7.1.2009   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 2/7


Parecer da Autoridade Europeia para a Protecção de Dados (AEPD) sobre a proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho relativo ao acesso do público aos documentos do Parlamento Europeu, do Conselho e da Comissão

(2009/C 2/03)

A AUTORIDADE EUROPEIA PARA A PROTECÇÃO DE DADOS,

Tendo em conta o Tratado que institui a Comunidade Europeia, nomeadamente o artigo 286.o,

Tendo em conta a Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, nomeadamente o artigo 8.o,

Tendo em conta a Directiva 95/46/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 24 de Outubro de 1995, relativa à protecção das pessoas singulares no que diz respeito ao tratamento de dados pessoais e à livre circulação desses dados (1),

Tendo em conta o Regulamento (CE) n.o 45/2001 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 18 de Dezembro de 2000, relativo à protecção das pessoas singulares no que diz respeito ao tratamento de dados pessoais pelas instituições e pelos órgãos comunitários e à livre circulação desses dados (2), nomeadamente o artigo 41.o,

Tendo em conta o pedido de parecer nos termos do n.o 2 do artigo 28.o do Regulamento (CE) n.o 45/2001, recebido em 15 de Maio de 2008 da Comissão Europeia,

ADOPTOU O SEGUINTE PARECER:

I.   INTRODUÇÃO

A proposta

1.

Em 30 de Abril de 2008, a Comissão adoptou a proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho relativo ao acesso do público aos documentos do Parlamento Europeu, do Conselho e da Comissão, (a seguir designada por «proposta») (3). A Comissão enviou a proposta para consulta à AEPD, nos termos do n.o 2 do artigo 28.o do Regulamento (CE) n.o 45/2001, que a recebeu em 15 de Maio de 2008.

2.

A proposta tem por objectivo introduzir várias alterações de fundo no Regulamento (CE) n.o 1049/2001, de 30 de Maio de 2001, relativo ao acesso do público aos documentos do Parlamento Europeu, do Conselho e da Comissão (4). Na sua exposição de motivos, a Comissão apresenta as razões para rever o regulamento existente. Alude à «Iniciativa Europeia em Matéria de Transparência» (5) que preconiza uma maior transparência, ao Regulamento relativo à aplicação da Convenção de Aarhus (6) às instituições e órgãos da Comunidade Europeia, que interage com o Regulamento (CE) n.o 1049/2001 no que se refere ao acesso aos documentos que contenham informações ambientais, bem como à jurisprudência do Tribunal de Justiça e às queixas dirimidas pelo Provedor de Justiça Europeu relativas ao Regulamento (CE) n.o 1049/2001.

Consulta da AEPD

3.

A AEPD saúda esta consulta e recomenda que lhe seja feita referência nos considerandos da proposta, à semelhança de vários outros textos legislativos em que esta Autoridade foi consultada, nos termos do Regulamento (CE) n.o 45/2001.

4.

O que chamou particularmente a atenção da AEPD foi o facto de a proposta conter uma disposição que trata da delicada relação existente entre o acesso aos documentos e o direito à vida privada e à protecção de dados pessoais, nomeadamente a proposta de n.o 5 do artigo 4.o. A análise desta disposição constituirá o cerne do presente parecer.

5.

Todavia, ele não se limitará a essa análise, que será precedida de observações sobre o contexto da proposta e o seu âmbito de aplicação. Depois de analisado o n.o 5 do artigo 4.o, serão abordadas outras questões, nomeadamente o direito de acesso aos dados pessoais nos termos do Regulamento (CE) n.o 45/2001.

II.   CONTEXTO E ÂMBITO DE APLICAÇÃO DA PROPOSTA

Contexto

6.

A proposta foi antecedida de uma consulta pública. Na exposição de motivos, a Comissão refere que teve em conta as opiniões da maioria dos participantes nessa consulta.

7.

Após a adopção da proposta, a Comissão LIBE organizou uma audição pública, que se realizou no Parlamento Europeu a 2 de Junho de 2008, na qual as várias partes interessadas tiveram oportunidade de se pronunciar sobre ela. A AEPD também aduziu algumas observações provisórias. Nessa ocasião, os representantes da Comissão Europeia — reagindo a diversas observações — salientaram que a proposta reflectia a actual forma de pensar, embora a Comissão estivesse disposta a debater o texto e a reflectir sobre os contributos para a melhorar, não excluindo alternativas.

8.

A AEPD vê nesta abertura uma oportunidade e propõe-se enriquecer o debate com um texto alternativo para a proposta de n.o 5 do artigo 4.o. Além disso, esta abertura enquadra-se perfeitamente no conceito de transparência: promover a boa governação e assegurar a participação da sociedade civil (ver, por exemplo, o n.o 1 do artigo 15.o do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia).

9.

Embora ainda seja incerto o destino do Tratado de Lisboa, aquando da redacção deste parecer, não deve ignorar-se a perspectiva do quadro jurídico nos termos do novo Tratado.

10.

A proposta baseia-se no artigo 255.o do Tratado CE que concede o direito de acesso aos documentos do Parlamento Europeu, do Conselho e da Comissão. Quando o Tratado de Lisboa entrar em vigor, este artigo será substituído pelo artigo 15.o do Tratado da União Europeia. O artigo 15.o torna o direito de acesso extensivo aos documentos de todas as instituições, órgãos e organismos da União. Altera o artigo 255.o, nomeadamente introduzindo um princípio geral de abertura (n.o 1 do artigo 15.o) e obrigando o Parlamento Europeu e o Conselho a assegurarem a publicação dos documentos relativos aos processos legislativos.

Âmbito de aplicação: conceito de «documento»

11.

A proposta aplica-se a todos os documentos que se enquadrem na definição contida na alínea a) do artigo 3.o com o seguinte teor: «Documento», qualquer conteúdo, seja qual for o seu suporte (documento escrito em suporte papel ou electrónico, registo sonoro, visual ou audiovisual), elaborado por uma instituição e transmitido formalmente a um ou mais destinatários ou de qualquer forma registado ou recebido por uma instituição; os dados contidos em sistemas electrónicos de armazenamento, tratamento e recuperação constituem documentos se puderem ser extraídos na forma de impressão ou de cópia em formato electrónico, utilizando os instrumentos disponíveis para a exploração do sistema.

12.

Citamos esta definição na íntegra, porque suscita algumas questões essenciais em relação ao âmbito de aplicação do regulamento:

o objecto do direito de acesso: trata-se de um papel (ou do seu equivalente electrónico) ou tem uma acepção mais lata: informações sobre as actividades das instituições da UE ou informações na posse destas, independentemente de existir ou não um documento?

que significa limitar o âmbito de aplicação do regulamento aos documentos transmitidos formalmente a um ou mais destinatários ou de qualquer forma registados ou recebidos por uma instituição?

a diferença entre o âmbito de aplicação do Regulamento (CE) n.o 1049/2001 e o do Regulamento (CE) n.o 45/2001.

13.

O ponto de partida do regulamento é o acesso aos documentos, não o acesso à informação enquanto tal. É esse o conceito previsto no artigo 255.o do Tratado CE. O Tratado de Lisboa não levaria a uma alteração substancial. O novo Tratado clarifica apenas que o suporte do documento não é decisivo. Todavia, como o Tribunal de Primeira Instância afirmou no processo WWW «é contrário ao imperativo de transparência que decorre do Regulamento (CE) n.o 1049/2001 que as instituições invoquem a inexistência de documentos para escapar à aplicação deste regulamento» (7). Por conseguinte, de acordo com o Tribunal, as instituições em causa procedem, na medida do possível e de modo não arbitrário e previsível, à redacção e à manutenção da documentação referente às suas actividades. Senão, não pode haver o exercício efectivo do direito de acesso aos documentos.

14.

Neste contexto, por um lado a proposta inclui explicitamente no conceito de documento «os dados contidos em sistemas electrónicos de armazenamento, tratamento e recuperação», se puderem ser extraídos. A AEDP assinala que esta definição se aproxima da definição de tratamento de dados pessoais que consta do Regulamento (CE) n.o 45/2001 e alarga a possível sobreposição ao Regulamento (CE) n.o 1049/2001. É provável que venham a aumentar os pedidos de acesso a simples listas de nomes e/ou outros dados pessoais — inclusive atendendo à evolução dos instrumentos disponíveis para explorar sistemas electrónicos — pelo que é ainda mais importante abordar as eventuais zonas de fricção entre os regulamentos, bem como a relação com outros instrumentos disponíveis, nomeadamente, o direito de acesso aos dados pessoais (ver adiante os pontos 64-67).

15.

Por outro lado, na proposta da Comissão, um documento só «existe» se tiver sido transmitido aos seus destinatários, difundido na instituição ou de qualquer forma registado. A AEPD assinala que não é nada claro em que medida esta formulação restringiria o âmbito de aplicação do regulamento, contrariando assim os princípios da abertura e da participação do público. Infelizmente, a exposição de motivos dá poucas orientações a este respeito. Por isso, a AEPD sugere que o conceito de «documento» seja clarificado na proposta da Comissão, na própria disposição ou num considerando.

16.

Sem entrar numa análise detalhada das possíveis interpretações destas disposições cruciais, a AEPD chama a atenção para o facto de, apesar das alterações no conceito de «documento» proposto pela Comissão, continuar a existir uma diferença entre o âmbito de aplicação do Regulamento (CE) n.o 1049/2001 e o Regulamento (CE) n.o 45/2001. Este último aplica-se apenas, de acordo com o n.o 2 do artigo 3.o, ao «tratamento de dados pessoais por meios total ou parcialmente automatizados, bem como ao tratamento por meios não automatizados de dados pessoais contidos num ficheiro ou a ele destinados». O Regulamento (CE) n.o 1049/2001 aplica-se a todos os documentos na posse de uma instituição.

17.

Embora o tratamento manual dos dados pessoais tenha vindo a diminuir, é necessário ter presente que nas instituições e nos órgãos da União Europeia ainda se utilizam ficheiros em papel. Se estes não tiverem um carácter estruturado, podem não ficar totalmente abrangidos pelo Regulamento (CE) n.o 45/2001. No entanto, esses documentos podem conter dados pessoais e é preciso assegurar que também nesses casos possa ser aplicada a excepção prevista no n.o 5 do artigo 4.o.

18.

Há que atender devidamente a esta diferença no âmbito de aplicação por forma a assegurar que os interesses legítimos da pessoa em causa também sejam tidos em conta no caso dos ficheiros em papel. Esta é mais uma razão pela qual não é satisfatória a simples «remissão» para o Regulamento (CE) n.o 45/2001, como se explica mais adiante (ver pontos 38-40), pois não daria orientações para os casos em que os dados pessoais contidos nos documentos não estão abrangidos pelo âmbito de aplicação do Regulamento (CE) n.o 45/2001.

III.   N.o 5 DO ARTIGO 4.o

Apreciação geral da disposição

19.

A proposta de n.o 5 do artigo 4.o trata da relação entre o acesso aos documentos e os direitos à privacidade e à protecção de dados pessoais, e substitui a actual alínea b) do n.o 1 do artigo 4.o, que foi bastante criticada devido à sua ambiguidade acerca da relação exacta entre esses direitos fundamentais. O presente artigo também foi contestado no Tribunal de Primeira Instância (8). Actualmente está pendente no Tribunal de Justiça um recurso por motivos de direito (9).

20.

Nesta perspectiva, existem boas razões para substituir a alínea b) do n.o 1 do artigo 4.o. A AEPD compreende que a Comissão tenha aproveitado esta oportunidade para propor a sua alteração, embora não apoie a disposição proposta tal como redigida pela Comissão.

21.

Em primeiro lugar, a AEPD não está convicta de que seja este o momento adequado para a alteração, quando existe um processo pendente no Tribunal de Justiça. Neste recurso estão em jogo questões fundamentais.

22.

Em segundo lugar, e mais importante ainda: a proposta não oferece a solução adequada. Contém uma regra geral (o segundo período do n.o 5 do artigo 4.o) que:

não reflecte o acórdão do Tribunal de Primeira Instância no processo Bavarian Lager,

não faz justiça à necessidade de se encontrar um equilíbrio correcto entre os direitos fundamentais em jogo,

não é viável, pois remete para a legislação comunitária sobre protecção de dados que não dá uma resposta clara quando deve ser tomada uma decisão sobre o acesso do público.

Além disso, contém uma regra específica (o primeiro período do n.o 5 do artigo 4.o) que em princípio está bem definida, mas com um âmbito de aplicação demasiado limitado.

Não é este o momento adequado para a alteração

23.

A AEPD tem perfeita consciência das possíveis interacções — e eventuais fricções — entre o acesso aos documentos e os direitos à vida privada e à protecção de dados pessoais. No seu documento de referência intitulado «Acesso público a documentos e protecção de dados», publicado em Julho de 2005, analisou cuidadosamente as questões decorrentes da aplicação simultânea do Regulamento (CE) n.o 1049/2001 e do Regulamento (CE) n.o 45/2001.

24.

Em particular, a AEPD salientou que o acesso do público, por um lado, e a vida privada e a protecção de dados, por outro, são direitos fundamentais consagrados em diversos instrumentos jurídicos a nível europeu e constituem elementos fundamentais da «boa governação». Não existe nenhuma hierarquia entre estes direitos e em determinados casos a aplicação simultânea dos regulamentos não conduz a uma resposta óbvia. De acordo com o documento de referência da AEPD, a solução pode ser encontrada na excepção relativa à vida privada prevista na actual alínea b) do n.o 1 do artigo 4.o do Regulamento (CE) n.o 1049/2001. Como é explicado nesse documento, esta disposição impõe três condições que têm de ser satisfeitas para que seja aplicável a excepção do acesso público:

tem de estar em causa a vida privada da pessoa à qual se referem os dados,

o acesso público tem de afectar substancialmente essa pessoa,

o acesso público não é permitido pela legislação em matéria de protecção de dados.

25.

O Tribunal de Primeira Instância confirmou as linhas gerais da análise da AEPD no processo Bavarian Lager, no qual lhe foi pedido que interpretasse a relação entre o Regulamento (CE) n.o 45/2001 e o Regulamento (CE) n.o 1049/2001, bem como a excepção relativa à protecção de dados pessoais prevista neste último. Os principais elementos desse acórdão serão utilizados para fundamentar o presente parecer. A Comissão decidiu recorrer do acórdão do Tribunal de Primeira Instância; o processo está actualmente pendente no Tribunal de Justiça. Neste processo, a AEPD defende que seja confirmado o acórdão do Tribunal de Primeira Instância.

26.

É, pois, questionável se será este o momento adequado para alterar a disposição sobre a relação entre o acesso aos documentos e a protecção de dados pessoais, quando o processo está pendente no Tribunal de Justiça. Este processo diz respeito não só à interpretação da actual redacção da alínea b) do n.o 1 do artigo 4.o  (10), mas também suscita questões mais fundamentais que se prendem com o equilíbrio entre os direitos fundamentais em causa (11). Nestas circunstâncias, seria melhor aguardar o acórdão e não adoptar o regulamento antes.

A alteração não reflecte o acórdão do Tribunal de Primeira Instância

27.

A substância da disposição proposta também é uma das razões pelas quais se prefere aguardar o acórdão do Tribunal de Justiça. Na sua exposição de motivos, a Comissão alega que as alterações propostas também visam dar resposta ao acórdão do Tribunal de Primeira Instância no processo Bavarian Lager. Contudo, a alteração não reflecte a posição do referido Tribunal.

28.

A AEPD assinala, em particular, que a proposta da Comissão suprime toda e qualquer referência ao prejuízo para a «vida privada e a integridade» da pessoa como limiar necessário para justificar a recusa de acesso aos documentos que contêm dados pessoais. Deste modo, altera fortemente o equilíbrio até agora alcançado pelo legislador, na interpretação do Tribunal de Primeira Instância. A proposta desloca o foco do acesso aos documentos que contêm dados pessoais do Regulamento (CE) n.o 1049/2001 para o Regulamento (CE) n.o 45/2001.

29.

Pelo menos enquanto o acórdão do Tribunal de Primeira Instância continuar a ser o ponto de referência neste domínio tão sensível, é importante que as alterações propostas o tenham verdadeiramente em conta e não se afastem dele substancialmente. Esse acórdão não só dá uma interpretação de algumas disposições relevantes do Regulamento (CE) n.o 1049/2001 e do Regulamento (CE) n.o 45/2001, mas também estabelece um equilíbrio correcto entre os direitos protegidos por estes dois regulamentos. A AEPD sublinha que é importante o legislador manter este equilíbrio, eventualmente clarificando as disposições relevantes.

30.

Nos próximos pontos do presente parecer, a AEPD clarificará melhor a razão pela qual — ao contrário da opinião expressa pela Comissão — o proposto n.o 5 do artigo 4.o não reflecte a jurisprudência do Tribunal.

O segundo período do n.o 5 do artigo 4.o não faz justiça à necessidade de um equilíbrio correcto

31.

Lê-se no n.o 5 do artigo 4.o: «Outros dados pessoais serão divulgados de acordo com as condições relativas ao tratamento de tais dados estabelecidas na legislação comunitária sobre a protecção das pessoas singulares no que diz respeito ao tratamento de dados pessoais».

32.

Esta disposição implica que a autoridade que decide sobre um pedido de acesso do público aos documentos tem de fundamentar a sua decisão não no Regulamento (CE) n.o 1049/2001 mas sim no Regulamento (CE) n.o 45/2001. A disposição contém assim a chamada «teoria da remissão» (12) defendida pela Comissão perante o Tribunal de Primeira Instância no processo Bavarian Lager.

33.

Esta teoria foi rejeitada pelo referido Tribunal com base na actual redacção da alínea b) do n.o 1 do artigo 4.o do Regulamento (CE) n.o 1049/2001. O Tribunal baseou a sua rejeição nesta redacção: só pode ser recusada a divulgação se estiver comprometida a vida privada ou a integridade de uma pessoa. Todavia, este seu raciocínio não é uma mera interpretação textual, mas reflecte o resultado de um equilíbrio entre os dois direitos fundamentais em jogo: o acesso do público e a protecção de dados.

34.

Esta necessidade de existir um equilíbrio correcto entre estes direitos fundamentais — ou uma «abordagem equilibrada» como é habitualmente definida — também foi realçada em vários documentos que tratam da colisão entre estes dois direitos. Foi o caso, por exemplo, no Parecer 5/2001 do Grupo do Artigo 29.o  (13) e no documento de referência da AEPD. É também adoptada uma abordagem semelhante no projecto de Convenção do Conselho da Europa relativa ao acesso a documentos oficiais, que estabelece que as partes contratantes podem limitar o direito de acesso a documentos oficiais com o objectivo de proteger, entre outras coisas, «a vida privada e outros interesses privados legítimos» (14).

35.

Por um lado, há que respeitar o direito de acesso do público, o que em todo o caso significa que:

deve ser respeitada a finalidade do Regulamento (CE) n.o 1049/2001, o qual deverá permitir o mais amplo efeito possível do direito de acesso do público aos documentos (15). Isto significa que, em princípio, todos os documentos das instituições deverão ser acessíveis ao público (16). Consequentemente, as excepções ao direito devem ser interpretadas e aplicadas de forma restritiva, a fim de não porem em causa a aplicação do princípio geral consagrado no regulamento (17),

dada a natureza do direito de acesso do público aos documentos, o requerente do acesso não é obrigado a justificar o seu pedido e, portanto, não tem que demonstrar qualquer interesse para ter acesso aos documentos pedidos (18).

36.

Por outro lado, há que respeitar o direito à protecção de dados:

a protecção de dados pessoais está consagrada num sistema de controlos e equilíbrios que não proíbe o tratamento de dados pessoais, embora o submeta a salvaguardas e garantias. É permitido o tratamento de dados pessoais, se a pessoa em causa der o seu consentimento inequívoco ou se for necessário para outros interesses públicos e privados [artigo 5.o do Regulamento (CE) n.o 45/2001],

as disposições do Regulamento (CE) n.o 45/2001 devem necessariamente ser interpretadas à luz dos direitos fundamentais, em particular do direito à vida privada (19),

o tratamento de dados pessoais deverá, pois, observar o princípio da proporcionalidade e não prejudicar de forma concreta e efectiva um interesse legítimo da pessoa em causa.

37.

Tal equilíbrio não pode ser garantido por uma simples remissão para o Regulamento (CE) n.o 45/2001, que «tem por objectivo garantir a protecção das liberdades e dos direitos fundamentais das pessoas singulares, designadamente da sua vida privada relativamente ao tratamento de dados pessoais» (20). Esta solução pode respeitar o direito à protecção de dados, mas não respeita o direito do acesso do público.

O segundo período do n.o 5 do artigo 4.o não oferece uma solução viável

38.

O Regulamento (CE) n.o 45/2001 não dá uma resposta clara quando uma instituição ou um organismo comunitário tem de decidir sobre um pedido de acesso do público. Em suma (21), o artigo 5.o do regulamento permite o tratamento de dados pessoais se «for necessário ao exercício de funções de interesse público» ou se «for necessário para o respeito de uma obrigação jurídica a que o responsável pelo tratamento esteja sujeito». Por outras palavras, a licitude do tratamento não é determinada pelo interesse da protecção de dados em si, mas pela necessidade do tratamento para outro interesse (consagrado ou não numa obrigação jurídica). Isto leva a concluir que, uma vez que a necessidade não é determinada pelo artigo 5.o do próprio Regulamento (CE) n.o 45/2001 (nem por qualquer outra disposição desse regulamento), a legislação concebida para proteger o outro interesse — no caso vertente, o direito de acesso aos documentos — deve dar orientações adequadas.

39.

Todavia, de acordo com a proposta, todos os pedidos de acesso a documentos que contenham dados pessoais — a não ser que se aplique a disposição específica do primeiro período do n.o 5 do artigo 4.o — devem ser avaliados com base numa referência ao Regulamento (CE) n.o 45/2001. Essa referência não daria a orientação necessária para equilibrar os interesses, levando a um resultado indesejável (um beco sem saída).

40.

Por último, assinale-se que a referência ao Regulamento (CE) n.o 45/2001 não resolve a incompatibilidade entre o direito do acesso do público e a obrigação de provar a necessidade da transferência de dados pessoais, prevista na alínea b) do artigo 8.o desse mesmo regulamento. Como determina o Tribunal de Primeira Instância no processo Bavarian Lager: «Com efeito, caso se exigisse ao requerente a demonstração do carácter necessário da transferência, como condição suplementar imposta pelo Regulamento (CE) n.o 45/2001, esta exigência seria contrária à finalidade do Regulamento (CE) n.o 1049/2001, ou seja, o acesso mais amplo possível do público aos documentos na posse das instituições» (22).

O âmbito de aplicação do primeiro período do n.o 5 do artigo 4.o é demasiado limitado

41.

O primeiro período do n.o 5 do artigo 4.o da proposta tem a seguinte redacção: «Os nomes, títulos e funções de titulares de cargos públicos, de funcionários públicos e de representantes de grupos de interesses no quadro das suas actividades profissionais serão divulgados, excepto se, devido a circunstâncias especiais, a divulgação prejudicar as pessoas em causa». Este texto regula especificamente determinados tipos de dados relativos a um grupo específico de pessoas.

42.

Como primeira observação preliminar, a AEPD assinala que o primeiro período do n.o 5 do artigo 4.o respeita indubitavelmente o direito do acesso do público. Nas situações a que este período se refere, normalmente será permitido o acesso do público aos documentos. No entender da AEPD, a disposição também respeita o direito à protecção de dados. Abrange a situação tratada pelo Tribunal de Primeira Instância no processo Bavarian Lager, bem como situações comparáveis. Como esse Tribunal afirma: nessas situações, a divulgação dos nomes não origina uma ingerência na vida privada das pessoas, nem essas pessoas teriam motivos para considerar que beneficiavam de um tratamento confidencial (23).

43.

Como segunda observação preliminar, pode afirmar-se que a disposição em princípio está bem definida e satisfaz o requisito da segurança jurídica. Define as diferentes qualidades em que a pessoa actua e limita os dados pessoais que podem ser divulgados. Independentemente da questão de essas limitações serem ou não adequadas, estão redigidas com clareza e cumprem o Regulamento (CE) n.o 45/2001: a divulgação dos dados constitui um tratamento lícito — pois baseia-se na obrigação jurídica prevista no n.o 5 do artigo 4.o — e a finalidade é limitada, nomeadamente, conceder o acesso do público aos documentos.

44.

No que respeita à limitação do âmbito de aplicação ratione personae, devem ser divulgados determinados dados de titulares de cargos públicos, de funcionários públicos e de representantes de grupos de interesses. Parece que a disposição visa apenas resolver as consequências do acórdão do Tribunal de Primeira Instância no processo Bavarian Lager. Surge a questão de saber por que razão a disposição não trata de uma categoria mais vasta de pessoas no quadro das suas actividades profissionais. Os argumentos que fundamentam a presunção de que os dados pessoais devem normalmente ser divulgados nesse quadro também são válidos, por exemplo, em relação a:

empregados do sector privado ou a trabalhadores independentes, que não devem ser qualificados como representantes de grupos de interesses, a não ser que existam motivos para supor que a divulgação prejudicaria essas pessoas,

investigadores universitários que apresentem o resultado da sua investigação,

peritos que apresentem as suas competências especializadas no processo público,

professores no exercício da docência ou como conferencistas.

45.

Estes exemplos sugerem que teria sido útil prever uma disposição mais lata, que contemplasse dados de diferentes categorias de pessoas no exercício das suas funções profissionais.

46.

Uma segunda limitação — ratione materiae — no primeiro período do n.o 5 do artigo 4.o da proposta, diz respeito aos elementos dos dados. Só são divulgados nomes, títulos e funções, o que exclui os dados que revelem elementos da vida privada da pessoa em causa, mesmo que esses dados não sejam qualificados como dados sensíveis na acepção do artigo 10.o do Regulamento (CE) n.o 45/2001. Poder-se-ia pensar no endereço, telefone e correio electrónico, ou outros dados — como salários e despesas — relativos a funcionários ou políticos de alto nível.

47.

Todavia, isso também exclui elementos dos dados que nada têm a ver com a vida privada da pessoa em causa, como sejam o seu endereço de serviço (físico e electrónico), e bem assim informações mais genéricas sobre a sua função.

48.

Um problema mais fundamental que se coloca com a abordagem da proposta é o facto de raramente se incluir um nome só por si num documento. O nome está habitualmente associado a outros dados sobre a pessoa. Por exemplo, o processo Bavarian Lager era sobre o acesso à acta de uma reunião. Como se pode imaginar, a acta não só menciona os nomes das pessoas presentes na reunião, como os seus contributos para os debates nela ocorridos. Em certos casos, esses contributos poderiam até ser qualificados como dados sensíveis na acepção do artigo 10.o do Regulamento (CE) n.o 45/2001, por exemplo, se fosse expressa uma opinião política. Por isso, é duvidoso se dados específicos podem ser considerados isoladamente.

IV.   UMA SOLUÇÃO ALTERNATIVA

A necessidade de orientações claras do legislador

49.

O próprio Regulamento (CE) n.o 1049/2001 deveria dar orientações às instituições e aos órgãos que tratam de pedidos de acesso do público a documentos que contenham dados pessoais, respeitando plenamente o correcto equilíbrio entre os dois direitos fundamentais em jogo.

50.

A AEPD considera que é necessário analisar melhor o modo de transpor esta orientação para uma disposição jurídica específica. Como o passado tem demonstrado, trata-se de uma questão que inclui considerações difíceis e fundamentais. Deverá ser redigida com a maior clareza possível com o contributo das diferentes partes interessadas.

A solução alternativa

51.

Como contributo para o debate, a AEPD propõe a seguinte disposição para o acesso do público a dados pessoais:

1.

não serão divulgados dados pessoais, se tal divulgação prejudicar a vida privada ou a integridade da pessoa em causa. Não existirá tal prejuízo se:

a)

os dados apenas disserem respeito às actividades profissionais da pessoa em causa, excepto se, devido a circunstâncias especiais, existirem motivos para supor que a divulgação prejudicaria essa pessoa;

b)

os dados apenas disserem respeito a uma personalidade pública, excepto se, devido a circunstâncias especiais, existirem motivos para supor que a divulgação prejudicaria essa personalidade ou outras pessoas com ela relacionadas;

c)

os dados já tiverem sido publicados com o consentimento da pessoa em causa.

2.

todavia, devem ser divulgados dados pessoais, se um interesse público superior impuser a sua divulgação. Nesses casos, a instituição ou o órgão terão de especificar o interesse público, fundamentando a razão pela qual, no caso específico, o interesse público prevalece sobre os interesses da pessoa em causa;

3.

quando uma instituição ou um órgão recusar o acesso a um documento com base no n.o 1, deverá reflectir sobre a possibilidade de lhe conceder o acesso parcial.

52.

Esta disposição pode ser explicada da seguinte forma:

53.

A primeira parte do n.o 1 contém a regra de base e reflecte a necessidade de existir um equilíbrio correcto entre os direitos fundamentais em jogo. A excepção ao direito de acesso do público só se aplica se a divulgação prejudicar a vida privada ou a integridade da pessoa em causa. A disposição faz referência à vida privada (respeito pela vida privada e familiar na acepção do artigo 7.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União e do artigo 8.o da CEDH) e não à protecção de dados (na acepção do artigo 8.o da Carta).

54.

Todavia, é tido plenamente em conta o direito à protecção de dados pessoais, consagrado num sistema de controlos e equilíbrios para proteger a pessoa em causa, ver também o ponto 36 supra. A disposição especifica a obrigação jurídica para a divulgação de dados pessoais, tal como previsto na alínea b) do artigo 5.o do Regulamento (CE) n.o 45/2001.

55.

Convém assinalar que o Regulamento (CE) n.o 45/2001 não proíbe o tratamento de dados pessoais, desde que haja um fundamento legal para o tratamento nos termos da alínea b) do artigo 5.o desse mesmo regulamento. A aplicação desse fundamento num caso específico deve ser examinada à luz do artigo 8.o da CEDH e da jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem. Neste contexto, deveria fazer-se referência ao acórdão do Tribunal de Justiça no processo Österreichischer Rundfunk  (24). A introdução do excerto «prejudicar a vida privada ou a integridade da pessoa em causa» no n.o 1 da disposição especifica que é precisamente este critério que decide se deve ser autorizado o acesso do público aos dados pessoais.

56.

O termo integridade também foi incluído no actual texto da alínea b) do n.o 1 do artigo 4.o, referindo-se à integridade física de uma pessoa. Pode representar uma mais-valia, por exemplo, nos casos em que a divulgação dos dados pessoais possa levar à ameaça à integridade física da pessoa sem uma relação directa com a sua vida privada.

57.

A segunda parte do n.o 1 da disposição proposta vida dar orientações à instituição ou ao órgão que decide sobre um pedido de acesso do público. Distingue três situações em que a divulgação de dados pessoais normalmente não prejudicará a pessoa em causa.

a primeira é a situação abrangida pelo primeiro período do n.o 5 do artigo 4.o da proposta da Comissão. Está redigida de modo muito mais lato e funcional, tendo em conta as observações críticas aduzidas pela AEPD sobre o texto actual. A disposição reconhece que também nesta situação podem existir motivos para supor que a divulgação prejudicaria essa pessoa. Nesse caso, a instituição ou o órgão comunitário deverá analisar a probabilidade de esse efeito ocorrer. Por outras palavras, presume-se o acesso. Por último, a formulação «motivos para supor» (etc.) é retomada da alínea b) do artigo 8.o do Regulamento (CE) n.o 45/2001,

a segunda situação permite um acesso ainda maior no caso dos dados de personalidades públicas. Poder-se-ia pensar nos políticos ou noutras pessoas cujas funções ou cuja conduta normalmente justificam um maior acesso do público, em virtude do direito que lhes assiste à informação. Mais uma vez esta disposição fica sujeita à restrição de a conclusão poder ser diferente num caso específico. Nesta situação, haverá também que ter em conta os eventuais prejuízos para os familiares,

a terceira situação diz respeito aos dados que já são do domínio público, com o consentimento da pessoa em causa. Podemos imaginar, por exemplo, dados pessoais publicados num sítio Web ou num blogue.

58.

O n.o 2 reconhece o facto de poder existir um interesse público superior que exija o acesso. Determinados dados podem ser indispensáveis para o público formar uma opinião esclarecida sobre o processo legislativo ou o funcionamento das instituições europeias em geral. Pode pensar-se por exemplo nas relações (financeiras) entre uma instituição e determinados grupos de pressão. Dado que este número contém uma excepção a uma excepção, estão incluídas salvaguardas adicionais. Atendendo a cada caso, a instituição ou o órgão terá de especificar a aplicação da disposição.

59.

O n.o 3 obriga a instituição ou o órgão a considerar o acesso parcial — por exemplo ocultando nomes em documentos — como mais um instrumento para assegurar o correcto equilíbrio entre os direitos fundamentais em jogo, o qual só deverá ser utilizado se existirem motivos para a recusa.

60.

Por último, a AEPD sublinha que esta solução evitaria o beco sem saída a que se refere o ponto 39.

V.   DEVERÁ O REGULAMENTO (CE) N.o 45/2001 SER ALTERADO?

61.

Do acórdão do Tribunal de Primeira Instância no processo Bavarian Lager decorre a urgência de clarificar a relação entre o acesso do público e a protecção de dados, devido às diferentes interpretações que podem ser dadas neste contexto à alínea b) do artigo 8.o do Regulamento (CE) n.o 45/2001. A controvérsia, entre outros, no processo Bavarian Lager apresentado ao Tribunal de Primeira Instância, referia-se ao significado de «demonstrar a necessidade da transferência dos dados» no contexto do acesso do público aos documentos. Se se interpretasse esta cláusula literalmente, significaria que o requerente de um documento nos termos do Regulamento (CE) n.o 1049/2001 teria de aduzir um motivo convincente para o requerer, o que seria contrário a um dos objectivos do regulamento relativo ao acesso do público, nomeadamente facultar ao público o acesso mais amplo possível aos documentos na posse das instituições (25). Para resolver este problema, o Tribunal de Primeira Instância decidiu que no caso de os dados pessoais serem transferidos para cumprimento do direito de acesso aos documentos, o requerente não é obrigado a demonstrar o carácter necessário da divulgação. Afirma ainda que uma transferência de dados que não seja abrangida pela excepção prevista na alínea b) do n.o 1 do artigo 4.o não pode prejudicar os interesses legítimos da pessoa em causa (26).

62.

Era necessária esta solução para conciliar ambos os regulamentos de forma satisfatória, mas a Comissão impugna-a no recurso que interpôs no Tribunal de Justiça, afirmando que «nenhuma disposição do Regulamento (CE) n.o 45/2001 nem do Regulamento (CE) n.o 1049/2001 exige ou permite afastar a aplicação dessa disposição [alínea b) do artigo 8.o] para permitir que uma norma produza efeitos nos termos do Regulamento (CE) n.o 1049/2001» (27).

63.

No entender da AEPD, a melhor maneira de resolver esta fricção seria introduzindo um considerando no Regulamento (CE) n.o 1049/2001 alterado, que codificasse a decisão do Tribunal de Primeira Instância. Esse considerando poderia ter o seguinte teor: «No caso de os dados pessoais serem transferidos para cumprimento do direito de acesso aos documentos, o requerente não é obrigado a demonstrar o carácter necessário da divulgação para efeitos da alínea b) do artigo 8.o do Regulamento (CE) n.o 45/2001».

VI.   DIREITO DE ACESSO AOS DOCUMENTOS E DIREITO DE ACESSO AOS PRÓPRIOS DADOS PESSOAIS

64.

Há que fazer a distinção entre o direito de acesso aos documentos previsto no Regulamento (CE) n.o 1049/2001 e no artigo 13.o do Regulamento (CE) n.o 45/2001. O contemplado no Regulamento (CE) n.o 1049/2001 concede a todas as pessoas um direito geral de acesso aos documentos a fim de garantir a transparência dos órgãos públicos. O artigo 13.o do Regulamento (CE) n.o 45/2001 é mais limitado em relação aos beneficiários do direito de acesso, porquanto só concede esse direito às pessoas a quem as informações digam respeito, nomeadamente para que as possam controlar. Além disso, o direito de acesso nos termos do artigo 13.o do Regulamento (CE) n.o 45/2001 é referido no n.o 2 do artigo 8.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia.

65.

Neste contexto, a AEPD considera que o Regulamento (CE) n.o 1049/2001 deveria clarificar que a existência do direito de acesso aos documentos não prejudica o direito de acesso aos próprios dados pessoais nos termos do Regulamento (CE) n.o 45/2001.

66.

Além disso, a AEPD recomenda ao legislador que estude a possibilidade de introduzir no regulamento alterado o acesso ex officio aos dados pessoais do próprio interessado. Com efeito, o que acontece na prática é que as pessoas podem não ter conhecimento da existência do direito de acesso aos seus próprios dados pessoais, previsto no artigo 13.o do Regulamento (CE) n.o 45/2001, pelo que pedem o acesso à luz do Regulamento (CE) n.o 1049/2001. O acesso aos documentos pode ser-lhes recusado, se se aplicar uma das excepções previstas no Regulamento (CE) n.o 1049/2001, ou se se considerar que um determinado pedido de acesso não tem cabimento no âmbito de aplicação do regulamento. Nesse caso, quando a instituição ou o órgão conhecer a razão desse pedido de acesso (isto é, acesso aos próprios dados pessoais do requerente), deverá ser obrigada a conceder o acesso ex officio aos dados pessoais do requerente.

67.

Poderiam ser clarificados ambos os aspectos, introduzindo afirmações específicas nos considerandos do Regulamento (CE) n.o 1049/2001 alterado, eventualmente relacionadas com o considerando 11 do regulamento existente. Num primeiro considerando (ou em parte dele) poderia afirmar-se que o direito de acesso do público aos documentos não prejudica o direito de acesso aos dados pessoais nos termos do Regulamento (CE) n.o 45/2001. Um segundo considerando (ou parte dele) poderia incluir o conceito de acesso ex officio do requerente aos seus dados pessoais. Quando uma pessoa solicita o acesso aos dados que lhe dizem respeito, a instituição deveria, por sua própria iniciativa, verificar se ela tem direito ao acesso nos termos do Regulamento (CE) n.o 45/2001.

VII.   POSTERIOR UTILIZAÇÃO DE DADOS PESSOAIS INCLUÍDOS EM DOCUMENTOS PÚBLICOS

68.

Outra questão que deverá ser analisada e eventualmente clarificada na proposta da Comissão é a posterior utilização de dados pessoais incluídos em documentos públicos. Com efeito, quando é concedido o acesso a documentos, a utilização dos dados pessoais neles incluídos pode ser objecto das regras aplicáveis em matéria de protecção de dados pessoais, nomeadamente do Regulamento (CE) n.o 45/2001 e das legislações nacionais que transpõem a Directiva 95/46/CE. A reutilização, divulgação e o ulterior tratamento desses dados pessoais pelo requerente, pelas instituições que concedem o acesso ou por terceiros que tenham acesso ao documento devem ser efectuados no âmbito da legislação aplicável em matéria de protecção de dados.

69.

Por exemplo, se se divulgar uma lista de nomes e contactos de funcionários públicos na sequência de um pedido de acesso, essa lista não deverá ser utilizada para os visar numa campanha de comercialização, ou para estabelecer o seu perfil, a não ser nos termos da legislação aplicável em matéria de protecção de dados.

70.

Por isso, seria aconselhável que o legislador aproveitasse esta oportunidade para realçar esta relação. Esta abordagem seria coerente com a escolha do legislador na Directiva 2003/98/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 17 de Novembro de 2003, relativa à reutilização de informações do sector público. Com efeito, nesta directiva, a plena observância dos princípios relativos à protecção de dados pessoais em conformidade com a Directiva 95/46/CE constitui uma das condições expressamente referidas para a reutilização de informações do sector público (28).

71.

Nesta perspectiva, a AEPD sugere que seja introduzido um considerando do seguinte teor: «quando for concedido o acesso a documentos, a posterior utilização dos dados pessoais neles incluídos é objecto das regras aplicáveis em matéria de protecção de dados pessoais, nomeadamente das legislações nacionais que transponham a Directiva 95/46/CE».

VII.   CONCLUSÃO

72.

O que chamou particularmente a atenção da AEPD foi o facto de a proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho relativo ao acesso do público aos documentos do Parlamento Europeu, do Conselho e da Comissão conter uma disposição que trata da delicada relação existente entre o acesso aos documentos e os direitos à vida privada e à protecção de dados pessoais, a proposta de n.o 5 do artigo 4.o. O presente parecer, até certo ponto, apoia os motivos subjacentes à substituição da alínea b) do n.o 1 do artigo 4.o por uma nova disposição, embora não apoie a disposição em si.

73.

Essa disposição é criticada pelas seguintes razões:

1.

a AEPD não está convicta de que seja este o momento adequado para a alteração, quando existe um processo pendente no Tribunal de Justiça. Neste recurso estão em jogo questões fundamentais;

2.

a proposta não oferece a solução adequada. Contém uma regra geral (o segundo período do n.o 5 do artigo 4.o) que:

não reflecte o acórdão do Tribunal de Primeira Instância no processo Bavarian Lager,

não faz justiça à necessidade de existir um equilíbrio correcto entre os direitos fundamentais em jogo,

não é viável, pois remete para a legislação comunitária sobre protecção de dados que não dá uma resposta clara quando deve ser tomada uma decisão sobre o acesso do público;

3.

contém uma regra específica (o primeiro período do n.o 5 do artigo 4.o) que em princípio está bem definida, mas com um âmbito de aplicação demasiado limitado.

74.

Como contributo para o debate, a AEPD propõe a seguinte excepção para o acesso do público a dados pessoais:

1.

não serão divulgados dados pessoais, se tal divulgação prejudicar a vida privada ou a integridade da pessoa em causa. Não existirá tal prejuízo se:

a)

os dados apenas disserem respeito às actividades profissionais da pessoa em causa, excepto se, devido a circunstâncias especiais, existirem motivos para supor que a divulgação prejudicaria essa pessoa;

b)

os dados apenas disserem respeito a uma personalidade pública, excepto se, devido a circunstâncias especiais, existirem motivos para supor que a divulgação prejudicaria essa personalidade ou outras pessoas com ela relacionadas;

c)

os dados já tiverem sido publicados com o consentimento da pessoa em causa.

2.

todavia, devem ser divulgados dados pessoais, se um interesse público superior impuser a sua divulgação. Nesses casos, a instituição ou o órgão terão de especificar o interesse público, fundamentando a razão pela qual, no caso específico, o interesse público prevalece sobre os interesses da pessoa em causa.

3.

quando uma instituição ou um órgão recusar o acesso a um documento com base no n.o 1, deverá reflectir sobre a possibilidade de lhe conceder o acesso parcial.

75.

O parecer identifica vários outros pontos em que é necessário clarificar o regulamento sobre o acesso do público aos documentos, principalmente na sua relação com o disposto no Regulamento (CE) n.o 45/2001. Pode proceder-se a essas clarificações, mediante a introdução de considerandos ou eventualmente de disposições legislativas sobre as seguintes questões:

a)

o conceito de documento para assegurar a aplicação mais ampla possível do regulamento relativo ao acesso do público;

b)

a interpretação da alínea b) do artigo 8.o do Regulamento (CE) n.o 45/2001 no contexto do acesso do público, por forma a assegurar que o requerente não seja obrigado a demonstrar o carácter necessário da divulgação;

c)

a relação entre o direito de acesso a documentos públicos e o direito de acesso aos próprios dados pessoais nos termos do Regulamento (CE) n.o 45/2001, por forma a assegurar que o direito de acesso a documentos públicos não prejudique o direito de acesso aos próprios dados pessoais;

d)

a obrigação de uma instituição verificar, por sua própria iniciativa, se uma pessoa que solicita o acesso aos dados que lhe dizem respeito tem o direito de acesso previsto no Regulamento (CE) n.o 45/2001;

e)

a posterior utilização de dados pessoais incluídos em documentos públicos, por forma a assegurar que essa utilização seja objecto das regras aplicáveis em matéria de protecção de dados pessoais.

Feito em Bruxelas, em 30 de Junho de 2008.

Peter HUSTINX

Autoridade Europeia para a Protecção de Dados


(1)  JO L 281 de 23.11.1995, p. 31.

(2)  JO L 8 de 12.1.2001, p. 1.

(3)  COM(2008) 229 final.

(4)  JO L 145 de 31.5.2001, p. 43.

(5)  Acta da reunião da Comissão n.o 1721, de 9 de Novembro de 2005, ponto 6; ver também os documentos SEC(2005) 1300 e SEC(2005) 1301.

(6)  Regulamento (CE) n.o 1367/2006 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 6 de Setembro de 2006, relativo à aplicação das disposições da Convenção de Aarhus às instituições e órgãos comunitários (JO L 264 de 25.9.2006, p. 13).

(7)  Acórdão de 25 de Abril de 2007, Processo T-264/04 WWF European Policy Programme contra Conselho, ponto 61.

(8)  Acórdão de 8 de Novembro de 2007, The Bavarian Lager Co. Ltd contra Comissão das Comunidades Europeias, Processo T-194/04. Existem ainda dois processos pendentes sobre a mesma questão.

(9)  Processo pendente C-28/08 P, Comissão/The Bavarian Lager Co. Ltd, JO C 79, p. 21.

(10)  É claro que o legislador é livre de alterar o texto de um instrumento legislativo. O facto de a interpretação do texto ser objecto de um recurso no Tribunal não altera isso.

(11)  Sobre esse equilíbrio, ver os pontos 31-37 infra.

(12)  Porque transfere o critério do Regulamento (CE) n.o 1049/2001 para o Regulamento (CE) n.o 45/2001.

(13)  Parecer 5/2001 sobre o relatório especial do Provedor de Justiça Europeu ao Parlamento Europeu na sequência do projecto de recomendação dirigido à Comissão Europeia na queixa 713/98/IJH, de 17 de Maio de 2001, WP 44, disponível no sítio Web do Grupo.

(14)  Artigo 3.o do projecto de Convenção que está em fase de ultimação no Conselho da Europa. A última versão está disponível em:

http://assembly.coe.int/Main.asp?link=/Documents/WorkingDocs/Doc08/EDOC11631.htm

(15)  Artigo 1.o e considerando 4 do regulamento; o considerando 4 passará a considerando 6, após a alteração do regulamento de acordo com a proposta.

(16)  Considerando 11 do regulamento; o considerando 11 passará a considerando 17, após a alteração do regulamento de acordo com a proposta.

(17)  Ponto 94 do acórdão do Tribunal de Primeira Instância no processo Bavarian Lager e jurisprudência nele mencionada.

(18)  Ponto 107 do acórdão do Tribunal de Primeira Instância no processo Bavarian Lager desenvolvido no ponto 40 infra.

(19)  A este respeito, veja-se em particular o acórdão do Tribunal de Justiça no processo Österreichischer Rundfunk.

(20)  Ponto 98 do acórdão.

(21)  Voir la note de référence du CEPD pour de plus amples explications concernant l'article 5.

(22)  Ponto 107 do acórdão do Tribunal de Primeira Instância. NB: o artigo 8.o do Regulamento (CE) n.o 45/2001 também impõe outras obrigações, embora não suscitem problemas no presente contexto.

(23)  Ver em particular os pontos 131, 132 e 136 do acórdão.

(24)  Acórdão do Tribunal, de 20 de Maio de 2003, Rechnungshof (C-465/00) contra Österreichischer Rundfunk e outros e Christa Neukomm (C-138/01) e Joseph Lauermann (C-139/01) contra Österreichischer Rundfunk. Processos apensos C-465/00, C-138/01 e C-139/01, Col. 2003, p. I-4989.

(25)  Ver ponto 107 do acórdão do Tribunal de Primeira Instância.

(26)  Ver pontos 107 e 108 do acórdão do Tribunal de Primeira Instância.

(27)  Ver o pedido da Comissão no processo C-28/08 P referido na nota de rodapé 7.

(28)  Ver considerando 21 e n.o 4 do artigo 1.o da Directiva 2003/98/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 17 de Novembro de 2003, relativa à reutilização de informações do sector público (JO L 345 de 31.12.2003, p. 90).