29.6.2012   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 191/80


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a proposta de diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho relativa aos mercados de instrumentos financeiros, que revoga a Diretiva 2004/39/CE do Parlamento Europeu e do Conselho (reformulação)

[COM(2011) 656 final — 2011/0298 (COD)]

2012/C 191/15

Relator único: Edgardo Maria IOZIA

Em 2 de dezembro de 2011, o Conselho decidiu, em conformidade com o artigo 304.o do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, consultar o Comité Económico e Social Europeu sobre a

Proposta de diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho relativa aos mercados de instrumentos financeiros, que revoga a Diretiva 2004/39/CE do Parlamento Europeu e do Conselho (reformulação)

COM(2011) 656 final — 2011/0298 (COD)

Foi incumbida da preparação dos correspondentes trabalhos a Secção Especializada do Mercado Único, Produção e Consumo que emitiu parecer em 17 de abril de 2012.

Na 480.a reunião plenária de 25 e 26 de abril de 2012 (sessão de 25 de abril), o Comité Económico e Social Europeu adotou, por 115 votos a favor, 1 voto contra e 6 abstenções, o seguinte parecer:

1.   Conclusões e recomendações

1.1   O Comité Económico e Social Europeu (CESE) é a favor da proposta de reformulação da Diretiva 2004/39/CE, conhecida por MiFID, que institui um quadro normativo para a prestação de serviços de investimento no domínio dos instrumentos financeiros, como por exemplo, a corretagem, o aconselhamento, a gestão de carteiras, a subscrição de novas obrigações, operações de bancos comerciais e de bancos de investimento, e para as operações em mercados regulados por operadores do mercado.

1.2   O objetivo principal da diretiva é incrementar a transparência e a eficiência dos intercâmbios e limitar a volatilidade dos mercados, mas também reforçar a integridade dos intermediários e a proteção dos investidores, abrindo os mercados europeus a uma verdadeira concorrência na prestação de serviços financeiros. O CESE apoia estes objetivos e considera que a proposta, no seu conjunto, constitui um avanço na direção correta.

1.3   Considera que, à luz do novo Tratado, a base jurídica adotada pela Comissão poderá ser inadequada e não refletir plenamente as implicações da diretiva. A proteção dos consumidores, a consolidação e o desenvolvimento do mercado interno, que constituem uma parte fundamental da diretiva, assentam em bases jurídicas mais estruturadas e complexas, que garantem de forma mais adequada os processos de participação e o papel dos órgãos representativos.

1.4   A proposta de reformulação da diretiva tem em conta a evolução legislativa registada até ao momento e propõe soluções novas e mais concretas no que respeita às responsabilidades dos operadores. O CESE concorda com a reformulação escolhida, cuja motivação se baseia na maior complexidade do mercado financeiro, na evolução do mercado e dos instrumentos tecnológicos utilizados, que tornaram obsoletas algumas das disposições anteriores, e, sobretudo, nas deficiências na regulação de instrumentos mais do que do mercado de valores, gerido por operadores financeiros.

1.5   O CESE considera que a proposta se centra no objetivo de consolidar o mercado financeiro da UE para que seja mais integrado, eficiente e concorrencial, conjugando o reforço da transparência e da proteção dos consumidores e reduzindo as áreas de especulação selvagem como um fim em si mesma e alheia ao contexto económico e social, especialmente no que respeita aos instrumentos negociados sobretudo no mercado de balcão (OTC – over the counter).

1.6   O CESE sublinha, mais uma vez, que discorda do recurso excessivo e desproporcionado aos atos delegados, como prevê o artigo 94.°, que devem ser limitados e circunscritos a determinadas matérias e por um tempo bem determinado. Espera que as instituições legislativas europeias esclareçam sobre a utilização adequada deste instrumento, sujeito a uma verificação a posteriori e sobre a sua conformidade com o espírito e com o disposto nos tratados.

1.7   O CESE apoia sem reservas a disposição que visa reforçar o princípio do aconselhamento independente, que obriga o operador a declarar a priori se presta um serviço de forma independente ou como agente vinculado a uma rede de vendas. Os detentores da poupança podem escolher, em função das suas exigências, o tipo de aconselhamento que pretendem receber.

1.8   O CESE solicitara já anteriormente uma regulamentação clara no âmbito da «venda a troco de aconselhamento», ou seja, proibir que as empresas financeiras exerçam pressões comerciais sobre os operadores e as redes de venda para a venda de produtos. A proposta em exame constitui um primeiro passo na direção correta e o CESE congratula-se por a Comissão ter reconhecido que é necessário aumentar a proteção dos investidores e dos operadores, que devem atuar «exclusivamente» no interesse dos clientes, aconselhando-os de forma adequada e sem condições de qualquer espécie.

1.9   O CESE recomenda à Comissão que inclua na lista de informações uma disposição adicional que regule a qualidade dos dados trocados entre os fornecedores de dados (data providers). A sensibilidade e a importância destas informações aconselham a que a sua divulgação seja obrigatória, o que terá repercussões positivas óbvias na transparência do mercado.

1.10   O CESE concorda com a atribuição de novas responsabilidades à Autoridade Europeia dos Valores Mobiliários e dos Mercados (AEVMM), que deverá, entre outras tarefas, elaborar uma série de normas técnicas obrigatórias, redigir pareceres, interditar produtos e práticas em situações de urgência e coordenar a atividade das autoridades nacionais, elaborar orientações sobre as medidas administrativas e as sanções a adotar em casos específicos.

2.   Principais novidades da proposta

2.1   A proposta, ainda que mantenha a estrutura da Diretiva MiFID, atualiza-a à luz das disposições das diretivas que a procederam e enriquece-a com novos conteúdos, sendo seus objetivos principais:

a promoção da concorrência entre os operadores e o mercado;

a promoção da transparência e da eficiência dos mercados;

o reforço da proteção dos investidores.

2.2   Os meios utilizados para alcançar estes objetivos referem-se aos riscos que devem ser atenuados por meio de diversos mecanismos. De facto, no passado, alguns dos riscos antevistos materializaram-se e puseram em evidência a debilidade dos mecanismos de atenuação que tinham já sido previstos.

2.3   As principais novidades que introduz a MiFID II referem-se especificamente:

ao âmbito de aplicação e ao regime de exceções;

às novas plataformas de negociação;

à regulação das atividades das empresas de investimento e dos operadores do mercado da UE;

às normas aplicáveis às empresas de investimento de países terceiros;

às novas competências das autoridades de supervisão dos Estados-Membros da União Europeia;

aos atos delegados:

3.   Observações

3.1   A proposta consta de duas partes: a primeira centra-se na estrutura do mercado e a segunda nas questões relacionadas com a transparência. Tal como é expressamente apresentado, o objetivo principal da proposta é garantir que todos os intercâmbios sejam elaborados de forma regulada e completamente transparentes.

3.2   Um ponto crucial da proposta de diretiva é a introdução do aconselhamento independente. O CESE considera que a disposição relativa ao aconselhamento independente foi bem redigida. Com as novas disposições, os intermediários deverão especificar aos detentores da poupança que tipo de aconselhamento vão prestar, se o aconselhamento é independente ou não, que características terá e diversas outras informações.

3.3   Esta disposição permite a todos os investidores, independentemente dos seus recursos financeiros, receber aconselhamento adequado ao seu perfil. O CESE é totalmente a favor de tal disposição.

3.4   De facto, o princípio de transparência adotado permite que os clientes conheçam para quem trabalha o consultor, harmoniza a diversidade da legislação existente nos Estados-Membros, incrementa a transparência, reforça a integridade do comportamento dos operadores interessados e, como tal, em última instância, protege melhor os investidores.

3.5   Assim, a diretiva, com exceção da atividade específica da gestão de carteiras, permite a coexistência das atuais redes de consultores (por conta de outrem e independentes), mas obriga-os a declarar a natureza do aconselhamento. O CESE considera que esta norma é positiva do ponto de vista da proteção da concorrência e dos investidores, na medida em que dá aos clientes a possibilidade de escolherem o tipo de serviço de aconselhamento que preferem.

3.6   Em termos gerais, o documento da Comissão protege os clientes e abre o caminho para uma convivência harmoniosa entre os que prestam aconselhamento financeiro, dos bancos às redes de promoção financeira, terminando nos consultores que apenas recebem comissões (fee only).

3.7   O CESE sugere que se precise a definição de aconselhamento e se preveja a sua aplicação em todos os serviços relacionados com o investimento (incluindo o aconselhamento geral). O CESE considera que, ao estabelecer-se que o aconselhamento pode ser praticado unicamente por profissionais do setor, poderá garantir-se um reforço adicional do princípio de proteção dos investidores.

3.8   Importa precisar que o aconselhamento consiste em recomendar um produto adequado ao perfil do cliente e é na adequação dessa recomendação que jaz a integridade do comportamento. Como tal, o CESE considera que esta disposição tem também repercussões do ponto de vista «educativo», independentemente do modelo organizacional. A integridade não depende, ou não depende totalmente, de o aconselhamento ser feito através de uma integração vertical ou multimarca, ou exclusivamente através de comissões ou corretagem. O facto de haver um, dez ou trinta produtos não garante que o aconselhamento ao cliente seja o mais adequado.

3.9   A proposta quase não altera o critério de autoclassificação do cliente, introduzido pela Diretiva MiFID anterior (os intermediários classificam detalhadamente os seus próprios clientes com base no conhecimento e experiência em matéria de investimentos que estes últimos afirmam possuir). A AEVMM disponibiliza uma lista de orientações para redigir o questionário a entregar aos clientes. Assim, definem-se várias categorias de clientes, subdivididos em não profissional, profissional e contraparte elegível.

3.10   O CESE concorda com a melhoria introduzida, uma vez que considera que, desta forma, os intermediários podem subdividir os clientes de forma eficaz, mas, sublinha ao mesmo tempo, que a diretiva não introduz no mercado os instrumentos adequados para proteger os clientes a todos os níveis.

3.11   O sistema estará em condições de «educar» os clientes no terreno, através de pessoal com a formação adequada. Contudo, o CESE considera bastante ambicioso pensar que um cliente não profissional poderá traçar um retrato fiel e correto das suas competências financeiras, tendo também em conta a escassa educação financeira e o atraso com que se elaboraram programas de educação financeira a nível europeu. Por conseguinte, o CESE sugere que se reveja o procedimento da diretiva e se preveja, se for o caso, a inclusão de uma figura externa de apoio à «educação» do cliente.

3.12   A diretiva introduz um novo modelo de remuneração do consultor independente. Ao contrário do aconselhamento dependente, o aconselhamento independente deverá ser pago diretamente pelo cliente.

3.13   O Comité considera que este novo esquema de remuneração trará qualidade adicional ao serviço prestado e proteção acrescida, permitindo ainda assegurar a honestidade dos profissionais. A este respeito, o CESE sugere que se distinga «consultoria» e «venda».

3.14   Desta forma, tendo em conta que o verdadeiro aconselhamento adequado tem um custo, é lógico pensar que o aconselhamento de produtos mais complexos será mais oneroso. Como tal, o CESE incita a que se encete uma reflexão sobre a possibilidade de se promoverem e divulgarem mais produtos menos complexos, na medida em que são mais económicos.

3.15   Muitas das novas disposições têm por fim garantir a honestidade e a integridade do comportamento dos bancos, que serão obrigados a rever em profundidade as suas práticas comerciais. O CESE apoia estas medidas, porque protegem melhor os investidores. Ao mesmo tempo, o Comité recomenda à Comissão que aplique uma política de responsabilização das empresas financeiras, assim como dos clientes.

3.16   A proposta de criação de uma categoria específica de bolsa para as pequenas e médias empresas, com menos carga regulamentar, é uma novidade importante. O CESE concorda com esta inclusão específica, uma vez que permite dar visibilidade a este segmento.

3.17   Não obstante, o CESE tem dúvidas sobre a capacidade de aplicação desta disposição. Não se trata, de facto, de uma proposta nova. Há mais de vinte anos que se tenta desenvolver um mercado alargado para as PME, mas nunca se conseguiu torná-lo operacional de forma eficaz. O CESE sugere, por isso, que se prevejam medidas e disposições específicas que permitam concretizar este projeto de forma eficaz e eficiente.

3.18   Em geral, a diretiva estabelece normas de funcionamento mais claras para todas a atividades de negociação. As plataformas de negociação devem garantir que, no âmbito de uma operação, todos os dados estarão disponíveis livremente quinze minutos depois de serem executados e que serão divulgados em tempo real a um preço determinado pela Comissão, em «condições comerciais razoáveis». Esta medida constituirá um passo em frente na transparência do estabelecimento dos preços.

3.19   O processo que prevê a obrigação de cada plataforma utilizar determinados intermediários para canalizar para o exterior os dados relativos às negociações é justificável. Contudo, o CESE considera que esta disposição revela uma excessiva confiança no intercâmbio espontâneo de informações entre os operadores e sugere à Comissão que preveja um ponto específico que regule a qualidade dos dados trocados entre os fornecedores de dados.

3.20   No que respeita aos instrumentos derivados relativos a matérias-primas, o objetivo da MiFID II é evitar a especulação desenfreada e como um fim em si mesma. A Comissão deseja alcançar este objetivo, limitando o número de contratos que um investidor pode celebrar em determinado período. O CESE, como já referiu inúmeras vezes, considera que a especulação não é necessariamente um fator negativo para os mercados financeiros, uma vez que incrementa a sua liquidez e o seu desenvolvimento. São necessárias medidas que obstaculizem as operações altamente especulativas, com repercussões nos preços finais para os consumidores. Ao mesmo tempo, o CESE recomenda uma ponderação atenta e equilibrada das medidas, com vista a evitar efeitos negativos no mercado.

3.21   Além disso, considera que o novo regulamento, ainda que vise um princípio de harmonização entre os Estados-Membros, não propõe uma coordenação específica entre a Europa e os EUA. O CESE concorda com o princípio de harmonização defendido, mas sugere, ao mesmo tempo, que se preste atenção aos possíveis custos adicionais para os participantes nos vários mercados em virtude da diversidade de normas existentes, por exemplo, nos mercados de derivados.

3.22   O CESE é a favor da extensão do princípio de transparência à fase de pré-negociação de títulos e de produtos estruturados. Não obstante, sugere que se tenham em conta as diferenças fundamentais entre o mercado de equity e o mercado de non-equity. A transparência pré-negociação é mais importante para os mercados dirigidos por ordens (order-driven) (como o mercado de ações), enquanto a transparência pós-negociações é mais conveniente para os mercados dirigidos por preços (cote-driven) (como os mercados de obrigações). Assim, o CESE considera que é necessária uma distinção entre mercados para aplicação do princípio de transparência antes e após negociação.

Bruxelas, 25 de abril de 2012

O Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Staffan NILSSON