17.2.2011   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 51/1


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a participação financeira dos trabalhadores na Europa (parecer de iniciativa)

2011/C 51/01

Relator: Alexander von SCHWERIN

Co-relatora: Madi SHARMA

Em 17 de Fevereiro de 2010, o Comité Económico e Social Europeu decidiu, nos termos do artigo 29.o, n.o 2, do Regimento, elaborar um parecer de iniciativa sobre a

Participação financeira dos trabalhadores na Europa.

Foi incumbida da preparação dos correspondentes trabalhos a Secção Especializada de Emprego, Assuntos Sociais e Cidadania, que emitiu parecer em 2 de Setembro de 2010.

Dada a renovação do Comité, a Assembleia decidiu votar o presente parecer na plenária de Outubro e designou Alexander Graf von SCHWERIN relator-geral ao abrigo do artigo 20.o do Regimento.

Na 466.a reunião plenária de 21 de Outubro de 2010, o Comité Económico e Social Europeu adoptou, por 170 votos a favor, 9 votos contra e 22 abstenções, o seguinte parecer:

1.   Conclusões e recomendações

1.1   A participação financeira dos trabalhadores representa uma oportunidade para as empresas e os trabalhadores, bem como para a sociedade em geral, melhorarem e aumentarem a sua participação nos resultados da crescente europeização da actividade económica. Com o presente parecer de iniciativa, o Comité Económico e Social Europeu pretende, por conseguinte, sensibilizar mais o público para este tema. O objectivo é encorajar a Europa a desenvolver um enquadramento que promova a coesão social e económica da Europa, simplificando a aplicação da participação financeira dos trabalhadores em diversos níveis (por exemplo, participação nos lucros, participação accionária, poupança salarial).

1.2   Tal como a Europa foi crescendo, também as empresas, sobretudo as pequenas e médias empresas (PME), foram alargando as suas actividades transfronteiriças. Uma das prioridades da Estratégia Europa 2020 é colocar a tónica na aplicação do Small Business Act, tendo especialmente com vista à melhoria da situação financeira das PME. A participação financeira dos trabalhadores pode ser um dos mecanismos para apoiar este objectivo e reforçar a competitividade das PME europeias. Independentemente da dimensão das empresas, as fórmulas de participação financeira dos trabalhadores devem respeitar as soluções ao nível das empresas e proteger os direitos dos trabalhadores, de modo a ter em conta a diversidade de empresas e países.

1.3   Por conseguinte, o presente parecer de iniciativa visa:

reacender o debate sobre a participação financeira dos trabalhadores a nível europeu e dar um novo impulso ao debate na UE;

sensibilizar o público para este tema e encorajar os parceiros sociais a nível europeu e nacional a abordar este tema em profundidade;

identificar os obstáculos a uma participação financeira dos trabalhadores transfronteiras e apresentar eventuais soluções.

se necessário, exortar as respectivas instituições europeias a formular soluções;

dar exemplos de questões ainda em aberto que precisam de ser tratadas mais exaustivamente.

1.4   A introdução da participação financeira dos trabalhadores tem de ter um carácter voluntário e não pode substituir o salário, devendo ser, pelo contrário, um complemento dos sistemas de remuneração sem constituir um entrave à negociação salarial propriamente dita. Além disso, deve ser acessível a todos os trabalhadores e completar outras formas de participação dos trabalhadores. A participação financeira dos trabalhadores deve ser mantida fora da constituição de regimes de reforma, podendo, contudo, ser um elemento complementar de protecção na velhice, a título individual.

1.5   Espera-se da participação financeira dos trabalhadores as seguintes vantagens:

melhorar o poder de compra local e aumentar, assim, as oportunidades para as empresas de uma determinada região;

contribuir, enquanto factor, de grande valor qualitativo, da boa gestão empresarial, para a melhoria dos rendimentos através da participação nos resultados das empresas;

aumentar, enquanto parte integrante da acumulação de capital, a motivação e reforçar a ligação dos trabalhadores à empresa através de uma maior identificação com esta.

1.6   O CESE apela, por conseguinte, a que seja publicada uma nova recomendação do Conselho (como a Recomendação 92/443/CEE de 27 de Julho de 1992) relativa à promoção da participação dos trabalhadores nos lucros e nos resultados das empresas e a que sejam apresentadas propostas sobre, por exemplo, como proceder em caso de obstáculos em planos transfronteiriços.

1.6.1   Para isso, importa tomar as seguintes medidas a nível europeu:

1)

A utilização da participação financeira dos trabalhadores deve ser facilitada em toda a Europa com base em princípios comuns.

2)

O aumento e a diversificação das fórmulas de participação financeira dos trabalhadores devem ser analisados e apresentados de maneira compreensível tendo em mente a sua aplicação prática, para facilitar a sua utilização, em particular, nas PME.

3)

As empresas que desenvolvem actividades transfronteiras devem, por conseguinte, ser ajudadas, sobretudo, a transpor obstáculos fiscais em função do Estado-Membro da UE ou do EEE, de modo a alcançarem mais facilmente o objectivo de reforçar a ligação dos trabalhadores e a sua identificação com a empresa através da participação financeira.

4)

As fórmulas de participação financeira dos trabalhadores devem ter em vista a melhoria da oferta das empresas, a participação dos trabalhadores, a promoção da acumulação individual de capital, a maior participação dos trabalhadores nos resultados das empresas e a transferência de direitos de um país para outro.

5)

A participação positiva dos trabalhadores mediante o exercício de direitos de propriedade e a responsabilidade que lhes é inerente poderia contribuir para o reforço da governação das sociedades (corporate governance) .

6)

Os exemplos de boas práticas de participação financeira dos trabalhadores devem tornar-se mais visíveis e contribuir, assim, para a sua difusão. Há que prever actividades com esse objectivo numa rubrica orçamental específica do orçamento da UE.

7)

A participação financeira dos trabalhadores enquanto modelo de transmissão das empresas (employee-buy-outs – aquisição pelos trabalhadores) é adequada para assegurar a continuidade e aumentar, assim, a competitividade das empresas europeias, arreigando-as, ao mesmo tempo, à região.

8)

Os salários e o poder de compra dos trabalhadores ficaram aquém do crescimento da produtividade e dos rendimentos dos accionistas (1). Os efeitos da crise financeira também terão um impacto negativo junto dos trabalhadores assalariados. Neste contexto, a participação financeira dos trabalhadores, consoante a forma que revista, poderá constituir uma compensação (parcial) pela perda de poder de compra e um elemento corrector de flutuações recorrentes, embora não deva substituir-se à progressão salarial.

9)

Devem ser desenvolvidas fontes de informação sobre as implicações da participação financeira dos trabalhadores, tanto para as empresas, como para os trabalhadores, bem como acções de formação e de aconselhamento por instituições independentes, ou seja, organizações não governamentais.

10)

Sempre que as negociações colectivas sejam um procedimento usual, as condições para a participação financeira dos trabalhadores deverão também ser reguladas por acordos colectivos de trabalho.

2.   Antecedentes

2.1   Conselho da União Europeia e Comissão Europeia

A recomendação do Conselho (posteriormente Conselho da União Europeia) relativa à promoção da participação dos trabalhadores nos lucros e nos resultados das empresas (2), já formulava, em 1992, princípios gerais que contam com o apoio do CESE:

Aplicação regular;

Cálculo segundo uma fórmula pré-estabelecida;

Aplicação complementar ao sistema de remuneração tradicional;

Variabilidade da participação em função dos resultados das empresas;

Acesso à participação financeira por todos os trabalhadores;

Aplicação em empresas privadas e públicas;

Aplicação em empresas de todas as dimensões;

Simplicidade das fórmulas de participação;

Informação e formação aos trabalhadores sobre as fórmulas de participação;

Carácter voluntário da introdução e da adesão às fórmulas de participação.

Em 2002, na comunicação da Comissão Europeia sobre Um quadro de acção para promover a participação financeira dos trabalhadores  (3), estes princípios foram corroborados.

2.2   Relatórios PEPPER realizados pela Comissão Europeia

2.2.1   Resultados: Dinâmica positiva da participação financeira dos trabalhadores

Os relatórios PEPPER demonstram a importância a longo prazo deste tema para a política europeia: o relatório PEPPER IV (4) testemunha a propagação cada vez maior da participação dos trabalhadores na UE-27 durante a última década. No período de 1999 a 2005, o número de empresas que oferecem fórmulas de participação no capital a todos os trabalhadores aumentou cerca de 5 %, passando, em média, de 13 % para 18 %. Nesse mesmo período, o número de empresas com fórmulas de participação nos lucros aumentou 6 %, passando, em média, de 29 % para 35 % (dados da rede CRANET, média ponderada de todos os países). O número de trabalhadores que participam nestas fórmulas também cresceu, embora em menor escala (European Working Conditions Survey – EWCS [dados do inquérito sobre as condições de trabalho na Europa]).

2.2.2   Recomendações

Propõe-se no relatório PEPPER IV a publicação de uma recomendação do Conselho da União Europeia sobre uma plataforma europeia para a participação financeira dos trabalhadores. Neste contexto, e de acordo com o princípio do voluntariado, a abordagem modular transnacional engloba todas as fórmulas de participação financeira praticadas, a saber:

1)

participação nos lucros (em numerário, diferida ou com base em acções);

2)

participação individual no capital (acções dos trabalhadores ou opções de acções);

3)

planos de propriedade de acções para trabalhadores (ESOP – Employee Stock Ownership Plan) (fórmula de participação colectiva no capital, financiada através de uma garantia de participação nos lucros em complemento da remuneração).

Ao mesmo tempo, esta plataforma oferece margem de manobra ao desenvolvimento de novas fórmulas de participação dos trabalhadores. Para soluções específicas, todas as fórmulas poderiam ser combinadas.

2.2.3   Promoção de incentivos fiscais opcionais

Os incentivos fiscais não são uma condição essencial para a participação financeira dos trabalhadores. Têm, no entanto, efeitos claramente positivos nos países em que são concedidos. Independentemente das competências exclusivas dos Estados-Membros em matéria de tributação, a coordenação, a harmonização e o reconhecimento mútuo facilitam a participação financeira dos trabalhadores nas empresas que desenvolvem actividades transfronteiras. O cálculo de «taxas de imposto efectivas» para cenários estandardizados permitiria estabelecer uma comparação directa na UE-27 e asseguraria, assim, uma maior harmonização. Não haverá conflitos com o direito nacional, enquanto os incentivos fiscais continuarem a ser facultativos.

2.2.4   Síntese da situação actual

Os parceiros sociais e os responsáveis políticos precisam de ter uma visão clara e minuciosa sobre as fórmulas aplicadas nacionalmente, bem como sobre a sua oferta e utilização. Até à data, não existem estudos específicos sobre a participação financeira dos trabalhadores que forneçam dados sobre os vários países. Há que colmatar este hiato através, por exemplo, de levantamentos periódicos.

2.3   Preparativos de projectos promovidos pela Comissão: «Abordagem modular» para um modelo à escala da UE

2.3.1   Para estabelecer uma ligação entre as múltiplas e muito diversas fórmulas de participação financeira dos trabalhadores existentes nos Estados-Membros da UE, a Comissão Europeia apoiou os trabalhos preparatórios visando o estabelecimento da chamada «abordagem modular» (Building Block Approach)  (5). Esses trabalhos preparatórios estabelecem uma distinção entre três fórmulas essenciais de participação financeira dos trabalhadores na Europa (participação nos lucros, participação individual no capital, conceito ESOP; ver também o anexo).

2.3.2   A «abordagem modular»corresponde ao postulado da Comissão Europeia (transparência, não discriminação, etc.). A garantia de benefícios fiscais não é proposta mas também não fica excluída. Todos os elementos são facultativos tanto para as empresas como para os trabalhadores e podem ser combinados entre si, conforme as necessidades específicas das empresas.

2.3.3   O relatório PEPPER IV sugere que um modelo de participação financeira dos trabalhadores que possa ser utilizado no contexto transfronteiriço e tenha igual apoio em todos os Estados-Membros da UE tornaria a participação financeira dos trabalhadores mais atractiva para todas as partes interessadas. Em especial, empresas localizadas em vários países beneficiariam dos custos administrativos mais baixos de um modelo uniforme, o qual facilitaria, ao mesmo tempo, a sua transferência de país para país. Essa uniformidade e a comparabilidade das fórmulas de participação financeira dos trabalhadores seriam igualmente vantajosas para as PME.

2.3.4   Até à elaboração de um modelo aplicável em toda a UE, há que trabalhar, entretanto, no reconhecimento mútuo das diferentes fórmulas nacionais de participação financeira praticadas, e também do seu tratamento fiscal.

3.   Vantagens de uma maior propagação da participação dos trabalhadores

3.1   Vantagens para as empresas da participação financeira

I.

À luz da Estratégia Europa 2020, a introdução da participação financeira dos trabalhadores pode ajudar as empresas da Europa, em especial as PME, a melhorar a sua competitividade, na medida em que aumenta a identificação dos trabalhadores qualificados e reforça a ligação com a sua empresa tanto nos períodos de prosperidade como nos de crise. Assim, a participação financeira dos trabalhadores contribui igualmente para assegurar o futuro.

II.

Parte dos resultados financeiros das empresas é distribuída localmente pelos trabalhadores, o que contribui para aumentar o poder de compra regional.

III.

A participação financeira dos trabalhadores pode ajudar na luta contra as mutações demográficas, porque se oferece assim à mão-de-obra altamente qualificada, muitíssimo requisitada, um local atraente para trabalhar e viver. Isso promove a contratação de trabalhadores especializados.

IV.

Aumentar a motivação dos trabalhadores através da sua participação financeira contribui para aumentar a produtividade das empresas e melhorar a qualidade da sua gestão.

V.

A participação financeira dos trabalhadores, sob a forma de capital externo ou de capital próprio, pode aumentar o rendimento do capital próprio ou a quota de capital próprio de uma determinada empresa. Tal pode favorecer a obtenção de capital externo e dar uma notação mais alta às empresas.

VI.

A participação financeira dos trabalhadores enquanto modelo de transmissão de empresas, sob a forma de venda total ou parcial da empresa aos seus trabalhadores, pode ser um instrumento adequado para as PME e as empresas familiares assegurarem a sua continuidade (6).

3.2   Vantagens para os trabalhadores da participação financeira

I.

Através da participação financeira, os trabalhadores podem, a título voluntário, beneficiar de um rendimento complementar à remuneração prevista no contrato de trabalho e/ou nos acordos colectivos.

II.

Os trabalhadores têm assim a oportunidade de acumularem capital de forma mais simples e duradoura, o que pode contribuir para beneficiarem de recursos complementares na sua vida pós-laboral.

III.

Os trabalhadores que têm a possibilidade de participar nas empresas sentem que, ao contribuírem para os resultados das empresas, são levados mais a sério. Sentem-se mais valorizados.

IV.

A participação financeira dos trabalhadores aumenta a sua autonomia no local de trabalho e dá-lhes a oportunidade de participarem na estratégia futura da empresa. Desta forma, os trabalhadores podem também contribuir para a segurança do emprego a longo prazo.

V.

Enquanto fonte suplementar de rendimento, a par da remuneração fixa, a participação dos trabalhadores melhora a sua situação financeira e ajuda-os a ultrapassar períodos de crise ou situações profissionais instáveis.

VI.

Num mercado de trabalho cada vez mais europeu, seria, no entanto, adequado que as fórmulas de participação financeira dos trabalhadores de um país pudessem ser reconhecidas e transferidas para outro no contexto da mobilidade laboral.

VII.

Em situações de reestruturação e de crise, a que têm de fazer face os parceiros sociais, os trabalhadores que mantêm o seu emprego e salário podem apoiar – temporariamente – as suas empresas, no intuito de conservarem o seu posto de trabalho.

3.3   Transmissão de empresas e participação no capital

3.3.1   A Comissão Europeia (7) indica que, no contexto do envelhecimento da população europeia, um terço dos empresários da UE, principalmente os responsáveis por empresas familiares, abandonará a actividade durante os próximos dez anos. Tal indica um aumento substancial de transmissões de empresas, que poderá afectar anualmente até 690 mil empresas não cotadas na bolsa e 2,8 milhões de postos de trabalho. As PME, enquanto principal empregador, representam um factor essencial na política do mercado de trabalho. Pode perguntar-se aqui se é possível manter as empresas afectadas pela substituição geracional e os postos de trabalho que delas dependem. Um modelo de participação financeira dos trabalhadores concebido para este efeito poderá dar resposta a esta necessidade cada vez mais candente da transmissão de empresas.

3.3.2   Os modelos ESOP poderão revelar-se úteis para a transmissão de empresas (ver anexo). Um dos principais aspectos deste modelo é o facto de ter sido concebido especificamente para empresas não cotadas na bolsa. Encoraja os proprietários a transmitirem as suas empresas para os seus trabalhadores em vez de vendê-las a terceiros e prevê uma aquisição gradual pelos trabalhadores que pode ir até aos 100 % da propriedade. Tal permite aos proprietários, que assim o desejem, colocar as suas acções à venda sem obrigar os restantes proprietários a vender as suas. Neste caso, os trabalhadores não têm de disponibilizar capital próprio, dado que a aquisição da empresa pelo seu pessoal é financiada por uma participação nos lucros complementar do salário. Por esta razão, este modelo não comporta, essencialmente, nenhum risco adicional para os trabalhadores. No caso da aquisição de um lote mais substancial de acções num curto espaço de tempo, é possível financiá-la por um crédito com um prazo médio de sete anos, o qual vai sendo amortizado a partir dos lucros da empresa.

3.3.3   Em matéria de transmissão de empresas, e na perspectiva de um futuro quadro europeu, também importa referir expressamente o modelo comprovado das sociedades cooperativas. Há exemplos de boas práticas (ver anexo) de aquisição da empresa pelos trabalhadores em forma de cooperativa, que, na falta de sucessores, impedem assim o encerramento da empresa. O CESE considera que esta questão muito particular da relação entre participação financeira e transmissão de empresas deveria ser objecto de análise própria num texto à parte.

3.4   Crises nas empresas e participação no capital

3.4.1   As empresas também podem passar por períodos financeiros difíceis. Neste contexto, a manutenção da empresa é prioritária. Quando os parceiros sociais têm de fazer face a uma situação de reestruturação ou de crise deveria ser possível, excepcionalmente, uma participação financeira, ainda que devam ser ponderadas as suas potenciais desvantagens. Neste contexto, é necessária uma solução sustentável que permita aos trabalhadores que mantiveram o seu emprego e o seu salário (tendo em consideração a flexigurança e os períodos de desemprego e/ou requalificação) participarem, a longo prazo, na retoma da empresa e da economia. O interesse legítimo dos trabalhadores na viabilidade económica e, consequentemente, no êxito a longo prazo repercute-se, assim, positivamente na empresa.

3.4.2   A participação financeira dos trabalhadores nas empresas que os empregam é, frequentemente, considerada como um risco duplo. As críticas à participação financeira dos trabalhadores argumentam que, em caso de insolvência, se encontram em perigo não só o posto de trabalho, mas também o capital disponibilizado pelos trabalhadores. Aqui, cabe destrinçar entre a participação no capital, que não afecta a remuneração (dado ser «complementar»), e as poupanças do trabalhador que são investidas na sua empresa. No último caso, as reivindicações dos trabalhadores devem ser atendidas de forma prioritária, ou seja, antes das apresentadas pelos restantes credores em caso de liquidação e/ou falência. Além disso, há que encontrar soluções como a partilha dos riscos ou os resseguros para casos transfronteriços.

3.5   Governação das sociedades e participação no capital

3.5.1   Sem prejuízo de outras formas de co-gestão ou de intervenção nas decisões das empresas, a participação no capital, em função da fórmula aplicada, abre caminho a uma participação nos processos de decisão, por exemplo, através do exercício do direito de voto dos accionistas. No caso de a participação assumir a forma de acções, o direito de voto dos accionistas pode ser exercido tanto de maneira individual como colectiva, através, por exemplo, de uma sociedade de participação.

3.5.2   As empresas que emitem um elevado número de acções para os seus trabalhadores dispõem de um grupo de accionistas exigentes, mas também pacientes e leais, os seus trabalhadores. Tal permite às empresas resistir com mais determinação à orientação a curto prazo hoje predominante nos mercados financeiros. Pretende-se que esta fórmula de participação dos trabalhadores tenha como efeito secundário a tomada de decisões empresariais sustentáveis e a observância da responsabilidade social a longo prazo das empresas, em substituição de uma excessiva predisposição para o risco por parte dos gestores.

3.5.3   A participação dos trabalhadores enquanto accionistas fomenta uma orientação a longo prazo para os interesses da empresa. A boa governação das sociedades é a consequência provável de uma tal orientação, que contribui para garantir a continuidade da empresa a longo prazo.

3.5.4   Quem participa na empresa através do seu emprego também deseja, sem dúvida, uma transparência total nas contas, assim como participar nas decisões da empresa. Neste sentido, a participação assente em direitos de co-propriedade é sinónimo de participação baseada nos direitos de informação, consulta e co-gestão.

3.6   Participação no capital e participação nos processos de decisão

3.6.1   Ao contrário das preocupações habituais, especialmente em empresas que ainda não a aplicaram, a participação financeira dos trabalhadores não limita os empresários na sua autonomia, garantindo-lhes antes um apoio na tomada de decisões.

3.6.2   Para os accionistas de uma empresa é vantajoso saber que têm do seu lado, não só outros accionistas, mas também os trabalhadores da empresa, que perseguem os mesmos objectivos. A participação positiva dos trabalhadores mediante o exercício de direitos de propriedade e a responsabilidade que lhes está associada pode contribuir para o reforço da governação das sociedades (8). Além disso, a possibilidade de partilhar propostas de estratégia para a empresa enriqueceria o leque de decisões empresariais, dentro dos limites acima referidos. Os trabalhadores accionistas têm de beneficiar dos mesmos direitos que os outros accionistas.

3.6.3   Por último, convém esclarecer que nem os direitos de propriedade adquiridos através da participação financeira dos trabalhadores nem o vínculo laboral contratual devem poder alterar os direitos de co-gestão adquiridos nos Estados-Membros em causa. A participação financeira dos trabalhadores não tem qualquer impacto nestes direitos.

4.   Uma abordagem europeia: Módulos para problemas práticos e soluções concretas

O desenvolvimento e a promoção de fórmulas de participação financeira dos trabalhadores na Europa compreensíveis e simples são de grande importância política para a realização de um espaço económico e social europeu. Em princípio, a participação nessas fórmulas terá de continuar a ser voluntária para empregadores e trabalhadores. O seu financiamento é complementar da remuneração prevista no contrato de trabalho e/ou nos acordos colectivos ou provém da distribuição das participações nos lucros.

4.1   Combinação da participação no capital com a participação nos resultados: Futura tendência da participação financeira dos trabalhadores

4.1.1   No caso de uma participação nos lucros baseada em acções em que é previsto um período de detenção, tendo em conta a possibilidade de tributação diferida, convém distinguir três fases:

a fase inicial da participação dos trabalhadores nos lucros da empresa;

a fase intermédia, em que os meios acumulados são investidos em participações na empresa; e

a fase final, em que as acções adquiridas são cedidas aos trabalhadores.

4.1.2   Existem já fórmulas de participação no capital, em que a aquisição de acções é financiada por um fundo fiduciário através da concessão de uma participação nos lucros complementar do salário. Por norma, isso é feito através da criação de uma sociedade de participação financeira (9), que gere as acções dos trabalhadores enquanto fundo fiduciário. A administração da sociedade de participação financeira deve reflectir a escolha de todos os trabalhadores accionistas com base numa votação democrática, e sem interferência da gestão. Os melhores exemplos de sociedades de participação financeira são os seguintes: AUCHAN (10) (França), HOMAG AG (11) (Alemanha), Pfalz Flugzeugwerke PFW Aerospace AG (12) (Alemanha), Voestalpin AG (13) (Áustria), Fundação Oktogonen (Suécia) (14), Herend-ESOP (15) (Hungria), Tullis Russel ESOP (16) (Reino Unido), Eircom-ESOP (17) e Aerlingus-ESOP (18) (Irlanda).

4.1.3   Para uma maior propagação das sociedades de participação financeira, é necessário trabalhar sobre exemplos de boas práticas reconhecidos (ver também anexo).

4.2   Incentivos fiscais e reconhecimento mútuo de conceitos de participação financeira dos trabalhadores

4.2.1   Já ficou demonstrado (19) que os incentivos fiscais não são uma condição essencial para a participação dos trabalhadores. São, no entanto, um instrumento eficaz para promover a sua propagação nos países que concedem esses incentivos. Embora sejam o sistema mais utilizado, a introdução de um modelo europeu impondo incentivos fiscais transcenderia as competências da UE e colidiria com as competências legislativas nacionais. Contudo, tendo em conta que, na realidade, são cada vez mais comuns actividades empresariais e carreiras profissionais transfronteiras, a participação financeira dos trabalhadores não terá a propagação desejada na Europa se as fórmulas de participação continuarem a ser estritamente nacionais. Deste modo, a aplicação de uma participação financeira dos trabalhadores em filiais estrangeiras só é, em muitos casos, possível através da aquisição de conhecimentos especializados dispendiosos que encarecem a operação de tal modo que, na maioria das vezes, a ideia é abandonada. Um modelo de incentivo facultativo, homogéneo e simples, com a mesma configuração fiscal e incentivos da mesma natureza em toda a UE, poderia aumentar a disponibilidade para a participação financeira dos trabalhadores, facilitando, assim, também a introdução de modelos válidos para grupos de empresas (20).

4.2.2   A tributação diferida poderia servir de mínimo denominador comum para uma proposta de modelo.

4.2.3   Antes de se encontrar um modelo europeu com benefícios fiscais comuns, deverão ser empreendidos esforços visando o reconhecimento mútuo dos modelos dos vários Estados-Membros. Isso tornaria a participação financeira dos trabalhadores mais atractiva e viável antes mesmo de se encontrar uma solução comum europeia.

4.2.4   Para além de incentivos fiscais, as empresas podem também conceder incentivos sob a forma de descontos.

4.3   Participação financeira dos trabalhadores nas sociedades cooperativas

4.3.1   As sociedades cooperativas de produção são um bom exemplo de participação financeira dos trabalhadores, em especial nos casos em que os trabalhadores são também na sua maioria co-proprietários. De acordo com os valores e princípios das sociedades cooperativas reconhecidos internacionalmente, todos os trabalhadores/sócios têm o pleno direito de participar no processo de decisão (21). A experiência mostra que, quando os trabalhadores são proprietários da sua empresa, exercem controlo sobre a mesma e colaboram na sua gestão. A garantia destes direitos produz melhores resultados económicos e aumenta a capacidade de sobrevivência das empresas em épocas de crise, contribuindo assim para a manutenção a longo prazo dos postos de trabalho no seu espaço regional. Uma representação dos seus interesses, garantida por lei, contribuirá para a criação de um quadro favorável a uma maior participação financeira.

4.4   Participação financeira dos trabalhadores no sector público

4.4.1   A participação financeira dos trabalhadores é um fenómeno que diz sobretudo respeito a empresas com a forma jurídica de sociedade anónima ou sociedade de responsabilidade limitada, em que a sua aplicação é relativamente fácil. Certos tipos de empresas, sobretudo de actividades não comerciais, e por conseguinte os seus trabalhadores, são pela sua natureza excluídos desta possibilidade (serviço público, empresas sem fins lucrativos) ou têm grande dificuldade em aplicar a participação financeira (associações, fundações, etc.). Encontram-se, todavia, nesta situação muitas empresas e, consequentemente, muitos trabalhadores, que se vêem impedidos de aderir a sistemas de participação financeira.

4.4.2   Ressalvando o princípio da subsidiariedade, o objectivo deve ser, por conseguinte, adoptar um modelo que permita o acesso à participação financeira dos trabalhadores de todas as categorias profissionais e de todos os tipos de empresas, devendo aqui atender-se à situação particular do sector público.

Bruxelas, 21 de Outubro de 2010

O Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Staffan NILSSON


(1)  Para mais informações, ver Daniel Vaughan-Whitehead, The Minimum Wage Revisited in the Enlarged EU [Sálario mínimo revisitado na UE alargada], 2010, Edward Elgar-ILO.

(2)  92/443/CEE.

(3)  COM(2002) 364 final.

(4)  The PEPPER IV Report – Assessing and Benchmarking Financial Participation of Employees in the EU-27 [O relatório PEPPER IV – Avaliação e qualificação da participação financeira dos trabalhadores na UE-27], Berlim, 2009; http://www.eurofound.europa.eu/areas/participationatwork/pepperreports.htm; Resumo disponível em língua alemã, francesa e inglesa em: http://www.intercentar.de/en/research/focus-financial-participation-of-employees/.

(5)  Sobre os resultados ver Jens Lowitzsch et al., Mitarbeiterbeteiligung für ein Neues Soziales Europa [Participação dos trabalhadores em prol de uma nova Europa social], Berlim/Paris/Bruxelas 2008; Roma 2009, Cracóvia 2010; disponível em língua alemã, francesa e inglesa em: http://www.intercentar.de/en/research/focus-financial-participation-of-employees/.

(6)  Este aspecto já tinha sido realçado pela Comissão Europeia na sua Recomendação sobre a transmissão das pequenas e médias empresas (94/1069/CE) e foi reforçado na sua comunicação relativa à transmissão de pequenas e médias empresas (JO C 93 de 28.3.1998, p. 2).

(7)  Comunicação da Comissão – Realizar o programa comunitário de Lisboa em prol do crescimento e do emprego (COM(2006) 117 final).

(8)  Assim, na Áustria, por exemplo, é possível desenvolver a participação dos trabalhadores sob a forma de sociedade de participação financeira.

(9)  Na Europa continental, trata-se em geral de uma sociedade de responsabilidade limitada, de uma fundação ou de uma associação; nos países anglo-americanos, consiste numa sociedade «trust».

(10)  Objectivo: Promoção da lealdade e da motivação dos trabalhadores; ver http://www.groupe-auchan.com/emploi.html.

(11)  Objectivo: Financiamento do crescimento; http://www.homag.com/de-de/career/Seiten/mitarbeiterkapitalbeteiligung.aspx.

(12)  Objectivo: Separação do grupo de empresas da EADS; http://www.netz-bund.de/pages/mitarbges.pdf, a partir da p. 32.

(13)  Objectivo: Privatização e participação estratégica; http://www.voestalpine.com/annualreport0809/en/management_report/employees.html.

(14)  Objectivo: Promoção da lealdade e da motivação dos trabalhadores; ver relatório anual de 2009 da Handelsbanken (Annual Report 2009), http://www.handelsbanken.se/shb/inet/icentsv.nsf/vlookuppics/investor_relations_en_hb_09_eng_ar_rev/$file/hb09eng_medfoto.pdf, pp. 53 e 56.

(15)  Objectivo: Privatização e promoção da lealdade e da motivação dos trabalhadores; http://www.herend.com/en/manufactory/story/, sem informações sobre o ESOP, ver ano de 1992.

(16)  Objectivo: Transmissão de empresas; http://www.tullis-russell.co.uk/group/about/.

(17)  Objectivo: Privatização e participação estratégica; http://www.esop.eircom.ie/.

(18)  Objectivo: Privatização e participação estratégica; http://www.aerlingus.com/aboutus/investorrelations/shareregister/.

(19)  Ver relatório PEPPER IV, parte 1, capítulo IV, pp. 56-58.

(20)  Ver Thyssen Krupp: http://www.thyssenkrupp.com/de/investor/belegschaftsaktie.html (em alemão).

(21)  Ver, por exemplo, a Recomendação 193 da Organização Internacional do Trabalho sobre a promoção das cooperativas.