23.7.2011   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 218/7


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre «O papel das políticas da família no processo das alterações demográficas – Intercâmbio de boas práticas entre Estados-Membros»

(parecer exploratório)

2011/C 218/02

Relator-geral: Stéphane BUFFETAUT

Co-relatora geral: Béatrice OUIN

Por carta de 15 de Novembro de 2010 o Embaixador Péter GYÖRKÖS solicitou ao Comité Económico e Social Europeu, em nome da Presidência húngara da União Europeia e em conformidade com o artigo 304.o do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, a elaboração de um parecer exploratório sobre

O papel das políticas da família no processo das alterações demográficas – Intercâmbio de boas práticas entre Estados-Membros.

Em 7 de Dezembro de 2010, a Mesa do Comité decidiu incumbir da preparação dos correspondentes trabalhos a Secção Especializada de Emprego, Assuntos Sociais e Cidadania (relator Stéphane BUFFETAUT e co-relatora: Béatrice OUIN.

Dada a urgência dos trabalhos, o Comité Económico e Social Europeu decidiu na 471a reunião plenária de 4 e 5 de Maio de 2011 (sessão de 4 de Maio de 2011) designar relator-geral Stéphane BUFFETAUT e co-relatora Béatrice OUIN, e adoptou, por 183 votos a favor, 3 votos contra e 8 abstenções, o seguinte parecer.

1.   Conclusões e recomendações

1.1

As políticas da família aplicadas na Europa têm influências e conteúdos diversos, mas um mesmo objectivo, isto é, apoiar as famílias. As políticas nacionais e regionais mais globais, as políticas de investimento e de formação, de habitação e de emprego podem transformar este ou aquele Estado-Membro, esta ou aquela região num território atractivo para as famílias e constituir um ambiente que lhes seja favorável.

1.2

É interessante comparar os sistemas implementados, porque isso permite identificar as boas práticas, mas uma coisa é certa: para um sistema ser plenamente eficaz, é preciso que a oferta de serviços e os mecanismos de apoio respondam às expectativas das famílias e dos pais ou futuros pais. Essas expectativas podem variar de país para país consoante a cultura nacional, os costumes sociais e as tradições. Assim, os poderes públicos têm de evitar preconceitos ideológicos e propor medidas que dêem realmente às pessoas a possibilidade de optarem por fundar uma família e terem o número de filhos que desejem.

1.3

Apesar de as políticas da família não serem da competência da União Europeia, ela pode legislar em domínios que dizem respeito à conciliação entre vida familiar e vida profissional, à igualdade profissional entre homens e mulheres, bem como à protecção e desenvolvimento da infância.

1.4

A União Europeia pode também desempenhar um papel útil para o conhecimento da situação e da evolução demográficas e para o intercâmbio de boas práticas entre Estados-Membros.

1.5

Actualmente, estão a desenvolver-se algumas iniciativas e financiamentos correspondentes, sob a égide da União Europeia, além de que os fundos estruturais e o Fundo Social Europeu já apoiaram políticas em prol das famílias ou podem apoiá-las no futuro.

1.6

Seria desejável coordenar melhor todas estas iniciativas e colocá-las sob a autoridade, ou pelo menos, a coordenação de um órgão que tenha por missão definir uma política global e estabelecer linhas de acção e pistas de estudo. Este papel de chefe de orquestra e de coordenador poderia ser confiado, de um ponto de vista mais político e de gestão, à Comissão Europeia através, nomeadamente, da Aliança Europeia para as Famílias e, do ponto de vista científico, ao Eurofound.

1.7

Seria desejável que as associações que representam as famílias participem na elaboração das políticas da família ou que têm influência sobre as famílias, tanto a nível da União Europeia como dos Estados-Membros.

1.8

Muitas das políticas decididas a nível europeu têm um impacto directo na vida das famílias. Nestas condições, o CESE recomenda que a dimensão familiar seja não só integrada transversalmente em todas as políticas europeias, nomeadamente quando se realizam estudos de impacto hoje em dia necessários para toda a legislação europeia (1), mas também em todas as avaliações das políticas existentes, que devem ser revistas.

1.9

O Comité apoia firmemente a ideia de instituir o ano de 2014 como o Ano Europeu da Família.

2.   Introdução: ponto da situação demográfica

2.1

As famílias europeias estão em plena mutação: queda da fecundidade muito abaixo do limiar de renovação das gerações há várias décadas (2), recuo da idade do primeiro parto, aumento do número de separações, da percentagem de famílias monoparentais e de famílias sem recursos estáveis, alongamento da duração da vida, aumento do número de idosos dependentes devido sobretudo à herança demográfica. A evolução das estruturas familiares acarreta novos desafios que há que ter em conta na concepção, execução e coordenação das políticas da família.

2.2

O declínio da família alargada em benefício da família «nuclear» - devido, nomeadamente, à vida urbana e às mudanças no modo de vida – foi acompanhado de atitudes mais individualistas, da emergência de novos grupos sociais de risco e de uma exclusão social mais frequente. São os desempregados de longa duração, as famílias monoparentais, os trabalhadores pobres e os filhos pobres ou em risco de pobreza. Estes fenómenos, infelizmente, afectam todas as sociedades europeias. Calcula-se que 17 % dos europeus são afectados pela pobreza e exclusão social, o que não deixa de ter consequências nas políticas da família.

2.3

Embora o declínio demográfico esteja presente em toda a União Europeia, é manifesta a diversidade tanto a nível da situação demográfica dos Estados-Membros e das suas diferentes regiões, como das políticas de apoio à família. Dentro de um mesmo país a densidade demográfica é muito variável, com regiões densamente povoadas ao lado de outras desertas, o que coloca a questão do ordenamento do território e da manutenção dos serviços públicos, inclusivamente os que se destinam às famílias. A divisa da União Europeia «unidos na diversidade» é particularmente pertinente neste âmbito. O envelhecimento da população europeia, isto é o aumento da proporção de idosos, explica-se, é certo, por um elemento positivo – a elevação da esperança de vida e da vida saudável –, mas a segunda causa é negativa, ou seja a queda importante da natalidade que leva à não renovação das gerações.

2.4

Nenhum dos Estados-Membros atinge o limiar da renovação das gerações (3), embora dois - a França e a Irlanda - estejam muito próximos dele. A fecundidade nos Estados Unidos da América atinge praticamente esse limiar, ao passo que na Europa é cerca de 25 % inferior a esse valor.

2.5

Neste contexto geral, os contrastes são fortes. Dezoito Estados-Membros registam um saldo natural positivo, em que os nascimentos ultrapassam o número de mortes, enquanto nove possuem um saldo negativo, com o número de mortes superior ao dos nascimentos (por ordem crescente: Portugal, Estónia, Itália, Letónia, Lituânia, Hungria, Roménia, Bulgária e Alemanha).

2.6

A inversão da tendência depende principalmente de uma nítida melhoria do índice sintético de fecundidade (total fertility rate). Os fluxos migratórios exercem também uma influência, mas não são suficientes, pois os imigrantes não se instalam necessariamente nas regiões onde o índice de natalidade é mais baixo e, além disso, também envelhecem. De resto, a imigração implica condução de políticas de integração activas para evitar dificuldades de coabitação entre comunidades, mais sensíveis ainda em países de acolhimento demograficamente pouco dinâmicos.

3.   O impacto da crise nas famílias

3.1

A crise económica teve uma série de efeitos que afectaram o bem-estar de certas famílias e dificultaram a resposta a dar ao pedido de apoio claramente necessário. A situação económica afectou, em primeiro lugar, o emprego e os recursos de numerosas famílias.

3.2

Esta crise e a situação crítica das finanças públicas em muitos Estados-Membros podem também levar os governos a alterar ou atrasar a aplicação de determinadas medidas das políticas da família.

3.3

A maior parte das políticas nacionais dizem directamente respeito às famílias ou repercutem-se nelas. É o caso das políticas de luta contra a exclusão, das políticas de formação, habitação, transportes públicos, energia, protecção social, educação, emprego, etc., o que demonstra a necessidade de se dispor de um acompanhamento transversal dessas políticas na perspectiva do seu impacto sobre as famílias (family mainstreaming) (4).

4.   Políticas de apoio às famílias

4.1

Uma política familiar global inclui medidas fiscais e prestações familiares, acções a favor da igualdade profissional entre homens e mulheres, serviços de acolhimento e cuidados às crianças e aos dependentes, direitos familiares nos regimes de seguro de velhice, bem como a possibilidade de conciliar a vida familiar com a vida profissional através de licenças parentais e de trabalho a tempo parcial por opção própria. Estas políticas existem em toda a União Europeia embora variem de país para país em função da importância dada a um ou outro aspecto ou de serem concebidas mais como políticas sociais do que familiares. Esta diversidade não é surpreendente, pois as tradições, as necessidades, a visão social ou mesmo filosófica variam de país para país tal como as expectativas das famílias.

4.2

Os factores que inspiraram estas políticas também diferem de caso para caso: umas vezes são de ordem moral e cívica, outras vezes de cariz mais económico ou político, outras ainda orientada directamente para a natalidade. Seja qual for a sua origem, o bem-estar moral, sanitário e educativo das crianças constitui um elemento essencial, como o é o facto de permitir aos pais terem os filhos que quiserem e conciliarem responsabilidades familiares com vida profissional e social.

4.3

Os países escandinavos prestaram uma atenção especial à igualdade entre os dois genitores tanto na vida profissional como nas tarefas familiares e, desde a década de setenta, começaram a aplicar políticas sociais e de formação profissional permitindo conciliar melhor a vida profissional com a vida familiar, mas também facilitar o regresso à vida activa após uma licença parental. Na Suécia, essas políticas assentaram em reformas importantes da licença parental, em serviços públicos de acolhimento para crianças pequenas, em fiscalidade específica para as famílias (supressão do regime de tributação conjunta desde 1971) e na legislação familiar. A política familiar em vigor possui três vertentes: ajuda às famílias propriamente dita, ajuda aos pais que trabalham sob a forma de licença parental remunerada e partilha entre o pai e a mãe dos direitos a esta licença. Daqui resultou um elevado grau de trabalho feminino, uma participação acrescida dos homens nos cuidados dos filhos pequenos, taxas de fecundidade superiores à média da União Europeia e o decréscimo da pobreza infantil. A Finlândia criou, em 1988, um subsídio para os cuidados dos filhos em casa e a Noruega adoptou medida semelhante em 1998, a fim de dar reconhecimento e recursos aos pais que cuidam dos filhos a tempo inteiro.

4.4

Nos Países Baixos, o aspecto fundamental é o desenvolvimento do trabalho a tempo parcial para que mais tempo possa ser dedicado à educação dos filhos, sendo este o país em que os homens mais utilizam este sistema. Todavia, enquanto 73,2 % dos homens têm um emprego a tempo inteiro, só 45,9 % das mulheres estão no mesmo caso. 19 % dos pais utilizam esta possibilidade de tempo parcial (percentagem de longe a mais alta de toda a Europa), contra 41 % das mães. Esta possibilidade pode ser utilizada até aos 8 anos da criança, sendo acompanhada por uma redução de impostos de 704 euros por mês. O crédito de horas é igual a 26 vezes o número de horas de trabalho semanal, é válido para cada filho e, portanto cumulável. Deste modo, é possível recorrer aos serviços de guarda de crianças quando se trabalha a tempo parcial.

4.5

Em França, a política familiar é antiga e caracterizada por uma grande estabilidade ao longo do tempo, independentemente das maiorias políticas, e pela conjugação de subsídios, de um regime fiscal favorável às famílias, de disposições nos regimes de pensões e de direito laboral que criam licenças específicas remuneradas, de regimes de guarda para as crianças entre os 0 e os 3 anos e de jardins-de-infância gratuitos a partir dos três anos. A política familiar é assumida tanto pelo Estado como pelos departamentos e pelos municípios, independentemente das tendências políticas. Os departamentos e os municípios completam a política nacional através de políticas familiares locais de guarda das crianças e de apoio às famílias. O abono de família propriamente dito destina-se a compensar as despesas suportados pela família por cada filho e favorece as famílias numerosas. Não está sujeito a condições de rendimentos dado tratar-se de um princípio universal. O abono destina-se à criança, o que distingue uma política familiar de uma política social. Por isso, a França é um dos países europeus com as taxas de emprego feminino e de fecundidade mais elevadas. A questão da livre escolha do modo de guarda dos filhos é essencial na política familiar francesa, mas, para que haja verdadeiramente livre escolha, é preciso que haja escolha, ou seja, que exista oferta suficiente.

4.6

No Reino Unido, as políticas estão mais centradas, com eficiência, na luta contra a pobreza das famílias e das crianças, admitindo-se, de uma forma geral, que o Estado não tem de interferir nas opções de vida individuais. Estas políticas inscrevem-se num contexto em que a flexibilidade do mercado de trabalho permite às mães regressarem muito facilmente ao mercado de trabalho, e esta grande flexibilidade permite também responder ao carácter muito heterogéneo das expectativas das famílias. A taxa de fecundidade das mulheres mais centradas na vida familiar é aproximadamente o dobro da das mulheres mais implicadas na vida profissional.

4.7

A Alemanha, país confrontado com uma situação demográfica crítica, lançou há alguns anos uma ambiciosa política com vista a conciliar vida profissional e vida familiar na prática e, sem dúvida, também nas mentalidades, pois era bastante mal visto trabalhar com filhos pequenos. Foram criados sistemas de guarda mais desenvolvidos com horários adaptados, bem como uma licença parental de catorze meses remunerada à razão de dois terços do salário. Estas medidas foram acompanhadas de ajudas específicas e bem direccionadas para lutar contra a pobreza das crianças através de um complemento de rendimento.

4.8

Seja como for, os estudos realizados demonstram claramente que uma taxa elevada de emprego feminino é frequentemente acompanhada de um índice de fecundidade elevado ou relativamente elevado quando há possibilidades reais de conciliar a vida profissional e a vida familiar. Ou seja, depois de um período de transição demográfica em que se regista uma quebra drástica do número de filhos por mulher, quando as taxas de mortalidade, em particular infantil, juvenil-adolescente e materna se reduzem consideravelmente, os comportamentos de higiene se difundem e é possível decidir o momento para ter os filhos, o período pós-transição caracteriza-se por uma situação em que os dois genitores trabalham fora de casa. Todavia, a taxa de emprego a tempo inteiro dos pais mantém-se mais elevada do que a das mães, em particular quando as condições de acesso aos serviços e às licenças parentais remuneradas são insuficientes.

5.   Vários cenários

5.1

Na actual situação demográfica da União Europeia, é extremamente importante conhecer a incidência nos índices de fecundidade das políticas levadas a cabo. Com efeito, é possível imaginar vários cenários na evolução demográfica.

5.2

Num primeiro cenário, que prevê a evolução segundo as tendências actuais, a União Europeia continuaria a registar um índice de fecundidade abaixo do limiar de renovação das gerações e desigual entre os países, com, porém, um ligeiro aumento da população em virtude dos efeitos de inércia própria às lógicas demográficas, efeitos esses que acabariam por se atenuar devido ao aumento da esperança de vida dos idosos e a um saldo migratório positivo. Neste caso, assistir-se-ia a um acentuado envelhecimento da população na UE, não obstante os fluxos migratórios (efeito de «estrutura»), um forte aumento do número de idosos, o chamado «gerontocrescimento» (efeito de «tendência») e a uma possível quebra da população activa, mau grado o aumento da idade da reforma. Além disso, em cerca de metade dos países europeus, registar-se-ia uma diminuição da população.

5.3

Essa situação acabaria por acentuar as disparidades demográficas entre Estados-Membros e poderia abalar a coesão da União Europeia, pois as políticas a aplicar e as reivindicações das populações poderiam variar consideravelmente de país para país devido às suas características demográficas.

5.4

O cenário de «catástrofe» caracteriza-se pelo intensificar do inverno demográfico, com um número de nascimentos bastante inferior ao das mortes. Neste caso, assistir-se-ia ao efeito cumulativo de um forte envelhecimento na base devido uma fecundidade muito baixa, inferior em metade ao limiar de renovação das gerações (nível de fecundidade que já se constata em algumas regiões da União Europeia) e talvez de um envelhecimento no topo devido à maior longevidade das pessoas acima dos 65 anos. Com efeito, esta sociedade muito envelhecida deixaria porventura de ter meios para financiar os rendimentos e os cuidados de saúde dos idosos.

5.5

Estes dois elementos do cenário «catástrofe» acarretariam a emigração dos jovens licenciados, que trocariam uma União Europeia a envelhecer por países mais empreendedores, ao passo que a imigração tenderia a diminuir devido à menor atractividade da Europa pelo facto de ser menos dinâmica, mais pobre e com grandes dificuldades orçamentais e de equilíbrio das contas sociais.

5.6

A ser assim, a União Europeia ver-se-ia a braços com uma pirâmide etária muito desequilibrada, com muito mais idosos do que jovens, e uma população activa em forte queda e muito envelhecida.

5.7

Por fim, o cenário mais optimista é o da renovação demográfica, isto é, da «primavera demográfica», no qual o índice de fecundidade aumentaria para se aproximar da taxa de renovação geracional. O aumento do número de nascimentos estimularia numerosos sectores económicos. Consequentemente, a população activa, que tinha vindo a diminuir, voltaria a aumentar na geração seguinte. Este dinamismo demográfico reflectir-se-ia num dinamismo económico que contribui para financiar a segurança social. A União Europeia voltaria a ser atractiva para os seus próprios cidadãos, que deixariam de ser tentados a emigrar, e atrairia imigrantes mais qualificados.

5.8

Estes cenários não são, como é óbvio, previsões, mas meras hipóteses, que permitem conceber políticas adaptadas para recuperar da situação actual e evitar o pior.

6.   Podem as políticas de apoio à família explicar as diferenças de taxa de fecundidade?

6.1

Todos os Estados-Membros desenvolvem um conjunto de políticas que, combinadas, formam uma política da família, seja essa ou não a sua designação (5). As políticas visam objectivos diversos:

reduzir a pobreza e salvaguardar os rendimentos das famílias;

apoiar a primeira infância e o desenvolvimento harmonioso das crianças;

conciliar a vida profissional e a vida familiar,

dar resposta à exigência de igualdade entre homens e mulheres;

permitir que os pais, ou futuros pais, tenham o número de filhos que desejam e quando o desejam, aumentando assim a taxa de fecundidade.

6.2

Se quiséssemos classificar os países em função das políticas que desenvolvem e definir categorias, poderíamos afirmar que há:

países com uma política familiar débil e uma taxa de fecundidade inferior à média europeia;

países com uma política familiar desadequada e uma taxa de fecundidade inferior à média europeia;

países onde o esforço a favor das famílias, em termos de PIB, é inferior ou igual à média da União Europeia, mas que, apesar disso, têm uma taxa de fecundidade superior à média;

países com políticas familiares fortes e uma fecundidade superior à média da União Europeia (6).

Assim, a incidência das políticas na fecundidade varia consoante os elementos em que essas políticas se baseiam.

6.3

É interessante comparar as políticas da família, porque isso permite identificar as boas práticas, mas uma coisa é certa: para que um sistema seja plenamente eficaz é preciso que a oferta de serviços e os mecanismos de apoio, nomeadamente financeiro e/ou fiscal, respondam às expectativas das famílias e dos pais ou futuros pais. Essas expectativas podem variar de Estado-Membro para Estado-Membro consoante a cultura nacional, os costumes sociais e as tradições. Assim, os poderes públicos têm de evitar preconceitos ideológicos e propor medidas que dêem realmente às pessoas a possibilidade de optarem por fundar uma família e de terem o número de filhos que desejam. As medidas devem também ser pensadas em função do tipo de povoamento dos territórios. A partir destas constatações, e no respeito destas diferenças, é possível desenvolver um sistema de informação e de intercâmbio de boas práticas. A intervenção dos poderes públicos justifica-se plenamente, dado que a família, enquanto estrutura em que se cria o capital humano (7), constitui o fundamento de todo o edifício social. Viu-se na crise, em que as famílias desempenharam amiúde uma função de amortecedor social.

7.   Os elementos fundamentais do êxito das políticas da família

7.1

Apesar de algumas divergências, as políticas de apoio à família bem sucedidas têm pontos em comum:

criação de mecanismos que permitam conciliar vida profissional e vida familiar (estruturas de qualidade para acolhimento das crianças, nomeadamente infra-estruturas públicas para a primeira infância, medidas de apoio às famílias para acolher e cuidar de pessoas dependentes, flexibilidade na organização do trabalho, licenças específicas), sabendo que estes mecanismos devem ser adaptados às condições de cada país e dar resposta às expectativas dos pais e mães e às necessidades de desenvolvimento afectivo, psicológico e físico das crianças;

prevenção e luta contra a pobreza das famílias;

continuidade das políticas postas em prática, independentemente da alternância das forças políticas no governo, e sua universalidade. Essas políticas são conduzidas no interesse da criança, independentemente de qualquer consideração de rendimento familiar. Esta continuidade é um elemento muito importante pois os projectos familiares constroem-se a longo prazo. Uma política familiar adequada e permanente constitui um factor de desenvolvimento sustentável;

reconhecimento da família e valorização do seu papel e do sucesso familiar. Na sociedade contemporânea o sucesso foi sobretudo concebido como individual e profissional; ora há outras formas de sucesso pessoal, isto é, ligado aos outros e ao bem comum, entre as quais o sucesso familiar, associativo ou cultural, que deveriam ser mais valorizadas nos meios de comunicação social (8) e nos sistemas educativos nacionais;

atenção prestada à situação específica das famílias numerosas.

7.2

A par dos elementos de política da família em sentido restrito, duas políticas há que se revestem claramente de grande importância: as políticas do emprego e da habitação (9). Sem emprego e sem casa é difícil avançar para um projecto familiar. Para fundar uma família é necessário um mínimo de confiança no futuro. Uma taxa de desemprego dos jovens elevada ou contratos de trabalho precários podem ter repercussões importantes na renovação das gerações, porquanto, se para educar uma criança é preciso muito tempo, os anos de maior fecundidade passam depressa. Por isso, seria necessário prestar atenção à situação dos estudantes e dos jovens em geral que são pais ou desejam sê-lo.

7.3

Quando são desenvolvidas com continuidade e correspondem de facto às expectativas das famílias, as políticas da família contribuem para o desenvolvimento harmonioso das crianças e a realização pessoal dos pais, para a harmonia da vida social e a recuperação de uma taxa de fecundidade mais elevada.

7.4

Um inquérito recente realizado pelo Movimento Mundial das Mães junto de onze mil mães mostra que elas desejam:

em primeiro lugar, conciliar trabalho e vida familiar,

em segundo lugar, que a sociedade reconheça a importância do papel de mãe,

em terceiro lugar, ter mais tempo para os filhos.

7.5

Seria interessante realizar um inquérito semelhante junto dos pais, pois eles poderiam perfeitamente perfilhar as mesmas prioridades, em particular o reconhecimento do seu papel, o que forçosamente os levaria a empenharem-se mais na vida familiar (10). A este respeito, são interessantes as recentes propostas que visam incentivar os pais a utilizarem a licença parental, ou mesmo a instituir uma licença de paternidade obrigatória e remunerada, visto que se inserem na necessária revalorização da paternidade e na não menos necessária responsabilização dos pais, em particular, em caso de divórcio. Deste ponto de vista, seria útil fazer um levantamento das boas práticas de empresas que encontram formas de organização do trabalho adaptadas às responsabilidades parentais. A responsabilidade das empresas estende-se também às medidas destinadas a contribuir para um bom equilíbrio entre o trabalho e a vida familiar. É nas empresas que estas medidas são concretamente aplicadas. Seria interessante criar um rótulo para as empresas «amigas» das famílias, como há em Espanha, com o apoio do ministério da Saúde e dos Assuntos Sociais (11).

7.6

O Comité propôs em anterior parecer (12) que se previssem «iniciativas que permitam aos avós ou a outros membros da família mais próxima cuidarem das crianças, caso os pais também o desejem e isso seja no interesse da criança.» Em relação ao tempo consagrado à família, o CESE já adoptou o princípio segundo o qual „cada um deve poder (….) dispor de um número de anos suficiente de crédito de tempo para as suas actividades familiares (…). Deveria ser possível optar por protelar a idade de reforma se se preferir dispor de algum tempo (financiado como a reforma) durante a sua vida activa“ (13). Assim, o tempo de trabalho no exterior seria parcial ou temporariamente interrompido, mas o rendimento não seria excessivamente amputado. Seria conveniente efectuar um cálculo económico preciso, especialmente para determinar a poupança realizada em termos de sistemas colectivos de guarda, poupança que poderia ser utilizada para ter em conta o tempo dedicado à educação dos filhos no cálculo do valor das pensões. É igualmente importante garantir os direitos dos avós em relação aos netos.

7.7

Para elaborar políticas da família adaptadas às necessidades, seria igualmente necessário realizar inquéritos sobre as aspirações dos jovens, as mudanças provocadas pela maior mobilidade das famílias, a relação entre o acesso dos jovens à habitação e a decisão de fundar família ou sobre os efeitos das novas formas familiares na fecundidade. Esses inquéritos poderiam ajudar a compreender melhor as expectativas das famílias, o que constitui uma das chaves das políticas a pôr em prática.

8.   Qual o papel da União Europeia?

8.1

As políticas da família não são da competência da União Europeia. De resto, o artigo 9.o da Carta dos Direitos Fundamentais explicita que o direito da família é regido pelas leis nacionais. Todavia, a União Europeia pode legislar em domínios que dizem respeito à conciliação entre vida familiar e vida profissional, e os parceiros sociais podem negociar acordos que se transformarão em directivas. Isto já aconteceu com a licença parental e nos debates sobre a duração da licença de maternidade. A União Europeia pode também legislar no domínio da igualdade profissional entre homens e mulheres, que é uma das componentes de qualquer política familiar, e no da protecção e desenvolvimento das crianças com base na recente estratégia da Comissão Europeia sobre os direitos da criança (14).

8.2

A Estratégia Europa 2020 estabelece um objectivo de taxa de emprego para homens e mulheres que só poderá ser atingido se for conjugado com uma política da família que permita a ambos trabalharem e terem o número de filhos que desejem, o que não é o caso hoje em dia na maior parte dos países da União Europeia.

8.3

A União Europeia pode também desempenhar um papel útil para o conhecimento da situação e da evolução demográfica em todas as esferas geográficas, para a avaliação das políticas de apoio à família, quer se trate de políticas dos Estados ou de políticas da família conduzidas pelas entidades locais, bem como para o intercâmbio de boas práticas entre Estados-Membros.

8.4

A Aliança Europeia para as Famílias, lançada durante a última Presidência alemã, tinha previsto a criação de um observatório, o que nunca chegou a concretizar-se.

8.5

Neste momento, estão em curso algumas iniciativas e alguns financiamentos liderados pela União Europeia:

o grupo de peritos sobre questões demográficas,

o fórum demográfico europeu,

workshops sobre melhores práticas,

a rede sobre as políticas da família,

o portal Internet da Aliança Europeia para as Famílias,

seminários regionais.

O financiamento destas acções totaliza cerca de 500 000 euros, a que há que acrescentar o projecto de investigação FAMILYPLATFORM, que está a chegar ao seu termo, outros projectos de investigação sobre demografia que, por conseguinte, dizem também respeito a questões relacionadas com a família, e ainda a base de dados da OCDE sobre a família.

8.6

Seria desejável integrar melhor todas estas iniciativas e colocá-las sob a autoridade - ou pelo menos a coordenação - de um órgão incumbido de definir uma política de conjunto e determinar os eixos de acção e estudo. Uma vez que não é altura de criar novos órgãos autónomos na União Europeia, esse papel de chefe de orquestra e de coordenador poderia ser confiado, de um ponto de vista mais político e de gestão, à Comissão Europeia através da Aliança Europeia para as Famílias, e, do ponto de vista científico, à Eurofound, que, enquanto agência tripartida da União Europeia, seria a mais indicada para o fazer. Deste modo, os Estados-Membros poderiam dispor de uma verdadeira base de dados, graças a uma boa coordenação de todas as iniciativas já desenvolvidas a nível da União Europeia. Além disso, a Aliança deveria desenvolver contactos e cooperar com as estruturas e as acções do método aberto de coordenação social, método esse que está a ser objecto de reflexão na Comissão Europeia e com todas as partes interessadas.

8.7

O Fundo Social Europeu e o Fundo de Desenvolvimento Regional já contribuíram para a aplicação de medidas de política familiar em alguns Estados-Membros, e seria conveniente estudar a maneira de desenvolver este tipo de intervenção. A política da família deve também inscrever-se na plataforma europeia contra a pobreza.

8.8

Nesta perspectiva, há que prever, no Programa de Investigação (15) e Inovação, um financiamento destinado aos estudos e à investigação na área da demografia, mas também à sociologia, à antropologia e à filosofia, áreas também ligadas às questões da família. Além disso, seria ainda conveniente realizar estudos sobre a eficácia e o impacto das políticas dirigidas à família. A este respeito, seria desejável que a actividade da Family Platform não terminasse, antes fosse prosseguida, como é preconizado por todas as associações e partes interessadas que actuam no domínio da família.

8.9

Seria desejável que as associações que representam as famílias participassem mais na elaboração das políticas da família ou com incidência na família, tanto a nível da União Europeia como dos Estados-Membros.

8.10

Todos os europeus foram ou são membros de uma família, qualquer que seja o seu destino ou a sua história e seja qual for a evolução geral das famílias nas últimas décadas. Ninguém nasce por geração espontânea e todas as sondagens de opinião mostram que os valores familiares fazem parte daqueles que ainda se mantêm no topo da lista dos valores fundamentais dos cidadãos europeus. Ora, muitas das políticas decididas a nível europeu possuem um impacto directo na vida das famílias (livre circulação das pessoas, emprego e segurança social, protecção do ambiente e dos consumidores, determinação das taxas do IVA sobre os artigos da primeira infância (16), política dos meios de comunicação social ou ainda programas de educação e programas culturais ou sociais).

8.11

Nestas condições, o CESE recomenda que a dimensão familiar seja não só integrada transversalmente em todas as políticas europeias, nomeadamente quando se realizam estudos de impacto hoje em dia necessários para toda a legislação europeia (17), mas também em todas as avaliações das políticas existentes, tendo em vista a sua eventual revisão. Em Espanha, a tarificação da água previa um custo por metro cúbico crescente em função do consumo, para reduzir o consumo de um recurso raro. Ora, este mecanismo penalizava as famílias numerosas, pois uma família de cinco pessoas consome logicamente mais água do que uma pessoa só ou uma família sem filhos. Este sistema de tarificação foi posto de lado após acção em tribunal (18). Seria desejável efectuar sistematicamente, a nível europeu, um estudo de impacto da legislação sobre a família, para evitar eventuais efeitos perversos que penalizem as famílias.

8.12

Convém também sublinhar até que ponto as políticas regionais, as políticas de investimento e de formação, de habitação e de emprego estão intimamente relacionadas e fazem com que um determinado Estado ou uma determinada região sejam atractivos para as famílias e os jovens, independentemente mesmo das políticas familiares em sentido restrito, e podem contribuir para o forte dinamismo demográfico global.

8.13

O Comité apoia firmemente a ideia de definir o ano de 2014 como o Ano Europeu da Família e de celebrar o vigésimo aniversário do Ano Internacional da Família das Nações Unidas. Com efeito, o futuro das sociedades reside nas gerações futuras e estas nascem no seio das famílias. Mas, a concluir, importa salientar que há um factor que é determinante na decisão de fundar uma família - a esperança num futuro melhor. Os governos são responsáveis pela esperança dos povos que governam. É esta a grandeza, é este o peso da sua missão.

Bruxelas, 4 de Maio de 2011

O Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Staffan NILSSON


(1)  Parecer do CESE sobre «Promover a solidariedade entre gerações»JO C 120 de 16.5.2008, p. 66, ponto 4.8.

(2)  Ou seja, o fenómeno que os especialistas designam por «inverno demográfico».

(3)  Este limiar é de 2,1 crianças por mulher na União Europeia. O valor de 0,1 crianças por mulher explica-se por ser necessário compensar os efeitos da sobremasculinidade dos nascimentos e os derivados da percentagem de raparigas que não atingirão a idade da maternidade.

(4)  Parecer do CESE sobre «Promover a solidariedade entre gerações»JO C 120 de 16.5.2008, p. 66, ponto 4.8.

(5)  Ver parecer do CESE sobre «A família e a evolução demográfica», JO C 161 de 13.7.2007 p. 66., ponto 7.

(6)  «Comunicação ao Grupo de Reflexão sobre o Futuro da União Europeia» (presidido por Felipe González) – Gérard-François Dumont, «UE Prospective démographique» – http://www.diploweb.com/UE-Prospective-demographique.html

(7)  Ver parecer do CESE sobre «A família e a evolução demográfica», JO C 161 de 13.07.07 p. 66., ponto 6.4 e sobre «Promover a solidariedade entre gerações», JO C 120 de 16.5.2008, p. 66, ponto 3.11.

(8)  Ver parecer do CESE sobre «A família e a evolução demográfica», JO C 161 de 13.07.07 p. 66., ponto 8.15 e sobre «Promover a solidariedade entre gerações», JO C 120 de 16.5.2008, p. 66, ponto 3.13.

(9)  Ver parecer do CESE sobre «A família e a evolução demográfica», JO C 161 de 13.7.2007 p. 66., ponto 4.6.

(10)  Ver parecer do CESE sobre «A família e a evolução demográfica», JO C 161 de 13.7.2007 p. 66., ponto 8.11.

(11)  http://www.en.aenor.es/aenor/certificacion/resp_social/resp_efr.asp.

(12)  Parecer do CESE sobre «Promover a melhoria da segurança e da saúde das trabalhadoras grávidas, puérperas ou lactantes no trabalho», JO C 277 de 17.11.2009, ponto 1.12.

(13)  Parecer do CESE sobre «Igualdade de género, crescimento económico e taxa de emprego», JO C 318/15 de 23.12.2009, ponto 4.2.6.2.

(14)  COM(2011) 60 final.

(15)  Ver parecer do CESE sobre «A família e a evolução demográfica», JO C 161 de 13.7.2007 p. 66., ponto 4.5.

(16)  O Comité pronunciou-se a favor da redução deste imposto, designadamente para as fraldas descartáveis para bébés. Ver parecer do CESE sobre «Promover a solidariedade entre gerações»JO C 120 de 16.5.2008, p. 66, ponto 4.7.

(17)  Parecer do CESE sobre «Promover a solidariedade entre gerações»JO C 120 de 16.5.2008, p. 66, ponto 4.8.

(18)  http://sentencias.juridicas.com/docs/00285332.html