52014DC0033

COMUNICAÇÃO DA COMISSÃO AO PARLAMENTO EUROPEU, AO CONSELHO, AO COMITÉ ECONÓMICO E SOCIAL EUROPEU E AO COMITÉ DAS REGIÕES Enfrentar as consequências da privação do direito de voto dos cidadãos da União que exercem o seu direito de livre circulação /* COM/2014/033 final */


1.           Introdução

A possibilidade de os cidadãos exprimirem a sua vontade política através do exercício do direito de voto, um dos direitos fundamentais da cidadania, faz parte do próprio tecido da democracia. A própria União Europeia funda-se no valor do respeito pela democracia[1]. Todos os cidadãos têm o direito de participar na vida democrática da União[2]. A Comissão considera prioritário incentivar a participação dos cidadãos da UE na vida democrática da União[3]. Os direitos políticos dos cidadãos da UE foram um tema de destaque em 2013, Ano Europeu dos Cidadãos dedicado à promoção do debate e à sensibilização para os direitos e responsabilidades inerentes à cidadania da UE.

Como indicado no Relatório de 2010 sobre a cidadania da União[4], um dos problemas encontrados pelos cidadãos da União de alguns Estados-Membros, enquanto intervenientes políticos, é o facto de perderem o direito de voto («privação do direito de voto») nas eleições nacionais do seu país de origem se residirem no estrangeiro por um determinado período, ainda que residam noutro Estado-Membro. Consequentemente, estes cidadãos não podem participar em quaisquer eleições nacionais no seu Estado-Membro de origem nem no Estado-Membro onde residem.

Em conformidade com o artigo 4.º, n.º 2, do TUE, a União respeita a identidade nacional dos Estados-Membros, refletida nas estruturas políticas e constitucionais fundamentais. Compete, por conseguinte, a cada Estado-Membro, no respeito da democracia enquanto valor comum a todos os Estados-Membros, decidir da composição do eleitorado para as eleições nacionais.

Contudo, há que ter em conta que as políticas nacionais que conduzem à privação do direito de voto podem ser consideradas como uma restrição ao exercício dos direitos inerentes à cidadania da UE, tais como o direito de circular e residir livremente na UE, um direito fundamental de todos os cidadãos da União. Trata-se de uma contradição com a premissa de base da cidadania da União, ou seja, que tal cidadania acresce à cidadania nacional e visa conferir um conjunto de direitos adicionais aos cidadãos da UE, sendo que, neste caso, o exercício do direito de livre circulação pode comportar a perda do direito de participar na vida política.

Tais políticas estão desfasadas da atual tendência geral no sentido de autorizar os cidadãos não residentes a votarem[5]. Além disso, os cidadãos da UE que residem noutro Estado-Membro podem manter ao longo da vida relações estreitas com o seu país de origem e continuar a ser diretamente afetados por atos adotados pelo órgão legislativo (por exemplo, pagamento de impostos, direitos de pensão). Em especial, com o acesso generalizado às emissões de televisão transfronteiras[6] e a disponibilidade de Internet, bem como de outras tecnologias de comunicações móveis ou via Internet, incluindo as redes sociais, nunca foi tão fácil como agora manter a ligação com a política do país de origem e ter uma participação social e política.

As petições frequentes, as perguntas dos deputados do Parlamento Europeu e a correspondência do público em geral são reveladoras de que os cidadãos da UE estão preocupados com o que consideram ser uma lacuna nos seus direitos políticos. De um modo geral, os europeus pensam que os cidadãos da UE não devem perder o direito de voto nas eleições nacionais do seu país de origem pelo simples facto de viverem noutro país da UE[7].

Tendo em conta o que precede, a Comissão anunciou, no Relatório de 2010 sobre a cidadania da União, que iria lançar um debate para identificar as opções políticas destinadas a impedir que os cidadãos da UE percam os seus direitos políticos em consequência do exercício do direito de livre circulação (ação 20).

Na sequência dessa decisão, a Comissão comunicou a alguns Estados-Membros a sua opinião sobre o impacto negativo da privação do direito de voto para os direitos dos cidadãos da UE e convidou-os a darem o seu contributo para uma reflexão comum sobre o assunto. As respostas forneceram esclarecimentos sobre as legislações e políticas vigentes e sobre os debates realizados a nível nacional.

Em 19 de fevereiro de 2013, o Parlamento Europeu e a Comissão realizaram uma audição conjunta sobre a cidadania da UE. Os participantes, entre os quais se incluíam cidadãos da UE visados, representantes da sociedade civil, membros do Parlamento Europeu e especialistas na área, salientaram a necessidade de reavaliar as políticas vigentes — bem como as justificações para as mesmas — que privam os cidadãos do direito de voto num momento em que tudo evolui no sentido de uma participação mais inclusiva e democrática na UE.

No Relatório de 2013 sobre a cidadania da UE: «Cidadãos da UE: os seus direitos, o seu futuro[8]», a Comissão recordou que a plena participação dos cidadãos da UE na vida democrática da União a todos os níveis constitui a própria essência da cidadania da União. Por conseguinte, a Comissão anunciou a intenção de propor soluções construtivas para os cidadãos da UE que residem noutro país da UE participarem plenamente na vida democrática da União, mantendo o direito de voto nas eleições nacionais do país de origem (ação 12).

A presente comunicação dá execução a este compromisso, inspirando-se nos resultados dos debates em curso a nível nacional e da UE, que envolvem a sociedade civil, o meio académico e os próprios cidadãos da União. A presente comunicação visa propor soluções construtivas, em cooperação com os Estados-Membros, para reforçar o direito de participação dos cidadãos da UE na vida democrática da União e o seu direito de livre circulação, minimizando as consequências das políticas, medidas e práticas administrativas nacionais de privação do direito de voto. Paralelamente, é apresentada uma recomendação que propõe soluções inclusivas e equilibradas para o efeito.

2.           situação nos Estados-Membros

Um grande número de Estados-Membros dispõe de regras que privam os cidadãos dos seus direitos de voto em virtude de condenação penal por infração grave ou por perda de capacidade jurídica relacionada com problemas de saúde mental e deficiências intelectuais.

De acordo com as informações de que a Comissão dispõe, os regimes jurídicos atualmente aplicáveis em cinco Estados-Membros podem conduzir a uma situação em que os cidadãos da União que residem noutros Estados-Membros podem perder o seu direito de voto pelo simples motivo de estarem a residir no estrangeiro há um certo tempo[9]. As principais características de tais regimes jurídicos são as seguintes:

Na Dinamarca, os cidadãos dinamarqueses que deixam o país são autorizados a permanecer inscritos nos cadernos eleitorais se declararem a sua intenção de regressar ao país no prazo de dois anos[10] — norma que deriva do requisito constitucional de residência permanente como condição prévia para o direito de voto nas eleições nacionais[11]. Alguns eleitores[12] são considerados como tendo residência permanente na Dinamarca independentemente do facto de viverem no estrangeiro.

Uma situação idêntica é a dos cidadãos irlandeses que são autorizados a permanecer inscritos nos cadernos eleitorais apenas se declararem a sua intenção de regressar ao país no prazo de 18 meses[13]. No entanto, no âmbito do plano de revisão constitucional, a Convenção Constitucional da Irlanda examinou em 2013 a questão da supressão desta limitação e propôs, no relatório que apresentou ao Governo irlandês em 25 de novembro de 2013[14], conceder aos cidadãos irlandeses a possibilidade de votarem nas embaixadas para as eleições presidenciais sem tal limitação. O Governo irlandês deverá dar resposta ao relatório em março de 2014.

Os cidadãos cipriotas perdem o direito de voto nas eleições nacionais se não tiverem residido em Chipre nos 6 meses que precedem as eleições, a menos que residam no estrangeiro por motivos de estudo, trabalho temporário ou de saúde[15].

Nos termos da Constituição de Malta, os cidadãos malteses perdem o seu direito de voto se não tiverem residido no país por um período mínimo de 6 meses nos 18 meses que precedem o seu recenseamento para as eleições nacionais[16].

Os cidadãos britânicos perdem o direito de voto nas eleições legislativas caso nunca tenham estado inscritos nos cadernos eleitorais com um endereço no Reino Unido durante os 15 anos anteriores[17]. Nos últimos anos, os vários governos e parlamentos consideraram que tal restrição é, em princípio, necessária e justificada. A restrição foi contestada junto do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem que, em conformidade com jurisprudência anterior, não a considerou contrária ao artigo 3.º do Protocolo n.º 1 à Convenção Europeia dos Direitos do Homem[18]. A compatibilidade desta norma com o direito da UE ainda não foi determinada pelo Tribunal de Justiça da União Europeia[19].

Alguns Estados-Membros impõem outras condições para a preservação do direito de voto em eleições nacionais.

Os cidadãos alemães que residem no estrangeiro têm direito de voto nas eleições nacionais desde que preencham uma das seguintes condições: i) terem residido na Alemanha durante um período ininterrupto de pelo menos três meses depois de atingirem os catorze anos de idade e se tal período não tiver ocorrido há mais de 25 anos, ou ii) estarem familiarizados, pessoal e diretamente, com a situação política na Alemanha e serem afetados por esta[20].

A legislação austríaca[21] exige aos cidadãos que vão deixar o país que apresentem um pedido prévio para continuarem inscritos nos cadernos eleitorais e que renovem o pedido de dez em dez anos, renovação essa que pode ser efetuada por via eletrónica. As autoridades são obrigadas a comunicar aos cidadãos que residem no estrangeiro a sua remoção dos cadernos eleitorais e a publicitarem devidamente o direito de inscrição nos cadernos eleitorais dos nacionais que residem no estrangeiro.

3.           A Perspetiva do Conselho da Europa

Os Estados têm o direito soberano de determinar, em conformidade com as normas internacionais a que estão vinculados, as condições em que os seus nacionais podem exercer o direito de voto nas eleições nacionais, incluindo os requisitos de residência no país. O Tribunal Europeu dos Direitos do Homem analisou os requisitos de residência à luz do artigo 3.º do Protocolo n.º 1 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem[22] e declarou, em todos os casos analisados até à data, que em princípio tais requisitos não constituem uma restrição arbitrária ao direito de voto[23]. O Tribunal realçou os fatores passíveis de justificar tais requisitos:[24]

· o pressuposto de que um cidadão não residente é menos afetado, de forma direta ou constante, pelos problemas quotidianos e tem um menor conhecimento dos mesmos;

· o facto de não ser viável que os candidatos apresentem as questões aos cidadãos que residem no estrangeiro e que estes últimos não tenham qualquer influência na seleção dos candidatos ou na elaboração dos seus programas eleitorais;

· a estreita ligação entre o direito de voto nas eleições legislativas e o ser diretamente afetado pelos atos dos órgãos políticos eleitos; e

· a preocupação legítima de limitar a influência eleitoral dos cidadãos que vivem no estrangeiro sobre questões que, embora fundamentais, afetam sobretudo as pessoas que vivem no país.

Tais justificações devem, no entanto, ter devidamente em conta os princípios que regem a participação política. Como salientado pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, «O direito de voto não é um privilégio. No século XXI, um Estado democrático deve, por uma questão de princípio, ser favorável à inclusão [...] Qualquer derrogação geral, automática e indiscriminada ao princípio do sufrágio universal corre o risco de pôr em causa a validade democrática do órgão legislativo assim eleito, bem como das disposições legislativas que promulga»[25].

De acordo com a Comissão Europeia para a Democracia pelo Direito (Comissão de Veneza),  quando é fixado um prazo para a preservação do direito de voto de um nacional que emigrou, é preferível que a situação seja «revista» no termo desse prazo em vez de se permitir que a pessoa em causa perca, pura e simplesmente, o seu direito de voto. Os Estados podem impor algumas limitações formais ao direito de voto dos cidadãos que residem no estrangeiro, tais como a obrigação de inscrição nos cadernos eleitorais que, normalmente, só é válida por um período limitado. Tal permitiria excluir as pessoas sem laços com o país de origem, no respeito do princípio da proporcionalidade[26].

O Tribunal Europeu dos Direitos do Homem sublinhou ainda a existência de uma tendência no sentido de autorizar os cidadãos não residentes a votar. Ao analisar a legislação dos Estados que são membros do Conselho da Europa, o Tribunal constatou que «o aparecimento de novas tecnologias e de transportes mais económicos permitiu aos migrantes manter contactos mais estreitos com o seu país de origem do que o que teria sido possível para a maioria dos migrantes há quarenta ou mesmo trinta anos atrás. Tal facto levou a que um certo número de Estados […] alterassem, pela primeira vez, a sua legislação a fim de permitir aos não residentes votarem nas eleições nacionais.» O Tribunal concluía assim que se observa uma tendência a favor do voto dos cidadãos não residentes, embora ainda não exista nesta matéria qualquer disposição europeia[27].

4.           Contexto da UE

Como afirmou o Tribunal de Justiça, sempre que uma matéria é da competência dos Estados-Membros, como a definição da composição do eleitorado para as eleições nacionais, os Estados-Membros devem todavia exercê‑la no respeito do direito da União, em especial no que se refere às disposições do Tratado relativas ao direito reconhecido a qualquer cidadão da União, de circular e permanecer livremente no território dos Estados‑Membros, abstendo‑se de qualquer discriminação ostensiva ou dissimulada baseada na nacionalidade[28].

No mesmo sentido, o Tribunal de Justiça reconheceu, por exemplo, relativamente às eleições europeias que, em princípio, o critério ligado à residência não é inadequado para determinar quem goza do direito de voto e de ser eleito, mas deixou claro que tal critério não deve constituir uma violação dos princípios gerais do direito da UE, designadamente o princípio da não discriminação[29].

As legislações nacionais sobre a composição do eleitorado para as eleições nacionais apresentam divergências. Dado que, atualmente, nenhum Estado-Membro tem uma política geral que conceda aos nacionais dos outros Estados-Membros que residem no seu território o direito de voto nas eleições nacionais[30], os cidadãos da UE privados do direito de voto são geralmente impedidos de votar nas eleições nacionais de qualquer dos Estados-Membros. Porém, dado que a União ainda não fez uso da possibilidade prevista no artigo 25.º do TFUE de aprofundar os direitos de que gozam os cidadãos da União, o direito da UE não pode garantir aos cidadãos da UE que a transferência da sua residência para outro Estado-Membro seja completamente neutra em termos de direito de voto nas eleições nacionais.[31]

Esta situação pode, contudo, impedir que os cidadãos exerçam plenamente os seus direitos e usufruam dos benefícios que a cidadania da UE representa para a sua vida quotidiana.

Em primeiro lugar, a situação atual pode ser considerada contrária ao princípio fundador da cidadania da UE.

Nos termos do artigo 20.º do TFUE, a cidadania da União acresce à cidadania nacional e não a substitui. Os direitos fundamentais da cidadania da UE são conferidos aos cidadãos da UE para além dos direitos que lhes são conferidos pela sua cidadania nacional. O exercício dos direitos ligados à cidadania da União não deveria comportar a perda do direito de voto nas eleições nacionais, direito que, em geral, está associado à cidadania nacional.

Em segundo lugar, as políticas nacionais de privação do direito de voto podem influenciar a forma como os cidadãos da UE exercem o seu direito de circular e residir livremente no território dos Estados-Membros.

Por exemplo, os cidadãos em questão podem ponderar a hipótese de não declarar a sua transferência para o estrangeiro às autoridades administrativas a fim de assegurarem que não perdem os seus direitos políticos no país de origem.

Em terceiro lugar, as políticas de privação do direito de voto dão azo a disparidades em matéria de direitos políticos dos cidadãos da UE em causa, sendo, portanto, contraditórias com os esforços de promoção da participação dos cidadãos na vida democrática da União.

Embora os cidadãos da UE privados do direito de voto conservem o direito de eleger os membros do Parlamento Europeu, não têm o direito de participar nos processos nacionais que que conduzem à formação dos governos nacionais, cujos membros fazem parte do Conselho, o outro órgão colegislador da UE – facto que entra em contradição com os esforços que estão a ser envidados para melhorar as condições de participação dos cidadãos na esfera pública nacional e europeia.

Pelos motivos expostos, a Comissão sugere algumas opções suscetíveis de contribuir para reduzir o risco de privação do direito de voto dos cidadãos da UE que simplesmente fazem uso do seu direito de livre circulação.

Estas opções não prejudicam o papel da Comissão enquanto guardiã dos Tratados nem as disposições do Tratado em matéria de direito de livre circulação dos cidadãos da UE, tal como interpretadas pelo Tribunal de Justiça.

5.           Opções para enfrentar as consequências da privação do direito de voto

5.1.        Opções não apropriadas na perspetiva da União Europeia

Uma das opções aventadas nos últimos anos para obviar à perda de direitos políticos no país de origem é a naturalização no país de residência, que se traduz na aquisição de direitos políticos. Contudo, o facto de se promover a naturalização no país de acolhimento como forma de reforçar os direitos políticos entra em contradição com a própria existência da cidadania da UE como principal veículo de promoção do respeito pela identidade nacional e a diversidade e de garantia da igualdade de tratamento, independentemente da nacionalidade. Além do mais, esta opção não tem em conta a complexidade da mobilidade no interior da UE. As pessoas podem residir em vários países por períodos mais ou menos longos e, inclusivamente, podem regressar ao país de origem. Não se pode exigir que adquiram múltiplas ou sucessivas nacionalidades apenas com o intuito de manter os direitos políticos.

Uma outra opção, defendida nomeadamente no mundo académico[32], consistiria em estabelecer um diálogo estruturado ou um método aberto de coordenação, a fim de incentivar os Estados-Membros a garantirem o reconhecimento mútuo — numa base bilateral ou multilateral — dos direitos de voto dos seus nacionais residentes noutros Estados-Membros (em especial países vizinhos ou com os quais tenham laços estreitos). Contudo, este tipo de abordagem daria origem a fragmentações e assimetrias nos direitos de voto dos cidadãos da UE em toda a UE[33].

5.2.        Soluções apropriadas no quadro da UE

5.2.1.     Soluções equilibradas a curto prazo

As regras atualmente aplicáveis em alguns Estados-Membros baseiam-se na premissa de que o facto de se viver durante um determinado período de tempo no estrangeiro implica perder a ligação à vida política do país de origem. Esta premissa não é, no entanto, correta em todos os casos. Por conseguinte, poderá ser oportuno dar aos cidadãos que correm o risco de ficar privados do direito de voto a possibilidade de demonstrar que continuam a manter-se interessados na vida política do Estado-Membro de que são nacionais.

Hoje, os cidadãos da UE têm a possibilidade de manter uma ligação à vida política do seu país de origem e as tendências atuais vão no sentido de abordagens mais inclusivas para a participação política. Esta situação, a par da importância primordial do direito de livre circulação na UE, evidencia a necessidade de encontrar soluções equilibradas a curto prazo que permitam aos cidadãos da UE ser eles próprios a avaliar a força dos laços que os unem ao seu país de origem.

No que respeita aos critérios adequados para comprovar a veracidade de tais laços, deveria ser suficiente uma iniciativa dos interessados, como a apresentação de um pedido para continuarem inscritos nos cadernos eleitorais, que parece a solução mais simples e menos incómoda para os próprios cidadãos.

Os Estados-Membros que limitam os direitos de voto dos seus nacionais nas eleições nacionais, com base exclusivamente no critério da residência, deveriam permitir aos seus nacionais que exercem o direito de livre circulação e residência na União Europeia manter o direito de voto se demonstrarem um interesse constante na vida política do Estado-Membro de que são originários, por exemplo através de um pedido para continuarem inscritos nos cadernos eleitorais.

A possibilidade de solicitar aos cidadãos que apresentem um pedido para continuarem inscritos nos cadernos eleitorais não deve interferir com a faculdade de os Estados-Membros solicitarem aos seus cidadãos que renovem tais pedidos a intervalos adequados de forma a confirmar que o interesse se mantém.[34]

Os Estados-Membros que autorizam os seus nacionais que residem noutro Estado-Membro a manter o seu direito de voto nas eleições nacionais através de um pedido para continuarem inscritos nos cadernos eleitorais podem instaurar medidas de acompanhamento apropriadas, como a renovação do pedido a intervalos adequados.

A fim de reduzir ao mínimo os encargos para os cidadãos que vivem no estrangeiro, a apresentação dos pedidos de inscrição ou de continuação da inscrição nos cadernos eleitorais deverá ser possível por via eletrónica.

Os Estados-Membros que autorizam os seus nacionais que residem noutro Estado-Membro a manter o seu direito de voto nas eleições nacionais através de um pedido de inscrição ou de continuação da inscrição nos cadernos eleitorais devem assegurar que os pedidos em causa podem ser apresentados por via eletrónica.

Por último, é importante garantir que os cidadãos que saem do país ou que já residem noutro Estado-Membro sejam devidamente informados sobre as condições em que o seu direito de voto pode ser mantido. A divulgação deve ser feita através de folhetos, emissões e informações das embaixadas, dos consulados e das associações de expatriados dirigidas aos potenciais interessados.

Os Estados-Membros que preveem a perda do direito de voto nas eleições nacionais para os seus cidadãos que residem noutro Estado-Membro devem informá-los, pelos canais adequados e em tempo útil, das condições e modalidades práticas para a manutenção do seu direito de voto nas eleições nacionais.

Uma visão a mais longo prazo

Esta reflexão sobre as formas de intensificar a participação política dos cidadãos da UE, procurando atenuar as consequências da privação do direito de voto, não deverá obstar a que se proceda a uma reflexão a mais longo prazo para colmatar as lacunas existentes em termos de participação dos cidadãos da UE que residem noutro Estado-Membro nas eleições nacionais e, se for caso disso, regionais. De facto, o direito de voto no país de acolhimento é atualmente objeto de debate, nomeadamente do ponto de vista da sua contribuição para uma maior participação política dos cidadãos da UE privados do direito de voto nas eleições nacionais em qualquer país da União.

É evidente que esta questão teria um impacto maior se pudesse contribuir para que cada cidadão exercesse plenamente o seu direito de participar na vida democrática da União, se permitisse aos cidadãos da UE em situação de mobilidade integrar-se melhor no país de acolhimento e se aprofundasse a cidadania da UE.

Como anunciado no Relatório de 2013 sobre a cidadania da UE, seria interessante analisar esta questão no contexto mais vasto da próxima reflexão sobre o futuro da União.

6.           Conclusão

Tendo em conta o diálogo político sobre a privação do direito de voto com todas as partes interessadas, os intervenientes institucionais e a sociedade civil, e em resposta às expectativas dos próprios cidadãos da UE, expressas em consultas públicas e no «diálogo com os cidadãos» sobre o futuro da União, a Comissão propõe soluções apropriadas. As justificações que estão na base das atuais políticas de privação do direito de voto devem ser reavaliadas à luz da realidade socioeconómica e tecnológica, do atual estado da integração europeia e das atuais tendências no sentido de uma participação política inclusiva. A este respeito, convém recordar o papel fundamental da cidadania da UE ao permitir aos cidadãos serem tratados como iguais e valorizadas no seio da sua comunidade, quer no país de origem quer no país de residência.

A presente comunicação apresenta soluções construtivas possíveis e sugere que os Estados-Membros em causa as analisem. Na Recomendação que acompanha a presente Comunicação a Comissão propõe soluções inclusivas e equilibradas para os direitos políticos dos cidadãos que exercem o direito de livre circulação, com base na premissa de que tais cidadãos devem ser capazes de avaliar por eles próprios se continuam a manter-se interessados na vida política do seu país de origem.

A Comissão avaliará os progressos realizados para enfrentar as consequências da privação do direito de voto dos cidadãos da União que exercem o direito de livre circulação nos relatórios sobre os progressos realizados no sentido de uma cidadania efetiva da União.

[1]               Artigo 2.° do Tratado da União Europeia (TUE).

[2]               Artigo 10.º, n.º 3, do TUE.

[3]               Comunicação da Comissão «Preparação das eleições europeias de 2014: reforçar um processo eleitoral democrático e eficaz» de 12 de março de 2013 (COM(2013) 126 e Recomendação sobre o reforço da realização democrática e eficaz das eleições para o Parlamento Europeu de 12 de março de 2013 (C(2013) 1303).

[4]               COM(2010) 603.

[5]               Acórdão do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem de 7 de maio de 2013 no processo Shindler/ Reino Unido, n.ºs 110 e 115.

[6]               Facilitado pela Diretiva 2010/13/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 10 de Março de 2010, relativa à coordenação de certas disposições legislativas, regulamentares e administrativas dos Estados-Membros respeitantes à oferta de serviços de comunicação social audiovisual (Diretiva «Serviços de Comunicação Social Audiovisual»).

[7]               Quase dois terços (65 %) dos europeus consideram que não se justifica que os cidadãos da UE que residem noutro país da UE que não o seu país de origem percam os seus direitos de voto nas eleições nacionais: Inquérito Eurobarómetro n.º 364 sobre os «direitos eleitorais» de 2012 http://ec.europa.eu/public_opinion/flash/fl_364_en.pdf. Esta opinião foi corroborada por uma percentagem equivalente de inquiridos (62 %) numa consulta pública em linha sobre a cidadania da UE: Consulta pública de 2012 «Cidadãos da UE: os seus direitos, o seu futuro» http://ec.europa.eu/justice/citizen/files/report_eucitizenship_consultation_en.pdf.

[8]               COM(2013) 269.

[9]               Chipre, Dinamarca, Irlanda, Malta e Reino Unido.

[10]             Artigo 2.º, n.º 3, do capítulo I, parte I, da Lei n.º 271 relativa às eleições legislativas, de 13 de maio de 1987, com a última redação que lhe foi dada em 2009.

[11]             Lei Constitucional de 5 de junho de 1953, parágrafo 29, parte IV.

[12]             Principalmente diplomatas, funcionários de organismos públicos, empresas privadas,  organizações internacionais ou organizações humanitárias ou de ajuda de emergência dinamarquesas, estudantes que estudam no estrangeiro ou pessoas que vivem no estrangeiro por razões de saúde.

[13]             Artigo 11.º, n.º 3, alínea a), da Parte II da Lei Eleitoral n.º 23 de 1992.

[14]             O quinto relatório apresentado ao Oireachtas (Parlamento da Irlanda) está disponível em https://www.constitution.ie/Default.aspx

[15]             O artigo 5.º da Lei 72/1979 e o artigo 11.º da Lei 40/1980, com a última redação que lhe foi dada pela Lei 4 (i)/2003).

[16]             Parágrafo 57.º da Constituição, alterada pela Lei LVIII.1974.23.

[17]             Secção 1 (3), alínea c) da Lei da representação do povo, 1985, alterada pela Lei dos partidos políticos e do referendo de 2000.

[18]             Processo Shindler acima referido.

[19]             Esta norma foi contestada por cidadãos nos tribunais nacionais, mas sem êxito até à data. Contudo, ainda não foi submetida qualquer questão prejudicial ao Tribunal de Justiça da União Europeia.

[20]             Artigo 1.º da 21.ª Lei que altera a Lei das eleições federais de 27 de abril de 2013, Jornal Oficial Federal I, p.962. Esta lei foi adotada na sequência de um acórdão do Tribunal Constitucional alemão que, ao analisar a legislação nacional anteriormente aplicável, decidiu que considerar uma estada prévia de três meses em qualquer momento na Alemanha como único critério para os cidadãos não residentes manterem o direito de voto não era adequado, na medida em que, por si só, não demonstra que as pessoas em causa estão familiarizados e são afetadas pela situação política nacional. Em contrapartida, o Tribunal colocara a tónica na questão de saber se as pessoas estão familiarizadas com o sistema político, não apenas através das informações obtidas junto dos meios de comunicação modernos, mas também em primeira mão, como por exemplo através da participação em associações ou partidos, e se o Estado pode impor deveres a essas pessoas; Acórdão de 4 de julho de 2012 (2 BvC 1/11 e 2 BvC 2/11), n.ºs 44, 45, 47, 50, 52 e 56.

[21]             Artigos 2.º, n.º 3, e 2.º-A, n.º 1, da Lei Eleitoral de 1973.

[22]             O artigo 3.º do Protocolo n.º 1 prevê o direito a eleições livres, impondo às Partes Contratantes a obrigação de «organizar, com intervalos razoáveis, eleições livres, por escrutínio secreto, em condições que assegurem a livre expressão da opinião do povo na eleição do órgão legislativo».

[23]             Mais recentemente, no processo Shindler acima referido.

[24]             Ver, designadamente, o acórdão de 7 de setembro de 1999, Hilbe / Liechtenstein e processo Shindler acima referido, n.º 105.

[25]             Processo Shindler acima referido, n.º 103.

[26]             Relatório sobre o voto no estrangeiro de 24 de junho de 2011 (CDL-AD (2011) 022), n.ºs 72 e 76. 

[27]             Processo Shindler acima referido, n.ºs 110 e 115.

[28]             Processo C-403/03, Schempp, n.º 19.

[29]             Processo C-300/04, Eman e Sevinger, n.ºs 55 e 61.

[30]             As únicas exceções dizem respeito aos nacionais da Irlanda, de Chipre e de Malta (considerados como «qualifying Commonwealth citizens») que têm a possibilidade de exercer o seu direito de voto nas eleições legislativas nacionais do Reino Unido, bem como aos nacionais do Reino Unido que podem votar nas eleições legislativas nacionais da Irlanda.

[31]             De acordo com o artigo 25.º, n.º 2, do TFUE, o Conselho, deliberando por unanimidade, de acordo com um processo legislativo especial, e após aprovação do Parlamento Europeu, pode aprovar disposições destinadas a aprofundar os direitos enumerados no artigo 20.º, n.º 2, do TFUE. Essas disposições entram em vigor após a sua aprovação pelos Estados-Membros, em conformidade com as respetivas normas constitucionais.

[32]             J. Shaw, E.U. citizenship and political rights in an evolving European Union, Fordham L. Rev., Vol. 75 2549, 2567 (2007).

[33]             Os cidadãos dos Estados-Membros privados do direito de voto poderiam adquirir o direito de voto em vários ou todos os outros Estados-Membros, mas não haveria qualquer garantia de um direito idêntico para os cidadãos dos 23 Estados-Membros que não aplicam a privação do direito de voto.

[34]             Este é o sistema vigente na Áustria, onde a renovação dos pedidos deve ser efetuada de dez em dez anos.