12.11.2013   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 327/26


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre o Livro Verde sobre as práticas comerciais desleais na cadeia de abastecimento alimentar e não alimentar entre as empresas na Europa

COM(2013) 37 final

2013/C 327/06

Relator: Igor ŠARMÍR

Em 18 de março de 2013, a Comissão Europeia decidiu, nos termos do artigo 304.o do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, consultar o Comité Económico e Social Europeu sobre o

Livro Verde sobre as práticas comerciais desleais na cadeia de abastecimento alimentar e não alimentar entre as empresas na Europa

COM(2013) 37 final.

Foi incumbida da preparação dos correspondentes trabalhos a Secção Especializada do Mercado Único, Produção e Consumo, que emitiu parecer em 27 de junho de 2013.

Na 491.a reunião plenária de 10 e 11 de julho de 2013 (sessão de 11 de julho), o Comité Económico e Social Europeu adotou, por 140 votos a favor, 1 voto contra e 9 abstenções, o seguinte parecer:

1.   Conclusões e recomendações

1.1

O CESE toma nota da publicação pela Comissão Europeia do Livro Verde em apreço que reflete uma mudança positiva e significativa na abordagem da Comissão às práticas comerciais desleais.

1.2

O CESE considera que a utilização destas práticas comerciais não é apenas «desleal» ou «não ética», mas também incompatível com os princípios jurídicos fundamentais e contrária aos interesses da oferta e da procura. Dado que se trata, de facto, de abuso de uma posição de mercado significativamente mais forte, recomendamos a utilização do termo «práticas comerciais abusivas», utilizado habitualmente, por exemplo, em francês e inglês.

1.3

O Comité considera que a atual expansão e gravidade das práticas comerciais desleais são sobretudo o resultado direto das fusões e aquisições que ocorreram nas últimas décadas.

1.4

Na opinião do Comité, os resultados apresentados até agora pelo Fórum de Alto Nível sobre a Melhoria do Funcionamento da Cadeia de Abastecimento Alimentar são pouco claros e as abordagens propostas são insuficientes para resolver o problema das práticas desleais. Exorta, por conseguinte, a Comissão Europeia a propor novas iniciativas.

1.5

Embora o CESE não tenha dúvidas de que se pode recorrer a práticas desleais em qualquer tipo de relação contratual, está convencido de que este assunto é particularmente grave quando se trata de transações entre supermercados, por um lado, e as PME agroalimentares, por outro. Existem formas e níveis de abuso neste contexto que não ocorrem noutros setores.

1.6

O CESE congratula-se, em particular, pelo facto de a Comissão exprimir dúvidas no Livro Verde sobre a existência de uma verdadeira liberdade contratual quando as relações são muito desiguais, concordando assim com o ponto de vista do CESE.

1.7

O Comité considera que o Livro Verde da Comissão descreve com grande exatidão a natureza e os principais tipos de práticas comerciais desleais. No entanto, acredita firmemente que a Comissão deve fornecer uma definição uniforme de práticas comerciais desleais semelhante à já estabelecida na Diretiva 2005/29/CE, uma vez que as práticas referidas no Livro Verde têm alguma semelhança com as «práticas comerciais enganosas» (1).

1.8

Estas práticas são ainda mais importantes num «clima de medo» em que a parte mais fraca teme que a parte mais forte decida mudar de fornecedor, como acontece, por exemplo, quando os grandes retalhistas pressionam de forma desleal os seus fornecedores e/ou exigem preços demasiado elevados aos retalhistas e, consequentemente, aos consumidores.

1.9

Na opinião do CESE, as consequências de práticas comerciais desleais não se restringem às relações entre as empresas, nem afetam apenas as partes contratantes mais fracas. Os consumidores também são vítimas, assim como os interesses económicos nacionais – um facto não destacado de forma suficiente no Livro Verde.

1.10

O CESE considera que a legislação para limitar as práticas comerciais desleais, adotada em vários Estados-Membros, reflete o facto de a situação atual ser inaceitável. Apesar de esta legislação, por vários motivos, não ter produzido resultados satisfatórios, seria errado afirmar que nada se conseguiu alcançar. Entre os êxitos alcançados, destaca-se a maior transparência na partilha dos lucros e a cessação das práticas chantagistas mais escandalosas.

1.11

Embora o CESE não tenha nenhum motivo para acreditar que a adoção desta legislação pelos Estados-Membros seja prejudicial à livre circulação de mercadorias na UE, poderão ocorrer algumas restrições. Nenhuma destas leis, no entanto, tem características protecionistas e todas se aplicam de forma idêntica às empresas nacionais e às de outros Estados-Membros.

1.12

O CESE recomenda que qualquer reflexão ulterior sobre a forma de resolver o problema das práticas comerciais desleais deve partir do pressuposto da falta de liberdade contratual em algumas relações comerciais.

1.13

O CESE preconiza que em futuras propostas para regulamentar as relações comerciais desiguais se tome em conta o «fator de receio». Há que assegurar o equilíbrio indispensável entre as partes contratantes para que estas possam manter uma relação equitativa. Por este motivo, o objetivo principal da regulamentação das práticas comerciais desleais não deve ser exclusivamente a proteção da parte contratante mais fraca, mas também o interesse económico nacional. Isto significa, por exemplo, que os fornecedores de alimentos afetados não terão de ter uma participação ativa nos procedimentos administrativos e jurídicos.

1.14

O CESE insta a Comissão Europeia a propor legislação que proíba as práticas comerciais desleais. Isto deve basear-se numa lista indicativa das práticas mais frequentemente utilizadas pela parte contratante mais forte para transferir as suas despesas normais e os seus riscos para a parte mais fraca.

1.15

O CESE insta a Comissão Europeia a colaborar com as autoridades nacionais da concorrência na realização de uma revisão radical, com base na experiência concreta das últimas décadas, das atuais – e claramente obsoletas – regras da concorrência, de modo a promover uma concorrência leal também fundada na troca equitativa de informações pertinentes neste setor, a fim de ter em conta todas as posições dominantes reais.

2.   Introdução

2.1

O Livro Verde faz uma distinção entre cadeias de fornecedores e cadeias de abastecimento alimentar e não alimentar, o que é inteiramente justificado, uma vez que as primeiras têm as suas próprias características específicas em relação às outras.

2.2

Nas últimas duas décadas, registou-se uma consolidação substancial entre as empresas pertencentes a cadeias de fornecedores e a cadeias de abastecimento, o que levou à criação de verdadeiros oligopólios. No que diz respeito às cadeias de fornecedores e de abastecimento alimentar, isto constata-se particularmente no setor do comércio a retalho, um pouco menos na indústria de transformação e muito menos na produção primária de produtos agrícolas. Isto originou grandes desequilíbrios na cadeia de abastecimento alimentar, uma vez que os oligopólios têm um poder enorme de negociação nas relações com os seus parceiros comerciais, que estão muito mais fragmentados.

2.3

O CESE está convencido de que os desequilíbrios estruturais daí decorrentes levam à utilização de práticas comerciais desleais em alguns casos e que estas práticas são, muitas vezes, não apenas contrárias à lealdade, à honestidade e à ética, mas também aos princípios fundamentais do direito.

2.4

O Livro Verde está errado quando afirma que as práticas comerciais desleais foram debatidas pela primeira vez a nível da UE apenas em 2009. Foi nesse ano que estas práticas apareceram pela primeira vez na agenda oficial da Comissão Europeia, mas já em 2005 o Comité Económico e Social Europeu emitira um importante parecer (2) em que – numa época em que a questão das práticas comerciais desleais ainda era tabu - destacou e criticou uma série de aspetos negativos do comportamento das cadeias da grande distribuição. É também de mencionar o papel importante da declaração escrita sobre a necessidade de investigar e corrigir os abusos de poder dos grandes supermercados instalados na União Europeia  (3), de 2007, em que se instou diretamente a Comissão Europeia a tomar as medidas necessárias para sanar a situação.

2.5

Na opinião do CESE, o Fórum de Alto Nível sobre a Melhoria do Funcionamento da Cadeia de Abastecimento Alimentar apresentou até agora resultados algo inconclusivos, uma vez que o quadro proposto para a implementação de boas práticas não levou a um acordo sobre a forma de combater as práticas comerciais desleais, uma questão que três comissários europeus, entre outros, lamentaram (4).

2.6

O relatório da Rede Europeia da Concorrência (REC) confirma que a utilização de práticas comerciais desleais é uma realidade, especialmente no setor alimentar. Esta constatação está em linha com a convicção do CESE de que o abuso de uma posição económica mais forte dos supermercados nas suas relações com as PME de produtores e transformadores de alimentos é um problema mais grave do que em outras relações contratuais. O facto de há anos serem apenas os fornecedores de alimentos às cadeias da grande distribuição a reclamar, e mais ninguém, é mais uma prova disso.

2.7

O CESE regista a declaração da Comissão de que as práticas comerciais desleais são prejudiciais para a economia da UE, enquanto tal, e não apenas para as relações contratuais entre duas empresas.

3.   Definição de práticas comerciais desleais

3.1   Conceito de práticas comerciais desleais

3.1.1

Até ao momento, ninguém questionou oficialmente a existência de liberdade contratual nas relações comerciais - nem mesmo entre os supermercados e as PME de produtores de alimentos. Até há pouco, essa liberdade era um dos principais argumentos, não só dos supermercados, mas também das autoridades públicas, contra a regulamentação das práticas comerciais desleais, que supostamente teria limitado essa liberdade. O CESE considera muito importante o Livro Verde ter abandonado esta posição e reconhecer explicitamente que não existe verdadeira liberdade contratual quando há uma acentuada desigualdade de poder económico entre as duas partes contratantes.

3.1.2

Para o Comité Económico e Social Europeu, este reconhecimento da falta de liberdade contratual é uma condição fundamental para procurar, de forma eficaz, soluções abrangentes para os problemas resultantes dos desequilíbrios existentes na rede de fornecimento e de abastecimento, sobretudo no setor alimentar.

3.1.3

Nesta secção do Livro Verde, a Comissão Europeia descreve muito bem a essência e os principais tipos de práticas comerciais desleais. Nas relações entre os supermercados e os fornecedores de alimentos, em particular, a parte mais fraca não tem realmente outra alternativa, uma vez que são muito poucos os grandes clientes no mercado e que, ainda mais importante, todos eles tratam os fornecedores de forma muito semelhante.

3.1.4

Vários exemplos de práticas comerciais desleais mencionadas no Livro Verde revelam que alguns compradores não hesitam em utilizar todos os meios necessários para obter vantagens adicionais e totalmente injustificadas em detrimento da outra parte. Um exemplo disto é o pagamento de serviços fictícios ou serviços não solicitados que não têm nenhum valor para a outra parte.

3.1.5

Estas são as respostas do CESE para as perguntas colocadas nesta secção do Livro Verde:

Pergunta 1: O CESE considera que o Livro Verde deve definir as práticas comerciais desleais de forma semelhante à que já consta da Diretiva 2005/29/CE. Concorda, no entanto, com os elementos e os parâmetros que, segundo o Livro Verde, são típicos de situações de práticas comerciais desleais.

Pergunta 3: O conceito de práticas comerciais desleais não se deve limitar às negociações contratuais, mas deve cobrir inteiramente a duração da relação comercial.

Pergunta 4: Em teoria, as práticas comerciais desleais podem ocorrer em qualquer etapa da cadeia de fornecimento e de abastecimento, mas, de facto, na forma em debate, verificam-se apenas nas relações entre os supermercados e as PME do setor da produção e transformação de alimentos. Não há indicação, por exemplo, de as empresas alimentares multinacionais, que também são oligopólios, pedirem aos fornecedores que incluam na sua listagem taxas ou pagamentos de serviços fictícios. No entanto, importa mencionar casos em que empresas alimentares multinacionais colocam como condição para o fornecimento dos seus produtos (desejados) o impedimento de aquisição de bens semelhantes aos seus concorrentes.

Pergunta 5: O «fator de receio» é uma realidade bem conhecida, particularmente nas relações entre as cadeias da grande distribuição e as PME produtoras de alimentos. Isto baseia-se na ameaça explícita ou implícita de deixar de negociar com o fornecedor e nas consequentes graves dificuldades económicas para este último. Qualquer tentativa de regulamentar as práticas comerciais desleais deve levar em conta este «fator de receio», que torna vã qualquer expectativa de que o fornecedor denuncie os abusos de que é vítima ou forneça mesmo provas, em caso de processos administrativos ou jurídicos.

3.2   Exemplos de práticas comerciais desleais

3.2.1

O CESE saúda o facto de a Comissão Europeia se basear em informações de uma série de autoridades nacionais da concorrência ao redigir o Livro Verde. Além das mencionadas no documento, recomendamos, em particular, a cooperação com as autoridades francesas e checas, que têm experiência direta na implementação das suas legislações nacionais nesta matéria. Nas suas inspeções, as autoridades antimonopólio têm o direito de examinar os documentos de contabilidade (contratos, faturas, extratos bancários, etc.) que podem comprovar diretamente o recurso a práticas comerciais desleais.

3.2.2

Estes exemplos fornecidos pelas autoridades da concorrência do Reino Unido, de Espanha e da Irlanda mostram que não é correto definir muitas das práticas utilizadas simplesmente como «não éticas», uma vez que ultrapassam claramente os limites da legalidade (especialmente quando implicam «assédio moral e intimidação»).

3.3   Potenciais efeitos das práticas comerciais desleais

3.3.1

O impacto negativo da utilização destas práticas contra a parte mais fraca é incontestável e desencoraja o investimento e a inovação no setor produtivo. Na opinião do CESE, o impacto nos consumidores não é, contudo, suficientemente assinalado, uma vez que este se traduz em muito mais do que apenas impedir a inovação. No entanto, esta secção ignora completamente os riscos para os interesses económicos nacionais, que são referidos em capítulos anteriores do Livro Verde. Estes riscos são mais evidentes nos países da Europa Central e Oriental, onde os supermercados estão inteiramente nas mãos de empresas de outros Estados-Membros. Dado que os produtores nacionais – na sua grande maioria PME – são incapazes de cumprir condições comerciais muitas vezes baseadas em chantagem, todo o setor agroalimentar da região está em colapso e os países que eram tradicionalmente autossuficientes na produção de alimentos perderam grande parte da sua segurança alimentar. A produção nacional é, assim, muitas vezes substituída por importações de qualidade muito duvidosa.

3.3.2

Estas são as respostas do CESE para as perguntas desta secção do Livro Verde:

Pergunta 6: As práticas comerciais desleais são habitualmente utilizadas no setor alimentar, especialmente pelos supermercados, nas relações comerciais quotidianas.

Pergunta 7: Os fornecedores de produtos não alimentares também são vítimas destas práticas utilizadas pelas cadeias da grande distribuição, mas em muito menor escala. Isto deve-se, provavelmente, à sua menor dependência de grandes redes de retalho, uma vez que os fornecedores de brinquedos, roupas ou artigos de desporto, por exemplo, têm uma gama de potenciais compradores muito mais ampla do que os produtores de alimentos. As práticas comerciais desleais ocorrem nas relações de franchising do comércio retalhista, tanto de produtos alimentares como não alimentares. Na sua essência, os problemas são os mesmos que os descritos no parecer em relação às cadeias de abastecimento de alimentos, uma vez que existem igualmente as mesmas relações desiguais entre uma parte forte (a cadeia ou o franchisador) e uma parte muito mais fraca (o franchisado) e, consequentemente, se aplica o mesmo ponto de partida da falta de liberdade (ou poder de negociação) contratual. O franchisado assina um contrato de adesão com as condições impostas pelo franchisador e, se quer obter o contrato, não lhe resta outra alternativa. As observações formuladas sobre o «fator de receio» e a cobrança ao fornecedor (franchisado) de despesas efetuadas pelo distribuidor (franchisador), sem uma contrapartida ou um valor acrescentado para o franchisado, também se aplicam às relações de franchising. Com frequência, durante a execução do contrato o franchisador impõe unilateralmente alterações aos termos acordados através de «instruções», ou seja, extracontratualmente.

Pergunta 8: As práticas comerciais desleais têm um grande impacto em termos da capacidade de investimento e de inovação das PME agroalimentares. O investimento para proteger aspetos de interesse público - como o ambiente, as condições de trabalho, o bem-estar animal e o clima - é menor, devido à dependência de um pequeno número de compradores e à incerteza que esta situação gera.

Pergunta 9: O impacto nos consumidores das práticas comerciais desleais nas relações entre as empresas é examinado em detalhe num estudo específico (5). O sistema atual é prejudicial para os consumidores, particularmente a longo prazo, uma vez que falta o investimento na produção e inovação sustentáveis. A longo prazo, uma vez mais, também perdem devido à inatividade do mercado em domínios como o ambiente, o clima, as condições de trabalho e o bem-estar animal. De modo a contrariar esta evolução, parece-nos mais aceitável que os consumidores paguem um pouco mais pelos alimentos agora, dado que a concorrência entre as cadeias de venda a retalho se baseia exclusivamente no menor preço possível para o consumidor, com tudo o mais sacrificado a este princípio.

Pergunta 10: Não há dúvida de que as práticas comerciais desleais têm efeitos adversos no funcionamento do mercado único, uma vez que limitam significativamente as oportunidades de sucesso dos pequenos e médios operadores. Com efeito, são os grandes vendedores a retalho a decidir o que se vende e onde, e, em muitos casos, o critério não é o da melhor relação qualidade/preço, mas a maior «vontade» ou «capacidade» de aceitar as práticas comerciais desleais.

4.   Quadro jurídico em matéria de práticas comerciais desleais

4.1

Surgem dois aspetos na análise dos quadros jurídicos em vigor a nível dos Estados-Membros e a nível da UE. Em primeiro lugar, a utilização de práticas comerciais desleais por alguns operadores económicos fortes é agora do conhecimento público e um facto incontestável, tendo as autoridades competentes em vários Estados-Membros concluído que a situação atual exige regulamentação.

4.2

O atual alcance das práticas comerciais desleais, especialmente nas relações entre as cadeias da grande distribuição e os produtores de alimentos, é revelador, sobretudo, da obsolescência da legislação em matéria de concorrência. Algumas formas de práticas comerciais desleais evidenciam a grave distorção no domínio da concorrência e a existência de posições verdadeiramente dominantes a que a legislação atual sobre os monopólios não consegue fazer face.

4.3

Além da revisão da legislação em matéria de concorrência, o CESE considera inteiramente legítimo proibir a nível da UE a utilização de algumas práticas comerciais desleais bem definidas e, assim, criar a necessária harmonização de um contexto jurídico muito heterogéneo. Deve, porém, existir uma ligação lógica entre a regulamentação das práticas comerciais desleais e a revisão da legislação em matéria de monopólios, de forma a sancionar apenas os responsáveis por contratos que incluam tais práticas - ou seja, as partes com uma posição dominante.

4.4

Para ser eficaz, esta regulamentação harmonizada deve ter em conta a ameaça de retirar da sua lista os produtos da parte mais fraca e, por conseguinte, a incapacidade desta última de se queixar – especialmente quando se trata de PME que fornecem os supermercados. A legislação deve ser concebida de modo a ir mais longe do que a simples resolução dos problemas nas relações entre empresas.

4.5

Estas são as respostas do CESE às perguntas colocadas nesta secção do Livro Verde que ainda não foram respondidas:

Pergunta 11: A regulamentação adotada até agora em matéria de práticas comerciais desleais em alguns Estados-Membros não obteve resultados satisfatórios. Na opinião do CESE, isto deve-se, em parte, ao facto de se tratar de legislação adotada apenas recentemente (em Itália, Eslováquia, República Checa, Hungria e Roménia), mas também ao facto de as bases jurídicas em que assentam não explicitarem claramente a ausência de liberdade contratual, ainda que o facto de reconhecer que estão a ser utilizadas práticas comerciais desleais implique que nem tudo está bem no que diz respeito à liberdade contratual. Seria errado, no entanto, dizer que esta legislação não sortiu efeito. Nos países em que foram adotadas, as cláusulas contratuais mais ultrajantes já não são impostas e os supermercados têm de utilizar métodos mais sofisticados para conseguirem obter vantagens a que não têm direito. Os melhores resultados foram conseguidos em França, onde a pressão da legislação e a sua aplicação efetiva reduziram os descontos impostos aos fornecedores para um nível aceitável (10 a 15 % em vez de 50 a 60 % no passado) (6), com um aumento significativo da transparência na repartição dos lucros ao longo da cadeia de abastecimento alimentar.

Pergunta 12: A urgência de adotar uma legislação específica depende, entre outras coisas, da dimensão do fenómeno das práticas comerciais desleais, mas isto varia de país para país. Existem situações diversas no sul da Europa, nos países da Europa Central e Oriental, e no norte da Europa. Além disso, cada região tem a sua própria cultura e tradição jurídica. Por este motivo, alguns países já têm um quadro regulamentar (ou autorregulamentar) e outros não.

Pergunta 14: O CESE está convencido de que devem ser adotadas novas medidas de harmonização a nível da UE (ver pontos 4.2, 4.3 e 4.4).

Pergunta 15: Já se vislumbra um certo efeito positivo da regulamentação (ver supra). Existem algumas preocupações quanto à introdução de regulamentação neste domínio, mas que dizem respeito ao pressuposto de liberdade contratual. Uma vez que nas relações contratuais em debate a referida liberdade, de facto, não existe, trata-se de preocupações infundadas.

5.   Aplicação das regras contra as práticas comerciais desleais

5.1   Mecanismos de aplicação a nível nacional

5.1.1

O CESE concorda com a perspetiva da Comissão Europeia de que os mecanismos atualmente aplicados a nível nacional contra as práticas comerciais desleais são geralmente inadequados. Isto deve-se principalmente ao facto de os referidos mecanismos não levarem em conta o clima de medo decorrente da ausência de uma verdadeira liberdade contratual e a ameaça de retirar das suas listas os produtos da parte contratante mais fraca. Até agora, foi em França que se encontrou a melhor solução para estes problemas, onde a autoridade de supervisão pode agir com base em informações não oficiais e por iniciativa própria. A abolição das práticas comerciais desleais baseia-se também na proteção do interesse económico nacional e não na proteção da parte contratante mais fraca.

5.1.2

Alguns Estados-Membros têm legislação para combater a utilização de práticas contratuais desleais, outros não. Além disso, existem diferenças bastante significativas entre as diversas legislações. Não há dúvida de que estes dois factos constituem um obstáculo ao comércio transfronteiras (pergunta 16).

5.1.3

Na opinião do CESE, a única abordagem comum sensata para reduzir o impacto negativo das discrepâncias nas diversas legislações aplicáveis seria a adoção de legislação de harmonização destinada a combater a utilização de práticas comerciais desleais (pergunta 17).

5.2   Mecanismos de aplicação a nível da UE

5.2.1

O CESE concorda com a Comissão sobre o facto de não existir atualmente nenhum mecanismo específico a nível da UE para lutar contra as práticas comerciais desleais. O Comité está igualmente convencido da necessidade – se se quiser superar o «fator de receio» – de dar às autoridades nacionais competentes poderes para agir por iniciativa própria, receber denúncias anónimas ou não oficiais e impor sanções (pergunta 18).

6.   Tipos de práticas comerciais desleais

6.1

O CESE concorda que as práticas comerciais desleais são utilizadas ao longo da cadeia de abastecimento alimentar e não alimentar, mas está convencido – como supra referido – de que a situação é pior nas relações entre os supermercados e as PME produtoras.

6.2

No que diz respeito à inclusão nas listas, não é de facto claro para o aspirante a fornecedor qual a razão para o pagamento da taxa que tem de pagar. Na grande maioria dos casos, mesmo o pagamento desta taxa - que é uma condição preliminar e necessária de qualquer forma de relação comercial - não dá ao fornecedor qualquer garantia de que o comprador vai realmente adquirir a mercadoria em questão e que não o retirará da sua lista, sem qualquer justificação.

6.3

Os descontos impostos aos fornecedores fazem habitualmente parte das atuais práticas das cadeias de grande distribuição. O CESE é de opinião que as vantagens gerais daí decorrentes são, no mínimo, duvidosas. Por um lado, estes descontos impostos aos fornecedores são um símbolo do abuso de uma verdadeira posição dominante, uma vez que escondem muitas vezes serviços não solicitados e fictícios, por outro, criam uma significativa falta de transparência quanto à distribuição dos lucros. A existência destes descontos torna muito difícil para os fornecedores (e para um observador externo) determinar quanto lhes foi efetivamente pago pelas mercadorias fornecidas. De facto, o pedido de fornecimento de mercadoria pressupõe a aceitação dos serviços oferecidos pelo comprador. Na opinião do CESE, as taxas pelos serviços efetivos e justificados prestados pelo comprador ao fornecedor devem ser incluídas no preço de compra dos produtos alimentares.

6.4

Estas são as respostas do CESE às perguntas nesta secção do Livro Verde que ainda não foram respondidas:

Pergunta 19: O Comité gostaria de acrescentar à lista de práticas comerciais desleais o pagamento de serviços fictícios e não solicitados, o pagamento indevidamente elevado de serviços efetivamente prestados e a transferência para o fornecedor dos riscos comerciais e dos custos de comercialização.

Pergunta 20: A lista de práticas comerciais desleais é um requisito fundamental para combater estas práticas. Esta lista deve, obviamente, ser atualizada regularmente. Mas só as listas não são suficientes. Importa propor uma definição bastante ampla de práticas comerciais desleais que abranja todos os casos não englobados na definição geral de «boas práticas comerciais», que se baseia na «boa-fé», «equilíbrio contratual» e regras comuns das empresas nos setores pertinentes da economia.

Pergunta 21: O CESE considera que cada elo da cadeia de abastecimento deve suportar os seus custos e riscos naturais, de modo a obter uma quota justa da margem total. Noutros termos, o produtor deve assumir os custos e os riscos envolvidos na produção e o retalhista os relativos à venda.

Pergunta 23: O CESE considera que as práticas leais devem ser integradas num enquadramento a nível da UE.

Pergunta 24: O CESE está convencido de que se deve adotar a nível da UE um instrumento legislativo vinculativo, como, por exemplo, um regulamento.

Pergunta 25: Na opinião do CESE, o Livro Verde não dedica atenção suficiente à avaliação do impacto da utilização de práticas comerciais desleais entre as empresas nos consumidores e nos interesses económicos nacionais.

Bruxelas, 11 de julho de 2013

O Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Henri MALOSSE


(1)  Ver parecer do CESE sobre as «Práticas comerciais enganosas» (JO C 271 de 19.9.2013, p. 61-65).

(2)  JO C 255 de 14.10.2005, p. 44.

(3)  0088/2007. Declaração escrita sobre a necessidade de investigar e corrigir os abusos de poder dos grandes supermercados instalados na União Europeia.

(4)  Comissão Europeia, comunicado de imprensa, Bruxelas, 5 de dezembro de 2012, «Melhorar o funcionamento da cadeia de abastecimento alimentar».

(5)  Consumers International, «The relationship between supermarkets and suppliers: What are the implications for consumers?» [As relações entre supermercados e fornecedores: Quais as implicações para os consumidores?], 2012.

(6)  Informação da Direção-Geral para a Política de Concorrência, Consumo e Controlo da Fraude de França.


ANEXO

ao parecer do Comité Económico e Social Europeu

As seguintes propostas de alteração, embora tendo sido rejeitadas, obtiveram pelo menos um quarto dos votos expressos (artigo 54.o, n.o 3, do Regimento):

Ponto 1.10

Alterar.

«O CESE considera que a legislação para limitar as práticas comerciais desleais, adotada em vários Estados-Membros, reflete o facto de a situação atual ser inaceitável. Apesar de esta legislação, por vários motivos, não ter produzido resultados satisfatórios, seria errado afirmar que nada se conseguiu alcançar. Entre os êxitos alcançados, destaca-se Porém, a maior transparência na fixação de preços tem ainda um longo caminho a percorrer na partilha dos lucros e a cessação das práticas chantagistas mais escandalosas ainda está longe de ser uma realidade.»

Justificação

Será dada oralmente.

Resultado da votação

A favor

:

54

Contra

:

63

Abstenções

:

27