29.6.2012   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 191/129


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a proposta de diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho que altera a Diretiva 2003/98/CE relativa à reutilização de informações do setor público

[COM(2011) 877 final — 2011/0430 (COD)]

2012/C 191/22

Relatora: Isabel CAÑO AGUILAR

Em 17 de janeiro, o Parlamento Europeu e, em 18 de janeiro de 2012, o Conselho decidiram, nos termos do artigo 114.o do TFUE, consultar o Comité Económico e Social Europeu sobre

Proposta de diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho que altera a Diretiva 2003/98/CE relativa à reutilização de informações do setor público

COM(2011) 877 final — 2011/0430 (COD).

Foi incumbida da preparação dos correspondentes trabalhos a Secção Especializada de Transportes, Energia, Infraestruturas e Sociedade da Informação, que emitiu parecer em 11 de abril de 2012.

Na 480.a reunião plenária de 25 e 26 de abril de 2012 (sessão de 25 de abril), o Comité Económico e Social Europeu adotou, por 133 votos a favor, 2 votos contra e 2 abstenções, o seguinte parecer:

1.   Conclusões

1.1   O CESE acolhe favoravelmente a revisão da Diretiva 2003/98/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 17 de novembro de 2003, relativa à reutilização de informações do setor público (1) (Diretiva ISP), na medida em que aumentar consideravelmente a possibilidade de utilização dos dados públicos com maior eficiência é uma das ações destinadas ao cumprimento dos objetivos da Estratégia Europa 2020.

1.2   O Comité destaca que a revisão da Diretiva ISP é necessária devido à revolução digital, ao aumento de informação que as autoridades detêm e à importância económica deste tema, que se avalia globalmente em 140 mil milhões de euros. Além disso, importa colmatar as lacunas do regulamento atual e incorporar os princípios aprovados pela OCDE em 2008.

1.3   O novo regulamento, que incorpora aspetos propostos pelo CESE no seu parecer anterior, faz parte do pacote de medidas da Agenda Digital, que é uma das estratégias fundamentais da UE.

1.4   Mantendo o direito de acesso à informação pública como uma competência exclusiva dos Estados, o novo regulamento inclui uma alteração crucial que consagra a reutilização como uma obrigação a cumprir pelos Estados-Membros.

1.5   O Comité considera que a reutilização de informação do setor público deve ser regulamentada através de um regulamento, com vista à homogeneidade no acervo normativo dos Estados-Membros e à superação das disparidades verificadas na transposição da Diretiva ISP.

1.6   A revisão alarga o âmbito de aplicação da reutilização a museus, bibliotecas e arquivos, melhorando também as modalidades práticas para facilitar a pesquisa de dados.

1.7   Na opinião do CESE, a revisão da diretiva também se justifica pelo grande potencial, ainda não suficientemente explorado, que a informação público tem em três domínios fundamentais porquanto contribui para:

fomentar o mercado interno, fortalecer as empresas europeias e criar emprego;

favorecer a coerência com outras políticas da União;

reforçar a transparência, a eficácia e a responsabilidade das administrações públicas.

1.8   As novas normas de tarifação excluem a gratuitidade obrigatória. Cada Estado-Membro poderá decidir se cobra ou não um emolumento. Caso decida pela sua cobrança, deve limitá-la ao custo marginal, ainda que, excecionalmente, possa cobrar um emolumento de valor superior. O princípio da recuperação dos custos atualmente vigente mantém-se com caráter residual. O CESE considera esta modificação positiva.

1.9   No que respeita à autoridade independente criada para apreciar os recursos das decisões negativas, o CESE considera que não se deve criar necessariamente um organismo de raiz, podendo ser designada uma autoridade já existente, sempre que haja garantia de imparcialidade e independência das decisões.

1.10   O novo regulamento contém uma menção aos direitos económicos ou morais dos trabalhadores dos organismos públicos para contemplar situações específicas que existem em determinados Estados-Membros da União.

1.11   O Comité defende a necessidade de reforçar o texto da proposta em matéria de proteção de dados pessoais, exigindo uma avaliação minuciosa de cada caso, que permita contrabalançar o direito à vida privada e o direito ao acesso público.

2.   Contexto

2.1   A Diretiva 2003/98/CE (Diretiva ISP) representou um passo importante para estimular a reutilização da enorme quantidade de informação que o setor público detém, ao assentar os alicerces de um quadro jurídico europeu para harmonizar as condições básicas e eliminar os obstáculos a tal reutilização.

2.2   O artigo 13.o da Diretiva ISP incumbe a Comissão Europeia de realizar uma revisão antes de 1 de julho de 2008, abordando «em especial, o âmbito e o impacto da presente diretiva, incluindo o nível do aumento da reutilização de documentos do setor público, os efeitos dos princípios aplicáveis aos preços e a reutilização de textos oficiais de caráter legislativo e administrativo, bem como outras possibilidades de melhorar o funcionamento do mercado interno e o desenvolvimento da indústria europeia de conteúdos». Esta revisão reflete-se na Comunicação COM(2009) 212, onde se assinala que, não obstante os progressos realizados, subsistem ainda grandes obstáculos, nomeadamente as tentativas dos organismos do setor público de maximizar a recuperação de custos, em detrimento dos benefícios para a economia em geral, a concorrência entre o setor público e o setor privado, as questões práticas que dificultam a reutilização, como a falta de informação sobre as ISP disponíveis, bem como a atitude de alguns organismos públicos, pouco conscientes desse potencial económico.

2.3   Outros factos que, segundo a Comissão, justificam a revisão da diretiva são:

o aumento vertiginoso do volume de dados;

a permanente revolução digital, que aumenta o valor do património do setor público em matéria de informação e de conteúdos;

a crescente importância económica das ISP no que respeita os lucros totais, diretos e indiretos, resultantes das aplicações. A utilização das ISP na economia da UE a 27 ronda os 140 mil milhões de euros anuais (2);

a constatação de que existe ainda um grande potencial de reutilização das ISP. Embora alguns Estados-Membros tenham progredido significativamente neste âmbito, há ainda muito a fazer, se considerarmos, entre outros aspetos, o desenvolvimento da reutilização das ISP em determinadas experiências internacionais.

2.4   Os aspetos mais relevantes que este projeto de diretiva propõe alterar referem-se ao âmbito de aplicação, ao princípio geral aplicável à reutilização, aos direitos económicos ou morais dos trabalhadores de organismos do setor público, aos princípios de tarifação e às modalidades práticas que facilitem a pesquisa de dados.

3.   Observações na generalidade

3.1   ISP e Agenda Digital

3.1.1   O CESE considera que, em geral, a reforma proposta é acertada para colmatar as lacunas óbvias da Diretiva ISP. Além de dar resposta às partes interessadas da UE, que apontam problemas graves relacionados com a atual legislação, a revisão integra os princípios da Recomendação da OCDE (3), para melhorar e tornar mais efetiva a utilização da informação do setor público.

3.1.2   Destaca também que a revisão faz parte de um pacote de medidas da Agenda Digital, que se baseia em três linhas de ação: adaptação do quadro jurídico para a reutilização de dados do setor público, mobilização de instrumento financeiros e melhor coordenação dos Estados-Membros (4).

3.2   Direito à reutilização

3.2.1   A nova regulamentação implica uma alteração radical ao determinar que a reutilização é um direito. No atual sistema, compete a cada Estado-Membro autorizar ou não a reutilização. Dado que o vínculo entre o direito de acesso e o direito de utilização está explícito em algumas normas nacionais, mas noutras não, estamos perante uma situação de insegurança jurídica.

3.2.2   Como tal, o CESE sublinha especialmente e apoia a alteração que se propõe neste âmbito e que consiste no seguinte:

o direito de acesso à informação do setor público continua a ser da competência exclusiva dos Estados-Membros e não faz parte do âmbito da Diretiva ISP (5);

quando uma informação é pública e acessível segundo as normas nacionais, prescreve-se (com as exceções expressamente previstas) que a reutilização da informação pública para fins lucrativos ou não lucrativos é uma obrigação dos Estados-Membros, na medida em que a nova redação do artigo 3.o dispõe que estes «devem assegurar que […] tais documentos sejam reutilizáveis». É um avanço imprescindível para instaurar um quadro europeu homogéneo.

3.2.3   O direito à reutilização representa um passo em frente na orientação que o CESE expressou no ser parecer anterior (6), no sentido de que a obrigação de reutilização de dados não é «só a mera disponibilidade passiva, mas também uma obrigação de promoção ativa».

3.2.4   Dadas as disparidades resultantes da transposição da Diretiva ISP, o CESE tem para si que é necessária uma harmonização mais rigorosa, que deve traduzir-se numa proposta de regulamento.

3.3   Extensão do âmbito de aplicação

3.3.1   Tal como já proposto pelo CESE no seu parecer sobre a Diretiva ISP, o novo regulamento abrangerá a documentação existente em museus, bibliotecas e arquivos. Esta situação é também válida para as bibliotecas universitárias, exceto para documentos protegidos por direitos de propriedade intelectual (nova redação: artigo 1.o, n.o 2, alínea e), o que implica incorporar uma grande quantidade de informação no âmbito de aplicação da diretiva e, consequentemente, aumentar a sua eficácia.

3.4   Melhoria dos motores de pesquisa

3.4.1   O CESE considera adequada a proposta de regulamento dos mecanismos práticos, que visa facilitar a pesquisa de informação (artigo 9.o), na medida em que inclui os metadados, o fornecimento da informação «num formato legível por máquina» e portais com ligação a inventários descentralizados.

3.5   Reforma necessária pelo potencial da informação do setor público

3.5.1   A documentação armazenada em organismos públicos é aplicável a numerosos campos relacionados com o conhecimento, as condições sociais, a ciência, a economia e a cultura, entre outros. A título de exemplo, podem enumerar-se: a informação geográfica, meteorológica, ambiental, económica, sobre tráfego e transportes, turismo, agricultura, publicações jurídicas e de jurisprudência, estatísticas, condições sociais, etc. (7). Consequentemente, a sua exploração contribui para o crescimento da economia, o desenvolvimento do mercado interno, o reforço das empresas e a criação de postos de trabalho.

3.5.2   A maior utilização da informação do setor público é coerente com outras políticas da União, como é o caso da política de concorrência, a política marítima integrada, a política comum de transportes, a necessidade de promover o acesso aberto à informação científica e a política sobre digitalização e património cultural.

3.5.3   Incrementar a reutilização da informação contribuirá também para promover a transparência, a eficácia e a responsabilidade das administrações públicas.

4.   Observações na especialidade

4.1   Emolumentos  (8)

4.1.1   O aspeto mais controverso do regulamento atualmente em vigor é o preço que o público deve pagar para aceder à informação. A cobrança de emolumentos excessivos e a falta de transparência na sua criação suscitaram reclamações dos utilizadores e constituem um sério obstáculo à promoção da reutilização da informação pública.

4.1.2   A proposta rejeita a gratuitidade obrigatória (custo zero) defendida por alguns. Opta, sim, por novos princípios de tarifação que consistem em:

cada Estado-Membro decidir se aplica ou não um emolumento;

se decidir aplicá-lo, deve limitá-lo aos custos marginais originados pela reprodução ou difusão;

o princípio do custo marginal não pode aplicar-se através da imposição de emolumentos mais elevados nos casos excecionais previstos no novo artigo 6.o, n.o2, em particular, organismos do setor público que cobram uma parte substancial das suas despesas de funcionamento com a exploração dos seus direitos de propriedade intelectual; esta exceção está sujeita a critérios rigorosos previstos na revisão da diretiva: os emolumentos devem estabelecer-se «segundo critérios objetivos, transparentes e verificáveis, sempre que o interesse público o aconselhe e com o assentimento da autoridade independente», que prevê a reforma da diretiva;

também as bibliotecas (nomeadamente universitárias), museus e arquivos poderão cobrar emolumentos superiores aos marginais;

o ónus da prova da adequação dos emolumentos às exigências da diretiva recai sobre o organismo público que fornece a informação ao utilizador.

4.1.3   Assim, introduz-se como princípio geral o custo marginal e mantém-se, com caráter residual, a recuperação de custos prevista no atual artigo 6.o, apesar de não ser «considerado adequado para promover atividades baseadas na reutilização de dados públicos» (3. Elementos jurídicos da proposta; 3.2 Subsidiariedade e proporcionalidade, n.o 5).

4.1.4   O CESE, que é a favor desta modificação, considera que é necessário clarificar a redação da alteração proposta aos emolumentos do artigo 6.o, assinalando expressamente o caráter excecional do princípio de recuperação de custos.

4.1.5   O CESE entende que o princípio de gratuitidade geral poderia ser estabelecido, pelo menos, em determinados casos de reutilização sem fins lucrativos.

4.2   Autoridade independente

4.2.1   Em caso de recusa de um pedido de reutilização, o novo regulamento estabelece que os recursos devem incluir «a possibilidade de exame por uma autoridade investida de poderes regulamentares específicos em matéria de reutilização das informações do setor público e cujas decisões sejam vinculativas para o organismo do setor público em questão.» (aditado ao artigo 4.o, n.o4).

4.2.2   A proposta não especifica as características e a composição desta «autoridade independente», aspetos que, acertadamente, serão decididos por cada Estado-Membro. O CESE considera que não se deve criar necessariamente um organismo de raiz, podendo ser designada uma autoridade já existente, sempre que haja garantia de imparcialidade e independência das decisões. Contudo, dada a experiência adquirida desde a entrada em vigor da Diretiva ISP – em alguns casos, o regime de acesso e de difusão foi interpretado de forma restrita –,convém aditar no novo número, depois de «informação ao setor público»«[…]».

4.2.3   Em todo o caso, sublinha o CESE, deve ter-se em conta o conceito de independência assinalado pelo Tribunal de Justiça Europeu, que exclui não só qualquer influência que possam exercer os organismos sujeitos ao controlo, mas também qualquer influência externa, direta ou indireta, que possa dificultar a tarefa destas autoridades independentes (9).

4.3   Propriedade intelectual e direitos económicos ou morais dos trabalhadores

4.3.1   Em função das normas nacionais e internacionais que regulam a propriedade intelectual, a proposta de revisão preserva «os direitos económicos ou morais de que os empregados de organismos do setor público podem usufruir de acordo com a regulamentação nacional» (ponto aditado ao artigo 1.o, n.o 5). Este é um aspeto não contemplado na Diretiva ISP e a sua inclusão responde a situações específicas de alguns Estados-Membros no que respeita à titularidade dos direitos sobre os dados que o setor público detém.

4.3.2   A complexidade da propriedade intelectual e os princípios de subsidiariedade e de intervenção mínima aconselham a deixar a solução dos conflitos aos sistemas jurídicos e judiciais de cada país, como acertadamente propõe o texto objeto deste parecer.

4.4   Proteção dos dados pessoais

4.4.1   A Diretiva ISP inclui o tratamento de dados pessoais (artigo 1.o, n.o4), assinalando que «não modifica, nem de modo algum afeta o nível de proteção dos indivíduos relativamente ao processamento de dados pessoais nos termos das disposições de direito nacional e comunitário, nem altera, em particular, as obrigações e direitos estabelecidos na Diretiva 95/46/CE» (10).

4.4.2   Trata-se de uma disposição acertada, mas a importância do tema e a constante inovação tecnológica requerem que lhes seja prestada mais atenção, uma vez que coloca diversas questões relacionadas com a legitimidade da difusão pública, a proteção especial de dados sensíveis, a transferência para países terceiros e o princípio de finalidade. Para o CESE, tal como assinala o Grupo de Proteção das Pessoas no que diz respeito ao Tratamento de Dados Pessoais, devia figurar a exigência de que os organismos públicos realizem uma «avaliação cuidadosa e casuística que permita estabelecer um equilíbrio entre o direito à proteção da vida privada e o direito de acesso público» (11).

Bruxelas, 25 de abril de 2012

O Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Staffan NILSSON


(1)  JO L 345 de 31.12.2003, p. 90.

(2)  O «Relatório Vickery» faz uma análise profunda deste tema. Ver «Review of Recent Studies on PSI Re-Use and Related Market Developments» – Final Version – Graham Vickery, 2010 – http://ec.europa.eu/information_society/policy/psi/docs/pdfs/report/final_version_study_psi.docx.

(3)  Adotada em Seul, em 17 e 18 de junho de 2008.

(4)  Comunicação da Comissão – Dados abertos: Um motor de inovação, crescimento e governação transparente, COM(2011) 882 final, Bruxelas, 12.12.2011.

(5)  Artigo 1.o, n.o 3.

(6)  Parecer do CESE sobre o tema «Reutilização e exploração comercial de documentos do setor público», JO C 85 de 8.4.2003, p. 25.

(7)  No Relatório Vickery foram identificados 13 campos, que se subdividem em vários temas.

(8)  Ver «Deloitte Pricing of PSI Study», Luxemburgo 2011 – http://ec.europa.eu/information_society/policy/psi/docs/pdfs/minutes_psi_group_meetings/presentations/15th/03_01_study_economic_deloitte.pdf.

(9)  Acórdão de 9 de março de 2010, processo C-518/07.

(10)  Diretiva 95/46/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 24 de outubro de 1995, relativa à proteção das pessoas singulares no que diz respeito ao tratamento de dados pessoais e à livre circulação desses dados JO L 281 de 23.11.1995, p. 31.

(11)  http://ec.europa.eu/justice/policies/privacy/docs/wpdocs/2003/wp83_en.pdf