14.12.2010   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 339/41


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a «Proposta de directiva do Conselho que altera a Directiva 2006/112/CE no que se refere à aplicação facultativa e temporária de um sistema de autoliquidação ao fornecimento ou prestação de certos bens e serviços que apresentam um risco de fraude»

[(COM(2009) 511 final – 2009/0139 (CNS)]

(2010/C 339/09)

Relator-geral: Edgardo IOZIA

Em 6 de Outubro de 2009, em conformidade com o artigo 93.o do Tratado que institui a Comunidade Europeia, o Conselho decidiu consultar o Comité Económico e Social Europeu sobre a

Proposta de directiva do Conselho que altera a Directiva 2006/112/CE no que se refere à aplicação facultativa e temporária de um sistema de autoliquidação ao fornecimento ou prestação de certos bens e serviços que apresentam um risco de fraude

COM(2009) 511 final – 2009/0139 (CNS).

Em 3 de Novembro de 2009, a Mesa do Comité decidiu incumbir a Secção Especializada da União Económica e Monetária e Coesão Económica e Social da preparação dos correspondentes trabalhos.

Dada a urgência dos trabalhos, o Comité Económico e Social Europeu, na 459.a reunião plenária de 20 e 21 de Janeiro de 2010 (sessão de 21 de Janeiro), designou relator-geral Edgardo Maria Iozia e adoptou, por 91 votos a favor, 2 votos contra e 4 abstenções, o seguinte parecer:

1.   Conclusões

1.1   O CESE acolhe favoravelmente a proposta de directiva relativa à aplicação de um sistema de autoliquidação a certos bens e serviços, lamentando, porém, a necessidade repetida de buscar soluções «convencionais» para o problema da fraude fiscal e para encontrar uma saída para o regime «transitório», que continua imperturbavelmente a facilitar a fraude intracomunitária.

1.2   O CESE compreende e apoia os esforços da Comissão, apesar dos problemas de natureza política que esta tem de enfrentar, mas continua a advogar a transição para um novo sistema de IVA, que reduza as possibilidades de fraude e diminua os encargos administrativos para os sujeitos passivos.

1.3   O CESE concorda com as propostas constantes na Resolução do Parlamento Europeu, de 2 de Setembro de 2008, sobre uma estratégia coordenada para melhorar a luta contra a fraude fiscal, em particular a tributação no país de origem à taxa única de 15 % para as transacções intracomunitárias, em conformidade com o previsto no artigo 402.o da Directiva 2006/112/CE.

A proposta de directiva introduz novos elementos que agravam as divergências no sistema de IVA. O CESE manifesta a sua preocupação pelas opções que implicam um adiamento da harmonização do IVA.

1.4.1   O instrumento jurídico escolhido parece adequado, embora fosse desejável a adopção de regulamentos.

1.5   Os Estados-Membros terão de reforçar a administração fiscal. Aumentarão os pedidos de reembolso, uma vez que deixará de ser possível compensar o IVA a montante com o IVA a jusante. É indispensável um sistema de controlo rigoroso para proteger os Estados-Membros dos efeitos adversos que a autoliquidação possa eventualmente gerar.

1.6   O CESE considera fundamental a opção de incluir as transacções de licenças de emissão de gases com efeito de estufa no âmbito da directiva.

1.7   O CESE não subscreve a limitação a apenas duas das quatro categorias de produtos definidas na directiva. Cada Estado-Membro deveria poder decidir se a sua administração fiscal está em condições de gerir adequadamente a aplicação do sistema de autoliquidação para todas as categorias de produtos. Esta limitação parece contradizer o artigo 395.o da Directiva 2006/112.

1.8   O CESE continuará a apoiar as iniciativas da Comissão destinadas a reforçar a harmonização do sistema tributário do IVA, de preferência adoptando as tais reformas «estruturais mais ambiciosas» que reduzem drasticamente as possibilidades de fraude fiscal.

2.   Introdução

2.1   A luta contra a fraude fiscal, em particular a fraude intracomunitária, não progrediu significativamente nos últimos anos. O valor total dos prejuízos fiscais devido a fraude é da ordem dos 200 a 250 mil milhões de euros – o equivalente a 2 % do PIB da UE.

2.2   A fraude ao IVA ascende a cerca de 40 mil milhões de euros, o que corresponde a 10 % do produto deste imposto.

2.3   O aumento progressivo das trocas comerciais levou à difusão da chamada «fraude em carrossel». A legislação de referência prevê que as mercadorias em trânsito na UE circulem livremente, mas que o IVA relativo a operações comerciais com países comunitários seja pago no país de destino.

2.4   Interpondo um operador factício na transacção comunitária, gera-se uma triangulação ilícita que, deste modo, simula duas aquisições sucessivas do bem em causa. O comprador tem direito ao reembolso de um montante de IVA que nunca foi pago pelo operador intermediário, o qual adquiriu o bem isento de IVA a um fornecedor de outro Estado-Membro. O sujeito intermédio deste modo desaparece.

2.5   Através do mecanismo de autoliquidação, o operador doméstico não debita o IVA ao comprador, sujeito passivo de IVA, que passa a ser o devedor do imposto. Este procedimento deveria, teoricamente, eliminar a possibilidade de fraude «em carrossel».

2.6   A contradição do sistema baseado na aplicação do princípio de tributação no destino, o qual, para funcionar correctamente, requereria um sistema eficiente e consolidado de troca de informações entre os Estados-Membros, propicia a ocorrência de fraudes fiscais dificilmente detectáveis. A União Europeia optou em definitivo pelo princípio de tributação no país de origem, que prevê precisamente uma forma de compensação, entre os Estados-Membros através de um mecanismo de redistribuição do IVA. Nos termos do artigo 402.o da Directiva 2006/112/CE, de 28 de Novembro de 2006, a tributação no caso de trocas comerciais intracomunitárias deverá ser efectuada no país de origem.

2.7   A redistribuição revela-se necessária para neutralizar o efeito nas receitas dos impostos, das exportações e da dedução dos impostos sobre as importações, já cobrados no país de origem.

2.8   A adopção do regime definitivo – que reduziria drasticamente a fraude fiscal intracomunitária – requer um sistema integrado de cooperação administrativa que, apesar dos esforços da Comissão, está ainda por concretizar (1), revelando-se igualmente difícil a constituição indispensável de uma câmara de compensação, solicitada pela Comissão desde 1987, em virtude da subsistência de profundas divergências entre os Estados-Membros ao nível da verificação e do levantamento de dados estatísticos.

2.9   É neste contexto pouco animador que surge a proposta de directiva do Conselho, pela Comissão, com o fito de introduzir temporariamente nas regulamentações nacionais a opção da autoliquidação para certos bens e serviços (2).

3.   A proposta da Comissão

3.1   A iniciativa em apreço baseia-se nas propostas do grupo de peritos da Estratégia Antifraude Fiscal (ATFS). A Comissão apresentara uma comunicação (3) contendo propostas inovadoras de luta contra a fraude, entre as quais se incluía a aplicação de um sistema geral de autoliquidação, que, no entanto, não foram aprovadas pelo Conselho Ecofin.

A fim de contrariar o crescente fenómeno da chamada fraude intracomunitária do operador fictício («missing trader intra-community fraud» (MTIC)) – mais conhecida por «fraude em carrossel» por tender a envolver a entrega repetida dos mesmos bens a operadores de vários Estados-Membros –, alguns Estados-Membros instaram a Comissão a recorrer à derrogação prevista no artigo 395.o da Directiva sobre o IVA, que permite a aplicação temporária do sistema de autoliquidação para certos bens e serviços.

3.2.1   A Comissão considerou mais adequado proceder à alteração da Directiva sobre o IVA através do aditamento do artigo 199.o-A e da concessão de uma derrogação até 2014.

Na lista dos bens passíveis de beneficiarem da aplicação facultativa do sistema de autoliquidação incluem-se aparelhos electrónicos de uso comum, como telemóveis e dispositivos de circuitos integrados. É já este o caso no Reino Unido, que obteve uma derrogação do Conselho.

3.3.1   Os perfumes e os metais preciosos que não sejam artigos de colecção ou antiguidades completam as quatro categorias de bens previstas pela directiva. Entre os serviços incluem-se as transacções de licenças de emissão de gases com efeito de estufa.

4.   Observações gerais

4.1   Na sua comunicação ao Conselho e ao Parlamento Europeu (4), a Comissão destacava, por um lado, os potenciais efeitos positivos para a luta contra a fraude fiscal que a aplicação do sistema de autoliquidação teria podido lograr, enquanto, por outro, sublinhava todos os potenciais riscos de novas formas de fraude, bem como a necessidade de reforçar as acções de controlo, e, sobretudo, de cooperação administrativa.

4.2   A Comissão reiterou a sua perplexidade face à introdução da autoliquidação generalizada a título facultativo, a qual «afectaria significativamente a coerência e a harmonização do sistema de IVA da UE e os contornos do seu desenvolvimento futuro».

4.3   O CESE partilha as preocupações da Comissão e frisa a necessidade de evitar qualquer tipo de medidas que possam comprometer o árduo caminho rumo à futura harmonização do IVA.

4.4   Já em 2008, o Parlamento Europeu, ao apelar ao Conselho para uma acção mais incisiva na luta contra a fraude fiscal (5), pusera em evidência os riscos associados à possibilidade de novas formas de fraude com a aplicação do sistema geral de autoliquidação, em particular no sector retalhista e na utilização abusiva dos números de identificação de IVA. Na mesma resolução, o Parlamento propunha que se terminasse com o regime transitório e que os fornecimentos intracomunitários fossem tributados à taxa de 15 %.

4.5   Em todos os seus pareceres mais ou menos recentes, o CESE sublinhou a necessidade de ultrapassar o regime transitório (6), e concorda com a proposta do Parlamento relativa à aplicação de uma tributação uniforme dos fornecimentos intracomunitários. Além disso, o regime transitório está fragmentado num número elevado de regimes especiais (para a agricultura, pequenas empresas, agências de viagens, editoras, entre outras categorias), isenções, facilidades e derrogações.

4.6   Como de costume, o Conselho Ecofin não chegou a nenhum acordo e o CESE mais uma vez lamenta que a paralisia decisória em matéria fiscal tenha bloqueado a enésima tentativa de avançar com o processo de harmonização.

4.7   O CESE apoia a proposta da Comissão, apontando-lhe, contudo, algumas incongruências relativamente aos objectivos declarados: nomeadamente, um regime facultativo que sujeita os operadores dos sectores interessados a encargos administrativos adicionais, obrigando, na realidade, a uma dupla contabilidade, a par de responsabilidades consideráveis para os sujeitos passivos, a quem cabe determinar o tratamento fiscal apropriado.

4.8   O Tribunal de Justiça Europeu já se pronunciou em matéria de autoliquidação (7). O acórdão analisa o caso de um pedido de pagamento apresentado por uma administração fiscal devido a erro na interpretação do sistema de autoliquidação. A fim de evitar processos contenciosos inúteis e dispendiosos, será necessário, à luz da experiência adquirida, proceder à verificação das legislações nacionais, as quais, apesar de aplicarem os mesmos princípios gerais, apresentam divergências, por exemplo, ao nível dos prazos para pedidos de reembolso e para pagamento do imposto.

4.9   As administrações dos Estados-Membros que adoptarão o sistema terão de analisar um número acrescido de pedidos de reembolso do excedente do IVA a montante por parte dos sujeitos passivos que deixam de ter direito à dedução do IVA devido a jusante.

4.10   A obrigação do pagamento do imposto é transferida para agentes económicos cada vez mais pequenos que poderão ser menos fiáveis do que os actuais sujeitos passivos do IVA, ou seja, as empresas de grande e média dimensão, que contribuem com o grosso do produto do imposto. Ao eliminar o fraccionamento dos pagamentos, o sistema faz aumentar o risco de perda de receitas fiscais.

4.11   Uma análise de conjunto revela que é indispensável um sistema de controlo rigoroso para proteger os Estados-Membros dos efeitos adversos que a autoliquidação possa eventualmente gerar. É necessário que o processo de reforço da acção de controlo seja conduzido em paralelo com o reforço da cooperação administrativa e com a utilização de sistemas normalizados e informatizados de troca de informações entre as administrações.

5.   Observações na especialidade

5.1   O CESE não subscreve a decisão da Comissão de não proceder a uma avaliação de impacto. Ao considerar exaustiva a consulta anterior, Possible introduction of an optional reverse charge mechanism for VAT – Impact on businesses of 13 August 2007 [Possível aplicação de um sistema facultativo de autoliquidação – Impacto nas empresas, de 13 de Agosto de 2007] – aliás, não publicada no sítio Internet da Comissão –, esta não está a tomar em linha de conta os possíveis efeitos da directiva proposta para os operadores e as administrações.

5.2   O argumento, segundo o qual a realização das avaliações de impacto, dado o seu carácter não obrigatório, será da responsabilidade dos Estados-Membros interessados, é altamente discutível. O CESE tem repetidamente recomendado que se dê a máxima atenção a uma análise séria e aprofundada das consequências da legislação europeia.

5.3   A base jurídica desta proposta parece ser adequada e equilibrada. No entender do CESE, porém, o instrumento da directiva apresenta riscos evidentes de agravar as discrepâncias entre regimes fiscais, pelo que teria sido preferível adoptar um regulamento.

5.4   O CESE apoia convictamente a inclusão das transacções de direitos de emissão de gases com efeito de estufa (ETS – Emissions Trading System, ou Sistema de Transacção dos Direitos de Emissão), que em 2008 constituíam 73 % do valor do mercado mundial das licenças de emissão. Uma vez que a transacção de licenças entre sujeitos passivos é considerada uma prestação de serviço, deverá estar sujeita ao pagamento do imposto no país onde a empresa adquirente está sedeada. O CESE lamenta apenas que tais transacções não estejam obrigatoriamente sujeitas a um sistema de autoliquidação.

5.5   O CESE considera que a limitação a apenas duas das quatro categorias de produtos definidas na directiva não está justificada de modo satisfatório. Teria sido muito mais apropriado que cada Estado-Membro assumisse a responsabilidade de decidir livremente sobre esta matéria. O artigo 395.o da Directiva 2006/112 já concede tal faculdade a cada Estado-Membro, mediante autorização do Conselho. O artigo 199.o-A, tal como é proposto, poderia entrar em contradição com o referido artigo.

Bruxelas, 20 de Janeiro de 2010

O Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Mario SEPI


(1)  COM(2009) 427 final – 2009/0118 (CNS). Em exame ECO 265, relator: Umberto Burani.

(2)  COM(2009) 511 final.

(3)  COM(2008) 109 final de 22.2.2008 e SEC(2008) 249 de 22.2.2008.

(4)  Ibidem.

(5)  Resolução do Parlamento Europeu, de 2 de Setembro de 2008, sobre uma estratégia coordenada para melhorar a luta contra a fraude fiscal (2008/2033 (INI)) JO C 295 E de 4.12.2009, p. 13.

(6)  Parecer do CESE sobre o «IVA e medidas derrogatórias» – JO C 32 de 5.2.2004, p. 120.

Parecer do CESE sobre a «Luta contra a fraude fiscal» – JO C 161 de 13.7.2007, p. 8.

Parecer do CESE sobre «Outras taxas de IVA além das taxas uniformes» – JO C 211 de 19.8.2008, p. 67.

Parecer do CESE sobre a «Evasão fiscal nas importações» – JO C 277 de 17.11.2009, p. 112.

Parecer do CESE sobre a «Luta contra a fraude» – JO C 100 de 30.4.2009, p. 22.

Parecer do CESE sobre a «Racionalização das derrogações e das medidas anti-fraude da Sexta Directiva IVA» – JO C 65 de 17.3.2006, p. 103.

(7)  Processos apensos C 95/07 e C 96/07, de 8 de Maio de 2008.