52010DC0004




[pic] | COMISSÃO EUROPEIA |

Bruxelas, 19.1.2010

COM(2010) 4 final

COMUNICAÇÃO DA COMISSÃO AO PARLAMENTO EUROPEU, AO CONSELHO, AO COMITÉ ECONÓMICO E SOCIAL EUROPEU E AO COMITÉ DAS REGIÕES

Opções para uma visão e um objectivo pós-2010 da UE em matéria de biodiversidade

1. Introdução

A biodiversidade – definida como a variedade de ecossistemas, espécies e genes - constitui o capital natural mundial. É uma parte integrante do desenvolvimento sustentável, proporcionando bens e serviços vitais, como os alimentos, a fixação de carbono e a regulação do ciclo da água, subjacentes à prosperidade económica, ao bem-estar social e à qualidade de vida. Juntamente com as alterações climáticas, a perda de biodiversidade é a ameaça global mais crítica e está na origem de perdas significativas a nível económico e de bem-estar.

Em 2001, a UE fixou-se o objectivo de travar a perda de biodiversidade na UE até 2010 . Em 2002, comprometeu-se a atingir o objectivo global de reduzir significativamente a perda de biodiversidade em todo o mundo até 2010. Os esforços na luta contra a perda de biodiversidade foram subsequentemente intensificados e a Comissão adoptou em 2006 o Plano de Acção para a Biodiversidade (PAB) da UE a fim de acelerar os progressos[1].

Contudo, apesar dos esforços envidados até à data, há indicações claras de que a UE não irá atingir o seu objectivo[2].

Na sua reunião sobre o ambiente de Março de 2009, o Conselho apelou para uma nova visão e um novo objectivo da UE em matéria de biodiversidade, que se baseie nas deliberações internacionais sobre uma visão global para a biodiversidade para além de 2010 e que para elas contribua, no âmbito de uma actualização do plano estratégico a adoptar até ao final de 2010 em aplicação da Convenção das Nações Unidas sobre a Diversidade Biológica (CDB).

Nos últimos meses foram realizadas consultas com as partes interessadas sobre o desenvolvimento de uma política de biodiversidade pós-2010. A nível da UE, a conferência de alto nível de partes interessadas organizada pela Comissão em Atenas, a 26 e 27 de Abril de 2009, foi um marco importante. A «Mensagem de Atenas» daí resultante sublinha a necessidade de um objectivo pós-2010.

A presente Comunicação constitui um primeiro passo para a realização desse objectivo. Apresenta opções para o desenvolvimento de uma visão e objectivo da UE pós-2010. Destina-se a facilitar um maior debate informado, identificando as questões em jogo e definindo o trabalho que é necessário realizar para poder definir e concretizar os objectivos ambiciosos da UE. Com base neste debate, e num aprofundamento dos trabalhos a fim de obter as provas necessárias para a fundamentação da escolha entre diferentes níveis de ambição para um objectivo da UE, a Comissão apresentará até ao final do ano uma estratégia da UE nesta matéria.

2. Razões para a protecção da biodiversidade

2.1. Estado e tendências da biodiversidade na Europa e no mundo

Vários relatórios de fontes reputadas[3] confirmam que a biodiversidade global continua a estar gravemente ameaçada, com perdas que ocorrem a uma taxa 100 a 1 000 vezes superior à taxa normal. Mais de um terço das espécies avaliadas encontra-se em risco de extinção e estima-se que se terá verificado uma degradação de 60 % dos ecossistemas da Terra nos últimos 50 anos, com consequências para os serviços ecossistémicos que deles dependem. A diversidade marinha encontra-se também sob pressão e cerca de 90 % da biomassa do planeta vive nos oceanos. As pressões mais fortes na biodiversidade são a destruição, a fragmentação e a degradação dos habitats decorrentes de alterações no uso dos solos, da sobreexploração, de práticas insustentáveis (por exemplo, a sobrepesca), de espécies invasivas, da acidificação dos oceanos, da poluição e, cada vez mais, das alterações climáticas. O actual ritmo de crescimento da população e o aumento do consumo per capita, juntamente com estruturas de mercado e instituições insuficientemente desenvolvidas para a optimização da afectação dos recursos naturais, estão a provocar uma perda de biodiversidade, com uma utilização dos recursos a um ritmo mais rápido do que a capacidade existente para a sua substituição.

É cada vez mais evidente que o estado de muitos ecossistemas está a atingir ou já atingiu o ponto de não retorno[4]. Da mesma forma que um aumento da temperatura global de 2° C relativamente aos níveis pré-industriais poderá conduzir a alterações climáticas catastróficas, a perda de biodiversidade para além de certos limites teria consequências de grande alcance para o próprio funcionamento do planeta. Estes limites estão ainda a ser definidos, mas já é claro para a comunidade científica que a actual taxa de perda de biodiversidade coloca em risco o futuro bem-estar dos cidadãos na UE e em todo o mundo.

Na Europa, avaliações da conservação das espécies e habitats revelam que, apesar de alguns sucessos, de um modo geral a situação continuou a deteriorar-se. A primeira avaliação em grande escala dos habitats e espécies mais vulneráveis da Europa protegidos ao abrigo da Directiva Habitats revelou que apenas 17 % apresentavam um estado de conservação favorável, conforme exigido na Directiva. Os prados, as zonas húmidas, os estuários e os habitats costeiros são os que se encontram em maior risco[5]. A taxa de perda de biodiversidade marinha é igualmente alarmante. No caso dos serviços ecossistémicos na UE, por exemplo, há provas da diminuição da capacidade de armazenagem de carbono de determinados solos em terras aráveis que estão fortemente dependentes da respectiva biodiversidade[6]. São necessárias formas adequadas de gestão terrestre e marítima para manter e valorizar os ecossistemas que oferecem serviços ecossistémicos à sociedade em geral. Serviços ecossistémicos marinhos e costeiros importantes, como os proporcionados pelos pântanos salgados, podem perder-se com o desaparecimento das zonas húmidas costeiras.

2.2. Implicações da perda de biodiversidade

Para além do seu valor intrínseco, a biodiversidade cria «valor» através de serviços ecossistémicos, por exemplo fornecendo alimentos e água, oferecendo uma protecção natural contra inundações e tempestades e regulando o clima.

As implicações ambientais da perda de biodiversidade vão desde micro-alterações até ao colapso de ecossistemas e serviços na sua totalidade, que poderão ter repercussões na nossa prosperidade futura. Embora o papel da biodiversidade na manutenção do funcionamento dos ecossistemas não seja plenamente compreendido, há provas científicas de que os ecossistemas caracterizados por uma elevada diversidade de espécies são mais produtivos, mais estáveis, mais resistentes e menos vulneráveis a pressões e tensões exteriores, contribuindo para uma maior funcionalidade geral dos ecossistemas[7]. Uma vez que a natureza é não só o regulador do clima mais eficaz como o maior sumidouro de carbono, a perda de biodiversidade compromete os objectivos em matéria de clima. Ecossistemas fortes e resistentes são o nosso seguro de vida contra as alterações climáticas, proporcionando um «remédio natural» que permite a atenuação e a adaptação às suas consequências[8].

Há também custos económicos associados à perda de biodiversidade e à degradação dos ecossistemas que, até recentemente, foram largamente ignorados. A perda anual de serviços ecossistémicos está calculada como sendo equivalente a 50 mil milhões de euros, estimando-se que as perdas acumuladas, em termos de bem-estar, em 2050 serão equivalentes a 7 % do PIB[9]. A biodiversidade é um bem valioso não só por direito próprio, mas é também a fonte de serviços ecossistémicos que prestam um valioso contributo para a economia e que não são frequentemente reconhecidos pelos mercados. A correcta valorização dos serviços ecossistémicos é, por conseguinte, essencial. Esta é também a conclusão preliminar fundamental de um estudo internacional sobre a economia dos ecossistemas e a biodiversidade (TEEB)[10].

Além disso, uma vez que a biodiversidade presta muitos dos mesmos serviços que numerosas soluções tecnológicas artificiais, frequentemente a um custo significativamente inferior, a protecção e recuperação da biodiversidade proporciona algumas oportunidades com uma boa relação custo-eficácia, para fins de atenuação das alterações climáticas ou da adaptação às mesmas[11]. Uma vez que os recursos naturais são factores de produção de uma vasta gama de actividades económicas, a recuperação do seu estado e a valorização da sua utilização podem aumentar a produtividade ou desenvolver novas fontes de crescimento, graças a processos de eco-inovação.

Finalmente, a biodiversidade e os serviços ecossistémicos dão um contributo crucial para o bem-estar da humanidade. Garantem a subsistência de milhões de pessoas em todo o mundo e são essenciais para reduzir a pobreza e atingir os Objectivos de Desenvolvimento do Milénio. A biodiversidade é também uma base de recursos alimentares. A diversidade genética, em particular, actua como um tampão contra a perda de colheitas decorrente de pragas e doenças e contra as alterações climáticas, salvaguardando assim a segurança alimentar. Na UE, o declínio da viabilidade de práticas agrícolas favoráveis à biodiversidade resultou na perda de alguns serviços ecossistémicos de importância crítica em zonas rurais e de terrenos agrícolas férteis, com o abandono das terras a causar perdas económicas e sociais especialmente nas comunidades rurais. No que diz respeito ao ambiente marinho, a situação é semelhante para algumas comunidades de pescadores que têm sido gravemente afectadas pela depauperação das unidades populacionais de peixes. Estes postos de trabalho estão em risco se os ecossistemas continuarem a degradar-se. Os ecossistemas costeiros contribuem para reduzir a vulnerabilidade das comunidades costeiras a fenómenos meteorológicos extremos, para atenuar a erosão costeira e para proporcionar habitats saudáveis às unidades populacionais de peixes e uma capacidade significativa de armazenamento de dióxido de carbono.

2.3. Realizações e lacunas da actual política

A biodiversidade constitui uma prioridade fundamental da UE em matéria de ambiente e os seus objectivos estão integrados na sua Estratégia de Desenvolvimento Sustentável. O objectivo da UE para 2010 foi o principal factor catalisador no desenvolvimento do Plano de Acção para a Biodiversidade em 2006, bem como na intensificação dos esforços de aplicação plena das Directivas Aves e Habitats que, em conjunto, formam a espinha dorsal da legislação da UE em matéria de conservação da natureza. A Rede Natura 2000 da UE, que cobre 17 % do seu território e constitui a maior rede de zonas protegidas do mundo, é uma história de sucesso. A abordagem ecossistémica está na base da Directiva-Quadro Água[12] e da Directiva-Quadro Estratégia Marinha[13], tendo como objectivo garantir o bom estado dos ecossistemas, tendo em consideração as pressões cumulativas. Têm-se obtido e continuar-se-ão a obter outros benefícios da aplicação da legislação centrada na redução de determinados poluentes e de outra legislação com efeitos benéficos na protecção da biodiversidade, dos esforços desenvolvidos para reflectir melhor as questões relativas à biodiversidade noutros domínios políticos, como a política comum das pescas desde a reforma de 2002, e de maiores oportunidades de financiamento em prol da biodiversidade no âmbito de várias políticas da UE, incluindo a política agrícola comum (PAC).

Foram igualmente envidados esforços para reduzir o impacto dos padrões de produção e consumo na biodiversidade, tanto dentro como fora da UE. Por exemplo, o Plano de Acção para a Produção e o Consumo Sustentáveis visa conglomerar as forças do mercado interno, enquanto o Plano de Acção Legislação, Governação e Comércio no Sector Florestal (FLEGT) e a proposta de regulamento que fixa as obrigações dos operadores que colocam no mercado madeira e produtos de madeira se destinam a travar a erosão das reservas de capital natural.

Porém, não obstante estas realizações, diversos factores impediram a UE de atingir o seu objectivo para 2010 e estes devem ser contemplados na política de biodiversidade para o período pós-2010.

Em primeiro lugar, verificam-se ainda lacunas de execução no estabelecimento da Rede Natura 2000, que não estará completada em terra até 2010 e no mar até 2012. Demonstrou-se que medidas com objectivos específicos ao abrigo da legislação da UE em matéria de conservação da natureza são capazes de inverter o declínio de espécies e habitats ameaçados, mas verificaram-se atrasos e problemas na aplicação, incluindo a insuficiência dos recursos afectados a esta acção.

Em segundo lugar, mantêm-se lacunas importantes a nível das políticas que não foram devidamente abordadas . Em particular, as políticas em matéria de solos e espécies invasivas devem ser objecto de um maior desenvolvimento, uma vez que são cruciais para enfrentar o problema da perda de biodiversidade. Até à data, a nível da UE, foram estabelecidos requisitos conexos de condicionalidade no âmbito da política agrícola comum. A actual política também não contempla suficientemente a questão dos serviços ecossistémicos. Estes não serão sustentados apenas por medidas de conservação da biodiversidade, uma vez que níveis elevados de conservação dos habitats e espécies são apenas uma componente, sem dúvida fundamental, mas que muitos serviços são gerados fora das zonas protegidas. Como um passo no sentido de colmatar essa lacuna, a Comissão elaborará um primeiro conjunto completo de mapas biofísicos de serviços ecossistémicos e a Agência Europeia do Ambiente (AEA) finalizará os seus trabalhos em curso sobre a auditoria e a aferição dos serviços ecossistémicos até ao final de 2010.

Além disso, embora a regulamentação da UE contribua para garantir que os impactos ambientais do desenvolvimento de infra-estruturas e do ordenamento do território a nível da UE sejam reduzidos ao mínimo, poder-se-ão obter maiores benefícios de uma melhor coordenação, no devido respeito do princípio da subsidiariedade, com o desenvolvimento e o investimento em «infra-estruturas verdes»[14] nos 83 % do território da UE que não estão abrangidos pela Rede Natura 2000. Tal abordagem exigiria a recuperação de ecossistemas, na medida do possível, a fim de reforçar a sua capacidade de resistência e de manter os serviços essenciais que estes proporcionam, atingindo simultaneamente os objectivos de conservação e permitindo aos Estados-Membros adaptar-se às alterações climáticas. A Comissão está a promover e a apoiar o intercâmbio de melhores práticas como base para uma estratégia da UE em matéria de infra-estruturas verdes a desenvolver após 2010.

Em terceiro lugar, embora tenha sido coligida uma grande quantidade de informação desde a adopção do objectivo para 2010, verificam-se ainda importantes lacunas de conhecimentos e de dados a todos os níveis - Estados-Membros, UE e mundial. A recolha, análise e validação de dados não seguiram uma abordagem abrangente devido à complexidade das questões relativas à biodiversidade, que não podem ser reduzidas a uma única variável, mas que exigem o desenvolvimento de um conjunto de indicadores interligados. Além disso, a comunicação de informações pelos Estados-Membros ao abrigo das Directivas Aves e Habitats tem sido desigual, o mesmo acontecendo com os esforços de monitorização da biodiversidade.

Os trabalhos estão agora a adquirir uma nova dinâmica no sentido de desenvolver um nível de referência e indicadores conexos na UE e a nível global. Está a ser desenvolvido um conjunto de indicadores europeus que, juntamente com os dados recolhidos para a aplicação da Directiva Habitats, será provavelmente o mais avançado do mundo. Em Junho de 2010, a AEA concluirá a definição do primeiro nível de referência da biodiversidade da UE, lançará um Sistema de Informação sobre Biodiversidade para a Europa (BISE) e elaborará um plano estratégico para colmatar as lacunas, em particular indicadores aplicáveis aos ecossistemas e serviços ecossistémicos. No que diz respeito ao ambiente marinho, a compreensão de muitos ecossistemas e habitats é deficiente, as espécies não estão descritas e o conhecimento dos recursos genéticos marinhos está ainda a dar os seus primeiros passos. A Directiva-Quadro Estratégia Marinha permitirá uma melhor avaliação e monitorização das alterações nos ecossistemas costeiros e marinhos, incluindo as resultantes das alterações climáticas e os impactos na biodiversidade, e deverá beneficiar dos esforços desenvolvidos no âmbito, por exemplo, da Rede Europeia de Observação e de Dados do Meio Marinho (EMODNET) e do Ordenamento do Espaço Marítimo.

A nível mundial, a UE está a apoiar os esforços que visam estabelecer uma Plataforma Intergovernamental sobre a Biodiversidade e os Serviços Ecossistémicos (IPBES), a fim de reproduzir o êxito da Plataforma Intergovernamental sobre as Alterações Climáticas (IPCC). Esta deverá desenvolver um forte consenso ao validar os actuais dados científicos e ao contribuir para a integração da biodiversidade e dos serviços ecossistémicos nos processos de decisão política, a fim de garantir o bem-estar da humanidade a longo prazo. Espera-se uma decisão sobre o estabelecimento ou não da IPBES para a Primavera de 2010.

Quarto, deve ser melhorada a integração das questões da biodiversidade noutras políticas. A evolução da biodiversidade é um bom indicador da convivialidade ambiental das actividades humanas e da sociedade. As acções para resolver problemas noutros domínios políticos têm-se revelado por vezes incompatíveis com os objectivos da biodiversidade, chegando mesmo a ter efeitos perversos. Os benefícios proporcionados por ecossistemas resistentes são frequentemente ignorados. É necessário envidar maiores esforços para envolver outros sectores, de forma sistemática, na formulação de respostas ao desafio da biodiversidade, com o apoio de indicadores claros que permitam medir os progressos realizados. As políticas em matéria de biodiversidade e as outras políticas devem ser coerentes e reforçar-se mutuamente.

Encontrar soluções para os problemas identificados no Livro Verde sobre o Futuro da Política Comum da Pesca constitui uma prioridade para a realização de uma política sustentável do ponto de vista ecológico para 2012, com base em pareceres científicos e enfrentando eficazmente as questões de sobrecapacidade, e também para contribuir de melhor forma para atingir os objectivos em matéria de biodiversidade. É essencial o reforço da política de desenvolvimento rural destinada a desenvolver os serviços ecossistémicos, mediante a preservação e a valorização da agricultura e da silvicultura com um elevado valor natural no contexto da PAC. Será igualmente importante optimizar a utilização dos Fundos Estruturais, reforçando as complementaridades e sinergias entre vários tipos de mecanismos de co-financiamento da Comunidade e de outras fontes, a fim de promover os objectivos da biodiversidade em todas as regiões na UE.

Uma maior integração é uma prioridade da política externa e de outras políticas estreitamente ligadas à biodiversidade. Além disso, a fim de intensificar os esforços para a redução do impacto negativo destas políticas na biodiversidade, na UE e a nível global[15], é necessária uma maior sensibilização quanto às implicações da perda de biodiversidade para a sustentabilidade a longo prazo das actividades resultantes dessas políticas, bem como quanto aos benefícios económicos de que estas podem usufruir provenientes de ecossistemas saudáveis. Esta crescente tomada de consciência é também de importância crucial para os países em desenvolvimento que são directamente afectados pelos efeitos da perda de biodiversidade.

Quinto, as necessidades de financiamento em prol da biodiversidade na UE devem ser devidamente avaliadas, tendo também em conta os benefícios em termos do bem-estar que os ecossistemas proporcionam. No que diz respeito aos sítios da Rede Natura 2000, a Comissão está a efectuar uma avaliação das necessidades de financiamento para a gestão desses sítios com base nas informações fornecidas pelos Estados-Membros, a fim de obter uma imagem exacta da magnitude e distribuição das necessidades. As primeiras estimativas mostram que apenas estão a ser satisfeitas 20 % das necessidades totais de financiamento para a gestão de zonas protegidas na Europa. Neste domínio, os Estados-Membros poderão aproveitar, de forma mais sistemática, as possibilidades oferecidas no âmbito do financiamento do desenvolvimento rural para medidas agro-ambientais, incluindo os Estados-Membros com vastas zonas de terras agrícolas de «elevado valor natural» e ricas em biodiversidade.

Por último, a questão da equidade deve ser considerada a nível da UE e global. Tendo em conta que a biodiversidade não está repartida de forma homogénea e que as tendências são diferentes consoante as regiões, o ónus resultante deste desafio também está repartido de forma heterogénea. Tal exige um leque diversificado de instrumentos políticos que combine regulamentação com instrumentos de mercado. Para além dos importantes princípios do «poluidor-pagador» e da «plena recuperação dos custos» já consagrados na legislação ambiental, sugerir-se-ia, por questões de equidade, um maior recurso ao pagamento de serviços ecossistémicos, a fim de que aqueles cujas terras prestam esses serviços sejam recompensados pelos que deles beneficiam.

A nível mundial, a União Europeia está empenhada em garantir o sucesso em 2010 nas negociações em curso no âmbito da Convenção sobre a Diversidade Biológica das Nações Unidas relativamente ao acesso aos recursos genéticos e à partilha justa e equitativa dos benefícios resultantes da sua utilização. Está também empenhada em assegurar o êxito das negociações sobre a redução das emissões resultantes da desflorestação e da degradação das florestas, incluindo a conservação como um primeiro passo essencial no sentido de uma abordagem mais ampla da questão da valorização e da recompensa dos serviços ecossistémicos. A promessa oferecida pela permacultura como um possível protector e restaurador eficaz da biodiversidade deve ser explorada e valorizada. A UE também necessita de avaliar plenamente o impacto dos padrões de consumo na biodiversidade para além das suas fronteiras.

3. Opções para uma visão e um objectivo pós-2010 da UE em matéria de biodiversidade

3.1. Rumo a uma visão para 2050

Observa-se um amplo consenso entre as partes interessadas sobre quais deverão ser as principais características da nova visão a longo prazo da UE em matéria de biodiversidade. A visão deve incluir uma escala temporal clara (até 2050), reflectir a urgência da crise da biodiversidade e os valores intrínsecos e tangíveis da biodiversidade, bem como a importância dos serviços que presta. Deve ser compreensível e aceitável para o público e deve ser aplicável ao nível da UE, bem como ao nível mundial.

Nesta base, poderiam ser utilizados os seguintes elementos na preparação de uma visão da UE para 2050, a fim de apoiar o objectivo central a fixar e de contribuir para transformar essa visão em realidade:

A biodiversidade e os serviços ecossistémicos - capital natural mundial – são conservados, valorizados e, na medida do possível, recuperados pelo seu valor intrínseco e para que possam continuar a apoiar a prosperidade económica e o bem-estar da humanidade, bem como a evitar alterações catastróficas relacionadas com a perda de biodiversidade.

Estão em curso debates a nível mundial sobre o objectivo para 2020. Neste contexto, a Comissão considera que a UE deve fixar um objectivo, pelo que as opções apresentadas infra tomam o ano de 2020 como uma variável não ajustável, a fim de garantir a relevância do objectivo da UE nas negociações internacionais. Dez anos é também o tempo mínimo necessário para conceber, implementar e avaliar acções no domínio da biodiversidade, em que as respostas são muitas vezes lentas e altamente variáveis, e para se obterem progressos realistas e mensuráveis Além disso, outras políticas com fortes ligações à política de biodiversidade estão também a ser elaboradas com o ano de 2020 como horizonte temporal.

O objectivo central para 2020 deveria ser capaz de assegurar progressos no sentido de transformar essa visão em realidade, deveria ser mensurável, viável e eficaz em termos de custos e contribuir para o cumprimento dos compromissos internacionais da UE em matéria de biodiversidade.

Alguns destes critérios estão ligados de forma inversa. Por exemplo, um objectivo menos ambicioso pode ter maiores probabilidades de ser atingido, mas também é menos susceptível de evitar que a biodiversidade atinja «pontos de ruptura». Estes factores têm de ser ponderados entre si a fim de avaliar a adequação global das opções propostas e de decidir sobre o melhor objectivo.

3.2. Níveis de ambição

São a seguir apresentados quatro níveis de ambição para um objectivo central para 2020, por ordem crescente.

Opção 1. Reduzir significativamente a taxa de perda de biodiversidade e de serviços ecossistémicos na UE até 2020

Opção 2. Travar a perda de biodiversidade e de serviços ecossistémicos na UE até 2020

Opção 3. Travar a perda de biodiversidade e de serviços ecossistémicos na UE até 2020 e proceder à sua recuperação na medida do possível

Opção 4. Travar a perda de biodiversidade e de serviços ecossistémicos na UE até 2020, proceder à sua recuperação na medida do possível e intensificar a contribuição da UE para evitar a perda de biodiversidade a nível mundial

Estes quatro níveis de ambição produzirão diferentes benefícios e custos e implicarão o desenvolvimento de acções e instrumentos políticos mais ou menos rigorosos. Baseiam-se num nível de referência político comum que inclui a legislação em vigor na UE em matéria de conservação da natureza e outra legislação relacionada com a biodiversidade, bem como a legislação noutros domínios políticos relevantes, especialmente em matéria de clima e energia, da actual PAC e da reforma da PCP. Uma prioridade deve ser aproveitar todas as oportunidades para progredir no sentido da realização dos objectivos da política de biodiversidade e, ao mesmo tempo, permitir uma atenuação das alterações climáticas, e a adaptação às mesmas, com uma boa relação custo-eficácia. Uma vez que a abordagem de determinadas pressões com impacto na biodiversidade na UE exige também a cooperação a nível internacional, será igualmente importante o cumprimento dos compromissos internacionais assumidos, em particular ao abrigo de acordos multilaterais em matéria de ambiente, como a Convenção sobre a Conservação das Espécies Migratórias (CMS), a Convenção de Ramsar sobre Zonas Húmidas e o Acordo para a Conservação das Aves Aquáticas Migradoras Afro-Eurasiáticas, e maiores progressos no estabelecimento de zonas marinhas protegidas a nível internacional.

Todas as quatro opções exigem o estabelecimento de uma nível de referência científico sobre o estado da biodiversidade e dos serviços ecossistémicos na Europa. Este aspecto é essencial, a fim de se poderem aferir os progressos realizados. O nível de referência não será constituído por um único número, sendo antes baseado no estado actual dos principais atributos da biodiversidade: conservação de espécies e habitats, de ecossistemas e dos serviços ecossistémicos mais vitais. Do mesmo modo, o objectivo de «travar a perda de biodiversidade» não é interpretado em termos absolutos, significando antes manter os principais atributos a um nível superior ao nível de referência. Já dispomos de conhecimentos para a definição de um nível de referência claro e fiável, mas é necessário continuar a trabalhar no sentido de traduzir esses conhecimentos em indicadores específicos, mensuráveis e com capacidade de responder às políticas.

É também necessário intensificar a investigação a fim de preencher lacunas de conhecimentos fundamentais. Estas dizem respeito à economia da biodiversidade e dos serviços ecossistémicos, ao desenvolvimento e aperfeiçoamento de indicadores para fins de mensurabilidade e à definição do nível de pressão que a biodiversidade pode suportar sem que a sua perda se torne irreversível – com consequências potencialmente catastróficas. Se estabelecida em 2010, a Plataforma Intergovernamental sobre a Biodiversidade e os Serviços Ecossistémicos (IPBES) contribuiria significativamente para estes esforços, mas também é necessária acção a nível da UE. É ainda necessário intensificar e completar os trabalhos em curso sobre todas estas questões.

Por último, embora a conservação deva continuar a ser um pilar fundamental da política de biodiversidade da UE, qualquer novo objectivo deve integrar o papel dos ecossistemas e dos serviços ecossistémicos. A importância dos serviços ecossistémicos já é reconhecida na actual política e constitui, por exemplo, um elemento importante da Directiva-Quadro Estratégia Marinha, como componente da Política Marítima Integrada da UE[16], mas ainda não foi traduzida em medidas específicas de forma adequada. É importante identificar e avaliar os principais serviços ligados aos ecossistemas e integrá-los no objectivo a estabelecer futuramente. O nível de ambição exigido pelo objectivo fixado determinará em que medida estes serão tidos em consideração, desde a manutenção à plena recuperação.

(Opção 1) Reduzir significativamente a taxa de perda de biodiversidade e de serviços ecossistémicos na UE até 2020

Esta opção implicaria a aceitação política de que travar a perda de biodiversidade na UE é um objectivo impossível de atingir num futuro previsível e, por conseguinte, a fixação de um objectivo menos ambicioso de «redução significativa» da taxa de perda de biodiversidade até 2020. O objectivo seria abrandar, mais do que parar, a perda de biodiversidade. A implicação é que a biodiversidade não seria necessariamente mantida acima do nível de referência. A escala temporal alargada permitiria dispor de mais tempo para a produção de efeitos das medidas já implementadas ou em fase de implementação, o que tornaria mais fácil a demonstração do seu sucesso. Desde a definição do objectivo para 2010, obtiveram-se novos conhecimentos e verificaram-se progressos que poderiam ser tidos em conta nas medidas adoptadas para atingir o objectivo.

(Opção 2) Travar a perda de biodiversidade e de serviços ecossistémicos na UE até 2020

Esta opção implicaria a manutenção do actual objectivo, mas o adiamento da sua realização para uma data posterior. Tal como a opção 1, esta abordagem permitiria dispor de mais tempo para a produção de efeitos das acções já implementadas ou em fase de implementação e para a tomada em consideração de novos conhecimentos e progressos. O objectivo seria idêntico ao objectivo para 2010: travar a perda de biodiversidade, mas também dos serviços ecossistémicos na UE. A realização do objectivo permitiria a recuperação de determinados ecossistemas e dos respectivos serviços.

(Opção 3) Travar a perda de biodiversidade e de serviços ecossistémicos na UE até 2020 e proceder à sua recuperação na medida do possível

Esta opção implicaria a manutenção do actual objectivo em matéria de biodiversidade e a prorrogação do prazo até 2020, alargando simultaneamente o seu âmbito de aplicação a fim de contemplar a necessidade de assegurar que os principais serviços ecossistémicos prestados pela biodiversidade na UE sejam mantidos de forma adequada e de exigir a recuperação de ecossistemas que não estejam em estado de proporcionar os serviços necessários. A elaboração de uma primeira lista e cartografia de serviços ecossistémicos de importância para a UE até ao final de 2010 contribuirá também para definir o âmbito das acções de manutenção e de recuperação necessárias para atingir o objectivo.

Os objectivos de recuperação poderiam ser fixados com base no requisito de atingir um estado de conservação favorável para as espécies e habitats, conforme definido na Directiva Habitats. O actual estado das espécies e habitats, conforme avaliação em relatórios recentes apresentados ao abrigo da Directiva Habitats, deverá servir de referência.

Esta opção reconhece o imperativo científico de travar a perda de biodiversidade e integra a relevância dos ecossistemas de importância estratégica para a UE.

(Opção 4) Travar a perda de biodiversidade e de serviços ecossistémicos na UE até 2020, proceder à sua recuperação na medida do possível e intensificar a contribuição da UE para evitar a perda de biodiversidade a nível mundial

Esta opção vai mais longe do que a opção 3: reconhece que é do interesse da UE tomar medidas no sentido de enfrentar a questão da perda de biodiversidade não apenas a nível da UE, como também para além das suas fronteiras. Reconhecendo que a maior parte da biodiversidade mundial se encontra fora do seu território, a luta contra a perda de biodiversidade na UE não será, por si só, suficiente para evitar as graves consequências da perda contínua à escala mundial. Esta opção implica a aceleração da acção da UE para fazer face à crise de biodiversidade mundial.

Tal pode implicar medidas destinadas a reduzir ainda mais o impacto dos padrões de consumo da UE na biodiversidade noutras partes do mundo e a reforçar os esforços tendentes a proteger a biodiversidade em países terceiros, nomeadamente mediante instrumentos específicos.

4. Próximas etapas

A definição de uma visão e de um objectivo pós-2010 não constitui um fim em si próprio. Assinala sim o início de um processo destinado a dotar a UE de uma nova estratégia em matéria de biodiversidade para quando o objectivo actual expirar.

Não há uma forma fácil de lutar contra a perda de biodiversidade de forma eficaz. É necessária uma abordagem integrada assente em dados concretos, que incida nas principais pressões exercidas na biodiversidade e nos serviços ecossistémicos por sectores específicos – alteração do uso dos solos, sobreexploração, espécies invasoras, poluição e alterações climáticas. Terão de ser definidos sub-objectivos para cada tipo de pressão, sector ou ecossistema, em combinação com uma acção com boa relação custo-eficácia ao nível adequado de intervenção, a fim de produzir os resultados desejados.

Uma coisa é já evidente: terão de ser estudadas soluções políticas equitativas adaptadas a cada situação específica. Por outras palavras, a acção e a execução serão necessárias a múltiplos níveis: internacional, da UE, nacional e subnacional. A abordagem adoptada no Plano de Acção sobre Biodiversidade da UE de partilha da responsabilidade de implementação entre todos os sectores e de estabelecimento de parcerias com os Estados-Membros continua a ser plenamente relevante. Tal exige um quadro de governação eficaz que conte com a participação de todos os intervenientes a diferentes níveis.

A Comissão prosseguirá os seus trabalhos no decurso de 2010, designadamente através de novas consultas das partes interessadas, a fim de estabelecer a base de conhecimentos necessária para definir mais pormenorizadamente o novo quadro da política da UE nesta matéria. Esta medida contribuirá também para a estratégia e objectivos da UE na negociação do futuro quadro internacional no domínio da biodiversidade.

[1] COM(2006) 216.

[2] COM(2008) 864.

[3] « Growing within limits» , Agência Neerlandesa de Avaliação Ambiental, Outubro de 2009; « Millennium Ecosystem Assessment» , 2005; «IUCN Red List», Novembro de 2009.

[4] « A safe operating space for humanity », Nature , 23 de Setembro de 2009.

[5] COM(2009) 358.

[6] CLIMSOIL: http://ec.europa.eu/environment/soil/review_en.htm.

[7] « Biodiversity and ecosystem functionality », Nature , 12 de Julho de 2007.

[8] « Convenient solutions to an inconvenient truth: ecosystem-based approaches to climate change », World Bank, 2009; « TEEB Climate Issues Update» , Setembro de 2009; « The Natural Fix? The role of ecosystems in climate mitigation », UNEP, Junho de 2009.

[9] COM(2009) 400.

[10] « The Economics of Ecosystems and Biodiversity», « TEEB Interim Report », Maio de 2008; «TEEB for Policy-Makers» , Novembro de 2009: http://www.teebweb.org.

[11] Por exemplo, os investimentos na recuperação das florestas tropicais apresentam rendimentos muito elevados: os custos normais situam-se à volta de 3 500 dólares/ha, enquanto estimativas conservadoras dos benefícios anuais dos serviços e bens públicos desses ecossistemas, desde a captação de carbono até ao controlo das inundações e da erosão, se situam ao nível dos 7 000 dólares/ha.

[12] Directiva 2000/60/CE.

[13] Directiva 2008/56/CE.

[14] A «infra-estrutura verde» é a rede interligada de zonas naturais, incluindo solos agrícolas, corredores verdes, zonas húmidas, parques, reservas florestais e comunidades vegetais indígenas, bem como zonas marinhas que regulam, de forma natural, os caudais de águas pluviais, as temperaturas, o risco de inundação e a qualidade da água, do ar e dos ecossistemas.

[15] A pegada ecológica da UE é de 4,7 hectares globais por pessoa, ou seja o dobro da capacidade biológica da UE, de acordo com o indicador de pegada ecológica da UE.

[16] COM(2009) 540 final, 15.10.2009.