19.5.2016   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 181/87


P7_TA(2013)0423

Confrontos no Sudão e subsequente censura dos meios de comunicação

Resolução do Parlamento Europeu, de 10 de outubro de 2013, sobre os conflitos no Sudão e a subsequente censura dos meios de comunicação (2013/2873(RSP))

(2016/C 181/16)

O Parlamento Europeu,

Tendo em conta as suas resoluções anteriores sobre o Sudão e o Sudão do Sul,

Tendo em conta a declaração do porta-voz da Vice-Presidente da Comissão/Alta Representante da União para os Negócios Estrangeiros e a Política de Segurança, de 30 de setembro de 2013, sobre a violência registada nos protestos em curso no Sudão,

Tendo em conta a declaração do porta-voz do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos do Homem, de 27 de setembro de 2013, apelando à contenção face ao aumento da mortalidade nos protestos contra o aumento dos preços dos combustíveis,

Tendo em conta o relatório do peritos independente do Conselho dos Direitos do Homem das Nações Unidas sobre a situação dos direitos humanos no Sudão, de 18 de setembro de 2013,

Tendo em conta a declaração do porta-voz da Vice-Presidente da Comissão/Alta Representante da União para os Negócios Estrangeiros e a Política de Segurança, de 6 de setembro de 2013, sobre a Cimeira dos Presidentes do Sudão e do Sudão do Sul realizada em Cartum, no Sudão,

Tendo em conta o resultado, definido de comum acordo, da reunião do Mecanismo de Coordenação Tripartido do Governo do Sudão, da União Africana e das Nações Unidas sobre a UNAMID, realizada em 28 de setembro de 2013,

Tendo em conta o Roteiro para o Sudão e o Sudão do Sul apresentado no comunicado emitido pelo Conselho de Paz e Segurança da União Africana em 24 de abril de 2012, que conta com o total apoiado da UE,

Tendo em conta a Declaração Universal dos Direitos do Homem, de 1948,

Tendo em conta o Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos, de 1966,

Tendo em conta os Princípios Básicos das Nações Unidas sobre a Utilização da Força e de Armas de Fogo pelos Funcionários Responsáveis pela Aplicação da Lei,

Tendo em conta os Princípios de Joanesburgo em matéria de Segurança Nacional, Liberdade de Expressão e Acesso à Informação (Doc. E/CN.4/1996/39 (1996) das Nações Unidas),

Tendo em conta o Acordo de Paz Global para o Sudão (CPA) de 2005,

Tendo em conta a Carta Africana dos Direitos do Homem e dos Povos,

Tendo em conta o Acordo de Parceria entre os Estados de África, das Caraíbas e do Pacífico e a Comunidade Europeia e os seus EstadosMembros, assinado em Cotonu (Benim), em 23 de junho de 2000, e revisto em 2005 e em 2010,

Tendo em conta a sua resolução, de 11 de dezembro de 2012, sobre uma Estratégia para a Liberdade Digital na Política Externa da UE (1),

Tendo em conta a sua resolução, de 13 de junho de 2013, sobre a liberdade de imprensa e dos meios de comunicação social no mundo (2),

Tendo em conta o artigo 122.o, n.o 5, e o artigo 110.o, n.o 4, do seu Regimento,

A.

Considerando que o Sudão se confronta com uma onda crescente de protestos populares e que a situação política no país é frágil;

B.

Considerando que, em 23 de setembro de 2013, manifestações e protestos irromperam em todo o Sudão na sequência do anúncio de cortes nos subsídios aos combustíveis efetuado pelo Presidente Omar al-Bashir numa tentativa de reforma da economia, de que resultou uma subida em flecha de 75 % do preço do petróleo e do gás;

C.

Considerando que foram milhares os manifestantes que participaram nos protestos realizados em cidades de todo país, nomeadamente Wad Madani, Khartoum, Omdurman, Port Sudan, Atbara, Gedarif, Nyala, Kosti e Sinnar, pois as medidas de austeridade introduzidas pelo governo e a quase duplicação dos preços dos combustíveis atingem sobretudo os mais desfavorecidos;

D.

Considerando que a situação económica do Sudão continua a ser extremamente difícil, sendo marcada pelo aumento da inflação, por uma moeda enfraquecida e por uma grande escassez de dólares para pagar as importações desde que o Sudão do Sul se tornou independente, há dois anos, levando consigo cerca de 75 % da produção de petróleo do país, que pertencia anteriormente aos dois países;

E.

Considerando que a ausência de acordo sobre as medidas económicas de transição entre o Sudão e o Sudão do Sul, nomeadamente sobre a utilização do petróleo, tem sido utilizada como uma ameaça por ambas as partes, contribuindo significativamente para a atual crise; considerando que a falta de confiança entre os dois países vizinhos quanto à divisão da dívida nacional e à determinação do montante que o Sudão do Sul, sem litoral, deve pagar para transportar o seu petróleo através do Sudão é uma das questões por resolver;

F.

Considerando que, segundo foi noticiado, pelo menos 800 ativistas, incluindo membros de partidos da oposição e jornalistas, foram presos durante as manifestações e que o número de pessoas mortas pelas forças de segurança poderá atingir a centena, dados que levaram o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos do Homem (ACDH) a apelar para a «máxima contenção» por parte das autoridades policiais; considerando que, segundo algumas fontes, as pessoas mortas teriam, na sua maioria, idades compreendidas entre os 15 e os 25 anos, mas que também crianças de 10 a 12 anos terão sido mortas pelas forças de segurança;

G.

Considerando que o Ministério da Educação declarou que as escolas ficariam fechadas até 20 de outubro de 2013;

H.

Considerando que a violenta repressão exercida pelo Governo sudanês passa pela utilização de munições reais contra manifestantes pacíficos e detenções em larga escala; considerando que muitos manifestantes, membros de partidos políticos da oposição e líderes da sociedade civil, incluindo professores e estudantes, foram presos no seu domicílio, ou detidos em regime de isolamento, tendo os agentes dos Serviços Nacionais de Informação e Segurança (NISS) feito buscas às suas casas; considerando que se realizaram julgamentos sumários, nomeadamente no seguimento da detenção de Majdi Saleem, conhecido defensor dos direitos humanos, e que, desde o fim de setembro, houve um bloqueio de informação através de uma elevada censura da imprensa e do encerramento da internet;

I.

Considerando que, no que diz respeito à liberdade de informação, o Sudão se situa entre os piores países do mundo; considerando que, em 25 de setembro de 2013, os NISS impuseram novas restrições, proibindo os editores dos principais jornais de publicar toda e qualquer informação sobre os protestos que não proviesse de fontes do governo;

J.

Considerando que têm sido cometidas numerosas violações da liberdade de imprensa, tais como o corte da internet, a apreensão de jornais, o assédio de jornalistas e a censura de sítios web de notícias; considerando que as estações de televisão Al-Arabiya e Sky News Arabic Service foram encerradas; considerando que a publicação de jornais diários, como Al-Sudani, Al-Meghar, Al Gareeda, Almash'had Alaan, Al-Siyasi e Al-Intibaha, próximo do governo, foi proibida em 19 de setembro de 2013, e que as edições de três jornais, incluindo Al-Intibaha, foram apreendidas imediatamente após a impressão;

K.

Considerando que o acesso livre de censura à internet e à utilização de telefones celulares e das TIC tem um impacto positivo nos direitos humanos e nas liberdades fundamentais, alargando o âmbito da liberdade de expressão, do acesso à informação e da liberdade de reunião em todo o mundo; considerando que a recolha digital e a divulgação de provas de violações de direitos humanos podem contribuir para a luta global contra a impunidade;

L.

Considerando que o acesso à internet é um direito fundamental, em pé de igualdade com outros direitos humanos fundamentais, reconhecidos pelo Conselho dos Direitos do Homem das Nações Unidas (CDHNU), e deve ser defendido e mantido em conformidade;

M.

Considerando que a autoridade de regulamentação do Estado criou uma unidade especial para acompanhar e aplicar processos de filtragem e que as autoridades sudanesas reconhecem abertamente que filtram os conteúdos não compatíveis com a moral pública e os bons costumes, ou que representam uma ameaça à ordem pública;

N.

Considerando que, em 25 de setembro de 2013, as autoridades cortaram a internet em todo o país durante mais de 24 horas, um «apagão» generalizado que já não se via desde os protestos ocorridos no Egito em 2011; considerando que a internet foi objeto de cortes progressivos em junho de 2012 por ocasião de uma série de protestos;

O.

Considerando que no relatório da organização Freedom House intitulado «2013 Freedom on the Net», publicado em 3 de outubro de 2013, o Sudão é classificado como «não livre» e figura em 63.o lugar numa lista de 100 países; considerando que na classificação dos Repórteres Sem Fronteiras relativa à liberdade de imprensa de 2013 o Sudão figura em 170.o lugar numa lista de 179 países; considerando que a organização Repórteres sem Fronteiras condenou as medidas tomadas pelo governo;

P.

Considerando que a maioria dos ativistas depende da internet para comunicar entre si, transmitir informação para fora do país e veicular as suas opiniões e preocupações; considerando que os cidadãos comunicaram que até o serviço de SMS foi interrompido durante o apagão;

Q.

Considerando que nas eleições gerais realizadas em abril de 2010 — as primeiras eleições multipartidárias realizadas no Sudão desde 1986 — Omar al-Bashir foi reeleito Presidente do Sudão; considerando que a missão de observação eleitoral da União Europeia, que detetou muitas irregularidades e deficiências no processo eleitoral, afirmou que não tinham sido respeitadas as normas internacionais;

R.

Considerando que o Tribunal Penal Internacional (TPI) emitiu dois mandados de prisão contra o Presidente al-Bashir, em 2009 e 2010, acusando-o de crimes de guerra, crimes contra a humanidade e atos de genocídio, e que, embora o Sudão não seja Estado Parte no Estatuto de Roma, a Resolução 1593 (2005) do Conselho de Segurança das Nações Unidas obriga-o a cooperar com o TPI, pelo que o Sudão deve respeitar o mandado de prisão daquele tribunal;

S.

Considerando que, segundo as estimativas das Nações Unidas, 50 % da população do Sudão (num total de 34 milhões) tem menos de 15 anos e cerca de 46 % vive abaixo do limiar de pobreza;

T.

Considerando que o conflito nas zonas de transição do Sudão afetou mais de 900 000 pessoas, 220 000 das quais se refugiaram na Etiópia e no Sudão do Sul, e que, desde o início de 2013, cerca de 300 000 pessoas se deslocaram recentemente no seguimento dos conflitos tribais no Darfur;

U.

Considerando que, em 2012-2013, a UE atribuiu mais de 76 milhões de euros em ajuda humanitária ao Sudão (dados de 20 de agosto de 2013); considerando que o Sudão não ratificou o Acordo de Cotonu revisto de 2005 e que não pode, portanto, receber apoio financeiro através do 10.o Fundo Europeu de Desenvolvimento;

1.

Manifesta a sua profunda preocupação com a deterioração da situação política, económica e social no Sudão, marcada pela violência e pela perda de vidas durante os protestos que afetaram recentemente o país;

2.

Condena os assassinatos, a violência contra os manifestantes, a censura dos meios de comunicação, a intimidação política e o assédio e a detenção arbitrária de defensores dos direitos humanos, ativistas políticos e jornalistas;

3.

Insta o Governo sudanês a pôr termo ao assédio e a libertar imediatamente todos os manifestantes pacíficos, ativistas políticos, membros da oposição, defensores dos direitos humanos, pessoal médico, «bloggers» e jornalistas presos enquanto exerciam o seu direito à liberdade de expressão e de reunião; salienta que deve ser concedida a todos os detidos a possibilidade de beneficiar de um julgamento justo, com base num processo instruído de forma credível, o direito a um advogado e ao respeito da presunção de inocência, e que o governo deve permitir que os detidos tenham acesso às suas famílias e a cuidados médicos;

4.

Deplora a utilização de munições reais contra os manifestantes, com consequentes execuções ilegais, recurso desproporcionado à força e acusações de execução intencional de manifestantes pelas forças de segurança; insta o Governo sudanês a pôr termo imediato à repressão e a retirar a impunidade aos membros dos NISS; insta à abolição da lei de segurança nacional de 2010;

5.

Insta as forças da segurança sudanesas a respeitarem os Princípios Básicos das Nações Unidas sobre a Utilização da Força e de Armas de Fogo pelos Funcionários Responsáveis pela Aplicação da Lei, que estabelecem as condições em que a força pode ser legalmente utilizada sem violar os direitos humanos, incluindo o direito à vida;

6.

Solicita às autoridades sudanesas que restabeleçam e respeitem os direitos humanos e as liberdades fundamentais em conformidade com o direito internacional, incluindo a liberdade de expressão, tanto em linha como fora de linha, a liberdade de reunião, a liberdade de religião, os direitos das mulheres e a igualdade de género, e ponham termo imediato a todas as restrições de acesso às tecnologias da informação e da comunicação;

7.

Insta o Governo sudanês a cessar todas as formas de repressão contra aqueles que exercem o seu direito à liberdade de expressão, tanto em linha como fora de linha, e a proteger os jornalistas; salienta o papel desempenhado pelos meios de comunicação na prestação de informação aos cidadãos informação, bem como de uma plataforma para exporem as suas preocupações legítimas, e condena veementemente o apagão de 22 de setembro de 2013 e a operação de intimidação conduzida pelos NISS;

8.

Solicita ao Governo do Sudão que faculte à sua população o acesso livre e permanente à internet; salienta que o acesso à internet é um direito fundamental, reconhecido pelo CDHNU, que deve ser mantido e defendido como todos os outros direitos humanos;

9.

Exorta o Governo sudanês a continuar a implementar as reformas políticas necessárias para fornecer soluções para a má gestão económica crónica que afeta o país, a pobreza, o aumento dos níveis de corrupção e a insegurança nas regiões ocidentais e meridionais, e recomenda às autoridades sudanesas e a todos os parceiros regionais e internacionais que implementem programas para os jovens, a fim de promover a educação, a formação e o emprego;

10.

Insta as autoridades sudanesas a lançarem um verdadeiro processo de diálogo nacional global com a oposição, em particular no Darfur; insta os Governos do Sudão e do Sudão do Sul a chegarem a acordo sobre as disposições económicas transitórias que continuam por resolver entre os dois países, nomeadamente sobre a utilização do petróleo, situação que tem contribuído para a instabilidade que vive atualmente o Sudão;

11.

Recorda as conclusões do Conselho AGEX de junho de 2008, que abordavam a persistente não cooperação do Governo sudanês com o Tribunal Penal Internacional (TPI) e salientavam que o Governo tem a obrigação, e a capacidade, de cooperar e que os mandados de captura emitidos pelo TPI devem ser respeitados; insta Omar al-Bashir a respeitar o direito internacional e a comparecer perante o TPI por acusação de crimes de guerra, crimes contra a humanidade e genocídio;

12.

Exorta o Governo do Sudão a rever sua lei de segurança nacional, que permite a detenção de suspeitos por um período que pode ir até quatro meses e meio, sem qualquer forma de controlo jurisdicional, e exorta-o igualmente a reformar seu sistema jurídico, em conformidade com as normas internacionais no domínio dos direitos humanos;

13.

Insta o Governo sudanês a revogar a pena de morte, ainda em vigor, e a comutar as penas de morte em penas alternativas adequadas;

14.

Solicita às autoridades que, não obstante a sua decisão positiva de criar uma comissão de inquérito para entregar à justiça os autores de execuções, leve a cabo uma investigação independente e exaustiva de todas as presumíveis execuções;

15.

Insta a União Africana, em estreita coordenação com os procedimentos especiais do Conselho dos Direitos do Homem das Nações Unidas, a enviar uma comissão de inquérito urgente para investigar o presumível recurso excessivo e intencional à força letal por parte das autoridades sudanesas e as circunstâncias que implicaram a morte de manifestantes, nomeadamente defensores dos direitos humanos;

16.

Insta a Comissão, a título de urgência, a restringir legalmente a exportação de tecnologias de vigilância em larga escala da UE para países onde possam ser utilizadas para violar a liberdade digital e outros direitos humanos;

17.

Deplora a decisão tomada pela Alto Representante da UE no sentido de pôr termo ao mandato do Representante Especial da UE para o Sudão/Sudão do Sul, devido à grave instabilidade política no Sudão e aos conflitos armados durante os quais as forças sudanesas e as milícias patrocinadas pelo governo continuam a praticar crimes de guerra com toda a impunidade; considera que, sem um Representante Especial da UE para o Sudão/Sudão do Sul, a UE será deixada à margem das negociações e esforços internacionais, tendo particularmente em conta o facto de que os Estados Unidos, a Rússia e a China dispõem de enviados especiais para o Sudão; nesta ótica, insta a Alta Representante a anular esta decisão e a prorrogar o mandato do Representante Especial para o Sudão/Sudão do Sul;

18.

Encarrega o seu Presidente de transmitir a presente resolução ao Conselho, à Comissão, ao Governo do Sudão, à União Africana, ao Secretário-Geral das Nações Unidas, aos copresidentes da Assembleia Parlamentar Paritária ACP-UE e ao Parlamento Pan-Africano (PAP).


(1)  Textos aprovados, P7_TA(2012)0470.

(2)  Textos aprovados, P7_TA(2013)0274.