52012PC0335

Proposta de REGULAMENTO DO PARLAMENTO EUROPEU E DO CONSELHO que estabelece um quadro de gestão da responsabilidade financeira relacionada com os órgãos jurisdicionais de resolução de litígios entre investidores e o Estado, criados por acordos internacionais em que a União Europeia é parte /* COM/2012/0335 final - 2012/0163 (COD) */


EXPOSIÇÃO DE MOTIVOS

1.           CONTEXTO DA PROPOSTA

1.1.        Introdução

O Tratado de Lisboa colocou o investimento direto estrangeiro no âmbito da política comercial comum da União e, consequentemente, da competência exclusiva da União. Uma característica fundamental dos acordos internacionais em matéria de investimento direto estrangeiro (normalmente referidos como acordos de proteção do investimento) é a possibilidade de um investidor apresentar uma queixa contra um Estado, numa situação em que o Estado terá alegadamente agido de forma incompatível com o acordo de proteção do investimento (a seguir designado «resolução de litígios entre investidores e o Estado»). Na hipótese de uma ação judicial, o Estado em causa incorre em custos (honorários de administração do litígio, pagamento da arbitragem, pagamento de advogados) e pode, se perder, ser obrigado a pagar uma indemnização.

A União já é parte num acordo com a possibilidade de resolução de litígios entre investidores e o Estado (o Tratado da Carta da Energia)[1] e procurará negociar disposições desse tipo num certo número de acordos atualmente em negociação ou que deverão ser negociados no futuro. É, pois, necessário considerar o modo de gerir as consequências financeiras desses litígios. O presente regulamento tem por objetivo estabelecer o quadro para a gestão dessas consequências.

O princípio central de organização do presente regulamento é que a responsabilidade financeira decorrente dos processos de resolução de litígios entre investidores e o Estado deve ser atribuída ao agente que concedeu o tratamento em litígio. Isso significa que, nos casos em que o tratamento em causa for concedido pelas instituições da União, a responsabilidade financeira deve caber às instituições da União. Nos casos em que o tratamento em causa for concedido por um Estado‑Membro da União Europeia, a responsabilidade financeira deve caber a esse Estado‑Membro. Só quando as ações do Estado‑Membro forem exigidas pelo direito da União é que a responsabilidade financeira deve ser assumida pela União. O estabelecimento deste princípio central implica igualmente que é necessário analisar a questão de saber se, e em que circunstâncias, a União ou o Estado‑Membro que tiver concedido o tratamento em litígio deverá agir como parte demandada, o modo como estruturar a colaboração entre a Comissão e o Estado‑Membro em casos específicos, o modo de lidar com a possibilidade de acordo transacional e, por último, os mecanismos necessários para assegurar que qualquer repartição seja eficaz.

Estes elementos adicionais devem igualmente ter em conta os outros três princípios subjacentes ao presente regulamento. O primeiro é que o funcionamento global da atribuição, deve, em última instância, ser neutro no que respeita ao orçamento da União, com o resultado de que a União só suporta os custos decorrentes de atos das instituições da União. Em segundo lugar, o mecanismo deve funcionar de forma a que um investidor de um país terceiro não seja desfavorecido pela necessidade de gerir a responsabilidade financeira na União. Por outras palavras, nos casos em que existe um desacordo entre a União e os Estados‑Membros, o país terceiro investidor deve receber o montante previsto na sentença, devendo posteriormente ser tratada a questão da afetação interna na União. Em terceiro lugar, o mecanismo deve respeitar os princípios fundamentais que regem a ação externa da União, tal como estabelecidos pelos Tratados e pela jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia, em particular no que diz respeito à unidade da representação externa e da colaboração leal.

É de notar que a Comissão previa a necessidade do presente regulamento na sua Comunicação intitulada «Rumo a uma política europeia global em matéria de investimento internacional»[2].

O regulamento proposto foi explicitamente solicitado pelo Parlamento Europeu na sua resolução sobre a futura política europeia em matéria de investimento internacional (ponto 35 da resolução A7‑0070/2011, adotada em 22 de abril de 2011). Além disso, o Conselho convidou a Comissão a estudar a questão nas suas conclusões sobre uma política global de investimento internacional (25 de outubro de 2010). Os debates subsequentes no Conselho, nomeadamente no que diz respeito à adoção de diretrizes para a negociação de certos acordos que são atualmente objeto de negociação, confirmaram o grande interesse do Conselho por esta iniciativa.

1.2.        Competência da União para celebrar acordos de proteção do investimento e responsabilidade internacional da União no âmbito desses acordos

A Comissão é da opinião que a União tem competência exclusiva para celebrar acordos que abranjam todas as questões relacionadas com o investimento estrangeiro, constituído pelo investimento direto estrangeiro e pelos investimentos de carteira[3]. O artigo 207.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE) confere à União Europeia a competência exclusiva em matéria de investimento direto estrangeiro. A competência da União para os investimentos de carteira decorre, na opinião da Comissão, do artigo 63.º do TFUE. O mesmo artigo prevê que a circulação de capitais entre os Estados‑Membros da União e os países terceiros seja isenta de restrições. O artigo 3.º, n.º 2, do TFUE prevê a competência exclusiva da União, sempre que uma regra constante de um acordo internacional «seja suscetível de afetar regras comuns ou de alterar o alcance das mesmas». Na perspetiva da Comissão, a União também deve ter competência exclusiva em matéria de investimentos de carteira, uma vez que as regras previstas, que seriam aplicáveis indistintamente aos investimentos de carteira, podem afetar as regras comuns de circulação de capitais estabelecidas no artigo 63.º do Tratado.

Além disso, a Comissão é da opinião que a competência da União abrange todas as normas previstas nos textos relativos à proteção do investimento, incluindo a expropriação. Em primeiro lugar, o Tribunal de Justiça Europeu tem sustentado consistentemente que a competência da União para a política comercial comum inclui obrigações aplicáveis após a entrada (ou seja, após a mercadoria ter sido importada ou um prestador de serviços se ter estabelecido), mesmo que os Estados‑Membros conservem a possibilidade de adotar regras internas[4]. Deste modo, é um facto que a competência da União em matéria de comércio de mercadorias não se limita às medidas na fronteira, como os direitos aduaneiros ou as quotas de importação, mas abrange também questões de pós‑importação, como a concessão de tratamento nacional e tratamento da nação mais favorecida no que diz respeito a impostos e outras disposições legislativas e regulamentares internas[5], ou à eliminação de obstáculos desnecessários ao comércio decorrentes de normas e regulamentos técnicos[6]. Do mesmo modo, é do consenso geral[7] que a competência da União em relação ao «comércio de serviços» não se limita a questões de acesso ao mercado, mas inclui também questões como, por exemplo, o tratamento nacional e o tratamento da nação mais favorecida no que diz respeito às disposições legislativas e regulamentares internas, bem como determinadas obrigações no que diz respeito à administração e ao teor da regulamentação nacional. Seguindo esta lógica, a competência da União em matéria de investimento estrangeiro direto e de movimentos de capitais deve também abranger as normas aplicáveis após o estabelecimento, incluindo o tratamento nacional e o tratamento da nação mais favorecida, um tratamento justo e equitativo e a proteção contra expropriações sem indemnização.

Note‑se ainda que o artigo 345.º do TFUE prevê apenas que os Tratados não prejudiquem o regime de propriedade vigente nos Estados‑Membros. Os Tratados que preveem a proteção do investimento não afetam o regime da propriedade de imóveis – pelo contrário, exigem que a expropriação seja sujeita a determinadas condições, inclusive, nomeadamente, ao pagamento de uma indemnização. Por conseguinte, a regra específica do artigo 345.º não implica que a União não tenha competência para as normas em matéria de expropriação incluídas em acordos que prevejam a proteção do investimento. Por último, está igualmente assente que a competência para estabelecer e administrar disposições de resolução de litígios está associada à competência de base para o objeto das regras[8].

Daqui decorre que, sempre que o acordo for celebrado pela União apenas, só a União poderá ser alvo de uma ação judicial por parte de um investidor. Tal aconteceria mesmo que o tratamento concedido e que é posto em causa na resolução de um litígio entre investidores e o Estado seja o tratamento concedido não pela União, mas por um Estado‑Membro. No caso de tanto a União Europeia como os Estados‑Membros serem partes de um acordo e se for necessário decidir quem é responsável por uma questão de direito internacional para uma determinada ação, a Comissão considera que tal deve ser decidido não pelo autor do ato, mas na base da competência para o objeto das regras internacionais em causa, tal como estabelecido no Tratado. Nesta perspetiva, é irrelevante que um Estado‑Membro tenha competência por força das regras relativas ao mercado interno que permitam legislar na sua esfera doméstica.

Esta lógica foi confirmada pela jurisprudência do Tribunal de Justiça. Por exemplo, no Parecer 1/91, o Tribunal decidiu (sublinhado nosso):

A alínea c) do artigo 2.º do acordo define o conceito de Partes Contratantes. Para a Comunidade e os seus Estados‑Membros, esse conceito abrange, consoante os casos, quer a Comunidade e os Estados‑Membros, quer a Comunidade, quer os Estados‑Membros. A escolha a fazer entre estas três possibilidades deve ser deduzida das disposições relevantes do acordo, em cada caso concreto, e das competências respetivas da Comunidade e dos Estados‑Membros, tais como resultam do Tratado CEE e do Tratado CECA[9].

No contexto internacional, a Comissão de Direito Internacional reconheceu a possibilidade de se aplicarem regras especiais entre uma organização internacional e os seus membros. Na elaboração do seu projeto de artigos sobre a responsabilidade das organizações internacionais, a Comissão de Direito Internacional prevê que as suas disposições relativas à responsabilidade possam não ser aplicáveis ou possam ser modificadas, em circunstâncias específicas[10].

Embora, pelos motivos acima expostos, a União assuma, em princípio, a responsabilidade internacional pela violação de qualquer disposição no âmbito das competências da União, é possível, por uma questão do direito da União, prever a repartição da responsabilidade financeira entre a União e os Estados‑Membros. Tal como referido na secção 1.3 infra, a Comissão considera que seria apropriado que cada Estado‑Membro assumisse a responsabilidade financeira pelos seus próprios atos, a não ser que esses atos sejam exigidos pelo direito da União.

Do mesmo modo, embora pelas razões acima mencionadas a União deva, em princípio, agir como parte demandada em qualquer litígio relativo à alegada violação de uma disposição de um acordo internacional no âmbito da competência exclusiva da União, mesmo que essa violação resulte de uma ação de um Estado‑Membro, pode ser possível, tal como expressamente previsto no artigo 2.º, n.º 1, do TFUE, autorizar um Estado‑Membro a intervir como parte demandada, em circunstâncias adequadas, dado o potencial de exigências significativas (mesmo temporárias) para o orçamento da União e para os recursos da União, se a União agisse como parte demandada em todos os casos. Tal implica que, em vez de estabelecer os mecanismos de um modo que reflita uma aplicação estrita das regras de competência, é mais oportuno apresentar soluções pragmáticas que garantam a segurança jurídica para o investidor e fornecer todos os mecanismos necessários para permitir a boa condução da arbitragem e, em última análise, a atribuição da responsabilidade financeira. Tal como explicado no ponto 1.4 infra, a Comissão considera que os Estados‑Membros devem ser autorizados a atuar como parte demandada para defenderem as suas próprias ações, exceto em determinadas circunstâncias em que o interesse da União prescreva o contrário. Tal deve ser feito sem deixar de garantir, ao mesmo tempo, o respeito pelo princípio da unidade da representação externa.

1.3.        Atribuição da Responsabilidade Financeira

Tal como acima indicado, a resolução de litígios entre investidores e o Estado originará custos para as partes em causa, tanto em termos de taxas como de pagamento do montante previsto na sentença. É importante separar a questão da condução e da gestão de um pedido de arbitragem entre investidores e o Estado da questão da atribuição da responsabilidade financeira. Isso é necessário para assegurar uma repartição equitativa dos custos, de modo a que o orçamento da UE – e, consequentemente, os orçamentos dos Estados‑Membros não afetados pela queixa em causa ‑ não fique sobrecarregado com custos relativos ao tratamento concedido por um Estado‑Membro. Por isso, independentemente da questão de saber se a União ou um Estado‑Membro age como parte demandada de uma queixa, a responsabilidade financeira pelos custos deve seguir a origem do tratamento de que o investidor se queixou. Por conseguinte, se o tratamento contestado por um investidor tiver origem exclusivamente num Estado‑Membro, o Estado‑Membro em causa deve ser responsável pelos custos decorrentes da resolução do litígio. Do mesmo modo, se o tratamento de que um investidor se queixou tiver origem nas instituições da União (inclusive se a medida em causa tiver sido adotada por um Estado‑Membro porque assim o exige o direito da União), a responsabilidade financeira deve ser suportada pela União. De igual modo, a decisão de resolução de um litígio e a responsabilidade pelo pagamento de um montante previsto no acordo transacional devem normalmente seguir a origem do tratamento.

Todavia, embora a repartição da responsabilidade financeira entre a União e um Estado‑Membro possam dar lugar a considerações complexas, o investidor que apresentou a queixa não deve ser negativamente afetado por qualquer desacordo entre a União e o Estado‑Membro. Assim, é necessário assegurar que qualquer montante previsto na sentença ou no acordo transacional é pago ao investidor o mais rapidamente possível, independentemente das decisões sobre a atribuição da responsabilidade financeira. Além disso, para evitar um recurso desnecessário ao orçamento da União, devem existir disposições relativas a pagamentos periódicos ao orçamento da União, a fim de cobrir os custos de arbitragem, bem como o rápido reembolso do orçamento da União pelo Estado‑Membro em causa.

1.4.        O papel da União e dos Estados‑Membros no que diz respeito à condução do processo de resolução de litígios

A presente proposta distingue três situações diferentes, no que diz respeito à distribuição de papéis entre a União e os Estados‑Membros relativamente à condução do processo de resolução de litígios, ao abrigo de acordos de que a União seja parte.

Na primeira situação, a União deve agir como parte demandada quando o tratamento que, alegadamente, é incoerente com o acordo, for concedido por uma ou várias instituições da União. A União deve aceitar a plena responsabilidade financeira nesses casos.

Na segunda situação, o Estado‑Membro agirá como parte demandada se o tratamento em causa for concedido pelo Estado‑Membro. O Estado‑Membro deve aceitar a plena responsabilidade financeira nesses casos. Nesta situação, o Estado‑Membro terá de manter a Comissão informada da evolução do processo e aceitar que a Comissão lhe dê orientações sobre aspetos específicos[11].

Na terceira situação, a União age como parte demandada no respeito do tratamento concedido por um Estado‑Membro. Tal será o caso se o Estado‑Membro optar por não agir como parte demandada. O mesmo sucederá nos casos em que a Comissão decidir que são afetadas questões do direito da União, de modo que a União poderá ser financeiramente responsável, no todo ou em parte. Também se aplicará nos casos em que a Comissão considerar que é necessária uma posição da União para garantir a unidade da representação externa, dado que é provável que possam ser suscitadas queixas semelhantes em litígios contra outros Estados‑Membros ou porque os litígios levantam questões de direito não resolvidas suscetíveis de voltar a apresentar‑se noutros litígios. A União será representada pela Comissão, em conformidade com o seu papel de representação externa, estabelecido no artigo 17.º do Tratado da União Europeia.

É evidente para a Comissão que, quando a União agir como parte demandada relativamente ao tratamento concedido por um Estado‑Membro, será necessário assegurar um elevado grau de colaboração com o Estado‑Membro em causa. Isso implicará uma estreita colaboração na preparação da defesa, do princípio ao fim do processo. Por conseguinte, os documentos terão de ser partilhados e os representantes dos Estados‑Membros devem fazer parte da delegação da União. No entanto, legislar para um determinado papel dos representantes nas audições ou permitir a apresentação de documentos de apoio introduziria um sistema demasiado rígido e poderia dar origem a dificuldades em assegurar a unidade da representação externa da União. Por este motivo, embora a Comissão esteja empenhada em assegurar uma colaboração estreita e eficaz, o presente regulamento não deve incluir pormenores, devendo apenas especificar o princípio de uma estreita colaboração entre a União e os Estados‑Membros.

A Comissão examinou um certo número de alternativas em consultas informais de preparação da presente proposta. Uma alternativa era um mecanismo mediante o qual a União e o Estado‑Membro em causa agiriam como partes co‑demandadas. Contudo, do ponto de vista da Comissão, um tal mecanismo não se adequa à resolução de litígios entre investidores e o Estado. Em primeiro lugar, não prevê adequadamente um mecanismo para a repartição da responsabilidade financeira entre o Estado‑Membro em causa e a União. Um Estado‑Membro que pague uma eventual indemnização e, em seguida, tente recuperar junto da União Europeia, procurando, ele próprio, determinar quais os elementos que são exigidos pelo direito da União não seria coerente nem eficaz no que respeita aos procedimentos orçamentais, nem reconheceria o papel da Comissão na aplicação do direito da União. Em segundo lugar, poderia levar a incoerências na defesa da queixa, apresentando cada uma das partes co‑demandadas argumentos contraditórios ou divergentes. Tal seria incompatível com o princípio da unidade da representação externa, tal como estabelecido pelo Tribunal de Justiça da União Europeia. Em terceiro lugar, poderia levar o tribunal a ter que pronunciar‑se sobre a repartição de competências entre a União e os Estados‑Membros, em circunstâncias em que as duas partes co‑demandadas apresentassem posições divergentes sobre esta questão ao tribunal; deve evitar‑se um cenário em que um terceiro apresente um parecer sobre uma questão puramente interna da UE. Por último, num cenário em que um processo seja defendido com êxito e seja atribuído à parte demandada o pagamento dos custos, é pouco provável que um tribunal possa permitir à União e ao Estado‑Membro em causa recuperar os custos. Não é aceitável que os potenciais custos que seriam reembolsados à União sejam reduzidos para cobrir os custos suportados por um Estado‑Membro que é parte co‑demandada (ou vice‑versa). O resultado seria menos que a restituição integral dos fundos atribuídos pela União e, assim, não seria possível garantir a neutralidade orçamental da operação para a União.

1.5.        Reconhecimento e execução das sentenças contra a União

É igualmente necessário estabelecer regras para fazer face à situação em que a UE for considerada responsável. Dado que a União Europeia é ou será parte desses acordos, ficará sujeita à obrigação internacional de aceitar qualquer sentença contra si. A União Europeia deverá honrar essa obrigação.

Dado que a resolução de litígios entre investidores e o Estado assenta na arbitragem, na maior parte dos países, inclusive nos Estados‑Membros da União Europeia, o reconhecimento e a execução de sentenças de investimento baseia‑se na legislação que regula a arbitragem. Frequentemente esta baseia‑se quer na Convenção de Nova Iorque, de 10 de junho de 1958, sobre o Reconhecimento e a Execução de Sentenças Arbitrais Estrangeiras, quer na Lei‑Quadro relativa à arbitragem comercial internacional, de 1985, da Comissão das Nações Unidas para o Direito Comercial Internacional (CNUDCI) (alterada em 2006)[12]. A Convenção para a Resolução de Diferendos Relativos a Investimentos entre Estados e Nacionais de Outros Estados (a «Convenção CIRDI») constitui um fórum específico para a resolução de diferendos relativos a investimentos. No artigo 54.º, n.º 1, prevê o seguinte:

Cada Estado Contratante reconhecerá a obrigatoriedade da sentença dada em conformidade com a presente Convenção e assegurará a execução no seu território das obrigações pecuniárias impostas por essa sentença como se fosse uma decisão final de um tribunal desse Estado. O Estado Contratante que tenha uma constituição federal poderá dar execução à sentença por intermédio dos seus tribunais federais e providenciar para que estes considerem tal sentença como decisão final dos tribunais de um dos Estados federados.

As regras aplicáveis ao reconhecimento e à execução de sentenças de investimento são as estabelecidas na Convenção CIRDI, quando a arbitragem em questão estiver em conformidade com as normas da Convenção CIRDI e com as normas definidas na Convenção de Nova Iorque e na legislação nacional em matéria de arbitragem. Tanto quanto é do conhecimento da Comissão, apenas o Reino Unido e a Irlanda preveem, no seu direito nacional, procedimentos específicos sobre a gestão de sentenças pronunciadas no âmbito da Convenção CIRDI[13].

Estas regras seriam aplicáveis, conforme adequado, à arbitragem efetuada nos termos dos acordos da União. Embora não haja casos registados em que a União ou os seus Estados‑Membros não respeitem uma sentença, se um investidor considerar necessário requerer o reconhecimento ou a execução de uma sentença, terá de procurar obter o reconhecimento ou a execução por intermédio dos tribunais dos Estados‑Membros. Se for requerida a execução de uma sentença pronunciada contra a União, será aplicável o artigo 1.º do Protocolo (n.º 7) relativo aos Privilégios e Imunidades da União Europeia:

Os bens e haveres da União não podem ser objeto de qualquer medida coerciva, administrativa ou judicial, sem autorização do Tribunal de Justiça.

Isto significa que o investidor poderá ter de se dirigir ao Tribunal de Justiça da União Europeia, se a sentença determinar a liquidação de bens da União. A Comissão considera que o Tribunal de Justiça aplicaria a abordagem comum em matéria de imunidade soberana a tais situações, com o resultado de que a situação na União Europeia seria comparável à situação noutros países, incluindo os Estados‑Membros da União Europeia, em que o princípio da imunidade soberana internacional entraria em jogo.

2.           RESULTADOS DAS CONSULTAS ÀS PARTES INTERESSADAS E AVALIAÇÕES DE IMPACTO

A presente proposta não foi objeto de uma avaliação de impacto. Tal deve‑se ao facto de o regulamento não incluir, por si só, as disposições em matéria de resolução de litígios entre investidores e o Estado, o que, por sua vez, pode levar à necessidade de iniciar uma arbitragem ou de responsabilidade pelo pagamento de uma indemnização. Na medida em que é possível analisar os impactos potenciais dessas disposições, tal será feito na avaliação de impacto para os acordos em questão. No entanto, a secção 4 infra dá algumas explicações sobre os possíveis efeitos orçamentais.

A Comissão organizou várias reuniões com os representantes dos Estados‑Membros e com o Parlamento Europeu na preparação da presente proposta. As opiniões expressas nessas reuniões foram cuidadosamente consideradas na proposta em anexo.

3.           ELEMENTOS JURÍDICOS DA PROPOSTA

3.1.        Base jurídica

A proposta baseia‑se no artigo 207.º, n.º 2, do TFUE, que estabelece a competência exclusiva da União por uma política comercial comum, incluindo o investimento direto estrangeiro.

3.2.        Apresentação da proposta

O regulamento proposto estabelece um quadro para a repartição da responsabilidade financeira decorrente da resolução de litígios entre investidores e o Estado, efetuada ao abrigo de acordos em que a União seja parte.

3.2.1.     Capítulo I: Disposições gerais

Este capítulo estabelece o âmbito de aplicação do regulamento proposto e inclui as definições dos termos utilizados. O regulamento proposto é aplicável à resolução de litígios iniciada por um investidor de um país terceiro e realizada em conformidade com um acordo de que a União seja parte. Não se aplica à resolução de litígios entre Estados relativos às disposições de proteção dos investimentos, uma vez que estes, enquanto tais, não dizem respeito à possibilidade de compensação financeira. Para que haja uma indemnização, um Estado tem que ser objeto de contestação pertinente pelos investidores estabelecidos no seu território.

3.2.2.     Capítulo II: Repartição da responsabilidade financeira

Este capítulo estabelece em que base a responsabilidade financeira decorrente de um pedido de resolução de litígios será imputada à União, a um Estado‑Membro, ou a ambos.

O principal critério para a atribuição de responsabilidades será a origem do tratamento que o investidor tiver contestado. Se o tratamento tiver origem num ato da União, a responsabilidade financeira será suportada pela União. Se o tratamento tiver origem num ato de um Estado‑Membro, a responsabilidade financeira caberá ao Estado‑Membro, a menos que o tratamento seja exigido pelo direito da União. Contudo, o Estado‑Membro deve assumir a responsabilidade financeira do tratamento exigido pelo direito da União, nos casos em que esse tratamento tenha sido necessário para corrigir uma violação prévia do direito da União.

Nos casos em que a responsabilidade financeira tiver sido imputada a um Estado‑Membro, a Comissão pode adotar uma decisão que estabeleça a repartição.

Não obstante estes critérios de repartição, se um Estado‑Membro optar por aceitar a responsabilidade financeira decorrente de uma queixa em que a União seja parte demandada ou aja como parte demandada ou se optar por estabelecer um acordo transacional, a responsabilidade financeira será suportada pelo Estado‑Membro.

Se um Estado‑Membro aceitar a responsabilidade financeira decorrente de uma queixa, o Estado‑Membro e a Comissão podem acordar no mecanismo pelo qual os custos da arbitragem e o montante previsto na sentença serão pagos. A Comissão informará o tribunal de arbitragem e o investidor da aceitação da responsabilidade financeira pelo Estado‑Membro.

3.2.3.     Capítulo III: Condução do processo de resolução de litígios

Este capítulo enuncia os princípios para a condução do processo de resolução de litígios relativos ao tratamento concedido quer pela União quer por um Estado‑Membro, na totalidade ou em parte.

A secção 1 deste capítulo estabelece que a União deve agir como parte demandada, sempre que o litígio disser respeito ao tratamento concedido pela União.

A secção 2 trata da situação sempre que o litígio disser respeito, total ou parcialmente, ao tratamento concedido por um Estado‑Membro. A Comissão informará o Estado‑Membro em causa logo que tiver conhecimento de que um investidor solicitou consultas, em conformidade com as disposições de um acordo de proteção do investimento. O Estado‑Membro pode participar nas consultas, devendo fornecer à Comissão todas as informações pertinentes.

Logo que a Comissão ou um Estado‑Membro receba uma notificação de arbitragem de um investidor, em conformidade com as disposições de um acordo de proteção do investimento, deverão proceder à notificação mútua. O Estado‑Membro pode agir como parte demandada na queixa, a menos que a Comissão decida que a União deve agir como parte demandada ou o próprio Estado‑Membro pretenda que a União assim aja. A Comissão pode emitir uma decisão no sentido de a União dever agir como parte demandada, se:

a)           For provável que a União tenha de suportar pelo menos uma parte da responsabilidade financeira da queixa;

b)           O litígio disser igualmente respeito ao tratamento concedido pela União;

c)           For provável que venham a ser apresentadas queixas semelhantes acerca do tratamento concedido por outros Estados‑Membros; ou

d)           For provável que a queixa suscite questões de direito não resolvidas.

Se a União agir como parte demandada, o Estado‑Membro em causa deve prestar toda a assistência necessária à Comissão e pode fazer parte da delegação da União no processo de arbitragem. A Comissão manterá o Estado‑Membro informado de todas as medidas significativas no processo, atuará em estreita colaboração com os Estados‑Membros e consultará regularmente o Estado‑Membro.

Quando o Estado‑Membro agir como parte demandada, deve apresentar à Comissão todos os documentos relativos ao processo e permitir que a Comissão integre a delegação do Estado‑Membro no processo de arbitragem. O Estado‑Membro deve manter a Comissão devidamente informada de todas as fases significativas do processo e poderá ser obrigado a adotar uma posição especial na sua defesa, caso exista um interesse da União.

3.2.4.     Capítulo IV: Acordos transacionais

Se a Comissão considerar que seria mais conveniente para a União estabelecer um acordo transacional no âmbito de uma queixa relativa a um tratamento exclusivamente concedido pela União, a Comissão pode adotar uma decisão para aprovar um acordo transacional. Tal decisão deve ser adotada em conformidade com o procedimento de exame instituído pelo Regulamento (UE) n.º 182/2011[14].

Se a Comissão considerar que seria mais conveniente para a União estabelecer um acordo transacional no âmbito de uma queixa relativa a um tratamento concedido por um Estado‑Membro ou por um Estado Membro e pela União, a Comissão consultará o Estado‑Membro em questão. Se o Estado‑Membro concordar com um acordo transacional, deve tentar chegar decidir em conjunto com a Comissão os elementos necessários para a negociação e execução do acordo. Se considerar que há um interesse primordial da União, a Comissão pode decidir estabelecer um acordo transacional mesmo que o Estado‑Membro em causa não dê o seu consentimento. Os termos do acordo transacional serão decididos em conformidade com o procedimento de exame.

Se a queixa for respeitante ao tratamento exclusivamente concedido por um Estado‑Membro, esse Estado‑Membro pode resolver o litígio, desde que:

a)           Aceite qualquer responsabilidade financeira decorrente do acordo transacional;

b)           O acordo transacional seja executável apenas contra esse Estado‑Membro;

c)           Os termos do acordo transacional sejam compatíveis com o direito da União; e

d)           Não haja razões imperiosas de interesse da União.

O Estado‑Membro deve consultar a Comissão, que decidirá, no prazo de 90 dias, se estão cumpridas todas as condições acima estabelecidas.

3.2.5.     Capítulo V: Pagamento do montante previsto na sentença e no acordo transacional

Se o Estado‑Membro em causa tiver agido como parte demandada numa queixa, será responsável pelo pagamento do montante previsto na sentença e no acordo transacional relativa a essa queixa.

Quando a União tiver agido como parte demandada numa queixa, deve pagar ao investidor qualquer montante previsto na sentença, em conformidade com as regras previstas no acordo aplicável, a menos que um Estado‑Membro tenha aceitado a responsabilidade financeira pelo litígio. Nos casos em que haja um acordo transacional, a Comissão pagará o montante previsto, em conformidade com as regras previstas no mesmo.

Sempre que a Comissão considerar que a totalidade ou parte de um montante previsto na sentença ou no acordo transacional deve ser paga por um Estado‑Membro que não tenha aceitado a responsabilidade financeira, deve consultar o Estado‑Membro em questão. Se a Comissão e o Estado‑Membro não puderem chegar a acordo sobre a questão, a Comissão adota uma decisão que define o montante a pagar por esse Estado‑Membro. O Estado‑Membro compensará o orçamento da União, incluindo juros, no prazo de três meses a contar da data da decisão. Se o Estado‑Membro não estiver de acordo com a atribuição da responsabilidade financeira pela Comissão, deve apresentar uma objeção. Se não estiver de acordo com as objeções do Estado‑Membro, a Comissão aprova uma decisão por meio da qual solicita ao Estado‑Membro a compensação do orçamento da União, incluindo juros. O Estado‑Membro pode recorrer ao artigo 263.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, a fim de obter a anulação da decisão em causa. A questão será posteriormente decidida pelo Tribunal de Justiça da União Europeia, em conformidade com o presente regulamento. Este procedimento não deve incluir qualquer elemento para o controlo da decisão da Comissão pelos Estados‑Membros. Essa decisão aplica‑se apenas a um Estado‑Membro e relativamente ao qual a aplicação, pela Comissão, das normas estabelecidas pelo regulamento não deve ser sujeita ao controlo político dos Estados‑Membros. É fundamental para o bom funcionamento do regulamento que os critérios sejam estritamente aplicados de forma objetiva. Se o Estado‑Membro em causa solicitar a anulação da decisão da Comissão pelo Tribunal de Justiça da União Europeia, outros Estados‑Membros com interesse na interpretação terão a faculdade de intervir no processo perante o Tribunal de Justiça.

Sempre que a União aja como parte demandada, os custos de arbitragem serão pagos pela União ou pelo Estado‑Membro em conformidade com a forma como a responsabilidade financeira pelo litígio for imputada. A Comissão pode adotar uma decisão exigindo ao Estado‑Membro a quem a queixa diz respeito que apresente contribuições financeiras para o orçamento da União a fim de cobrir os eventuais pagamentos periódicos dos custos de arbitragem.

4.           IMPLICAÇÕES ORÇAMENTAIS

Por definição, não é possível fornecer informações precisas sobre os prováveis custos associados à resolução de litígios entre investidores e o Estado. Estes dependem de uma vasta gama de fatores, nomeadamente do volume dos fluxos de capitais, da estabilidade do ambiente de investimento, etc. A exposição da União a essa responsabilidade depende também, obviamente, do número de acordos desse tipo de que venha a ser parte. No momento em que a proposta é apresentada, a União apenas é parte num acordo com resolução de litígio entre investidores e o Estado, mesmo que já haja outros acordos em negociação. Por isso, é impossível especificar as prováveis consequências orçamentais, na preparação de um regulamento desta natureza, que se destina a produzir um efeito horizontal. Embora não seja de descartar a dificuldade de efetuar previsões exatas, é possível fazer uma análise mais precisa caso a caso nas avaliações de impacto que serão preparadas para acordos específicos, devendo os acordos também ser objeto de uma avaliação a posteriori. As demonstrações financeiras devem ser preparadas em todos os acordos futuros a celebrar nos termos do artigo 218.º do Tratado e que sejam abrangidos pelo âmbito de aplicação do presente regulamento.

É necessário garantir que os elementos necessários do Orçamento Geral das União estão em vigor, a fim de cobrir quaisquer custos potenciais decorrentes de acordos com países terceiros, incluindo os processos de resolução de litígios entre investidores e o Estado, tal como aplicados no presente regulamento. Para isso existem três condições. Em primeiro lugar, é necessário prever o pagamento de eventuais despesas do tribunal arbitral e quaisquer outras despesas conexas. Em segundo lugar, é necessário prever as situações em que a União seja obrigada a pagar o montante previsto na sentença ou no acordo transacional no que diz respeito aos atos das suas instituições. Em terceiro lugar, nos casos em que a União age como parte demandada, mas em que o Estado‑Membro em causa é, em última análise, considerado responsável do ponto de vista financeiro, é necessário que a União efetue os pagamentos necessários e que estes lhe sejam posteriormente reembolsados pelo Estado‑Membro em causa. É igualmente necessário prever um mecanismo em que um Estado‑Membro que tenha aceitado a responsabilidade financeira num processo, efetue pagamentos periódicos para o orçamento da UE, a fim de compensar as despesas de arbitragem. Todos os pagamentos e cobranças serão feitos através da rubrica orçamental 20 02 01 ‑ Relações comerciais externas, incluindo o acesso aos mercados de países terceiros. As disposições necessárias para esse efeito foram incluídas na proposta da Comissão para o orçamento de 2013[15] sob a forma de um aditamento às observações orçamentais à referida rubrica orçamental de referência:

«Resolução de litígios entre investidores e o Estado tal como estabelecido pelos acordos internacionais

Devem ser apoiadas as seguintes despesas:

– Custos de arbitragem, assistência jurídica e encargos incorridos pela União enquanto parte nos litígios decorrentes da implementação de acordos internacionais celebrados ao abrigo do artigo 207.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia.

– Pagamento do montante previsto na sentença ou no acordo transacional a um investidor no contexto de tais acordos internacionais.»

2012/0163 (COD)

Proposta de

REGULAMENTO DO PARLAMENTO EUROPEU E DO CONSELHO

que estabelece um quadro de gestão da responsabilidade financeira relacionada com os órgãos jurisdicionais de resolução de litígios entre investidores e o Estado, criados por acordos internacionais em que a União Europeia é parte

O PARLAMENTO EUROPEU E O CONSELHO DA UNIÃO EUROPEIA,

Tendo em conta o Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, nomeadamente o artigo 207.º, n.º 2,

Tendo em conta a proposta da Comissão Europeia,

Após transmissão do projeto de ato legislativo aos parlamentos nacionais,

Deliberando de acordo com o processo legislativo ordinário,

Considerando o seguinte:

(1)       Com a entrada em vigor do Tratado de Lisboa, a União adquiriu competência exclusiva para a celebração de acordos internacionais sobre a proteção do investimento. A União já é parte no Tratado da Carta da Energia[16], que prevê a proteção do investimento.

(2)       Os acordos de proteção do investimento incluem, normalmente, um mecanismo de resolução de litígios entre investidores e o Estado, que permite que um investidor de um país terceiro apresente uma queixa contra um Estado em que realizou um investimento. A resolução de litígios entre investidores e o Estado pode resultar numa sentença que preveja o pagamento de uma compensação monetária. Além disso, os custos significativos de administração da arbitragem, bem como os custos relativos à defesa de um processo serão inevitavelmente suportados em qualquer caso.

(3)       Em conformidade com a jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia[17], a responsabilidade internacional pelo tratamento que é objeto de um processo de resolução de litígios deve respeitar a repartição de competências entre a União Europeia e os Estados‑Membros. Consequentemente, a União será, em princípio, responsável pela defesa face a quaisquer queixas alegando uma violação das regras incluídas num acordo que se insira no âmbito da competência exclusiva da União, independentemente de o tratamento em causa ser concedido pela própria União ou por um Estado‑Membro.

(4)       Se a União tiver responsabilidade internacional pelo tratamento concedido, deverá, por uma questão de direito internacional, pagar qualquer indemnização e suportar os custos de qualquer litígio. Contudo, o pagamento de uma indemnização pode decorrer, quer do tratamento concedido pela própria União, quer do tratamento concedido por um Estado‑Membro. Consequentemente, seria injusto se as indemnizações e os custos da arbitragem tivessem de ser pagos com o orçamento da União, se o tratamento tiver sido concedido por um Estado‑Membro. É, pois, necessário que a responsabilidade financeira seja repartida, por uma questão de direito da União e sem prejuízo da sua responsabilidade internacional, entre a União e o Estado‑Membro responsável pelo tratamento concedido, com base nos critérios estabelecidos pelo presente regulamento.

(5)       Na sua resolução sobre a futura política europeia em matéria de investimento internacional[18], o Parlamento Europeu apelou explicitamente à criação do mecanismo previsto no presente regulamento. Além disso, nas suas conclusões sobre uma política europeia em matéria de investimento internacional, de 25 de outubro de 2010, o Conselho convidou a Comissão a estudar esta questão.

(6)       A responsabilidade financeira deve ser imputada à entidade responsável pelo tratamento considerado incompatível com as disposições aplicáveis do acordo. Isso significa que a União deve suportar a responsabilidade financeira nos casos em que o tratamento em causa seja concedido por uma instituição, um órgão ou uma agência da União. O Estado‑Membro em causa deve ter a responsabilidade financeira nos casos em que o tratamento em causa tiver sido concedido pelo Estado‑Membro. Todavia, sempre que os Estados atuem de acordo com as exigências do direito da União, por exemplo na transposição de uma diretiva adotada pela União, a União deverá assumir a responsabilidade financeira, na medida em que o tratamento em causa for exigido pelo direito da União. O regulamento deve igualmente prever a possibilidade de um dado processo poder dizer respeito tanto ao tratamento concedido por um Estado‑Membro como ao tratamento exigido pelo direito da União. Abrangerá todas as ações tomadas pelos Estados‑Membros e pela União Europeia.

(7)       A União, representada pela Comissão, deve sempre agir como parte demandada no caso de um litígio dizer respeito exclusivamente ao tratamento concedido pelas suas instituições, órgãos ou agências, de modo que a União assumirá a responsabilidade financeira potencial decorrente do litígio, em conformidade com os critérios acima referidos.

(8)       Por outro lado, se um Estado‑Membro tiver de suportar a responsabilidade financeira potencial decorrente de um litígio, convém, por uma questão de princípio, permitir a esse Estado‑Membro agir como parte demandada para defender o tratamento que concedeu ao investidor. As disposições estabelecidas no presente regulamento preveem isso mesmo. Essa solução tem a grande vantagem de não sobrecarregar o orçamento e os recursos da União, mesmo temporariamente, devido às despesas judiciais ou de qualquer pagamento eventual previsto na sentença contra o Estado‑Membro em causa.

(9)       Os Estados‑Membros podem, no entanto, preferir que a União, representada pela Comissão, aja como parte demandada neste tipo de litígios, por exemplo, por razões de competência técnica. Os Estados‑Membros devem, por isso, ter a possibilidade de recusar agir como parte demandada, sem prejuízo da sua responsabilidade financeira.

(10)     Em determinadas circunstâncias, para assegurar que os interesses da União sejam adequadamente salvaguardados, é essencial que a própria União aja como parte demandada em litígios que envolvam o tratamento concedido por um Estado‑Membro. Tal pode acontecer, em especial, nos casos em que o litígio envolva também o tratamento concedido pela União; quando se revele que o tratamento concedido por um Estado‑Membro é exigido pelo direito da União; quando for provável que queixas similares possam ser apresentadas contra outros Estados‑Membros; ou se o processo envolver questões de direito não resolvidas, cuja resolução possa ter impacto sobre eventuais processos futuros contra outros Estados‑Membros ou contra a União. Se um litígio disser respeito, em parte, a um tratamento concedido pela União ou exigido pelo direito da União, a União deve agir como parte demandada, a menos que as queixas relativas a esse tratamento sejam de pequena importância, tendo em conta a responsabilidade financeira potencial implicada e as questões jurídicas suscitadas em relação às queixas sobre o tratamento concedido pelo Estado‑Membro.

(11)     É necessário prever a possibilidade de a União agir como parte demandada nestas circunstâncias, a fim de assegurar que os interesses da União e, por conseguinte, da coletividade de Estados‑Membros sejam tidos em conta. Esta situação traduz‑se nos princípios da unidade da representação externa e do dever de colaboração, estabelecidos no artigo 4.º, n.º 3, do Tratado da União Europeia e na jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia[19], que se aplicam independentemente das respetivas competências.

(12)     Convém que a Comissão decida, no quadro previsto no presente regulamento, se a União deve ser a parte demandada ou se um Estado‑Membro deverá agir como parte demandada.

(13)     É necessário prever algumas disposições práticas para a condução de um processo de arbitragem, em caso de litígios relativos ao tratamento concedido por um Estado‑Membro. Independentemente de a União ou o Estado‑Membro agir como parte demandada na resolução desses litígios, as referidas disposições devem ter por objetivo a melhor gestão possível do litígio, assegurando, ao mesmo tempo, a observância dos princípios da unidade da representação externa e o dever de colaboração, estabelecido no artigo 4.º, n.º 3, do Tratado da União Europeia e na jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia[20]. Quando a União age como parte demandada, essas disposições devem prever uma colaboração muito estreita, incluindo a rápida notificação de quaisquer medidas processuais, o fornecimento de documentos, consultas frequentes e a participação na delegação do processo.

(14)     De igual modo, quando um Estado‑Membro agir como parte demandada, deve manter a Comissão informada da evolução do processo e a Comissão deve ter a possibilidade, se for caso disso, de exigir que o Estado‑Membro, na qualidade de parte demandada, assuma uma posição específica sobre questões de interesse para a União.

(15)     Um Estado‑Membro pode, a qualquer momento, aceitar que é financeiramente responsável, caso deva ser paga uma indemnização. Nesse caso, o Estado‑Membro e a Comissão podem celebrar acordos relativos ao pagamento periódico dos custos e ao pagamento de qualquer indemnização. Essa aceitação não implica que o Estado‑Membro aceite que a queixa objeto do litígio é procedente. A Comissão deve poder aprovar uma decisão impondo ao Estado‑Membro que preveja esses custos. Se o órgão jurisdicional decidir o pagamento dos custos à União, a Comissão deve assegurar que qualquer adiantamento dos custos é imediatamente reembolsado ao Estado‑Membro em causa.

(16)     Em alguns casos, poderá ser apropriado chegar a um acordo transacional para evitar uma arbitragem onerosa e inútil. É necessário estabelecer um procedimento para estabelecer esses acordos. Esse procedimento deverá permitir à Comissão, em conformidade com o processo de exame, resolver um caso, se for do interesse da União. Caso se trate do tratamento concedido por um Estado‑Membro, é adequado que haja uma estreita colaboração e consulta entre a Comissão e o Estado‑Membro em causa. O Estado‑Membro deve ser livre de resolver o caso em todas as circunstâncias, desde que aceite a plena responsabilidade financeira e que qualquer acordo transacional estabelecido seja compatível com o direito da União, e não contra os interesses da União.

(17)     No caso de ter sido proferida uma sentença contra a União Europeia, a indemnização prevista deverá ser paga sem demora. A Comissão deve adotar disposições para o pagamento do montante previsto nessa sentença, a menos que um Estado‑Membro já tenha aceitado a responsabilidade financeira.

(18)     A Comissão deve consultar o Estado‑Membro em questão em estreita colaboração, a fim de chegar a acordo sobre a repartição da responsabilidade financeira. Sempre que a Comissão determinar que um Estado‑Membro é responsável e o Estado‑Membro não aceitar essa determinação, a Comissão deve pagar o montante previsto na sentença, devendo igualmente dirigir uma decisão ao Estado‑Membro, em que lhe solicite o fornecimento dos montantes em causa para o orçamento da União Europeia, bem como dos juros aplicáveis. Os juros a pagar devem ser fixados nos termos do [artigo 71.º, n.º 4, do Regulamento (CE, Euratom) n.º 1605/2002, de 25 de junho de 2002, que institui o Regulamento Financeiro aplicável ao orçamento geral das Comunidades Europeias, com a última redação que lhe foi dada[21]][22]. O artigo 263.º do Tratado é aplicável nos casos em que um Estado‑Membro considere que a decisão não cumpre os critérios estabelecidos no presente regulamento.

(19)     O orçamento da União deve proporcionar a cobertura das despesas decorrentes dos acordos celebrados em conformidade com o artigo 218.º do Tratado, que prevê a resolução de litígios entre investidores e o Estado. Sempre que os Estados‑Membros tiverem a responsabilidade financeira nos termos do presente regulamento, a União deverá estar em condições de acumular primeiro as contribuições do Estado‑Membro em causa, antes de execução das despesas previstas, ou de executar primeiro as despesas correspondentes e ser depois reembolsada pelos Estados‑Membros em causa. A utilização destes dois mecanismos de tratamento orçamental deve ser possível, consoante o que for praticável, nomeadamente em termos de calendário. Para ambos os mecanismos, as contribuições ou os reembolsos pagos pelos Estados‑Membros devem ser tratados como receitas afetadas internas do orçamento da União. As dotações resultantes dessas receitas afetadas internas não só devem abranger as despesas correspondentes, como também devem ser elegíveis para reconstituição de outras partes do orçamento da União, que forneceu as dotações iniciais para a execução das despesas no âmbito do segundo mecanismo.

(20)     Deverão ser atribuídas competências de execução à Comissão, a fim de assegurar condições uniformes para a aplicação do presente regulamento.

(21)     As competências de execução relacionadas com os artigos 12.º, n.º 1, 13.º, n.º 4, e 14.º, n.º 3, devem ser exercidas em conformidade com o Regulamento (UE) n.º 182/2011 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de fevereiro de 2011, que estabelece as regras e os princípios gerais relativos aos mecanismos de controlo pelos Estados‑Membros do exercício das competências de execução pela Comissão[23].

(22)     O procedimento consultivo deve ser utilizado para a adoção de decisões em matéria de resolução de litígios, nos termos do artigo 14.º, n.º 3, tendo em conta que essas decisões terão, no máximo, um impacto apenas temporário sobre o orçamento da União, uma vez que o Estado‑Membro em causa será obrigado a assumir qualquer responsabilidade financeira decorrente do litígio, e devido aos critérios pormenorizados estabelecidos no regulamento para a aceitação de tais acordos transacionais,

ADOTARAM O PRESENTE REGULAMENTO:

CAPÍTULO I

Disposições gerais

Artigo 1.º

Âmbito de aplicação

1.           O presente regulamento é aplicável à resolução de litígios entre investidores e o Estado, conduzida em conformidade com um acordo em que a União seja parte e iniciada por um demandante de um país terceiro.

2.           Para efeitos de informação, a Comissão publica no Jornal Oficial da União Europeia e mantém atualizada uma lista dos acordos abrangidos pelo âmbito do presente regulamento.

Artigo 2.º

Definições

Para efeitos do presente regulamento, entende‑se por:

a)           «Acordo», qualquer acordo internacional em que a União seja parte e que preveja a resolução de litígios entre investidores e o Estado;

b)           «Despesas decorrentes da arbitragem», os honorários e as custas do tribunal de arbitragem, bem como as despesas de representação e as despesas pagas ao demandante por decisão do tribunal de arbitragem;

c)           «Litígio», uma queixa apresentada por um demandante contra a União, nos termos de um acordo e sobre a qual um tribunal de arbitragem tenha jurisdição;

d)           «Resolução de litígios entre investidores e o Estado», um mecanismo previsto por um acordo, mediante o qual um demandante pode fazer uma queixa contra a União;

e)           «Estado‑Membro», um ou mais Estados‑Membros da União Europeia;

f)            «Estado‑Membro em causa», o Estado‑Membro que tiver concedido o tratamento alegadamente incompatível com o acordo;

g)           «Responsabilidade financeira», uma obrigação de pagamento de uma quantia em dinheiro ordenado por sentença de um tribunal de arbitragem ou combinada como parte de um acordo transacional e que inclui os custos decorrentes da arbitragem;

h)           «Acordo transacional», qualquer acordo entre a União ou um Estado‑Membro, ou ambos, por um lado, e um demandante, por outro, pelo qual o demandante aceita não prosseguir as suas alegações em troca do pagamento de uma soma de dinheiro, inclusive quando o acordo for registado numa sentença de um tribunal de arbitragem;

i)            «Tribunal de arbitragem», qualquer pessoa ou organismo designado, ao abrigo de um acordo, para decidir sobre um litígio entre investidores e o Estado;

j)            «Demandante», qualquer pessoa singular ou coletiva que pode apresentar uma queixa para resolução de um litígio entre investidores e o Estado, em conformidade com um acordo, ou qualquer pessoa singular ou coletiva a quem tiver sido legalmente atribuída a defesa das alegações do demandante, ao abrigo do acordo.

CAPÍTULO II

Repartição da responsabilidade financeira

Artigo 3.º

Critérios de repartição

1.           A responsabilidade financeira decorrente de um litígio nos termos de um acordo deve ser repartida em conformidade com os seguintes critérios:

a)      A União deve suportar a responsabilidade financeira decorrente do tratamento concedido pelas instituições, órgãos ou agências da União;

b)      O Estado‑Membro em causa deve suportar a responsabilidade financeira decorrente do tratamento concedido por esse Estado‑Membro, exceto se o mesmo tratamento for exigido pelo direito da União.

Não obstante o disposto na alínea b), se o Estado‑Membro em causa for obrigado a agir de acordo com o direito da União para corrigir a incompatibilidade com o direito da União de um ato anterior, esse Estado‑Membro será financeiramente responsável, a menos que a adoção desse ato anterior tenha sido exigida pelo direito da União.

2.           Sempre que previsto no presente regulamento, a Comissão deve adotar uma decisão em que determine a responsabilidade financeira do Estado‑Membro em causa, em conformidade com os critérios estabelecidos no n.º 1.

3.           Não obstante o disposto no n.º 1, o Estado‑Membro em causa deve suportar a responsabilidade financeira quando:

a)      O Estado‑Membro em causa tiver aceitado a responsabilidade financeira potencial, nos termos do artigo 11.º;

b)      O Estado‑Membro em causa agir como parte demandada, nos termos do artigo 8.º ou

c)      O Estado‑Membro em causa estabelecer um acordo transacional, nos termos do artigo 12.º

CAPÍTULO III

Condução do processo de resolução de litígios

Secção 1

Condução do processo de resolução de litígios relativos ao tratamento concedido pela União

Artigo 4.º

Tratamento concedido pela União

A União age como parte demandada sempre que o litígio diga respeito ao tratamento concedido pelas instituições, órgãos ou agências da União.

Secção 2

Condução do processo de resolução de litígios relativos ao tratamento concedido por um Estado‑Membro

Artigo 5.º

Tratamento concedido por um Estado‑Membro

As disposições da presente secção são aplicáveis aos litígios respeitantes, no todo ou em parte, ao tratamento concedido por um Estado‑Membro.

Artigo 6.º

Consultas

1.           Logo que receba um pedido de consulta do demandante em conformidade com as disposições de um acordo, a Comissão notificará desse facto o Estado‑Membro em causa. Um Estado‑Membro que tenha tido conhecimento de um pedido de realização de consultas ou recebido tal pedido deve imediatamente informar a Comissão desse facto.

2.           Os representantes do Estado‑Membro em causa devem fazer parte da delegação da União para as consultas.

3.           O Estado‑Membro em causa deve fornecer imediatamente à Comissão todas as informações que possam ser pertinentes para o processo.

Artigo 7.º

Início do procedimento de arbitragem

Logo que a Comissão seja informada de que um demandante declara a sua intenção de dar início a um processo de arbitragem, em conformidade com as disposições de um acordo, notifica desse facto o Estado‑Membro em causa.

Um Estado‑Membro que é informado de que um demandante declara a sua intenção de dar início a um processo de arbitragem notifica imediatamente a Comissão.

Artigo 8.º

Estatuto da parte demandada

1.           Se essa possibilidade estiver prevista no acordo, o Estado‑Membro em causa deve agir como parte demandada, exceto em qualquer uma das seguintes situações:

a)      A Comissão adotou uma decisão nos termos do n.º 2; ou

b)      O Estado‑Membro não confirmou à Comissão por escrito, no prazo de 30 dias a contar da receção da informação ou da notificação a que se refere o artigo 7.º, que tenciona agir como parte demandada.

Caso se verifique uma das situações referidas na alínea a) ou na alínea b), a União agirá como parte demandada.

2.           A Comissão pode decidir, no prazo de 30 dias a contar da receção da informação ou da notificação a que se refere o artigo 7.º, que a União deve agir como parte demandada, caso se verifique uma ou mais das seguintes circunstâncias:

a)      Se for provável que a União tenha de suportar pelo menos parte da responsabilidade financeira potencial decorrente do litígio, em conformidade com os critérios estabelecidos no artigo 3.º;

b)      Se o litígio disser igualmente respeito ao tratamento concedido pela instituições, órgãos e agências da União;

c)      Se for provável que venham a ser apresentadas queixas similares, ao abrigo do mesmo acordo, contra o tratamento concedido por outros Estados‑Membros e a Comissão estiver mais bem colocada para assegurar uma defesa eficaz e coerente; ou

d)      Se o litígio suscitar questões de direito não resolvidas que possam voltar a ser levantadas noutros litígios, no âmbito do mesmo ou de outros acordos da União, relativamente ao tratamento concedido pela União ou por outros Estados‑Membros.

3.           A Comissão e o Estado‑Membro em causa devem, imediatamente após a receção da informação ou notificação a que se refere o artigo 7.º, proceder a consultas sobre a gestão do processo, em conformidade com o presente artigo. A Comissão e o Estado‑Membro em causa devem assegurar o respeito dos prazos fixados no acordo.

4.           A Comissão informará os outros Estados‑Membros e o Parlamento Europeu de litígios em que o presente artigo tenha sido aplicado e da forma como foi aplicado.

Artigo 9.º

Condução de um processo de arbitragem por um Estado‑Membro

1.           Caso aja como parte demandada, um Estado‑Membro deve:

a)      Fornecer à Comissão todos os documentos relacionados com o processo;

b)      Informar a Comissão de todas as medidas processuais significativas e proceder a consultas regulares e, em qualquer caso, quando tal lhe for solicitado pela Comissão; e

c)      Permitir que representantes da Comissão, a seu pedido, integrem a delegação que representa o Estado‑Membro.

2.           A Comissão pode, a qualquer momento, solicitar ao Estado‑Membro em causa que adote uma determinada posição no que respeita a qualquer questão de direito suscitada no litígio ou a qualquer outro elemento que seja de interesse para a União.

3.           Quando um acordo ou as regras nele referidas previrem a possibilidade de anulação, recurso ou revisão de uma matéria de direito incluída numa decisão de arbitragem, a Comissão pode ‑ sempre que considerar que a coerência e a correção da interpretação do acordo assim o exigem ‑ solicitar ao Estado‑Membro que apresente um pedido de anulação, recurso ou revisão. Em tais circunstâncias, os representantes da Comissão devem fazer parte da delegação, podendo exprimir os pontos de vista da União no que diz respeito à matéria de direito em questão.

Artigo 10.º

Condução do processo de arbitragem pela União

São aplicáveis as seguintes disposições ao longo de todo o processo de arbitragem em que a União aja como parte demandada, nos termos do artigo 8.º:

a)      A Comissão deve tomar todas as medidas necessárias para defender o tratamento em causa;

b)      O Estado‑Membro em causa deve prestar toda a assistência necessária à Comissão;

c)      A Comissão deve fornecer ao Estado‑Membro todos os documentos relacionados com o processo, por forma a garantir uma defesa tão eficaz quanto possível; e

d)      A Comissão e o Estado‑Membro em causa devem preparar a defesa, em estreita colaboração com os representantes do Estado‑Membro em causa, que terão direito a fazer parte da delegação da União no processo.

Artigo 11.º

Aceitação pelo Estado‑Membro em causa da responsabilidade financeira potencial se a União for a parte demandada

Se a União agir como parte demandada nos termos do artigo 8.º, o Estado‑Membro em causa pode, a qualquer momento, aceitar qualquer responsabilidade financeira potencial decorrente da arbitragem. Para esse efeito, os Estados‑Membros em causa e a Comissão podem celebrar acordos que abarquem, entre outras matérias:

a)      Mecanismos de pagamento periódico das despesas decorrentes da arbitragem;

b)      Mecanismos para o pagamento de qualquer montante previsto numa sentença contra a União.

CAPÍTULO IV

Acordos transacionais

Artigo 12.º

Resolução de litígios relativos ao tratamento concedido pela União

1.           Se a Comissão considerar que um acordo transacional relativo ao tratamento exclusivamente concedido pela União seria do interesse da mesma, pode adotar uma decisão de execução em conformidade com o procedimento de exame referido no artigo 20.º, n.º 3, para aprovar o acordo transacional.

2.           Se um acordo transacional envolver, potencialmente, uma ação que não consista no pagamento de um montante pecuniário, serão aplicáveis os procedimentos respeitantes a tal ação.

Artigo 13.º

Resolução de litígios relativos ao tratamento concedido por um Estado‑Membro

1.           Se a União for a parte demandada num litígio relativo ao tratamento concedido, no todo ou em parte, por um Estado‑Membro e a Comissão considerar que um acordo transacional seria do interesse da União, deve consultar primeiro o Estado‑Membro em questão. O Estado‑Membro pode também encetar essa consulta com a Comissão.

2.           Se o Estado‑Membro em causa der o seu consentimento para resolver o litígio, deve esforçar‑se por celebrar um acordo com a Comissão, indicando os elementos necessários para a negociação e aplicação do acordo transacional.

3.           Se o Estado‑Membro não der o seu consentimento para estabelecer um acordo transacional, a Comissão pode fazê‑lo se os interesses fundamentais da União assim o exigirem.

4.           Os termos do acordo transacional são aprovados em conformidade com o procedimento de exame a que se refere o artigo 20.º, n.º 3.

Artigo 14.º

Acordo transacional estabelecido por um Estado‑Membro

1.           Caso a União seja a parte demandada num litígio exclusivamente relativo ao tratamento concedido por um Estado‑Membro, o Estado‑Membro em causa pode estabelecer um acordo transacional, se:

a)      O Estado‑Membro em causa aceitar qualquer responsabilidade financeira decorrente do acordo transacional;

b)      Os termos do acordo transacional forem oponíveis apenas ao Estado‑Membro em causa;

c)      Os termos do acordo transacional forem compatíveis com o direito da União; e

d)      Não houver um interesse primordial da União contra o acordo transacional.

2.           A Comissão e o Estado‑Membro em causa podem encetar consultas para avaliar a intenção de um Estado‑Membro de estabelecer um acordo transacional.

3.           O Estado‑Membro em causa deve notificar a Comissão do projeto de acordo transacional. Deve considerar‑se que a Comissão aceitou os termos do acordo transacional, salvo decisão em contrário, em conformidade com o procedimento consultivo a que se refere o artigo 20.º, n.º 2, e no prazo de 90 dias a contar da data de notificação do projeto de acordo transacional pelo Estado‑Membro, com o fundamento de que o acordo não satisfaz todas as condições estabelecidas no n.º 1.

CAPÍTULO V

Pagamento do montante previsto na sentença e no acordo transacional

Artigo 15.º

Âmbito de aplicação

As disposições do presente capítulo aplicam‑se sempre que a União aja como parte demandada num litígio.

Artigo 16.º

Procedimento para o pagamento do montante previsto numa sentença ou num acordo transacional

1.           Um demandante que tiver obtido uma sentença prevendo o pagamento de uma indemnização nos termos de um acordo pode apresentar à Comissão um pedido de pagamento desse montante. A Comissão deve pagar o montante previsto na sentença dentro dos prazos estabelecidos no acordo, exceto nos casos em que o Estado‑Membro em causa tiver aceitado a responsabilidade financeira nos termos do artigo 11.º, caso em que será o Estado‑Membro a pagar esse montante.

2.           Se um acordo transacional aprovado pela União nos termos do artigo 12.º ou do artigo 13.º não for registado em sentença, o demandante pode apresentar à Comissão um pedido de pagamento do montante previsto no acordo transacional. A Comissão deve pagar esse montante dentro dos prazos eventualmente aplicáveis fixados no acordo.

Artigo 17.º

Procedimento em caso de ausência de acordo sobre a responsabilidade financeira

1.           Se a União agir como parte demandada nos termos do artigo 8.º e a Comissão considerar que o montante em questão previsto na sentença ou no acordo transacional deve ser pago, no todo ou em parte, pelo Estado‑Membro em causa, com base nos critérios estabelecidos no artigo 3.º, n.º 1, será aplicável o procedimento estabelecido nos n.os 2 a 5.

2.           A Comissão e o Estado‑Membro em causa devem encetar consultas imediatamente, a fim de chegar a acordo sobre a responsabilidade financeira do Estado‑Membro em causa e da União, se for caso disso.

3.           No prazo de três meses a contar da receção do pedido de pagamento do montante previsto na sentença ou no acordo transacional, a Comissão deve adotar uma decisão dirigida ao Estado‑Membro em causa, determinando o montante a pagar pelo Estado‑Membro.

4.           A menos que o Estado‑Membro em causa levante objeções à determinação da Comissão, no prazo de um mês, deve compensar o orçamento da União pelo pagamento do montante previsto na sentença ou no acordo transacional, o mais tardar três meses após a decisão da Comissão. O Estado‑Membro em causa é responsável por quaisquer juros à taxa aplicável a outros montantes devidos ao orçamento da União.

5.           Se o Estado‑Membro em causa levantar objeções, a menos que a Comissão concorde com a objeção do Estado‑Membro, a Comissão deve adotar uma decisão no prazo de três meses a contar da receção da objeção do Estado‑Membro, exigindo que este reembolse o montante pago pela Comissão, juntamente com os juros respetivos à taxa aplicável a outros montantes devidos ao orçamento da União.          

Artigo 18.º

Adiantamento dos custos de arbitragem

1.           A Comissão pode adotar uma decisão exigindo ao Estado‑Membro em causa que efetue contribuições financeiras para o orçamento da União no que diz respeito a quaisquer custos decorrentes da arbitragem, caso considere que o Estado‑Membro será responsável pelo pagamento do montante previsto numa sentença, nos termos dos critérios estabelecidos no artigo 3.º

2.           Na medida em que o tribunal de arbitragem decidir que os custos decorrentes da arbitragem devem ser pagos à União e o Estado‑Membro em causa tiver efetuado pagamentos periódicos dos custos decorrentes da arbitragem, a Comissão deve garantir que estes são transferidos para o Estado‑Membro que os tiver pago adiantados.

Artigo 19.º

Pagamento efetuado por um Estado‑Membro

O reembolso ou pagamento ao orçamento da União por um Estado‑Membro relativo ao pagamento do montante previsto numa sentença ou num acordo transacional ou de quaisquer custos, será considerado como receitas afetadas internas na aceção do [artigo 18.º do Regulamento (CE, Euratom) n.º 1605/2002, de 25 de junho de 2002, que institui o Regulamento Financeiro aplicável ao orçamento geral das Comunidades Europeias[24]]. Esse montante pode ser utilizado para cobrir as despesas decorrentes de acordos concluídos nos termos do artigo 218.º do Tratado, os quais prevejam a resolução de litígios entre investidores e o Estado, ou para reconstituir dotações inicialmente previstas para cobrir o pagamento do montante previsto numa sentença ou num acordo transacional ou de quaisquer custos.

CAPÍTULO VI

Disposições finais

Artigo 20.º

1.           A Comissão é assistida pelo [Comité dos Acordos de Investimento instituído pelo Regulamento [2010/197 COD]]. Este Comité é um comité na aceção do Regulamento (UE) n.º 182/2011.

2.           Caso seja feita referência ao presente número, aplica‑se o artigo 4.º do Regulamento (UE) n.º 182/2011.

3.           Caso seja feita referência ao presente número, aplica‑se o artigo 5.º do Regulamento (UE) n.º 182/2011.

Artigo 21.º

Relatórios e revisão

1.           A Comissão deve apresentar regularmente ao Parlamento Europeu e ao Conselho um relatório sobre a aplicação do presente regulamento. O primeiro relatório deve ser apresentado o mais tardar três anos após a entrada em vigor do presente regulamento. Os relatórios subsequentes devem ser apresentados com uma periodicidade de três anos.

2.           A Comissão pode também apresentar ao Parlamento Europeu e ao Conselho uma proposta de alteração do presente regulamento, juntamente com o relatório referido no n.º 1 e com base nas suas conclusões.

Artigo 22.º

O presente regulamento entra em vigor no vigésimo dia seguinte ao da sua publicação no Jornal Oficial da União Europeia.

O presente regulamento é obrigatório em todos os seus elementos e diretamente aplicável em todos os Estados‑Membros.

Feito em Bruxelas, em

Pelo Parlamento Europeu                             Pelo Conselho

O Presidente                                                  O Presidente

[1]               JO L 380 de 31.12.1994, p. 1.

[2]               COM(2010) 343 final, p. 10.

[3]               Ibid, p. 8.

[4]               Parecer 1/94 do Tribunal de Justiça Europeu [1994] Col. I‑5267, em especial os n.os 29, 32 e 33:             «32) Para o Governo neerlandês, justifica‑se a participação conjunta da Comunidade e dos Estados‑membros na OMC, porque os Estados‑Membros têm uma competência própria em matéria de obstáculos técnicos ao comércio, devido à natureza opcional de certas diretivas comunitárias nesse domínio e porque não foi realizada, nem está prevista, uma harmonização completa nessa matéria.  33) Este argumento não pode ser acolhido. O Acordo sobre os Obstáculos Técnicos ao Comércio deve ser considerado como dependendo da política comercial comum, porque as suas disposições se destinam simplesmente a evitar que os regulamentos técnicos e normas, bem como os procedimentos de avaliação da conformidade com os regulamentos técnicos e normas, criem obstáculos desnecessários ao comércio internacional (v. exposição de motivos e os artigos 2.2 e 5.1.2 do Acordo)».     

[5]               Cf. artigo I:1 e artigo III do Acordo Geral sobre Pautas Aduaneiras e Comércio de 1994 (GATT 1994) e Parecer 1/94, ponto 34.

[6]               Cf. artigo 2.2 do Acordo da OMC sobre os Obstáculos Técnicos ao Comércio (OTC) e Parecer 1/94, pontos. 31‑33.

[7]               No seu Parecer 1/2008, o TJE rejeitou o argumento de Espanha de que a competência da Comunidade no que diz respeito ao comércio de serviços em conformidade com o artigo 133.º do Tratado CE se limitava aos serviços prestados segundo o modo 2 (ou seja, os serviços transfronteiriços). Segundo o TJE, e em conformidade com o Tratado de Nice, o artigo 133.º CE também abrange os outros três modos de prestação do GATS, incluindo a prestação de serviços através do estabelecimento de uma «presença comercial» (modo 3). Ver parecer 1/2008, n.os 120‑123. Além disso, não existe qualquer indicação no Parecer 1/2008, de que, no que diz respeito aos setores em que a CE tem competência exclusiva, essa competência não abranja os compromissos relativos ao tratamento nacional.

[8]               Parecer 1/91 do Tribunal de Justiça Europeu [1991] Col. I‑060709.

[9]               Parecer 1/91, n.º 33.

[10]             Ver artigo 64.º do Documento A/CN.4/l.778, de 30 de maio de 2011, e o relatório da Comissão de Direito Internacional, 61.ª sessão (A/64/10), pp. 173‑175.

[11]             Tal como previsto no artigo 13.º do Regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho que estabelece disposições transitórias para os acordos bilaterais de investimento entre os Estados‑Membros e os países terceiros [2010/197 COD].

[12]             Estes instrumentos têm muitas semelhanças.

[13]             Ver, para o Reino Unido, o Arbitration (International Investment Disputes) Act, de 1966, e para a Irlanda, o Arbitration Act, de 1980 (Parte IV).

[14]             Regulamento (UE) n.º 182/2011 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de fevereiro de 2011, que estabelece as regras e os princípios gerais relativos aos mecanismos de controlo pelos Estados‑Membros do exercício das competências de execução pela Comissão (JO L 55 de 28.2.2011, p. 13).

[15]             Adotada pela Comissão em 25 de maio de 2012, [COM(2012) 300].

[16]               JO L 69 de 9.3.1998, p. 1.

[17]               Parecer 1/91 do Tribunal de Justiça Europeu [1991] Col. I‑60709.

[18]               Ponto 35 da Resolução A7 0070/2011, de 22 de abril de 2011.

[19]               Parecer 1/94 do Tribunal de Justiça Europeu [1994] Col. I‑5267. Comissão/Conselho (FAO), [1996], Col., I‑1469.

[20]               Parecer 1/94 do Tribunal de Justiça Europeu [1994] Col. I‑5267. Comissão/Conselho (FAO), [1996], Col., I‑1469.

[21]               JO L 248 de 16.9.2002, p. 1.

[22]               Referências a substituir por referências ao Regulamento (CE) do Parlamento Europeu e do Conselho relativo às disposições financeiras aplicáveis ao orçamento anual da União [2010/395 (COD)], uma vez adotado.

[23]               JO L 55 de 28.2.2011, p. 13.

[24]               Referências a substituir por referências ao Regulamento (CE) do Parlamento Europeu e do Conselho relativo às disposições financeiras aplicáveis ao orçamento anual da União [2010/395 (COD)], uma vez adotado.