28.1.2012   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 24/51


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre «O papel da sociedade civil no acordo de comércio livre entre a UE e a Índia» (parecer de iniciativa)

2012/C 24/10

Relatora: Madi SHARMA

Em 14 de Setembro de 2010, o Comité Económico e Social Europeu decidiu, nos termos do artigo 29.o, n.o 2, do Regimento, elaborar um parecer de iniciativa sobre

O papel da sociedade civil no acordo de comércio livre entre a UE e a Índia.

Foi incumbida da preparação dos correspondentes trabalhos a Secção Especializada de Relações Externas, que emitiu parecer em 5 de Outubro de 2011. A relatora foi Madi Sharma.

Na 475.a reunião plenária de 26 e 27 de Outubro de 2011 (sessão de 27 de Outubro), o Comité Económico e Social Europeu adoptou, por 152 votos a favor, 3 votos contra e 5 abstenções, o seguinte parecer:

1.   Conclusões e Recomendações

1.1   O Comité Económico e Social Europeu (CESE) considera que um acordo de comércio livre (ACL) entre a UE e a Índia poderá ser vantajoso para ambas as partes, podendo trazer benefícios como maior desenvolvimento, competitividade, riqueza e emprego. O comércio constitui um importante mecanismo para apoiar o desenvolvimento e reduzir a pobreza. Contudo, no interesse de todas as partes, há que avaliar com cuidado, transparência e numa perspectiva abrangente o seu impacto económico, social e ambiental. Neste contexto, a sociedade civil tem um papel preponderante a desempenhar.

1.2   O processo de negociação deste ACL, incluindo a identificação das suas potenciais repercussões, apresenta algumas lacunas a colmatar por ambas as partes antes da conclusão do ACL. Segundo o documento de posição dos serviços da Comissão, «poder-se-iam ter considerado mais atentamente as repercussões para o emprego informal», além de que a realização de análises adicionais sobre os efeitos do acordo na deslocalização do trabalho permitiria «previsões mais rigorosas em relação a outras consequências sociais, como o impacto sobre a pobreza, a saúde e a educação » (1).

1.3   O CESE recorda que, nos termos do artigo 207.o do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, a política comercial comum da UE deve ser conduzida «de acordo com os princípios e objectivos da acção externa da União», e que, nos termos do artigo 3.o do Tratado da União Europeia, deve contribuir, nomeadamente, para o desenvolvimento sustentável, a erradicação da pobreza e a protecção dos direitos humanos. O comércio não é um fim em si mesmo.

1.4   O CESE recomenda que se realizem sem demora novos estudos que tenham expressamente em consideração o verdadeiro impacto do ACL na sociedade civil da UE e da Índia (nomeadamente sobre o Modo 4, as PME, os direitos dos trabalhadores, a condição da mulher, a segurança dos consumidores, a economia informal, a agricultura, a pobreza e os efeitos sobre o acesso a produtos fundamentais como os medicamentos que salvam vidas). Em prol da transparência, estes estudos deveriam ser realizados com base em estudos científicos públicos e em seminários com a participação da sociedade civil. As respectivas conclusões poderiam então ser levadas em conta no âmbito das negociações, que estão agora na sua fase final.

1.5   O CESE exorta o Conselho, o Parlamento e a Comissão a assegurarem que, antes da celebração de um acordo, a UE:

leva em conta as perspectivas e as preocupações da sociedade civil da UE;

avalia o impacto sobre os cenários prováveis no âmbito do Modo 4, contemplando a qualidade e a quantidade de trabalho por sector e por Estado-Membro, em estreita consulta com os parceiros sociais;

cumpre as suas obrigações jurídicas para que o ACL não se traduza num aumento da pobreza;

e que o acordo:

se rege por uma cláusula eficaz em matéria de direitos humanos, em consonância com as práticas anteriores e a política estabelecida da UE;

inclui um capítulo ambicioso sobre o desenvolvimento sustentável contendo disposições laborais e ambientais aplicáveis através dos procedimentos normais de resolução de litígios, e prevendo medidas correctivas eficazes;

criar, em especial, um quadro assente nos direitos estabelecidos pela OIT em prol dos trabalhadores activos na economia informal;

inclui uma cláusula bilateral de salvaguarda social que tenha em conta não só os riscos para a indústria nacional, tanto na UE como na Índia, mas também os riscos para a sociedade, incluindo as deslocalizações laborais.

1.5.1   O CESE recomenda a criação de um mecanismo de acompanhamento da sociedade civil, com competências para emitir recomendações específicas sobre a necessidade de activar a cláusula de salvaguarda social. As autoridades competentes devem ter a obrigação de dar uma resposta fundamentada a estas recomendações. Importa apoiar a formação e o reforço de capacidades da sociedade civil no contexto de tal acompanhamento.

1.6   Dado que o teor do acordo de comércio livre entre a UE e a Índia é actualmente confidencial, as suas especificidades não podem ser examinadas no presente parecer.

2.   Introdução

2.1   Um acordo de comércio livre (ACL) entre a UE e a Índia abrangeria mais de um quinto da população mundial, convertendo-o num dos ACL mais importantes no mundo. Tem potencial para beneficiar de modo significativo tanto a sociedade europeia como a indiana.

2.2   Ambas as sociedades enfrentam desafios económicos importantes: a UE, com uma população envelhecida e mercados saturados, e a Índia, com uma população imensa e urbanização crescente. Tendo em conta a disparidade do desenvolvimento das duas regiões, a liberalização e a maior abertura dos dois mercados poderão beneficiar as populações de ambas as partes.

2.3   As organizações empresariais europeias e indianas reconhecem que poderão ocorrer deslocalizações de mão-de-obra. No entanto, com uma maior abertura dos dois mercados e mediante o desenvolvimento de competências e programas de formação, o intercâmbio de conhecimentos, o desenvolvimento de infra-estruturas, a aplicação de disposições relativas à cadeia de abastecimento e a acção de empresas conjuntas (joint ventures), as transacções comerciais entre a Índia e a UE poderão gerar crescimento sustentado, maior competitividade e mais emprego a longo prazo. O Centro Europeu de Negócios e Tecnologia (EBTC), que tem por objectivo propor soluções práticas às empresas que entram no mercado indiano, desempenhará um papel determinante face a estes desafios.

2.4   Promover a inovação mediante um ACL poderá assegurar a competitividade futura das empresas. As empresas europeias e indianas estão a cooperar cada vez mais ao nível do desenvolvimento tecnológico numa série de sectores. A Índia possui uma mão-de-obra altamente qualificada e de baixo custo, com grandes capacidades no domínio da I&D. No entanto, ambas as partes precisam de um ambiente propício a investimentos sustentáveis na inovação. A experiência e os conhecimentos especializados das empresas da UE na Índia e das empresas indianas na UE podem constituir um trunfo importante para ajudar a satisfazer tais exigências.

2.5   O ACL tem implicações importantes para o investimento estrangeiro. A fim de atrair fundos, a Índia tem vindo a liberalizar e a simplificar o seu regime de investimento directo estrangeiro (IDE) desde 1991, levando a um aumento dos afluxos de IDE. O ACL teria por base esta política, proporcionando às empresas europeias acesso ao mercado e segurança jurídica (2). Na nova situação criada pelos ACL, é preciso avaliar atentamente as consequências para a Índia da abertura aos investimentos directos estrangeiros, devendo proceder-se a esta abertura de forma gradual.

2.6   O presente parecer não examina as potenciais vantagens económicas do ACL, focando antes as suas eventuais repercussões sociais e ambientais, em particular no âmbito do Modo 4, para a UE e para os segmentos mais pobres da sociedade indiana. Tais repercussões são uma componente importante dos interesses das empresas europeias em matéria de diligência devida e de protecção de marcas. As questões da responsabilidade social das empresas e dos direitos humanos e laborais superam as fronteiras da União para as empresas europeias com actividade comercial internacional.

3.   O processo de negociação

3.1   Os negociadores consultaram grandes empresas tanto na UE como na Índia. Todavia, o CESE, enquanto órgão consultivo que representa todos os sectores da sociedade civil, receia que os negociadores não estejam a consultar em pé de igualdade todos os actores da sociedade civil. Insta, por isso, a Comissão a ter plenamente em conta os pontos de vista de todas as partes interessadas de ambos os lados e a consultar, nomeadamente, as PME sobre as potenciais consequências; os sindicatos sobre a falta de clareza quanto a garantias laborais e ao Modo 4; os grupos de consumidores e os sectores agrícolas sobre a segurança alimentar; e a economia informal na Índia.

3.2   Muitas ONG e sindicatos europeus e indianos, bem como fundações da UE e empresas informais indianas, manifestaram a sua apreensão em relação às potenciais consequências negativas do ACL e à forma como as negociações foram conduzidas (3). Embora reconhecendo a importância de respeitar a confidencialidade nas negociações comerciais, o CESE insta a Comissão a dissipar quaisquer mal-entendidos, em prol da transparência, que tem importância equivalente, se necessário revelando as suas propostas nesta matéria.

3.3   O CESE considera que o comércio não pode ser subtraído à competência do Serviço Europeu para a Acção Externa (SEAE). A coerência da política europeia é essencial para a preservação dos valores e dos princípios europeus. O Comité recomenda que as Direcções-Gerais pertinentes sejam mantidas informadas durante todo o processo de negociações.

4.   Avaliação do Impacto na Sustentabilidade (AIS)

4.1   A Comissão encomendou a consultores independentes uma avaliação do impacto na sustentabilidade (SIA), cujas conclusões foram apresentadas em 2009 (4). De acordo com este estudo, o impacto social deste ACL seria insignificante para a UE, não tendo repercussões salariais e podendo gerar apenas algumas deslocalizações pouco significativas de mão-de-obra (5). Já na Índia se verificaria um aumento dos salários dos trabalhadores qualificados e não qualificados na ordem dos 1,7 % a curto prazo e dos 1,6 % a longo prazo, bem como alguma deslocalização laboral rumo a empregos mais bem remunerados (6).

4.2   A Comissão dá grande importância a esta AIS ao enfatizar os benefícios globais do ACL (7). Porém, é importante notar que esta avaliação também alerta para eventuais riscos sociais e ambientais.

4.3   Os sindicatos europeus manifestam preocupação relativamente aos direitos laborais na UE e solicitam a realização de uma avaliação do impacto do ACL sobre os cenários prováveis no âmbito do Modo 4 antes da conclusão das negociações. Tal avaliação deve abranger o impacto na qualidade e na quantidade de trabalho por sector e por Estado-Membro. Deve incluir ainda uma consulta exaustiva aos parceiros sociais a realizar antes e após a entrada em vigor do ACL, formulando recomendações vinculativas quanto à prevenção ou à atenuação das repercussões negativas eventualmente identificadas.

4.4   A AIS descreve os efeitos do ACL sobre as normas laborais e as condições de trabalho na Índia como «incertos». Segundo as estatísticas oficiais do governo, cerca de 90 % da economia da Índia é informal (ou não organizada), percentagem que se prevê que permaneça globalmente estável no futuro próximo (8). Segundo os números da OIT/OMC, os trabalhadores do sector informal vivem com menos de 2 dólares americanos por dia (9). A maior parte da mão-de-obra feminina (mais de 95 %) trabalha no sector informal, pelo que as mulheres estão em situação de risco de uma forma desproporcionada.

4.5   A AIS salienta os potenciais efeitos do ACL para o ambiente, salientando a probabilidade de ocorrerem efeitos negativos moderados sobre a atmosfera (10), a qualidade dos solos (11), a biodiversidade (12) e a qualidade da água (13). O CESE considera conveniente ter em conta as advertências constantes da própria AIS.

4.6   A metodologia da AIS não consegue apreender o verdadeiro impacto do ACL. A avaliação centrou-se principalmente na economia formal, que requer modelos económicos comparativamente simples (14). Ao invés, a sua análise dos efeitos sociais e ambientais assenta numa metodologia qualitativa menos clara, para além de que o impacto sobre as emissões de carbono, a segurança dos consumidores e a segurança alimentar não é adequadamente avaliado.

4.7   De acordo com o documento de posição dos serviços da Comissão, poder-se-iam ter considerado mais atentamente os efeitos do acordo sobre o trabalho digno, o emprego informal e a deslocalização do emprego, o que permitiria «previsões mais rigorosas em relação a outras consequências sociais, como o impacto sobre a pobreza, a saúde e a educação» (15).

4.8   Surpreendentemente, a AIS não faz referência a uma série de outros estudos que assinalaram que o ACL poderia ter consequências graves para a Índia (16), nem às preocupações da UE, nomeadamente no tocante aos efeitos do Modo 4 sobre o emprego na UE.

4.9   O CESE adoptou recentemente um parecer sobre as AIS em que traça linhas de orientação para uma metodologia assente nas boas práticas a utilizar na avaliação do impacto total de um ACL (17).

4.10   O CESE preconiza a realização de novos estudos que, com base em tais linhas de orientação, levem expressamente em conta o impacto do ACL na sociedade civil da UE e da Índia, focando, em particular, os direitos dos trabalhadores, o Modo 4, as mulheres, a protecção dos consumidores, as PME, a economia informal, o ambiente, a agricultura (incluindo a segurança alimentar), a pobreza e as alterações climáticas. Estes novos estudos deveriam basear-se, por sua vez, em estudos científicos públicos independentes e em seminários.

4.11   Nada do que precede implica que o impacto do ACL seja necessariamente negativo. Contudo – à primeira vista, pelo menos –, parece apontar para a existência de tal possibilidade, o que por si só já justifica um novo exame pela Comissão, em particular dado que, como se refere infra, a UE tem uma responsabilidade legal de avaliar o impacto das suas políticas externas, tanto a nível interno como externo.

5.   As responsabilidades da UE

5.1   Compete, em primeiro lugar, a um governo que conduza negociações com vista à liberalização do comércio considerar o impacto económico e social das suas políticas. Sem dúvida que a Índia é a principal responsável pelos efeitos das suas políticas na sua população. O CESE reconhece os desafios que a Comissão enfrenta nas negociações com a Índia, que a justo título defende a sua própria abordagem em matéria de direitos humanos, normas laborais, desenvolvimento sustentável e sociedade civil. Mas tal não exime a UE de quaisquer responsabilidades independentes neste domínio. Com efeito, trata-se de uma obrigação jurídica.

5.1.1   Nos termos do artigo 207.o do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE), a política comercial e de desenvolvimento da UE deve ser consentânea com os princípios e os objectivos da acção externa da União, expostos no artigo 21.o do Tratado da União Europeia (TUE), incluindo, como princípios,

[a] universalidade e indivisibilidade dos direitos do Homem e das liberdades fundamentais, [o] respeito pela dignidade humana, [os] princípios da igualdade e solidariedade e [o] respeito pelos princípios da Carta das Nações Unidas e do direito internacional.

e como objectivos,

apoiar o desenvolvimento sustentável nos planos económico, social e ambiental dos países em desenvolvimento, tendo como principal objectivo erradicar a pobreza.

5.2   O CESE solicita à Comissão que cumpra a sua obrigação jurídica de garantir que o ACL UE-Índia respeita os direitos humanos e não compromete os esforços destinados a fomentar o desenvolvimento sustentável nos planos económico, social e ambiental e a erradicação da pobreza. Salienta a importância de criar um quadro assente nos direitos estabelecidos pela OIT em prol dos trabalhadores activos na economia informal.

6.   Acompanhamento e adaptação do ACL

6.1   A UE deve velar por que as suas políticas não tenham efeitos negativos sobre a pobreza e contribuam para a sua erradicação. É possível cumprir esta obrigação mediante a inclusão de cláusulas no ACL que permitam intervir no processo de liberalização do comércio visado pelo acordo em caso de ocorrência de efeitos negativos, e através de um mecanismo de acompanhamento eficaz que permita activar essas cláusulas.

6.2   Cláusula de direitos humanos

6.2.1   Tradicionalmente, a UE inclui nos seus acordos bilaterais disposições destinadas a garantir que os acordos não comprometem os objectivos sociais. Desde 1995 segue a política de incluir uma cláusula de direitos humanos em todos os acordos de comércio e de cooperação com países terceiros (18). Mais recentemente, difundiu-se a prática de introduzir em acordos posteriores cláusulas de direitos humanos constantes de acordos-quadro existentes. Isto poderá ser juridicamente eficaz, dependendo dos termos da cláusula original e dos termos da cláusula «de ligação» no acordo posterior.

6.2.2   É fundamental que este ACL fique sujeito a uma cláusula eficaz em matéria de direitos humanos, independentemente do modo de o conseguir. O Acordo de Cooperação CE-Índia de 1994 contém uma cláusula de direitos humanos, mas não é actual. Como afirmou o Tribunal de Justiça Europeu, a função desta cláusula é permitir a suspensão do Acordo de Cooperação (19). Não permite suspender outros acordos, como o ACL (20). É essencial que o ACL respeite a política declarada da UE nesta matéria, quer através de uma nova cláusula em matéria de direitos humanos, quer através de uma cláusula de ligação cuidadosamente formulada.

6.2.3   O CESE insiste na importância de que o ACL respeite a política declarada da UE nesta matéria, quer através de uma nova cláusula em matéria de direitos humanos, quer através de uma cláusula de ligação cuidadosamente formulada, uma posição igualmente subscrita pelo Parlamento Europeu (21).

6.3   Disposições em matéria de desenvolvimento sustentável

6.3.1   É igualmente importante prosseguir e reforçar a boa prática da UE em matéria de inclusão de critérios ambientais e laborais nos ACL. Tanto o ACL entre UE e a Coreia como o Acordo de Parceria Económica (APE) entre a UE e os países do Cariforum contêm disposições que obrigam as partes a assegurar o respeito das normas fundamentais de trabalho da OIT (uma norma absoluta) e a manutenção dos níveis actuais de protecção do ambiente e do trabalho (uma norma relativa), bem como outras disposições conexas.

6.3.2   O CESE regozija-se com o empenho do Comissário De Gucht em relação aos capítulos social e ambiental (22). No entanto, convida a Comissão a velar por que, contrariamente às disposições constantes dos acordos supramencionados, estas disposições se façam acompanhar de medidas de aplicação sólidas, à semelhança das existentes em caso de violação de outras partes do ACL ou, por exemplo, de disposições equivalentes às previstas nos ACL dos EUA (23). O CESE solicita igualmente à Comissão que crie incentivos através de programas de cooperação ou de mecanismos semelhantes, apoiados por um sistema de multas eficazes em caso de violação das disposições, tal como recomendado pelo Parlamento Europeu (24).

6.3.3   A Comissão deve incluir no ACL UE-Índia disposições laborais e ambientais que ambas as partes tenham de respeitar através dos procedimentos normais de resolução de litígios, com medidas correctivas como a suspensão de obrigações comerciais ou a imposição de multas.

7.   Cláusula de salvaguarda social

7.1   Todos os ACL contêm cláusulas de salvaguarda que permitem suspender a liberalização do comércio no caso de prejuízo ou perturbação da indústria nacional. Espera-se que o presente ACL inclua disposições para o efeito. Estas devem, contudo, visar os riscos em causa.

7.2   O CESE solicita à Comissão Europeia que assegure a inclusão de uma cláusula bilateral de salvaguarda social que tenha em conta não só os riscos para a indústria nacional, tanto na UE como na Índia, mas também os riscos para a sociedade, incluindo as deslocalizações laborais. Esta cláusula deve inspirar-se no artigo 25.o, n.o 2, alínea b), do ACL Cariforum-UE, que estabelece que uma medida de salvaguarda pode ser adoptada se um produto originário de uma das Partes for importado no território da outra Parte em quantidades de tal forma acrescidas e em condições tais que causem ou ameacem causar perturbações num sector da economia, em especial sempre que essas perturbações gerem problemas sociais importantes.

8.   Mecanismo de acompanhamento da sociedade civil

8.1   A sociedade civil na UE e na Índia é muito organizada e proactiva. As autoridades de ambas as partes teriam vantagem em prever um mecanismo destinado a aumentar a transparência e a consulta, assim como a aplacar eventuais receios, velando pelo acesso directo da sociedade civil aos decisores políticos.

8.2   O CESE recomenda a criação de um mecanismo de acompanhamento da sociedade civil que inclua actores do meio empresarial, dos sindicatos, das ONG, das universidades, entre outros, tal como recomendado na AIS. O CESE poderia tomar parte neste processo (25). Tal mecanismo poderia ser criado com base nos modelos do ACL UE-Coreia ou do APE Cariforum-UE, que incluem uma série de intervenientes da sociedade civil formados e financiados com vista a constituir um mecanismo de acompanhamento eficaz (26).

8.3   Tanto a AIS como o documento de posição dos serviços da Comissão recomendam a criação de um mecanismo de acompanhamento (27).

8.3.1   Tal mecanismo de acompanhamento deveria também ter uma função concreta no âmbito da cláusula de salvaguarda social. Normalmente, a aplicação efectiva das cláusulas de salvaguarda depende do grau de organização do sector em causa, o que é evidentemente muito mais difícil no caso da economia informal.

8.3.2   O CESE recomenda que o mecanismo de acompanhamento da sociedade civil seja dotado de competências para emitir recomendações específicas sobre a necessidade de activar a cláusula de salvaguarda social. As autoridades competentes devem ter a obrigação de dar uma resposta fundamentada a estas recomendações.

Bruxelas, 27 de outubro de 2011

O Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Staffan NILSSON


(1)  Posição dos serviços da Comissão Europeia – Avaliação de impacto da sustentabilidade do comércio relativa ao ACL UE-Índia, 31 de Maio de 2010.

(2)  JO C 318 de 29.10.2011, p. 150.

(3)  Há estudos que apontam para as dificuldades derivadas das disposições TRIPS-plus em matéria de direitos de propriedade intelectual, de liberalização e desregulamentação dos serviços financeiros, de liberalização do comércio de bens, nomeadamente no sector agrícola, de surgimento de grandes cadeias de distribuição, de liberalização das práticas em matéria de investimento e contratos públicos e de proibição das restrições às exportações. Ver, por exemplo, S. Polaski et al, India's Trade Policy Choices: Managing Diverse Challenges [As escolhas da Índia em matéria de política comercial: Gerir vários desafios] (Carnegie, 2009), S. Powell, EU India FTA: Initial Observations from a Development Perspective [O ACL UE-Índia: Observações preliminares numa perspectiva de desenvolvimento] (Traidcraft, 2008), C Wichterich, Trade Liberalisation, Gender Equality, Policy Space: The Case of the Contested EU-India FTA [Liberalização das trocas comerciais, igualdade de género, espaço político: O caso do contestado ACL UE-Índia] (WIDE, 2009), K Singh, India-EU FTA: Should India Open Up Banking Sector? Special Report [O ACL UE-Índia: Deverá a Índia abrir o seu sector bancário? – Relatório especial] (Deli, 2009), CEO/India FDI Watch, Trade Invaders: How Big Business is Driving the EU-India FTA Negotiations [Os invasores comerciais: Como as grandes empresas conduzem as negociações sobre o ACL UE-Índia] (2010).

(4)  ECORYS, CUTS, Centad, Avaliação de Impacto no Desenvolvimento Sustentável do Comércio (AIS) do Acordo de Comércio Livre UE-Índia – TRADE07/C1/C01, 18.5.2009.

(5)  Ibid., pp.17-18. O estudo aponta para números na ordem dos 250 a 360 por cada 100 mil trabalhadores.

(6)  Ibid. O estudo aponta para números na ordem dos 1 830 a 2 650 por cada 100 mil trabalhadores.

(7)  Ver carta do Comissário De Gucht aos deputados europeus, de 16 de Fevereiro de 2011.

(8)  Comissão Nacional das Empresas do Sector Não Organizado, The Challenge of Employment in India: An Informal Economy Perspective, Volume 1, Main Report [O Desafio do Emprego na Índia: Perspectiva de uma economia informal, Volume I, Relatório Principal] (Nova Deli, Abril de 2009), p. 2.

(9)  Bacchetta et al, Globalization and Informal Jobs in Developing Countries [A Globalização e o Emprego Informal nos Países em Desenvolvimento] (OIT/OMC: Genebra, 2009).

(10)  Ver nota de pé de página n.o 4, p. 277 (AIS, 2009- ver nota de pé de página n.° 4 para a referência completa).

(11)  Ibid., p. 278.

(12)  Ibid., p. 279.

(13)  Ibid., p. 280.

(14)  Ibid., p. 51.

(15)  Ver nota de pé de página n.o 1.

(16)  Ver nota de pé de página n.o 4.

(17)  Parecer do CESE sobre as Avaliações de impacto da sustentabilidade e política comercial da UE, 5.5.2011 (JO C 218, de 23.7.2011, p. 14.).

(18)  Comunicação da Comissão relativa à tomada em consideração do respeito dos princípios democráticos e dos direitos humanos nos acordos entre a Comunidade e os países terceiros, COM(1995) 216 final.

(19)  Processo C-268/1994, Portugal vs. Conselho [1996] Colect. I-6177, ponto 27.

(20)  L Bartels, Human Rights Conditionality in the EU’s International Agreements [A Condicionalidade Aplicada aos Direitos Humanos nos Acordos Internacionais da UE] (Oxford: OUP, 2005), 255. Pode dizer-se que a posição é indiscutivelmente diferente relativamente aos acordos em que a cláusula relativa aos «elementos essenciais» é acompanhada de uma «cláusula de não execução» que preveja «medidas apropriadas».

(21)  Resolução do PE, de 26 de Março de 2009, ponto 43, que «salienta que as cláusulas relativas aos direitos humanos e à democracia constituem um elemento essencial do ACL.» Ver também a política geral reflectida na Resolução do PE, de 11 de Maio de 2011, na qual o PE «manifesta o seu firme apoio à inclusão de cláusulas juridicamente vinculativas em matéria de direitos humanos nos acordos internacionais da UE, com um mecanismo de consulta claro e preciso, inspirado no artigo 96.o do Acordo de Cotonu» e a Resolução do PE sobre a cláusula relativa aos Direitos Humanos e à Democracia nos acordos da União Europeia (2005/2057(INI)).

(22)  Ver nota de pé de página n.o 7.

(23)  Por exemplo, o artigo 17.o, n.o 2, alínea b), do ACL EUA-Jordânia.

(24)  Resolução do PE, de 25 de Novembro de 2010, sobre os direitos humanos e as normas sociais e ambientais nos acordos comerciais internacionais, ponto 2.

(25)  Ver nota de pé de página n.o 3, pp. 275-280.

(26)  Ver nota de pé de página n.o 18.

(27)  Ver nota de pé de página n.o 4, p. 288, e n.o 1, p. 2.