Nigéria, e a conferirem prioridade à reorientação da ajuda a favor da sociedade civil e de outras organizações, em lugar da sua suspensão, mesmo numa base setorial;

8.

Convida a União Africana a tomar a iniciativa e a constituir uma comissão interna responsável por examinar estas leis e estas questões;

9.

Convida os dirigentes da União Africana e da União Europeia a abordarem estas leis durante os debates da 4a Cimeira UE-África, que terá lugar em 2 e 3 de abril de 2014;

10.

Convida os Estados-Membros, ou a Alta Representante, com o apoio da Comissão, a ponderar a aplicação de sanções específicas, como a proibição de viagens ou de concessão de vistos, para os principais responsáveis pela elaboração e pela adoção destas duas leis;

11.

Relembra o acórdão do Tribunal de Justiça da União Europeia, de 7 de novembro de 2013, no processo X, Y, Z v. Minister voor Immigratie en Asiel (processos C-199-201/12), no qual se estabelece que as pessoas com uma orientação sexual específica visadas por leis que criminalizam a sua conduta ou identidade podem constituir um grupo social particular para efeitos de concessão de asilo;

12.

Lamenta o aumento generalizado das dificuldades sociais, económicas e políticas das nações africanas ameaçadas pelo fundamentalismo religioso, que se tem tornado cada vez mais difuso, com consequências desastrosas para a dignidade, o desenvolvimento e a liberdade dos indivíduos;

13.

Solicita à Comissão e ao Conselho que incluam uma referência explícita à não discriminação em razão da orientação sexual em qualquer futuro acordo destinado a substituir o Acordo de Cotonu, como solicitado por diversas vezes pelo Parlamento;

14.

Encarrega o seu Presidente de transmitir a presente resolução à Comissão, ao Conselho, ao Serviço Europeu para a Ação Externa, aos Estados-Membros, aos Governos e aos Parlamentos do Uganda, da Nigéria, da República Democrática do Congo e da Índia, bem como aos Presidentes do Uganda e da Nigéria.


(1)  JO C 349 E de 29.11.2013, p. 88.

(2)  Textos Aprovados, P7_TA(2013)0273.

(3)  Textos Aprovados, P7_TA(2013)0575.

(4)  JO C 286 E de 22.10.2010, p. 25.

(5)  JO C 169 E de 15.6.2012, p. 134.

(6)  JO C 188 E de 28.6.2012, p. 62.

(7)  JO C 251 E de 31.8.2013, p. 97.

(8)  Textos Aprovados, P7_TA(2013)0335.

(9)  Textos Aprovados, P7_TA(2014)0046.

(10)  JO C 56 E de 26.2.2013, p. 100.