25.8.2011   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 248/55


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre «Para um Acordo de Associação UE-Mercosul: Contributo da sociedade civil organizada»

2011/C 248/09

Relator: José María ZUFIAUR NARVAIZA

Em 16 de Setembro de 2010, o Comité Económico e Social Europeu decidiu, nos termos do artigo 29.o, n.o 2, do Regimento, elaborar um parecer de iniciativa sobre

Para um Acordo de Associação UE-Mercosul: Contributo da sociedade civil organizada.

Foi incumbida da preparação dos correspondentes trabalhos a Secção Especializada de Relações Externas, que emitiu parecer em 25 de Maio de 2011.

Na 472.a reunião plenária de 15 e 16 de Junho de 2011 (sessão de 15 de Junho), o Comité Económico e Social Europeu adoptou, por 89 votos a favor, 1 voto contra e 3 abstenções, o seguinte parecer:

1.   Síntese e recomendações

1.1   O CESE considera que a celebração – caso sejam superados os diferendos existentes em matérias como a agricultura, a propriedade intelectual e o desenvolvimento sustentável – de um Acordo de Associação (AA) entre o Mercosul e a UE proporcionaria amplas oportunidades e todo o tipo de benefícios para ambas as partes, num contexto que se caracteriza por profundas mudanças no protagonismo dos actores globais, desafios mundiais de natureza geoestratégica, ambiental, social, energética e de governação, e perante a necessidade premente de abordar profundas reformas do modelo de desenvolvimento, que seja o meio para superar uma crise sistémica, só comparável à que se verificou nos anos 30 do século passado.

1.2   Na sua opinião, só será possível chegar a um acordo se este for equilibrado, beneficiar as duas partes e não sacrificar nenhum sector (como o agrícola ou o industrial), região ou país. O AA não deve, em caso algum, basear-se num mau acordo. Nesse sentido, solicita que as partes negociadoras tenham a vontade política necessária para viabilizar o Acordo de Associação e que se empenhem ao máximo para superar as divergências que afectam, sobretudo, o pilar fundamental do AA, a saber, as questões comerciais. Assim, pede que sejam utilizadas todas as fórmulas e os mecanismos passíveis de contribuir para essa finalidade: reconhecimento de assimetrias, medidas de acompanhamento e de compensação, estabelecimento de excepções, planos de desenvolvimento para apoiar os sectores mais afectados, promoção de investimentos, políticas de inovação, cláusulas compensatórias, transitórias e evolutivas. Além disso, seria necessário incluir todas as políticas da UE nas medidas de acompanhamento.

1.3   Em todo o caso, o CESE insta as partes envolvidas na negociação e, em particular, a União Europeia, a terem em consideração os elevados custos políticos, económicos e de oportunidade que resultariam da não consecução do Acordo.

1.4   O CESE considera essencial que o AA seja ambicioso e abarque todos os aspectos das relações entre a UE e o Mercosul. Neste sentido, é importante abordar os obstáculos reais com que se deparam as empresas, mediante a harmonização da regulamentação, assim como o impacto nas barreiras não comerciais. Especificamente, o AA devia incluir a dimensão social, laboral e ambiental, influenciando o acordo no seu conjunto. Essa dimensão deverá garantir que as relações económicas estão em conformidade com os objectivos sociais e ambientais acordados, sem prejuízo das normas e garantias que regulam o desenvolvimento sustentável. Deverá reflectir, igualmente, o compromisso das partes em relação às regras fundamentais em matéria de direitos sociais e dos trabalhadores, incluindo declarações internacionais, como as da OIT, que determinam que a violação dos princípios e dos direitos fundamentais no trabalho não pode ser utilizada como vantagem comparativa legítima no comércio internacional.

1.5   Solicita que tanto o Fórum Consultivo Económico e Social do Mercosul (FCES) como o próprio CESE, na qualidade de organismos representantes da sociedade civil de ambas as regiões, sejam envolvidos no decurso das negociações, nas avaliações de impacto do AA e nas propostas daí decorrentes (no entender do CESE, é fundamental não só analisar previamente o impacto de um potencial acordo como também definir mecanismos para verificar posteriormente o cumprimento e a evolução das questões acordadas), na elaboração de um capítulo específico do AA relativo à dimensão social, laboral e ambiental, bem como na concretização do Acordo, uma vez assinado, mediante a criação de um Comité Consultivo Misto composto pelos dois organismos representantes da sociedade civil organizada de ambas as partes (1).

2.   Introdução

2.1   As negociações que existiram entre a UE e o Mercosul com vista ao estabelecimento de um Acordo de Associação (AA) estagnaram em 2004 devido a grandes divergências entre as partes sobre o acesso aos mercados e às diferentes expectativas de cada uma em relação aos resultados da Ronda de Doha para o Desenvolvimento (RDD). Em contactos informais, realizados em 2009, constatou-se uma mudança de posição, o que levou as partes a concluir que estavam criadas novas possibilidades de acordo e permitiu que a Cimeira UE-ALC de Maio de 2010 tomasse a decisão de retomar as negociações. Deveria tratar-se de um AA ambicioso que integrasse na dimensão comercial não apenas o comércio de mercadorias, mas também serviços, investimentos, contratos públicos, propriedade intelectual (incluindo as denominações geográficas), facilitação do comércio, medidas sanitárias e fitossanitárias, comércio e desenvolvimento sustentável, concorrência ou instrumentos de protecção do comércio.

3.   Potencialidades e oportunidades do AA

3.1   Com uma população superior a 700 milhões e com mais de 84 mil milhões de euros em trocas comerciais por ano, a concretização de um AA entre a UE e o Mercosul permitiria a constituição de um grande espaço de integração económica, o que poderia beneficiar ambas as partes e gerar externalidades positivas, especialmente para o resto da América Latina.

3.2   A UE é, no seu conjunto, a primeira economia mundial e o bloco do Mercosul situa-se entre as seis maiores economias do mundo. O Mercosul constitui igualmente um espaço de enorme vitalidade, com taxas de crescimento económico anual elevadas nos últimos anos, alcançando os 7 % no Brasil e os 9 % na Argentina, no Uruguai e no Paraguai. Por outro lado, começa a ter uma base económica mais diversificada, com uma forte componente agroalimentar, mas também com uma base industrial crescente, dotada de valiosos recursos energéticos e tecnológicos.

3.3   A União Europeia é o maior parceiro comercial do Mercosul, à frente dos Estados Unidos. Em 2010, a UE fez importações do Mercosul no valor de cerca de 44 mil milhões de euros e exportações de mais de 40 mil milhões. Sublinhe-se que as exportações da UE para o Mercosul já igualam as exportações para a Índia e superam as exportações para o Canadá ou para a Coreia do Sul. Por outro lado, os investimentos que a UE realiza no Mercosul superam os realizados na China, na Índia e na Rússia em conjunto.

3.4   As economias das duas partes são em larga medida complementares, o que é claramente reflectido no perfil do comércio entre elas, com a UE a exportar essencialmente bens manufacturados, bens de equipamento, equipamentos de transporte e produtos químicos, e a importar produtos alimentares e energéticos. Contudo, os intercâmbios estão em constante evolução nas duas partes: por exemplo, a UE aumentou sensivelmente as suas exportações de produtos agrícolas transformados; por outro lado, em 2007-2008, as empresas brasileiras investiram mais na Europa do que as empresas europeias no Brasil. A consecução de um Acordo de Associação teria, portanto, um enorme potencial de criação de riqueza.

3.5   Um AA com o Mercosul permitiria à UE estreitar os laços económicos e geopolíticos com um parceiro estratégico. Através de um acordo birregional, a UE ganharia um avanço em relação a outros concorrentes internacionais, como os EUA e a China. Além disso, o AA reforçaria a Parceria Estratégica com o Brasil – que exclui o aspecto comercial –, país com particular relevância no quadro geopolítico das relações internacionais, pois é membro dos dois principais mecanismos que coordenam os interesses das economias emergentes: BRIC e IBSA (2). Tudo isto resultaria numa maior integração, primeiro, sul-americana e, segundo, latino-americana, num continente que possui reservas cruciais de energia, alimentação e água, três recursos que serão vitais no século XXI. No seu conjunto, o AA poderia contribuir para atenuar a desvalorização económica e geopolítica do Atlântico face ao Pacífico.

4.   Obstáculos e fragilidades do Acordo de Associação

4.1   As vantagens incontestáveis de um Acordo de Associação entre a UE e o Mercosul não fazem esquecer, porém, as dificuldades inerentes a um acordo desta natureza, que podem resumir-se às seguintes quatro categorias: 1) complexidade da agenda das negociações, ou seja, o conteúdo comercial do Acordo; 2) fragilidades estruturais que prejudicam a integração do Mercosul e condicionam o comércio livre; 3) dimensão social e ambiental do AA; 4) grau de vontade política das partes para chegarem a acordo e, por conseguinte, disponibilidade para utilizarem todos os possíveis mecanismos compensatórios, dentro e fora do âmbito do Acordo, para o poder alcançar. As duas últimas categorias são desenvolvidas, respectivamente, nos pontos 5 e 7 do parecer.

4.1.1   No que respeita às questões comerciais, as dificuldades estão bastante bem identificadas. Do ponto de vista europeu, estas centram-se no sector agroalimentar dos países do Mercosul, como indicado nas recentes avaliações de impacto da Comissão (3). Em particular, receiam-se fortes impactos negativos em sectores como o do açúcar, das carnes de bovino, de frango e de suíno, das frutas e dos produtos hortícolas. Considera-se também que há um excessivo proteccionismo para bens industriais (automóveis e produtos químicos) e mesmo para alguns produtos agrícolas transformados (incluindo o vinho), o risco de desrespeito das regras de protecção das denominações de origem, um nível de exigência das regras de segurança alimentar e de protecção do ambiente relativamente baixo e falta de total transparência nos contratos públicos. Após as últimas rondas de negociações, as posições das partes tornaram-se mais favoráveis ao acordo em áreas como o comércio e o desenvolvimento sustentável e nas questões relacionadas com as regras de origem.

4.1.2   Na perspectiva do Mercosul, o sector agrícola também constitui o elemento mais relevante. Em 2004, a Europa ponderava liberalizar, após terminados os períodos transitórios, 86,25 % do total das importações dos produtos agrícolas. É provável que actualmente o limiar de negociação se situe a um nível mais elevado. A possibilidade de fixar quotas torna a negociação mais viável. Além disso, os riscos assinalados pelos sectores agropecuários europeus poderão ser mitigados se a negociação do AA incluir a exigência de um cumprimento razoável dos mesmos níveis de qualidade – ambientais, de segurança alimentar, de bem-estar dos animais, etc. – na produção europeia e nos produtos importados do Mercosul. Por outro lado, o AA não deveria aumentar a dependência alimentar da EU e deveria englobar os instrumentos necessários para evitar um modelo de agricultura intensiva e pouco sustentável. Quanto aos produtos industriais, onde os obstáculos são menores, o entendimento parece ser mais viável, como se verificou, por exemplo, no acordo da UE com a Coreia do Sul sobre a indústria automóvel. Por fim, outros temas, como a propriedade intelectual, que são particularmente delicados para alguns países do Mercosul como o Brasil, poderiam ser objecto de cláusulas evolutivas ou transitórias, com base no estabelecido pela OMC. Neste sentido, o CESE considera que se poderia elaborar, entre outras iniciativas, um programa sobre a propriedade industrial que impulsione a transferência tecnológica e sirva para implantar um sistema de patentes válido entre a UE e Mercosul, susceptível de ser alargado a toda a região latino-americana.

4.1.3   O CESE considera que, apesar das dificuldades, há actualmente melhores condições do que havia anteriormente para se chegar a um acordo que, no seu conjunto, seja equilibrado, beneficie ambas as partes e não prejudique nenhum sector, região ou país (4).

4.2   As fragilidades estruturais do Mercosul têm constituído, historicamente, um entrave considerável à concretização do AA. Entre estas, há que destacar: um défice de redes e estruturas comuns, num território com uma superfície três vezes maior que o da UE, uma baixa percentagem de comércio inter-regional (15 % no Mercosul, 45 % no ACLAN e 66 % na UE) e o predomínio do comércio extra-regional, uma união aduaneira incompleta, uma coordenação limitada das políticas macroeconómicas e a fragilidade das instituições regionais.

4.2.1   Nos últimos anos, sobretudo a partir de 2003 – como consequência do que na altura parecia a possibilidade iminente de alcançar um acordo entre a UE e Mercosul –, o processo de integração regional do Mercosul conheceu um forte impulso, com iniciativas como a incorporação de políticas comuns em áreas como a da energia, da exploração de recursos de gás e petróleo ou da criação de infra-estruturas de comunicação, a adopção de uma política automóvel comum entre a Argentina e o Brasil e a criação do Fundo para a Convergência Estrutural do Mercosul (FOCEM). Aprovou-se igualmente um plano estratégico para a superação das assimetrias no mercado interno e estabeleceram-se medidas de tratamento preferencial e diferenciado para o Paraguai e o Uruguai.

4.2.2   Por sua vez, em 2000, os governos do Mercosul criaram o Grupo de Monitorização Macroeconómica, incumbido do acompanhamento de uma série de parâmetros de convergência macroeconómica e da elaboração de metodologias comuns para a sua utilização.

4.2.3   Tudo isto contribuiu para expandir o comércio inter-regional, melhorar a sua qualidade de produção e captar novos fluxos de investimento estrangeiro directo.

4.2.4   Além disso, nos últimos anos, o Mercosul tem vindo a acentuar a sua dimensão política: criou tribunais de arbitragem e de recurso, passou de um secretariado administrativo para um secretariado técnico, assinou um protocolo sobre direitos humanos, criou o Parlamento do Mercosul (PARLASUL) e designou o seu primeiro Alto Representante Geral. No entanto, o processo de integração económica ainda está debilitado, são muitos os conflitos comerciais e a institucionalidade permanece incipiente.

4.2.5   Merece especial destaque o facto de, em Agosto de 2010, o Mercosul ter finalmente aprovado um novo Código Aduaneiro Comum (com quase 200 artigos), o que implica a eliminação da dupla cobrança da tarifa externa comum (TEC) aplicável aos produtos transfronteiriços. Tal obriga a adoptar uma política comercial comum e a harmonizar outros elementos, como os regimes especiais de importação ou os instrumentos de protecção comercial. Exigirá igualmente a interligação dos sistemas informáticos de gestão aduaneira e a criação de um mecanismo de cobrança e repartição das receitas da TEC. Estes progressos no âmbito da união aduaneira constituem um factor de grande importância, que facilita as negociações entre a UE e o Mercosul.

4.2.6   A conclusão de um AA pode acelerar todo este processo de maior integração económica do Mercosul, regulamentação do mercado interno e reforço da institucionalidade do bloco.

5.   Impacto do Acordo de Associação e medidas compensatórias

5.1   Por incumbência da Comissão Europeia, foi realizado um estudo sobre os impactos da liberalização do comércio entre a UE e o Mercosul, tanto em relação ao AA no seu conjunto, como a três sectores específicos: agrícola, automóvel e florestal. O estudo analisa os possíveis efeitos positivos e negativos do AA e propõe medidas e recomendações para reforçar os efeitos positivos e prevenir ou reduzir todos os eventuais efeitos negativos, tanto no âmbito global do Acordo como nos sectores individuais analisados.

5.2   O CESE recomenda que as partes da negociação tenham em conta essas medidas de acompanhamento, quer no conteúdo comercial do Acordo quer através da componente de cooperação e de programas comuns entre a UE e o Mercosul. Considera igualmente que elas podem fazer parte dos elementos a incluir na agenda de reivindicações do FCES do Mercosul e do CESE, no processo de negociação do AA.

5.3   Considera que, para facilitar o AA, este poderia incluir cláusulas evolutivas que permitam aprofundar e ampliar algumas matérias do acordo birregional em fases posteriores.

5.4   É de opinião que as avaliações de impacto deveriam conferir maior destaque, por um lado, à participação de peritos e de organizações do país parceiro do Acordo e, por outro, à identificação de riscos sociais e ambientais, que actualmente são entendidos como um mero complemento da avaliação económica (5), incluindo a questão da concentração da riqueza e a sua desigual distribuição, que o Acordo pode gerar.

6.   O desenvolvimento sustentável no Acordo de Associação

6.1   Na opinião do CESE, o futuro Acordo de Associação UE-Mercosul deve incluir, de forma transversal a todo o Acordo, uma dimensão social, laboral e ambiental como parte integrante de um acordo destinado a apoiar o desenvolvimento sustentável em ambas as partes, ou seja uma dimensão que complete a dimensão económica e comercial do AA.

6.1.1   O CESE segue, deste modo, a posição oficial das instâncias que dirigem tanto a UE como o Mercosul (6), segundo a qual a liberalização das trocas comerciais deve ser acompanhada de compromissos e acções em matéria social e ambiental.

6.1.2   Neste contexto, o CESE defende que o AA deveria estabelecer as premissas sociais e ambientais a respeitar, para que seja possível criar uma relação comercial e económica que favoreça a coesão económica e social, seja coerente no âmbito de uma estratégia de desenvolvimento sustentável e reforce a competitividade do tecido produtivo local (PME, economia social e microempresas), tendo em conta a sua capacidade para criar emprego.

6.1.3   O CESE considera que a dimensão social e ambiental afecta o AA no seu conjunto. A componente comercial do Acordo, por seu lado, deveria incluir aspectos relacionados com a defesa dos direitos humanos, dos direitos dos trabalhadores, dos direitos sociais e dos direitos ambientais e um artigo específico dedicado às questões relacionadas com o comércio e o desenvolvimento sustentável, designadamente:

exclusão dos fluxos comerciais dos produtos (peixe, madeira) obtidos ilegalmente;

inclusão de iniciativas de comércio justo ou de responsabilidade social das empresas nos programas de comércio e investimento;

compromisso de supervisionar periodicamente o impacto das relações comerciais nos assuntos sociais e ambientais;

interdição da derrogação às leis de protecção social ou de defesa do ambiente, a fim de evitar regalias indevidas no comércio internacional;

prevenção da desflorestação.

7.   As componentes estratégicas do Acordo de Associação UE-Mercosul

7.1   É imprescindível uma vontade política determinada, em primeiro lugar, para conceber e impulsionar o AA não só como um acordo de comércio livre, mas também como um acordo estratégico mais global, que traga vantagens a longo prazo para ambas as partes em matéria de desenvolvimento, segurança, processos migratórios e desafios ambientais. Em segundo lugar, ela é necessária para utilizar todos os mecanismos disponíveis que permitam ter em conta as assimetrias existentes entre ambas as regiões, reduzir os impactos negativos da liberalização em alguns sectores, colmatar o desfasamento que ainda existe no processo de integração no Mercosul e estabelecer a participação social e a transparência como elementos-chave da negociação entre as duas regiões.

7.2   O AA representa uma grande oportunidade para avançar no sentido dos objectivos estratégicos globais, que interessam a ambas as regiões.

7.3   Em primeiro lugar, o AA proporcionaria uma presença política e económica internacional, num contexto em que o poder económico e político está a deslocar-se do Atlântico para o Pacífico. O Mercosul não tem acordos com os Estados Unidos nem com as grandes potências asiáticas, embora tenha assinado acordos de comércio livre com o Chile e com os membros da Comunidade Andina. Além disso, está em curso a integração da Venezuela no bloco. Fora da região sul-americana, tem acordos, inclusivamente de comércio livre, com a África do Sul, a Índia, o Paquistão, a Turquia, o Egipto, Marrocos e Israel. A UE, por seu lado, tem acordos bilaterais com o México, o Chile, a América Central, o Peru, a Colômbia, a África do Sul, as Caraíbas e a Coreia do Sul. Resumindo, um AA entre a UE e o Mercosul faria emergir um bloco birregional com um grande peso específico no novo panorama mundial.

7.3.1   O AA seria igualmente muito importante para promover uma maior integração de toda a região latino-americana. O Acordo seria um grande foco de atracção para outros agrupamentos sub-regionais dos países da América Latina e Caraíbas (ALC), bem como de outros países, como o México ou o Chile. Uma aliança estratégica entre ambas as regiões, os 27 Estados-Membros da UE e os 33 países da ALC, teria um peso relevante nos organismos multilaterais. De igual modo, aumentaria a capacidade de influência no G-20, ao qual pertencem três países latino-americanos (o Brasil, o México e a Argentina) e cinco europeus (a Alemanha, a França, o Reino Unido, a Itália e a Espanha), além da própria UE.

7.3.2   Por fim, graças ao Acordo de Associação, a UE poderia encontrar no Mercosul um aliado estratégico para o seu objectivo de promover a defesa do ambiente a nível mundial. O ambiente é, actualmente, uma das matérias que mais preocupa os governos, os cidadãos e o sistema multilateral. A UE está na vanguarda de políticas e tecnologias ecológicas. Para a América Latina, e em particular para o Mercosul, os recursos naturais são um dos principais pontos fortes, mas a região também é uma das mais ameaçadas pelas alterações climáticas, entre outras coisas, por algumas práticas de agricultura intensiva.

7.3.3   Para garantir um apoio adequado a este último objectivo, seria necessário incluir um forte conteúdo relativo a energia, ambiente, ciência, tecnologia e inovação. Estes domínios deveriam ser prioritários na componente relativa à cooperação para o desenvolvimento. O sexto programa-quadro de Investigação e Desenvolvimento Tecnológico da UE já levou a cabo vários projectos com os membros do Mercosul. Nesta ocasião, seria conveniente que uma tal colaboração fizesse parte integrante do AA. A grande dotação do 7.o PQ (50 mil milhões de euros) poderia dar um importante contributo para o efeito.

8.   A sociedade civil e o Acordo de Associação

8.1   O CESE considera que o carácter inter-regional da negociação e do conteúdo do AA constitui um elemento fundamental e específico destas negociações, bem como um ponto de referência para as relações económicas num mundo cada vez mais aberto às trocas comerciais.

8.2   O CESE reitera os princípios de transparência e de participação, tanto no processo de negociação como no desenvolvimento do AA. Neste sentido, solicita que lhe sejam facultadas informações importantes durante o processo de negociação e permitido o acesso aos negociadores em tempo real para lhes transmitir as propostas do FCES e do CESE.

8.3   Solicita ainda que o Comité seja integrado na elaboração das avaliações de impacto de modo que possa apresentar recomendações sobre as medidas destinadas a eliminar ou a reduzir os impactos negativos do processo de liberalização comercial e apela à criação, após a assinatura do Acordo, de um observatório de carácter técnico para analisar de forma permanente os impactos económicos, sociais e ambientais do Acordo de Associação e propor medidas concretas.

8.4   Em consonância com as posições conjuntas do CESE e do FCES, bem como dos próprios pré-acordos realizados durante as negociações anteriores a 2004, o CESE solicita a constituição de um Comité Consultivo Misto da sociedade civil no âmbito do Acordo de Associação, composto por um número igual de membros do CESE e do FCES e cujas funções consultivas obrigatórias devem abranger todas as matérias do AA, incluindo o capítulo comercial e o acompanhamento das questões relativas ao desenvolvimento sustentável.

8.5   Considera indispensável a integração de uma dimensão social no Acordo, de modo que este vá para além dos seus aspectos comerciais e tenha por objectivo global o aumento da coesão social, em particular no que toca ao seu impacto no emprego, na protecção dos interesses das populações locais e dos mais desfavorecidos, na promoção e no respeito dos direitos humanos, na protecção ambiental e nos direitos dos imigrantes e dos trabalhadores em geral. Assim, o Acordo deveria incluir as declarações internacionais, como as da OIT, que determinam que a violação dos princípios e dos direitos fundamentais no trabalho não pode ser invocada nem utilizada como vantagem comparativa legítima no comércio internacional. O objectivo é que o Acordo gere emprego de qualidade, melhore as condições sociais dos trabalhadores e contribua de forma sensível para uma melhor distribuição da riqueza.

Bruxelas, 15 de Junho de 2011

O Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Staffan NILSSON


(1)  Ver, neste sentido, a Declaração de Assunção sobre as negociações para um Acordo de Associação UE-Mercosul, assinada pelo FCES e o CESE em 22 de Março de 2011, http://www.eesc.europa.eu/resources/docs/2011_decl_pt.pdf.

(2)  BRIC: Brasil, Rússia, Índia, China. IBSA: Índia, Brasil, África do Sul.

(3)  Direcção-Geral de Agricultura e Centro Comum de Investigação da Comissão Europeia, Abril de 2011.

(4)  Tal como reconhecido pelos Chefes de Estado e de Governo reunidos na Cimeira UE-Mercosul de Maio de 2010.

(5)  «Avaliações de impacto da sustentabilidade e política comercial da UE», Evelyne Pichenot (JO C 218 de 23.7.2011, p. 14-18).

(6)  Declaração de Buenos Aires dos Ministros e Autoridades de Desenvolvimento Social do Mercosul, de Julho de 2006. Conselhos Europeus de Fevereiro de 2005 e de 2006.