27.10.2009   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 257/1


Comunicação da Comissão relativa à aplicação das regras em matéria de auxílios estatais ao serviço público de radiodifusão

(Texto relevante para efeitos do EEE)

2009/C 257/01

1.   INTRODUÇÃO E ÂMBITO DE APLICAÇÃO DA COMUNICAÇÃO

1.

Nas últimas três décadas, o sector da radiodifusão sofreu importantes transformações. A supressão dos monopólios, o aparecimento de novos operadores e a rápida evolução tecnológica alteraram profundamente o contexto concorrencial. A radiodifusão televisiva constituía tradicionalmente uma actividade reservada. Desde o início, esta actividade foi exercida na maior parte dos casos por empresas públicas, no âmbito de um regime de monopólio, principalmente devido à reduzida disponibilidade de frequências de radiodifusão e a importantes obstáculos à entrada.

2.

Contudo, nos anos 70, a evolução económica e tecnológica permitiu que, cada vez mais, os Estados-Membros autorizassem a entrada de outros operadores neste sector. Os Estados-Membros decidiram então abrir o mercado à concorrência, o que proporcionou uma escolha mais vasta para os consumidores, uma vez que passaram a dispor de um elevado número de canais suplementares e de novos serviços; favoreceu também o aparecimento e o crescimento de fortes operadores europeus e o desenvolvimento de novas tecnologias e reforçou o pluralismo no sector, o que implica mais do que a mera disponibilidade de canais e serviços adicionais. Apesar de abrirem o mercado à concorrência, os Estados-Membros consideraram que era necessário manter o serviço público de radiodifusão, a fim de garantir a cobertura de uma série de domínios e satisfazer as necessidades e os objectivos de natureza pública, o que, de outro modo, não aconteceria necessariamente de forma optimizada. Este facto foi confirmado no Protocolo interpretativo relativo ao sistema de serviço público de radiodifusão nos Estados-Membros, anexo ao Tratado CE (a seguir denominado «Protocolo de Amesterdão»).

3.

Ao mesmo tempo, o aumento da concorrência, juntamente com a presença de operadores financiados pelo Estado, conduziu igualmente a preocupações crescentes em termos de igualdade de condições de concorrência, para as quais os operadores privados chamaram a atenção da Comissão. As denúncias alegavam infracções aos artigos 86.o e 87.o do Tratado CE no que diz respeito aos regimes de financiamento público criados a favor dos organismos de radiodifusão de serviço público.

4.

A Comunicação da Comissão de 2001, relativa à aplicação das regras em matéria de auxílios estatais ao serviço público de radiodifusão (1), estabeleceu pela primeira vez o quadro que rege o financiamento estatal do serviço público de radiodifusão. A Comunicação de 2001 tem constituído uma base adequada para o desenvolvimento, por parte da Comissão, de uma vasta prática decisória na matéria. Desde 2001, foram adoptadas mais de vinte decisões relativas ao financiamento público dos organismos de radiodifusão de serviço público.

5.

Entretanto, a evolução tecnológica provocou alterações de fundo nos mercados da radiodifusão e do audiovisual. Assistiu-se a uma multiplicação de plataformas e tecnologias de distribuição, como a televisão digital, a IPTV (televisão pela Internet), a televisão móvel e o vídeo a pedido, o que provocou um aumento da concorrência e a entrada no mercado de novos intervenientes, como operadores de rede e empresas de Internet. A evolução tecnológica permitiu ainda o aparecimento de novos serviços da comunicação social, como os serviços de informação em linha e os serviços não lineares ou a pedido. A prestação de serviços audiovisuais tende a convergir e, cada vez mais, os consumidores podem obter múltiplos serviços através de uma única plataforma ou dispositivo ou obter um mesmo serviço através de múltiplas plataformas ou dispositivos. Esta crescente variedade de opções que se apresentam aos consumidores para o acesso ao conteúdo dos meios de comunicação social levou a uma multiplicação dos serviços audiovisuais oferecidos e à fragmentação das audiências. As novas tecnologias permitiram melhorar a participação dos consumidores. O modelo tradicional de consumo — passivo — tem vindo gradualmente a dar lugar a uma participação activa e ao controlo do conteúdo por parte dos consumidores. Por forma a dar resposta aos novos desafios, as empresas de radiodifusão públicas e privadas têm vindo a diversificar as suas actividades, deslocando-se para novas plataformas de distribuição e expandido a sua gama de serviços. Muito recentemente, a diversificação das actividades dos organismos de radiodifusão de serviço público financiadas através de recursos estatais (como conteúdo em linha, canais de interesse especial, etc.) fez com que diversos outros operadores no mercado, incluindo empresas de edição, apresentassem denúncias.

6.

Desde 2001 verificaram-se igualmente importantes alterações no plano jurídico, com impacto no domínio da radiodifusão. No acórdão Altmark de 2003 (2), o Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias definiu as condições em que as compensações de serviço público não constituem auxílios estatais. Em 2005, a Comissão adoptou uma nova decisão (3) e um novo Enquadramento (4) comunitário dos auxílios estatais sob a forma de compensação de serviço público. Em 2007, a Comissão adoptou uma Comunicação que acompanha a comunicação sobre «Um mercado único para a Europa do século XXI. Os serviços de interesse geral, incluindo os serviços sociais de interesse geral: um novo compromisso europeu» (5). Além disso, em Dezembro de 2007, entrou em vigor a Directiva «Serviços de Comunicação Social Audiovisual» (6), que tornou o âmbito de aplicação da regulamentação da UE aplicável ao sector do audiovisual extensível aos novos serviços de comunicação social.

7.

Estas alterações no mercado e no quadro jurídico exigem uma actualização da comunicação de 2001 relativa à aplicação das regras em matéria de auxílios estatais ao serviço público de radiodifusão. O Plano de acção da Comissão no domínio dos auxílios estatais (7), publicado em 2005, anunciava que a Comissão examinaria «sua Comunicação relativa à aplicação das regras em matéria de auxílios estatais ao serviço público de radiodifusão». Em especial devido ao desenvolvimento das novas tecnologias digitais e dos serviços ligados à Internet colocaram-se novas questões, nomeadamente no que se refere ao âmbito das actividades de serviço público.

8.

Durante os anos de 2008 e 2009, a Comissão realizou várias consultas públicas sobre a oportunidade de rever a Comunicação relativa à radiodifusão de 2001. A presente comunicação consolida a prática da Comissão em matéria de auxílios estatais, adoptando uma perspectiva orientada para o futuro, com base nas observações recebidas no âmbito das consultas públicas. Nela se clarificam os princípios seguidos pela Comissão na aplicação do artigo 87.o e do n.o 2 do artigo 86.o do Tratado CE ao financiamento público dos serviços audiovisuais do sector da radiodifusão (8), tomando em consideração a evolução registada recentemente no mercado e a nível jurídico. A presente comunicação não prejudica a aplicação da legislação do mercado interno e das liberdades fundamentais no domínio da radiodifusão.

2.   O PAPEL DO SERVIÇO PÚBLICO DE RADIODIFUSÃO

9.

O serviço público de radiodifusão, apesar de ter uma evidente importância económica, não é comparável a um serviço público prestado noutros sectores da economia. Não existe outro serviço que, simultaneamente, disponha de um acesso tão vasto à população, lhe forneça um tão grande volume de informações e conteúdos e que, ao fazê-lo, oriente e influencie a opinião individual e pública.

10.

Além disso, a radiodifusão é geralmente considerada uma fonte de informação muito fiável e representa, para uma parte não negligenciável da população, a principal fonte de informação. Por conseguinte, enriquece o debate público e, em última instância, pode garantir a todos os cidadãos um grau equitativo de participação na vida pública. Neste contexto são fundamentais as salvaguardas destinadas a garantir a independência dos serviços de radiodifusão, em conformidade com o princípio geral de liberdade de expressão consagrado no artigo 11.o da Carta do Direitos Fundamentais da União Europeia (9) e no 10.o da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, que constitui um princípio geral de direito cujo respeito é garantido pelos tribunais europeus (10).

11.

O papel do serviço público (11) em geral é reconhecido pelo Tratado, em especial pelo artigo 16.o e pelo n.o 2 do artigo 86.o. A interpretação destas disposições à luz da natureza específica do sector da radiodifusão é apresentada no Protocolo de Amesterdão que, após considerar «que a radiodifusão de serviço público nos Estados-Membros se encontra directamente associada às necessidades de natureza democrática, social e cultural de cada sociedade, bem como à necessidade de preservar o pluralismo nos meios de comunicação social», declara que: «As disposições do Tratado que institui a Comunidade Europeia não prejudicam o poder de os Estados-Membros proverem ao financiamento do serviço público de radiodifusão, na medida em que esse financiamento seja concedido aos organismos de radiodifusão para efeitos do cumprimento da missão de serviço público, tal como tenha sido confiada, definida e organizada por cada um dos Estados-Membros, e na medida em que esse financiamento não afecte as condições das trocas comerciais, nem a concorrência na Comunidade de forma que contrarie o interesse comum, devendo ser tida em conta a realização da missão desse serviço público».

12.

A importância do serviço público de radiodifusão para a vida social, democrática e cultural na União foi igualmente reafirmada na resolução do Conselho relativa ao serviço público de radiodifusão. Tal como a resolução salienta: «Um amplo acesso do público, sem discriminação e com base na igualdade de oportunidades, a várias categorias de canais e serviços constitui uma pré-condição necessária para o cumprimento das obrigações específicas do serviço público de radiodifusão». Por outro lado, o serviço público de radiodifusão necessita de «beneficiar do progresso tecnológico», dar «ao público os benefícios dos novos serviços de audiovisual e informação e as novas tecnologias» e realizar «o desenvolvimento e diversificação de actividades da era digital». Por último, «o serviço público de radiodifusão deve estar apto a continuar a proporcionar uma ampla gama de programação, de acordo com a sua missão, definida pelos Estados-Membros, por forma a dirigir-se à sociedade no seu conjunto; neste contexto, é legítimo que o serviço público de radiodifusão procure atingir amplas audiências» (12).

13.

O papel desempenhado pela radiodifusão de serviço público para promover a diversidade cultural foi também reconhecido na Convenção da UNESCO de 2005 sobre a protecção e a promoção da diversidade das expressões culturais, aprovada pelo Conselho em nome da Comunidade, sendo, por conseguinte, parte integrante da legislação comunitária (13). Esta Convenção estabelece que as Partes poderão adoptar «medidas destinadas a proteger e promover a diversidade das expressões culturais no respectivo território». Tais medidas podem incluir, nomeadamente, «medidas que se destinem a promover a diversidade dos meios de comunicação social, inclusive através do serviço público de radiodifusão» (14).

14.

Estes valores subjacentes ao serviço público de radiodifusão são igualmente importantes no contexto das rápidas transformações registadas a nível dos novos meios de comunicação social. Este facto foi igualmente salientado nas recomendações do Conselho da Europa relativas ao pluralismo e à diversidade dos conteúdos dos meios de comunicação social (15) e à missão dos meios de comunicação social de serviço público na sociedade da informação (16). A última recomendação convida os membros do Conselho da Europa a «garantir meios de comunicação social de serviço público (…) de uma forma transparente e responsável» e «permitir aos meios de comunicação social de serviço público responder cabal e eficazmente aos desafios da sociedade da informação, respeitando a estrutura dual pública/privada do panorama europeu dos meios electrónicos de comunicação social europeus e tendo em conta as questões ligadas ao mercado e à concorrência».

15.

Na sua Resolução sobre a concentração e o pluralismo nos meios de comunicação social na União Europeia, o Parlamento Europeu recomendou que «os regulamentos que regem os auxílios estatais sejam concebidos e aplicados de forma a permitir que os meios de comunicação social de serviço público e os meios de comunicação social comunitários cumpram a sua missão num contexto dinâmico e, simultaneamente, a assegurar que os meios de comunicação social de serviço público cumpram a missão que lhes foi atribuída pelos Estados-Membros de forma transparente e responsável, evitando o abuso do financiamento público por razões de conveniência política ou económica» (17).

16.

Ao mesmo tempo e não obstante o referido acima, deve salientar-se que as organizações de radiodifusão comerciais, algumas também sujeitas a obrigações de serviço público, têm igualmente um papel importante na realização dos objectivos do Protocolo de Amesterdão, na medida em que contribuem para assegurar o pluralismo, enriquecer o debate cultural e político e alargar a escolha de programas. Além disso, os editores de jornais e de outros meios de comunicação social impressos também são importantes garantes da objectividade de informação do público e da democracia. Uma vez que estes operadores concorrem actualmente com os operadores de serviços de radiodifusão através da Internet, todos estes prestadores de serviços comerciais de comunicação social são abrangidos pelos eventuais efeitos negativos que a concessão de auxílios estatais aos operadores de serviços de radiodifusão públicos poderá ter para o desenvolvimento de novos modelos de negócios. Como salienta a Directiva relativa aos serviços de comunicação social audiovisual (18), «a coexistência de fornecedores de serviços de comunicação social audiovisual públicos e privados é uma característica distintiva do mercado europeu dos meios de comunicação social audiovisual». Com efeito, é do interesse comum manter uma oferta equilibrada e plural de meios de comunicação social públicos e privados, igualmente no actual contexto dinâmico dos meios de comunicação social.

3.   O CONTEXTO JURÍDICO

17.

A aplicação das regras em matéria de auxílios estatais ao serviço público de radiodifusão deve tomar em consideração um conjunto alargado de diferentes elementos. A apreciação dos auxílios estatais baseia-se nos artigos 87.o e 88.o em matéria de auxílios estatais e no n.o 2 do artigo 86.o relativo à aplicação das regras do Tratado e, em especial das regras em matéria de concorrência, aos serviços de interesse económico geral. O Tratado de Maastricht introduziu o artigo 151.o relativo à cultura e o n.o 3, alínea d), do artigo 87.o relativo aos auxílios destinados a promover a cultura. O Tratado de Amesterdão introduziu uma disposição específica (artigo 16.o) relativa aos serviços de interesse económico geral e o Protocolo de Amesterdão sobre o serviço público de radiodifusão nos Estados-Membros.

18.

O quadro legislativo das actividades relativas a «serviços de comunicação social audiovisual» é regido a nível europeu pela Directiva «Serviços de Comunicação Social Audiovisual». Os requisitos de transparência financeira aplicáveis às empresas públicas são regulados pela Directiva «Transparência» (19).

19.

Estas regras são interpretadas pela jurisprudência do Tribunal de Justiça e do Tribunal de Primeira Instância. A Comissão adoptou igualmente diversas comunicações relativas à aplicação das regras em matéria de auxílios estatais. Em especial, em 2005, a Comissão adoptou um enquadramento (20) e uma Decisão (21) sobre os «serviços de interesse económico geral» em que esclarecia os requisitos do n.o 2 do artigo 86.o do Tratado. Esta última abrange igualmente o sector da radiodifusão, na medida em que sejam satisfeitas as condições previstas no n.o 1, alínea a), do seu artigo 2.o  (22).

4.   APLICABILIDADE DO N.o 1 DO ARTIGO 87.o

4.1.   Carácter de auxílio estatal do financiamento público dos organismos de radiodifusão de serviço público

20.

Em conformidade com o n.o 1 do artigo 87.o, a noção de auxílio estatal comporta os seguintes elementos: (1) deve tratar-se de uma intervenção do Estado ou realizada com base em recursos estatais; (2) essa intervenção deve ser susceptível de afectar as trocas comerciais entre os Estados-Membros, (3) deve conferir uma vantagem ao beneficiário, e (4) deve falsear ou ameaçar falsear a concorrência (23). A existência de elementos de auxílio estatal deve ser apreciada com bases objectivas, tendo em conta a jurisprudência dos tribunais comunitários.

21.

Apenas o efeito e não o objectivo da intervenção estatal é determinante para a apreciação do conteúdo do auxílio nos termos do n.o 1 do artigo 87.o. Os organismos de radiodifusão de serviço público são normalmente financiados a partir do orçamento do Estado ou através de uma taxa cobrada aos possuidores de equipamento de radiodifusão. Em determinadas circunstâncias, o Estado procede a injecções de capital ou à remissão de dívidas a favor dos organismos de radiodifusão de serviço público. Estas medidas financeiras são normalmente imputáveis às autoridades públicas e envolvem a transferência de recursos estatais (24).

22.

Pode também considerar-se que o financiamento pelo Estado de organismos de radiodifusão de serviço público afecta geralmente o comércio entre Estados-Membros. Tal como observou o Tribunal de Justiça: «Quando um auxílio concedido por um Estado ou através de recursos do Estado reforça a posição de uma empresa relativamente às demais empresas concorrentes nas trocas comerciais intracomunitárias, estas últimas devem ser consideradas como sendo influenciadas pelo auxílio» (25). É o que acontece claramente em relação à aquisição e à venda de direitos de programas, que frequentemente se realiza a nível internacional. Também a publicidade, no caso de organismos de radiodifusão de serviço público autorizados a vender espaço publicitário, tem um efeito transfronteiras, especialmente nas zonas linguísticas homogéneas de ambos os lados das fronteiras nacionais. Por outro lado, a estrutura de propriedade dos organismos de radiodifusão comerciais pode alargar-se a mais de um Estado-Membro. Além disso, os serviços prestados na Internet têm normalmente um alcance global.

23.

No que diz respeito à existência de uma vantagem, o Tribunal de Justiça esclareceu no processo Altmark  (26) que as compensações pela prestação de serviços públicos não constituem auxílios estatais quando estiverem reunidos quatro critérios cumulativos. Em primeiro lugar, a empresa beneficiária deve efectivamente ser incumbida do cumprimento de obrigações de serviço público e essas obrigações devem estar claramente definidas. Em segundo lugar, os parâmetros com base nos quais é calculada a compensação devem ser previamente estabelecidos de forma objectiva e transparente. Em terceiro lugar, a compensação não pode ultrapassar o necessário para cobrir total ou parcialmente os custos ocasionados pelo cumprimento das obrigações de serviço público, tendo em conta as receitas obtidas, assim como um lucro razoável. Por último, quando, num caso específico, a escolha da empresa a encarregar do cumprimento de obrigações de serviço público não for efectuada através de um processo de concurso público que permita seleccionar o candidato capaz de fornecer esses serviços ao menor custo para a colectividade, o nível da compensação deve ser determinado com base numa análise dos custos que uma empresa média, bem gerida e equipada adequadamente para satisfazer as obrigações de serviço público, teria suportado para cumprir estas obrigações.

24.

No caso de o financiamento não satisfazer as condições acima referidas, deve ser considerado como susceptível de favorecer de forma selectiva apenas alguns organismos de radiodifusão, falseando ou ameaçando falsear deste modo a concorrência.

4.2.   Natureza do auxílio: auxílio existente ou auxílio novo

25.

Os regimes de financiamento actualmente em vigor na maior parte dos Estados-Membros foram introduzidos há longa data. Por conseguinte, a Comissão deve apreciar em primeiro lugar se tais regimes podem ser considerados «auxílios existentes» nos termos do n.o 1 do artigo 88.o. Em conformidade com esta disposição, «a Comissão procede, em cooperação com os Estados-Membros, ao exame permanente dos regimes de auxílios existentes nesses Estados. A Comissão propõe também aos Estados-Membros as medidas adequadas que sejam exigidas pelo desenvolvimento progressivo ou pelo funcionamento do mercado comum».

26.

De acordo com a subalínea i) da alínea b) do artigo 1.o do Regulamento Processual (27), considera-se auxílio existente «... qualquer auxílio que já existisse antes da entrada em vigor do Tratado no respectivo Estado-Membro, isto é, os regimes de auxílio e os auxílios individuais em execução antes da data de entrada em vigor do Tratado e que continuem a ser aplicáveis depois dessa data».

27.

No caso da Áustria, Finlândia e Suécia, as medidas de auxílio estatal introduzidas antes de 1 de Janeiro de 1994, data de entrada em vigor nesses países do Acordo EEE, são consideradas auxílios existentes. No que se refere aos dez Estados-Membros que aderiram em 2004 (Chipre, República Checa, Estónia, Hungria, Letónia, Lituânia, Malta, Polónia, Eslováquia e Eslovénia) e à Roménia e à Bulgária, que aderiram em 2007, as medidas que entraram em vigor antes de 10 de Dezembro de 1994, as medidas incluídas na lista anexa ao Tratado de Adesão e as medidas aprovadas ao abrigo do denominado «procedimento provisório» são consideradas auxílios existentes.

28.

De acordo com a subalínea v) da alínea b) do artigo 1.o do Regulamento Processual, são também auxílios existentes «os auxílios considerados existentes por se poder comprovar que não constituíam auxílios no momento da sua execução, tendo-se subsequentemente transformado em auxílios devido à evolução do mercado comum e sem terem sido alterados pelo Estado-Membro».

29.

De acordo com a jurisprudência do Tribunal (28), a Comissão deve verificar se o quadro jurídico, no âmbito do qual o auxílio é concedido, mudou ou não desde a sua introdução. A Comissão acredita que uma abordagem casuística é a mais adequada (29), tendo em consideração todos os elementos relacionados com o sistema de radiodifusão de um determinado Estado-Membro.

30.

Segundo a jurisprudência do processo Gibraltar  (30), nem todas as alterações aos auxílios existentes devem ser consideradas uma transformação de um auxílio existente num auxílio novo. Segundo o Tribunal de Primeira Instância, «a alteração de auxílios existentes passa a ser considerada novo auxílio apenas quando afecta o regime de auxílios inicial na sua essência, passando o mesmo a ser considerado novo. Não se considera alteração ao regime existente, quando o elemento novo é claramente destacável do regime inicial».

31.

À luz do que precede, a Comissão tem normalmente analisado na sua prática decisória (1) se o regime inicial de financiamento de organismos de radiodifusão de serviço público é um auxílio existente, em conformidade com as regras referidas nos pontos 26 e 27; (2) se as subsequentes alterações afectam o regime de auxílios inicial na sua essência (ou seja, a natureza da vantagem ou a fonte de financiamento, o objectivo prosseguido, os beneficiários ou o âmbito de actividades dos beneficiários) ou se tais alterações são antes de natureza puramente formal ou administrativa; e (3) no caso de as subsequentes alterações serem substanciais, se podem ser dissociadas da medida inicial, podendo nesse caso ser apreciadas separadamente, ou se não são dissociáveis da medida inicial, caso em que a medida passa a constituir, no seu todo, um novo auxílio.

5.   APRECIAÇÃO DA COMPATIBILIDADE DOS AUXÍLIOS ESTATAIS AO ABRIGO DO N.o 3 DO ARTIGO 87.o

32.

Embora a compensação pela prestação de serviços públicos de radiodifusão seja normalmente apreciada nos termos do n.o 2 do artigo 86.o do Tratado, as derrogações enumeradas no n.o 3 do artigo 87.o podem, em princípio, ser igualmente aplicáveis no domínio da radiodifusão, desde que se encontrem preenchidas as condições relevantes.

33.

Em conformidade com o n.o 4 do artigo 151.o do Tratado, na sua acção ao abrigo de outras disposições do Tratado, a Comunidade terá em conta os aspectos culturais, a fim de, nomeadamente, respeitar e promover a diversidade das suas culturas. O n.o 3, alínea d), do artigo 87.o do Tratado permite que a Comissão considere compatíveis com o mercado comum os auxílios destinados a promover a cultura quando não alteram as condições das trocas comerciais e da concorrência na Comunidade de maneira que contrarie o interesse comum.

34.

Incumbe à Comissão decidir quanto à aplicação prática desta norma, tal como em relação às outras disposições de isenção previstas no n.o 3 do artigo 87.o. Deve recordar-se que as disposições que concedem isenções da proibição de concessão de auxílios estatais devem ser aplicadas de forma restritiva. Assim, a Comissão considera que a derrogação relativa aos aspectos culturais pode ser aplicada nos casos em que o produto cultural seja claramente identificado ou identificável (31). Além disso, a Comissão considera que a noção de cultura deve ser aplicada ao conteúdo e ao tipo de produto em questão e não ao meio ou à sua divulgação per se (32). Por outro lado, deve estabelecer-se uma distinção entre as necessidades educativas e democráticas da sociedade de um Estado-Membro e a promoção da cultura na acepção do n.o 3, alínea d), do artigo 87.o  (33).

35.

Os auxílios estatais a organismos de radiodifusão de serviço público não estabelecem normalmente uma distinção entre as necessidades de carácter cultural, democrático e educativo da sociedade. Excepto nos casos em que uma medida de financiamento se destina especificamente a promover objectivos culturais, o n.o 3, alínea d), do artigo 87.o não é normalmente relevante. Os auxílios estatais a organismos de radiodifusão de serviço público são normalmente concedidos sob a forma de compensação pelo cumprimento das atribuições de serviço público e são apreciados nos termos do n.o 2 do artigo 86.o, com base nos critérios enunciados na presente comunicação.

6.   APRECIAÇÃO DA COMPATIBILIDADE DOS AUXÍLIOS ESTATAIS AO ABRIGO DO N.o 2 DO ARTIGO 86.o

36.

Em conformidade com o n.o 2 do artigo 86.o, «as empresas encarregadas da gestão de serviços de interesse económico geral ou que tenham a natureza de monopólio fiscal ficam submetidas ao disposto no presente Tratado, designadamente às regras de concorrência, na medida em que a aplicação destas regras não constitua obstáculo ao cumprimento, de direito ou de facto, da missão particular que lhes foi confiada. O desenvolvimento das trocas comerciais não deve ser afectado de maneira que contrarie os interesses da Comunidade».

37.

De acordo com jurisprudência constante do Tribunal, o artigo 86.o é uma disposição derrogatória que deve ser interpretada de forma restritiva. O Tribunal clarificou que, para que uma medida beneficie dessa derrogação, é necessário que estejam preenchidas cumulativamente as seguintes condições:

i)

O serviço em questão deve ser um serviço de interesse económico geral e ser claramente definido enquanto tal pelo Estado-Membro (definição) (34);

ii)

A prestação desse serviço deve ser expressamente confiada pelo Estado-Membro à empresa em questão (atribuições) (35);

iii)

A aplicação das regras da concorrência do Tratado (neste caso, a proibição relativa aos auxílios estatais) deve impedir o desempenho das funções especificamente atribuídas à empresa e a isenção dessas regras não deve afectar o desenvolvimento do comércio em medida contrária aos interesses da Comunidade (critério da proporcionalidade) (36).

38.

No caso específico do serviço público de radiodifusão, esta abordagem deve ser adaptada, tendo em conta as disposições interpretativas do Protocolo de Amesterdão, que se refere «à missão de serviço público tal como tenha sido confiada, definida e organizada por cada um dos Estados-Membros», (definição e atribuições) e prevê uma derrogação às regras do Tratado para o financiamento do serviço público de radiodifusão «na medida em que esse financiamento seja concedido a organismos de radiodifusão para o cumprimento da missão de serviço público (…) e (…) não afecte as condições das trocas comerciais, nem a concorrência na Comunidade de forma que contrarie o interesse comum, devendo ser tida em conta a realização da missão desse serviço público» (proporcionalidade).

39.

Incumbe à Comissão, enquanto guardiã do Tratado, apreciar com base nos elementos de prova fornecidos pelos Estados-Membros se estes critérios estão preenchidos. Relativamente às atribuições de serviço público, o papel da Comissão limita-se a verificar se existem erros manifestos (ver secção 6.1.). A Comissão verifica igualmente se existe uma atribuição explícita e um mecanismo que garanta um controlo eficaz do cumprimento das obrigações de serviço público (ver a secção 6.2.).

40.

Na aplicação do critério da proporcionalidade, a Comissão determina se uma eventual distorção da concorrência resultante da compensação do serviço público pode ou não justificar-se pela necessidade de cumprir o serviço público e de prever o seu financiamento. A Comissão aprecia, em especial com base nos elementos comprovativos que os Estados-Membros devem apresentar, se existem garantias suficientes para evitar efeitos desproporcionados do financiamento público, sobre compensações e subvenções cruzadas e para assegurar que os organismos de radiodifusão de serviço público respeitam as condições de mercado no exercício das suas actividades comerciais (ver as secções 6.3 e seguintes).

41.

A análise do cumprimento dos requisitos em matéria de auxílios estatais deve basear-se nas características específicas de cada sistema nacional. A Comissão está consciente das diferenças a nível dos sistemas de radiodifusão nacionais e das outras características dos mercados dos meios de comunicação dos Estados-Membros. Por conseguinte, a apreciação da compatibilidade dos auxílios estatais concedidos a organismos de radiodifusão de serviço público nos termos do n.o 2 do artigo 86.o é efectuada numa base casuística, em conformidade com a prática da Comissão (37) e com os princípios gerais enunciados nas secções seguintes.

42.

A Comissão terá igualmente em conta a dificuldade com que alguns Estados-Membros de menor dimensão podem defrontar-se na recolha dos fundos necessários, se os custos do serviço público por habitante forem, ceteris paribus, mais elevados (38), tomando ao mesmo tempo em consideração eventuais preocupações de outros meios de comunicação social nesses Estados-Membros.

6.1.   Definição de atribuições de serviço público

43.

Para preencher a condição mencionada na alínea i) do ponto 37, para efeitos do n.o 2 do artigo 86.o, é necessário estabelecer uma definição oficial de atribuições de serviço público. Só desta forma pode a Comissão apreciar nas suas decisões, com suficiente segurança jurídica, se é aplicável a derrogação prevista no n.o 2 do artigo 86.o.

44.

A definição de atribuições de serviço público é da competência dos Estados-Membros, que podem decidir a nível nacional, regional ou local, de acordo com o seu ordenamento jurídico nacional. De uma forma geral, esta competência tem de ser exercida tomando em consideração o conceito comunitário de «serviços de interesse económico geral».

45.

A definição de atribuições de serviço público pelos Estados-Membros deve ser tão exacta quanto possível. Não deve haver quaisquer dúvidas de que uma determinada actividade desempenhada pelo operador a quem foi confiada se destina a ser incluída ou não nas atribuições de serviço público pelo Estado-Membro. Sem uma definição clara e exacta das obrigações impostas ao organismo de radiodifusão de serviço público, a Comissão não estará em condições de levar a cabo a missão que lhe incumbe por força do n.o 2 do artigo 86.o e, por conseguinte, não poderá conceder qualquer dispensa ao abrigo desse mesmo artigo.

46.

A clara identificação de actividades incluídas nas atribuições de serviço público é igualmente importante para que os operadores que não prestam um serviço público planeiem as suas actividades. Além disso, a definição das atribuições de serviço público deve ser suficientemente precisa para garantir que se realiza um controlo efectivo do seu cumprimento por parte das autoridades dos Estados-Membros, tal como descrito no capítulo seguinte.

47.

Simultaneamente, dada a natureza específica do sector da radiodifusão e a necessidade de salvaguardar a independência editorial dos organismos de radiodifusão de serviço público, uma definição de carácter qualitativo que confira a um determinado organismo de radiodifusão a missão de fornecer uma vasta programação e uma oferta equilibrada e variada de serviços de radiodifusão é geralmente considerada, em conformidade com as disposições interpretativas do Protocolo de Amesterdão, legítima para efeitos do n.o 2 do artigo 86.o  (39). Considera-se normalmente que uma definição deste tipo é coerente com o objectivo da satisfação de necessidades democráticas, sociais e culturais de uma determinada sociedade e de garantia do pluralismo, incluindo a diversidade cultural e linguística. Tal como afirmado pelo Tribunal de Primeira Instância, a legitimidade de um mandato de serviço público cuja definição é tão lata assenta nas exigências qualitativas relativas aos serviços prestados um organismo de radiodifusão de serviço público (40). A definição das atribuições de serviço público pode igualmente reflectir o desenvolvimento e diversificação das actividades na era digital e incluir serviços audiovisuais propostos em todas as plataformas de distribuição.

48.

Quanto à definição de serviço público no sector da radiodifusão, o papel da Comissão limita-se a verificar se existem erros manifestos. Não compete à Comissão decidir quais os programas que devem ser difundidos e financiados enquanto serviço de interesse económico geral, nem questionar a natureza ou a qualidade de um determinado produto. No entanto, haveria erro manifesto na definição de atribuições de serviço público se este incluísse actividades que não se pudesse, razoavelmente, considerar que satisfaziam — segundo a redacção do Protocolo de Amesterdão — as «necessidades de natureza democrática, social e cultural de cada sociedade». É o que aconteceria normalmente, por exemplo, com a publicidade, o comércio electrónico, as televendas, a utilização de números de telefone de valor acrescentado no quadro de concursos (41), o patrocínio e as actividades de comercialização. Além disso, poderia ocorrer um erro manifesto no caso de o auxílio estatal ser utilizado para financiar actividades que não constituem fonte de valor acrescentado em relação às necessidades democráticas, sociais e culturais da sociedade.

49.

Neste contexto, deve recordar-se que as atribuições de serviço público consistem nos serviços oferecidos ao público no interesse geral. A questão da definição de atribuições de serviço público não deve ser confundida com a questão do mecanismo de financiamento escolhido para fornecer tais serviços. Por conseguinte, embora os organismos de radiodifusão de serviço público possam exercer actividades comerciais, como a venda de espaço publicitário, para obterem receitas, tais actividades não podem ser consideradas como fazendo parte das atribuições de serviço público (42).

6.2.   Atribuição e controlo

50.

A fim de beneficiar da excepção prevista no n.o 2 do artigo 86.o, as atribuições de serviço público devem ser confiadas a uma ou mais empresas através de um acto oficial (por exemplo, por acto legislativo, contrato ou mandato vinculativo).

51.

O acto ou actos de atribuição devem especificar a natureza precisa das obrigações de serviço público, em conformidade com a secção 6.1, e definir as condições a utilizar para o cálculo da compensação, bem como as disposições destinadas a evitar sobrecompensações ou a obter o seu reembolso.

52.

Sempre que o âmbito das atribuições de serviço público for alargado a fim de abranger novos serviços, a definição e o acto ou actos de atribuição devem ser alterados nesse sentido, dentro dos limites do n.o 2 do artigo 86.o do Tratado. A fim de permitir que os organismos de radiodifusão de serviço público reajam rapidamente aos novos desenvolvimentos tecnológicos, os Estados-Membros podem igualmente prever que um novo serviço seja atribuído na sequência da apreciação referida na secção 6,7, antes da consolidação formal do acto de atribuição original.

53.

Não é suficiente, contudo, que seja formalmente atribuída ao organismo de radiodifusão de serviço público a prestação de um serviço público bem definido. É igualmente necessário que o serviço púbico seja realmente prestado nas condições previstas no acto formal entre o Estado e a empresa a quem foram confiadas as funções. Para o efeito, é desejável que uma autoridade adequada ou um organismo nomeado controle a sua aplicação de forma transparente e eficaz. A necessidade da autoridade adequada ou organismo encarregado do controlo é evidente no caso de normas de qualidade impostas ao operador a quem foram confiadas as funções. Em conformidade com a comunicação da Comissão relativa aos princípios e orientações para a política audiovisual da Comunidade na era digital (43), não incumbe à Comissão apreciar o cumprimento de normas de qualidade. A Comissão deve poder confiar na supervisão adequada por parte dos Estados-Membros do cumprimento por parte do organismo de radiodifusão de serviço público das normas de qualidade definidas no mandato de serviço público (44).

54.

Em conformidade com o Protocolo de Amesterdão, cabe ao Estado-Membro escolher um mecanismo que garanta um controlo eficaz do cumprimento das obrigações de serviço público, permitindo assim à Comissão desempenhar as tarefas que lhe incumbem por força do n.o 2 do artigo 86.o. Considera-se que esse controlo só será eficaz se for levado a cabo por um órgão de facto independente da direcção do organismo de radiodifusão de serviço público, que disponha das competências e recursos necessários para proceder a controlos regulares e que conduza à imposição de medidas de correcção adequadas, na medida em que tal se afigurar necessário para garantir o respeito das obrigações de serviço público.

55.

Na ausência de indicações suficientes e fiáveis de que o serviço público é realmente fornecido em conformidade com o mandato, a Comissão não terá a possibilidade de desempenhar a missão que lhe incumbe, para efeitos do n.o 2 do artigo 86.o e, por conseguinte, não poderá conceder qualquer isenção ao abrigo dessa disposição.

6.3.   Escolha do financiamento do serviço público de radiodifusão

56.

As obrigações de serviço público podem ter uma natureza quantitativa, qualitativa ou ambas em simultâneo. Independentemente da sua forma, podem justificar uma compensação, na medida em que criem custos suplementares que o organismo de radiodifusão não teria normalmente de suportar.

57.

Os regimes de financiamento podem ser divididos em duas grandes categorias: «financiamento único» e «financiamento duplo». A categoria «financiamento único» inclui os sistemas em que os organismos de radiodifusão de serviço público são financiados apenas por fundos públicos, independentemente da sua forma. Os sistemas de «financiamento duplo» incluem uma vasta gama de sistemas de financiamento, em que os organismos de radiodifusão de serviço público são financiados através de diferentes combinações de fundos estatais e receitas provenientes de actividades comerciais ou de serviço público, tais como a venda de espaço publicitário ou programas e a oferta de serviços mediante pagamento.

58.

Tal como consta do Protocolo de Amesterdão: «As disposições do Tratado que institui a Comunidade Europeia não prejudicam o poder de os Estados-Membros proverem ao financiamento do serviço público de radiodifusão (…)». Por conseguinte, a Comissão não se opõe, em princípio, à escolha de um sistema de financiamento duplo em vez de um sistema de financiamento único.

59.

Embora os Estados-Membros tenham a liberdade de escolher o meio de financiamento do serviço público de radiodifusão, a Comissão deve verificar, por força do n.o 2 do artigo 86.o, se o financiamento estatal afecta a concorrência no mercado comum de forma desproporcionada, tal como referido no ponto 38.

6.4.   Requisitos de transparência para a apreciação dos auxílios estatais

60.

A apreciação dos auxílios estatais realizada pela Comissão implica que exista uma definição clara e exacta do conceito de atribuições de serviço público e uma separação clara e adequada entre as actividades de serviço público e as actividades de serviço não público, incluindo uma separação clara em termos contabilísticos.

61.

A separação da contabilidade entre as actividades de serviço público e as actividades de serviço não público é normalmente já exigida a nível nacional e é essencial para garantir a transparência e o controlo da utilização dos fundos públicos. A separação da contabilidade proporciona um instrumento para examinar as eventuais subvenções cruzadas e para fundamentar o pagamento de compensações justificadas por obrigações de interesse económico geral. Apenas com base numa afectação adequada de custos e receitas se pode determinar se o financiamento público se limita realmente aos custos líquidos das atribuições de serviço público e, deste modo, se é aceitável ao abrigo do n.o 2 do artigo 86.o e do Protocolo de Amesterdão.

62.

Nos termos da Directiva 2006/111/CE, foi exigido aos Estados-Membros que tomassem medidas a fim de garantir a transparência em relação a quaisquer empresas a quem fossem concedidos direitos especiais ou exclusivos ou confiada a gestão de serviços de interesse económico geral e que recebam uma compensação do Estado, independentemente da sua forma, e que exercem em simultâneo outras actividades, isto é, actividades de serviço não público. Estas medidas em matéria de transparência impõem o seguinte: (a) devem ser estabelecidas contas de exploração distintas em relação às diferentes actividades, isto é, actividades de serviço público e não público; (b) todos os custos e receitas devem ser correctamente afectados ou imputados com base na aplicação coerente de princípios contabilísticos de custeio fundados em bases objectivas; e (c) os princípios contabilísticos de custeio com base nos quais são elaboradas contas distintas devem ser claramente estabelecidos (45).

63.

Estes requisitos gerais em matéria de transparência são também aplicáveis aos organismos de radiodifusão, na medida em que lhes seja confiada a gestão de serviços de interesse económico geral, que recebam uma compensação pública relativamente a esses serviços e que desenvolvam outras actividades de serviço não público.

64.

No sector da radiodifusão, a separação das contas não suscita problemas especiais no que se refere às receitas. Por esta razão, a Comissão considera que, do ponto de vista das receitas, os operadores de radiodifusão devem apresentar contas pormenorizadas a nível das fontes e do montante de todos os rendimentos provenientes da realização de actividades de serviço público e não público.

65.

Do ponto de vista dos custos, todas as despesas incorridas com o funcionamento do serviço público podem ser tomadas em consideração. Quando a empresa desenvolve actividades fora do âmbito do serviço público, só podem ser tomados em consideração os custos associados ao serviço público. A Comissão reconhece que, no sector da radiodifusão, a separação das contas pode ser mais difícil do ponto de vista dos custos. Tal deve-se ao facto de, em especial no sector da radiodifusão tradicional, os Estados-Membros poderem considerar toda a programação dos organismos de radiodifusão abrangida pelas atribuições de serviço público, permitindo simultaneamente a sua exploração comercial. Por outras palavras, actividades de serviço público e não público podem partilhar, em larga medida, os mesmos inputs e os custos nem sempre podem ser repartidos de forma proporcional.

66.

Os custos específicos das actividades de serviço não público (por exemplo, os custos de comercialização da publicidade) devem ser sempre claramente identificados e objecto de contabilização separada. Além disso, os custos dos inputs destinados ao desenvolvimento de actividades que pertencem simultaneamente aos domínios dos serviços públicos e não públicos devem ser imputados de forma proporcional às actividades de serviço público e não público, sempre que tal seja possível e tenha significado.

67.

Noutros casos, sempre que os mesmos recursos sejam utilizados para a realização de tarefas de serviço público e não público, os custos de inputs comuns devem ser afectados com base na diferença dos custos totais da empresa com e sem as actividades de serviço não público (46). Nestes casos, os custos que são inteiramente imputáveis às actividades de serviço público, embora beneficiando também as actividades de serviço não público, não necessitam de ser repartidos entre ambas as actividades e podem ser totalmente afectados à actividade de serviço público. Esta diferença relativamente à abordagem normalmente utilizada nos outros sectores dos serviços públicos justifica-se devido às características específicas do sector público de radiodifusão. No domínio da radiodifusão de serviço público, os benefícios líquidos das actividades comerciais relacionadas com as actividades de serviço público devem ser tomados em consideração para efeitos do cálculo dos custos líquidos do serviço público, reduzindo assim o nível de compensação do serviço público. Tal permite reduzir o risco de subvenções cruzadas através da imputação de custos comuns às actividades de serviço público.

68.

O exemplo mais ilustrativo da situação descrita no ponto anterior é o dos custos de produção de programas no contexto das atribuições de serviço público de um organismo de radiodifusão. Estes programas destinam-se tanto a dar cumprimento às atribuições de serviço público como a gerar audiências para a venda de espaço de publicidade. Contudo, é praticamente impossível quantificar com um grau de precisão suficiente a percentagem de audiência do programa que dá cumprimento às atribuições de serviço público e aquela que gera receitas de publicidade. Deste modo, a distribuição total dos custos de programação entre as duas actividades corria o risco de ser arbitrária e ter pouco significado.

69.

A Comissão considera que a transparência financeira pode ser ainda reforçada através de uma separação adequada entre actividades de serviço público e de serviço não público a nível da organização do organismo de radiodifusão de serviço público. Uma separação funcional ou estrutural contribui normalmente para evitar, à partida, as subvenções cruzadas das actividades comerciais e para garantir a aplicação de preços de transferência e o respeito do princípio da plena concorrência. Assim, a Comissão convida os Estados-Membros a considerarem a separação funcional ou estrutural das actividades comerciais significativas e separáveis como uma forma de boa prática.

6.5.   Princípio dos custos líquidos e sobrecompensação

70.

Em princípio, uma vez que a sobrecompensação não é necessária para o funcionamento do serviço de interesse económico geral, constitui um auxílio estatal incompatível, que deve ser reembolsado ao Estado, sob reserva das clarificações apresentadas no presente capítulo relativamente ao serviço público de radiodifusão.

71.

A Comissão parte do princípio de que o financiamento estatal é normalmente necessário para que a empresa desempenhe as suas obrigações de serviço público. Contudo, a fim de preencher o critério da proporcionalidade, é em geral necessário que o montante da compensação pública não ultrapasse os custos líquidos das atribuições de serviço público, tomando igualmente em consideração outras receitas directas ou indirectas resultantes dessas atribuições. Por este motivo, os benefícios líquidos de todas as actividades comerciais relacionadas com as actividades de serviço público devem ser tomados em consideração para efeitos do cálculo dos custos líquidos do serviço público.

72.

As empresas que recebem uma compensação pelo desempenho de atribuições de serviço público podem, na generalidade, registar lucros razoáveis. Estes lucros consistem numa taxa de remuneração do capital próprio que tome em consideração o risco, ou a ausência de risco, para a empresa. No sector da radiodifusão, as atribuições de serviço público são muitas vezes realizadas por organismos de radiodifusão sem fins lucrativos ou que não têm de obter uma remuneração do capital investido e que não desempenham outras actividades para além da prestação do serviço público. A Comissão considera que, nestas situações, não se afigura razoável incluir um elemento de lucro no montante de compensação relativa ao desempenho da missão de serviço público (47). Contudo, noutros casos, por exemplo quando são confiadas missões de serviço público específicas a empresas geridas de acordo com as regras do mercado e que necessitam de obter uma remuneração do capital investido nessas actividades, um elemento de lucro que represente uma remuneração justa do capital, tendo em conta o risco incorrido, pode ser considerado razoável, se devidamente justificado e desde que seja necessário para o cumprimento das obrigações de serviço público.

73.

Os organismos de radiodifusão de serviço público podem reter anualmente uma sobrecompensação superior aos custos líquidos do serviço público («reserva a título do serviço público»), na medida em que tal seja necessário para assegurar o financiamento das suas obrigações de serviço público. Em geral, a Comissão considera que um montante que represente até 10 % das despesas anuais inscritas no orçamento a título do cumprimento da missão de serviço público pode ser considerada necessária para compensar as flutuações dos custos e das receitas. Em princípio, qualquer sobrecompensação superior a este limite deve ser recuperada sem atrasos injustificados.

74.

A título excepcional, os organismos de radiodifusão de serviço público podem ser autorizados a reter um montante superior em 10 % às despesas anuais orçamentadas, relativas às suas atribuições de serviço público, em casos devidamente justificados. Este facto só será aceite se esta sobrecompensação for afectada especifica e antecipadamente e de uma forma vinculativa à cobertura de uma despesa não recorrente e importante, necessária para o cumprimento da missão de serviço público (48). A utilização desta sobrecompensação claramente afectada a um fim específico deve também ser limitada no tempo, em função da sua afectação.

75.

Por forma a permitir que a Comissão exerça as suas obrigações, os Estados-Membros devem estabelecer as condições ao abrigo das quais a referida sobrecompensação pode ser utilizada pelos organismos de radiodifusão de serviço público.

76.

A sobrecompensação acima referida, só deve ser utilizada para o financiamento das actividades de serviço público. As subvenções cruzadas de actividades comerciais não são justificadas e constituem auxílios estatais incompatíveis.

6.6.   Mecanismos de controlo financeiro

77.

Os Estados-Membros devem prever mecanismos adequados para garantir que não se verifique qualquer sobrecompensação, sem prejuízo do disposto nos pontos 72 a 76. Devem assegurar um controlo regular e efectivo da utilização do financiamento público, a fim de evitar sobrecompensações e subvenções cruzadas e controlar o nível de utilização da «reserva a título do serviço público». Cabe aos Estados-Membros escolher os mecanismos de controlo mais adequados e eficazes para os seus sistemas de radiodifusão nacionais, tomando igualmente em consideração a necessidade de garantir a coerência com os mecanismos em vigor para o controlo do cumprimento da missão de serviço público.

78.

Considera-se que esse controlo só será efectivo se for levado a cabo, regularmente e de preferência numa base anual, por um órgão externo e independente do organismo de radiodifusão de serviço público. Os Estados-Membros devem garantir a possibilidade de serem adoptadas medidas adequadas para proceder à recuperação das sobrecompensações que ultrapassem o disposto na Secção 6.5 e das subvenções cruzadas.

79.

A situação financeira dos organismos de radiodifusão de serviço público deve ser objecto de uma análise pormenorizada no final de cada período de financiamento, de acordo com o previsto nos sistemas de radiodifusão nacionais dos Estados-Membros, ou na sua ausência, de um período que não pode, em geral, ser superior a quatro anos. A eventual «reserva a título do serviço público» existente no final do período de financiamento, ou de um período equivalente como acima referido, deve ser tomada em consideração para efeitos do cálculo das necessidades financeiras do organismo de radiodifusão de serviço público relativas ao período seguinte. Em caso de existência recorrente de reservas a título do serviço público que excedam 10 % dos custos anuais ligados à missão de serviço público, os Estados-Membros examinarão se o nível de financiamento é ajustado às necessidades financeiras reais dos organismos de radiodifusão de serviço público.

6.7.   Diversificação dos serviços públicos de radiodifusão

80.

Em anos recentes, os mercados do audiovisual sofreram importantes transformações que conduziram ao desenvolvimento e diversificação actuais da oferta de radiodifusão, o que tem suscitado novas questões relativas à aplicação das regras em matéria de auxílios estatais aos serviços audiovisuais, que vão para além das actividades de radiodifusão na acepção tradicional.

81.

A este respeito, a Comissão considera que os organismos de radiodifusão de serviço público devem poder utilizar as oportunidades proporcionadas pela digitalização e pela diversificação de plataformas de distribuição numa base neutra do ponto de vista tecnológico, em benefício da sociedade. A fim de garantir o papel fundamental dos organismos de radiodifusão de serviço público no novo contexto digital, estes organismos podem recorrer a auxílios estatais para fornecer serviços audiovisuais em novas plataformas de distribuição, destinados ao público em geral ou a um público com interesses específicos, desde que satisfaçam as mesmas necessidades democráticas, sociais e culturais da sociedade em questão e não provoquem efeitos desproporcionados no mercado, não necessários para o cumprimento das atribuições de serviço público.

82.

Paralelamente à rápida evolução dos mercados da radiodifusão, os modelos empresariais dos organismos de radiodifusão estão igualmente a registar alterações. No cumprimento das suas atribuições de serviço público, os organismos de radiodifusão recorrem cada vez mais a novas fontes de financiamento, como a publicidade em linha ou a prestação de serviços contra pagamento (os denominados serviços de acesso pago, como o acesso a arquivos mediante pagamento, canais televisivos de interesse especial com pagamento por visualização, acesso a serviços móveis mediante o pagamento de um encargo fixo, acesso deferido a programas de televisão mediante pagamento, descarregamentos de conteúdo em linha mediante pagamento, etc.). O elemento de remuneração nos serviços de acesso pago pode estar ligado, por exemplo, ao pagamento de taxas de distribuição de rede ou direitos de autor por parte dos organismos de radiodifusão (por exemplo, se os serviços oferecidos através de plataformas móveis são prestados mediante pagamento de uma taxa de distribuição de serviços móveis).

83.

Embora tradicionalmente os serviços públicos de radiodifusão sejam de acesso livre («free-to-air»), a Comissão considera que a presença de um elemento de remuneração directa nestes serviços — embora tendo um impacto no acesso dos telespectadores (49) — não significa necessariamente que tais serviços não fazem manifestamente parte das atribuições de serviço público, desde que o elemento de remuneração não comprometa o carácter peculiar do serviço público, que consiste em dar resposta às necessidades sociais, democráticas e culturais dos cidadãos, o que distingue os serviços públicos das actividades meramente comerciais (50). O elemento «remuneração» é um dos aspectos a tomar em consideração ao decidir sobre a inclusão de tais serviços nas atribuições de serviço público, uma vez que pode afectar o carácter universal e o objectivo global do serviço prestado, bem como o seu impacto no mercado. Desde que o serviço em causa, que contém um elemento de pagamento, se destine a satisfazer necessidades sociais, democráticas e culturais específicas da sociedade, sem afectar de forma desproporcionada a concorrência e o comércio transfronteiras, os Estados-Membros podem confiar este tipo de serviços aos organismos de radiodifusão de serviço público enquanto parte das suas atribuições de serviço público.

84.

Tal como acima exposto, os auxílios estatais a favor de organismos de radiodifusão de serviço público podem ser utilizados para distribuir serviços audiovisuais em todas as plataformas existentes, desde que as exigências de fundo do Protocolo de Amesterdão sejam respeitadas. Para esse efeito, os Estados-Membros devem considerar, através de um procedimento de avaliação prévia baseado numa consulta pública geral, se os novos serviços audiovisuais importantes previstos pelo organismos de radiodifusão de serviço público preenchem as condições enunciadas no Protocolo de Amesterdão, isto é, se satisfazem as necessidades democráticas, sociais e culturais da sociedade, tomando simultaneamente em devida consideração os seus efeitos potenciais sobre as condições do comércio e a concorrência.

85.

Cabe aos Estados-Membros determinar, tomando em consideração as características e a evolução do mercado da radiodifusão e também o leque de serviços já oferecidos pelo organismo de radiodifusão de serviço público, os serviços que se devem qualificar como «novos serviços importantes». O carácter «novo» de uma actividade pode depender, entre outros aspectos, do seu conteúdo, bem como das modalidades de consumo (51). Para estabelecer o carácter «importante» do serviço podem, por exemplo, ser tomados em consideração os recursos financeiros necessários para o seu desenvolvimento e o impacto previsto na procura. As alterações significativas de serviços existentes devem ser objecto da mesma apreciação que os novos serviços importantes.

86.

Incumbe aos Estados-Membros escolher o mecanismo mais adequado para assegurar a coerência dos serviços audiovisuais com as condições materiais do Protocolo de Amesterdão, tomando em consideração as características específicas dos respectivos sistemas nacionais de radiodifusão e a necessidade de salvaguardar a independência editorial dos organismos de radiodifusão de serviço público.

87.

Por razões de transparência e a fim de obter todas as informações relevantes, necessárias para tomar uma decisão equilibrada, as partes interessadas devem ter a oportunidade de expressar a sua opinião sobre o novo serviço importante projectado, no contexto de uma consulta pública. Os resultados da consulta, a sua apreciação e a fundamentação da decisão devem ser tornados públicos.

88.

A fim de garantir que o financiamento público de novos serviços audiovisuais importantes não afecta as trocas comerciais e a concorrência de forma que contrarie o interesse comum, os Estados-Membros devem apreciar, com base nos resultados da consulta pública, o impacto global de um novo serviço no mercado, comparando a situação na presença e na ausência do novo serviço projectado. Na apreciação do impacto no mercado, os aspectos relevantes incluem, por exemplo, a existência de ofertas semelhantes ou substituíveis, a concorrência a nível editorial, a estrutura de mercado, a posição no mercado do organismo de radiodifusão de serviço público, o nível da concorrência e a potencial exclusão de iniciativas privadas. Este impacto deve ser compensado com o valor dos serviços em questão para a sociedade. No caso de os efeitos negativos sobre o mercado serem predominantes, o financiamento de serviços audiovisuais pelo Estado só será considerado proporcional se for justificado pelo valor acrescentado em relação às necessidades democráticas (52), sociais e culturais da sociedade, tendo igualmente em conta a oferta global de serviço público já existente.

89.

Uma apreciação deste tipo só será objectiva se for levada a cabo por um órgão que seja de facto independente da direcção do organismo de radiodifusão de serviço público, tendo igualmente em consideração a designação e a revogação dos seus membros, e que seja dotada de competências e recursos suficientes para exercer as sua missão. Os Estados-Membros poderão conceber um procedimento proporcional à dimensão do mercado e à posição no mercado do organismo de radiodifusão de serviço público.

90.

O acima exposto não impedirá que os organismos de radiodifusão de serviço público testem serviços novos e inovadores (por exemplo, sob a forma de projectos-piloto) a um nível limitado (por exemplo, em termos de tempo e de audiência), com o objectivo de recolher informações sobre a viabilidade e o valor acrescentado do serviço projectado, desde que essa fase de testes não seja equiparável à introdução de um serviço audiovisual novo importante, plenamente desenvolvido.

91.

A Comissão considera que a referida apreciação a nível nacional irá contribuir para garantir o respeito das regras comunitárias em matéria de auxílios estatais. Tal não prejudica as competências da Comissão para verificar se os Estados-Membros respeitam as disposições do Tratado e o seu direito de agir, sempre que necessário, na sequência de denúncias ou por iniciativa própria.

6.8.   Proporcionalidade e comportamento no mercado

92.

Em conformidade com o Protocolo de Amesterdão, os organismos de radiodifusão de serviço público não devem exercer actividades susceptíveis de provocar distorções desproporcionadas da concorrência que não sejam necessárias para o cumprimento da missão de serviço público. Por exemplo, a aquisição de conteúdos de grande audiência no quadro da missão global de serviço público dos organismos de radiodifusão de serviço público é geralmente considerada legítima. Contudo, verificar-se-ão distorções desproporcionadas no mercado na eventualidade de os organismos de radiodifusão de serviço público optarem por não utilizar estes direitos exclusivos de grande valor, sem os cederem através de sublicenças de forma transparente e oportuna. Assim, a Comissão convida os Estados-Membros a assegurarem que os organismos de radiodifusão de serviço público respeitam o princípio de proporcionalidade também no que diz respeito à aquisição de direitos de grande audiência e a estabelecerem regras para a concessão de sublicenças de direitos exclusivos e não utilizados a conteúdos de grande audiência por parte dos organismos de radiodifusão de serviço público.

93.

No exercício das suas actividades comerciais, os organismos de radiodifusão de serviço público devem estar vinculados à observância dos princípios de mercado e, quando actuam através de filiais comerciais, devem manter relações de plena concorrência com estas. Os Estados-Membros devem garantir que os organismos de radiodifusão de serviço público respeitam os princípios da plena concorrência, realizam os seus investimentos comerciais em conformidade com o princípio do investidor numa economia de mercado e se abstêm de recorrer a práticas anticoncorrenciais relativamente aos seus concorrentes, com base no financiamento público.

94.

A fixação de preços demasiado baixos poderá constituir um exemplo de prática anticoncorrencial. Os organismos de radiodifusão de serviço público podem sentir-se tentados a baixar os preços da publicidade ou de outras actividades de serviço não público (como serviços comerciais mediante pagamento) para níveis inferiores ao que poderia ser razoavelmente considerado em conformidade com o mercado, a fim de reduzir as receitas dos seus concorrentes, uma vez que a baixa de receitas em que incorrem está coberta pela compensação de serviço público. Esta prática não pode ser considerada intrínseca à missão de serviço público conferida ao organismo de radiodifusão e seria, de qualquer forma, susceptível de afectar as condições das trocas comerciais e a concorrência na Comunidade de forma que contrarie o interesse comum, constituindo deste modo uma infracção ao Protocolo de Amesterdão.

95.

Tendo em conta as diferenças existentes a nível da situação dos mercados, o respeito dos princípios de mercado por parte dos organismos de radiodifusão de serviço público, em especial a questão de saber se os organismos de radiodifusão de serviço público estão a oferecer preços demasiado baixos nas suas actividades comerciais e se estão respeitar o princípio da proporcionalidade no que diz respeito à aquisição de direitos de grande audiência (53), deve ser apreciado numa base casuística, tomando em consideração as especificidades do mercado e do serviço em causa.

96.

A Comissão considera que compete em primeiro lugar às autoridades nacionais garantir que os organismos de radiodifusão de serviço público respeitam os princípios de mercado. Para o efeito, os Estados-Membros devem dispor de mecanismos adequados, que permitam apreciar de forma eficaz eventuais denúncias a nível nacional.

97.

Não obstante as considerações do ponto anterior, a Comissão poderá, se necessário, adoptar medidas em aplicação dos artigos 81.o, 82.o, 86.o e 87.o do Tratado CE.

7.   APLICAÇÃO TEMPORÁRIA

98.

A presente comunicação será aplicada a partir do primeiro dia seguinte à sua publicação no Jornal Oficial da União Europeia. Substituirá a Comunicação da Comissão de 2001, relativa à aplicação das regras em matéria de auxílios estatais ao serviço público de radiodifusão.

99.

A Comissão aplicará a presente comunicação a todas as medidas de auxílio notificadas relativamente às quais é chamada a tomar uma decisão após a data de publicação da comunicação no Jornal Oficial, ainda que os projectos sejam notificados antes dessa data.

100.

Em conformidade com a Comunicação da Comissão relativa à determinação das regras aplicáveis à apreciação dos auxílios estatais concedidos ilegalmente (54), a Comissão, no caso de auxílios não notificados, aplicará:

a)

a presente comunicação, se o auxílio for concedido após a publicação desta;

b)

a Comunicação de 2001 em todos os outros casos.


(1)  JO C 320 de 15.11.2001, p. 5.

(2)  Acórdão proferido no processo C-280/00, Altmark Trans GmbH e Regierungspräsidium Magdeburg/Nahverkehrsgesellschaft Altmark GmbH («Altmark»), Colectânea 2003, p. I-7747.

(3)  Decisão da Comissão de 28 de Novembro de 2005 relativa à aplicação do n.o 2 do artigo 86.o do Tratado CE aos auxílios estatais sob a forma de compensação de serviço público concedidos a certas empresas encarregadas da gestão de serviços de interesse económico geral (JO L 312 de 29.11.2005, p. 67).

(4)  Enquadramento comunitário dos auxílios estatais sob a forma de compensação de serviço público (JO C 297 de 29.11.2005, p. 4).

(5)  COM(2007) 725 final.

(6)  Directiva 2007/65/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de Dezembro de 2007, que altera a Directiva 89/552/CEE do Conselho relativa à coordenação de certas disposições legislativas, regulamentares e administrativas dos Estados-Membros relativas ao exercício de actividades de radiodifusão televisiva (JO L 332 de 18.12.2007, p. 27).

(7)  COM(2005) 107 final.

(8)  Para efeitos da presente comunicação, a noção de «serviços audiovisuais» refere-se à distribuição linear e/ou não linear de conteúdos áudio e/ou audiovisuais, bem como de serviços conexos, como serviços de informação em linha baseados em texto. Há que distinguir esta noção de «serviços audiovisuais» do conceito mais restrito de «serviço(s) de comunicação social audiovisual», tal como definido na alínea a) do artigo 1.o da Directiva «Serviços de Comunicação Social Audiovisual».

(9)  JO C 364 de 18.12.2000, p. 1.

(10)  Acórdão proferido no processo C-260/89, Colectânea 1991, p. I-2925.

(11)  Para efeitos da presente comunicação e em conformidade com o artigo 16.o do Tratado CE e com a declaração (n.o 13) para a acta final do Tratado de Amesterdão, a expressão «serviço público» do Protocolo relativo ao serviço público de radiodifusão nos Estados-Membros deve entender-se como fazendo referência à expressão «serviço de interesse económico geral», usada no n.o 2 do artigo 86.o.

(12)  Resolução do Conselho e dos representantes dos governos dos Estados-Membros reunidos no Conselho de 25 de Janeiro de 1999 (JO C 30 de 5.2.1999, p. 1).

(13)  Convenção da UNESCO sobre a protecção e a promoção da diversidade das expressões culturais, aprovada pela Decisão 2006/515/CE do Conselho de 18 de maio de 2006. De acordo com o Anexo 2 da decisão do Conselho, «a Comunidade está vinculada por esta e assegurará a sua correcta aplicação».

(14)  N.o 1 e alínea h) do n.o 2 do artigo 6.o da Convenção da UNESCO sobre a protecção e a promoção da diversidade das expressões culturais.

(15)  Recomendação CM/Rec(2007)2 dirigida pelo Comité de Ministros aos Estados membros, relativa ao pluralismo e à diversidade dos conteúdos dos meios de comunicação social, adoptada em 31 de Janeiro de 2007, na 985 reunião dos Delegados dos Ministros.

(16)  Recomendação CM/Rec(2007)3 dirigida pelo Comité de Ministros aos Estados membros, relativa à missão dos meios de comunicação social de serviço público na sociedade da informação, adoptada em 31 de Janeiro de 2007, na 985.a reunião dos Delegados dos Ministros.

(17)  Resolução do Parlamento Europeu, de 25 de Setembro de 2008, sobre a concentração e o pluralismo nos meios de comunicação social na União Europeia, 2007/2253(INI).

(18)  Ver nota 6.

(19)  Directiva 2006/111/CE da Comissão de 16 de Novembro de 2006.

(20)  Ver nota 4.

(21)  Ver nota 3.

(22)  Em conformidade com o n.o 1 do artigo 2.o da referida decisão, esta é aplicável aos auxílios estatais sob a forma de «compensações de serviço público concedidas a empresas cujo volume de negócios médio anual, antes de impostos e relativo a todas as actividades, não tenha atingido um total de 100 milhões de euros durante os dois exercícios precedentes ao da atribuição do serviço de interesse económico geral e cujo montante anual de compensação do serviço em causa seja inferior a 30 milhões de euros».

(23)  Acórdão proferido nos processos apensos T-309/04, T-317/04, T-329/04 e T-336/04 «TV2», n.o 156.

(24)  Relativamente à qualificação do financiamento através da taxa de radiodifusão como recurso estatal, ver o acórdão proferido nos processos apensos T-309/04, T-317/04, T-329/04 e T-336/04 «TV2», n.os 158 e 159.

(25)  Processos 730/79, Philip Morris Holland/Comissão, n.o 11, Colectânea 1980, p. 2671; C-303/88, Itália/Comissão, n.o 27, Colectânea 1991, p. I-1433; C-156/98, Alemanha/Comissão, n.o 33, Colectânea 2000, p. I-6857.

(26)  Processo C-280/00, ver nota 1.

(27)  Regulamento (CE) n.o 659/1999 do Conselho, de 22 de Março de 1999, que estabelece as regras de execução do artigo 93.o do Tratado CE (JO L 83 de 27.3.1999, p. 1).

(28)  Processo C-44/93, Namur-Les Assurances du Crédit SA/Office National du Ducroire e Estado belga, Colectânea 1994, p. I-3829.

(29)  Ver, por exemplo, decisões da Comissão nos processos seguintes: E 8/06, financiamento estatal do organismo de radiodifusão de serviço público flamengo VRT (JO C 143 de 10.6.2008, p. 7); E 4/05, financiamento estatal da RTE e da TNAG (TG4) (JO C 121 de 17.5.2008, p. 5); E 9/05, pagamento da taxa de licença à RAI (JO C 235 de 23.9.2005, p. 3); E 10/2005, pagamento da taxa de licença à France 2 e 3 (JO C 240 de 30.9.2005, p. 20); E 8/05, organismo de radiodifusão de serviço público espanhol RTVE (JO C 239 de 4.10.2006, p. 17); C 2/04, financiamento ad hoc dos organismos de radiodifusão de serviço público neerlandeses (JO L 49 de 22.2.2008, p. 1); C 60/99 Decisão da Comissão, de 10 de Dezembro de 2003, relativa aos auxílios estatais aplicados pela França a favor da France 2 e da France 3 (JO L 361 de 8.12.2004, p. 21); C 62/99 Decisão da Comissão, de 15 de Outubro de 2003, sobre as medidas (executadas pela Itália) a favor da RAI SpA (JO L 119 de 23.4.2004, p. 1); NN 88/98, financiamento de um canal noticioso sem publicidade de 24 horas através de uma taxa de licença a favor da BBC (JO C 78 de 18.3.2000, p. 6) e NN 70/98, Auxílio estatal aos canais públicos de radiodifusão Kinderkanal e Phoenix (JO C 238 de 21.8.1999, p. 3).

(30)  Processos apensos T-195/01 e T-207/01, Colectânea 2002, p. II-2309.

(31)  Por exemplo, decisões da Comissão NN 88/98 BBC 24 horas (JO C 78 de 18.3.2000), NN 70/98 Kinderkanal e Phoenix (JO C 238 de 21.8.1999).

(32)  Por exemplo, decisão da Comissão N 458/2004, auxílio estatal à Espacio Editorial Andaluza Holding sl., ver JO C 131 de 29.5.2005.

(33)  NN 70/98, auxílios estatais a canais públicos de radiodifusão, Kinderkanal e Phoenix (JO C 238 de 21.8.1999, p. 3).

(34)  Acórdão proferido no processo 172/80 Zuechner, Colectânea 1981, p. 2021.

(35)  Acórdão proferido no processo C-242/95 GT-Link, Colectânea 1997, p. 4449.

(36)  Acórdão proferido no processo 159/94 EDF e GDF, Colectânea 1997, p. I-5815.

(37)  Ver, por exemplo, decisões recentes da Comissão nos processos seguintes: E 8/06, financiamento estatal do organismo de radiodifusão de serviço público flamengo VRT (JO C 143 de 10.6.2008, p. 7), E 4/05, financiamento estatal da RTE e da TNAG (TG4) (JO C 121 de 17.5.2008, p. 5), E 3/05, auxílios aos organismos de radiodifusão de serviço público alemães (JO C 185 de 8.8.2007, p. 1), E 9/05, pagamento da taxa de licença à RAI (JO C 235 de 23.9.2005, p. 3), E 10/05, pagamento da taxa de licença à France 2 e 3 (JO C 240 de 30.9.2005, p. 20), 8/05, organismo de radiodifusão de serviço público espanhol RTVE (JO C 239 de 4.10.2006, p. 17), C 2/04, financiamento ad hoc dos organismos de radiodifusão de serviço público neerlandeses (JO L 49 de 22.2.2008, p. 1).

(38)  Dificuldades semelhantes podem igualmente verificar-se quando o serviço público de radiodifusão se destina a minorias linguísticas ou a dar resposta a necessidades locais.

(39)  Acórdãos proferidos no processo T-442/03, SIC/Comissão, ponto 201, Colectânea 2008, n.o 201 e nos processos apensos T-309/04, T-317/04 e T-336/04, TV 2/Dinamarca/Comissão, Colectânea 2008, n.os 122 a 124.

(40)  Estas exigências qualitativas constituem, de acordo com o Tribunal de Primeira Instância, «a razão de ser do SIEG da radiodifusão no panorama audiovisual nacional». Não há «motivos para que um SIEG da radiodifusão definido em termos latos, (…) que sacrifique o cumprimento destas exigências qualitativas a favor de um comportamento de operador comercial», acórdão proferido no processo T-442/03, SIC/Comissão, n.o 211.

(41)  Relativamente à qualificação, nos termos da Directiva «Serviços de Comunicação Social Audiovisual», os concursos dotados de prémios, que incluem a marcação de números de telefone de valor acrescentado, como «televendas» ou publicidade, ver o acórdão do Tribunal de Justiça proferido no processo C-195/06 KommAustria/ORF de 18 de Outubro de 2007.

(42)  Ver acórdão proferido nos processos apensos T-309/04, T-317/04, T-329/04 e T-336/04, «TV2», 2008, n.os 107 e 108.

(43)  COM(1999) 657 final, secção 3(6).

(44)  Ver acórdão proferido no processo T-442/03, SIC/Comissão, n.o 212, Colectânea 2008.

(45)  Artigo 4.o da Directiva 2006/111/CE.

(46)  Tal implica uma referência à situação hipotética em que as actividades de serviço não público viessem a ser interrompidas: os custos que seriam evitados dessa forma representam o montante de custos comuns a afectar às actividades de serviço não público.

(47)  Obviamente, tal disposição não impede os organismos de radiodifusão de serviço público de obterem lucros com as suas actividades comerciais exercidas fora da sua missão de serviço público.

(48)  Tais reservas especiais podem justificar-se devido a importantes investimentos tecnológicos (como a digitalização) que se prevêem para uma determinada data e são necessários para o cumprimento da missão de serviço público; ou medidas de reestruturação significativas, necessárias para assegurar a continuidade do funcionamento de um organismo de radiodifusão de serviço publico durante um período bem definido.

(49)  Tal como o Conselho da Europa afirma na sua recomendação relativa à missão dos meios de comunicação social de serviço público na sociedade da informação: « (…) os Estados membros podem considerar soluções de financiamento complementares, tomando devidamente em consideração os aspectos relacionadas com o mercado e a concorrência. Em especial, no caso de novos serviços personalizados, os Estados membros podem considerar a possibilidade de permitir que os meios de comunicação de serviço público aufiram uma remuneração (…). No entanto, nenhuma destas soluções deverá pôr em risco o princípio da universalidade dos meios de comunicação de serviço público ou levar a uma discriminação entre diferentes grupos da sociedade (…). Ao desenvolverem novos sistemas de financiamento, os Estados membros devem consagrar a devida atenção à natureza do conteúdo fornecido no interesse do público e no interesse comum».

(50)  Por exemplo, a Comissão considera que o facto de ser exigido o pagamento directo aos utilizadores pelo fornecimento de uma oferta distinta de conteúdos especializados de grande audiência, seria normalmente considerada como uma actividade comercial. Em contrapartida, a Comissão considera que, por exemplo, a facturação de custos ligados unicamente à transmissão de uma programação equilibrada e variada em novas plataformas, tais como os aparelhos móveis, não transformaria a oferta numa actividade comercial.

(51)  Por exemplo, a Comissão considera que certas formas de transmissão linear, tais como a transmissão simultânea do telejornal da noite noutras plataformas (por exemplo, Internet ou aparelhos móveis) podem ser qualificadas como não sendo «novas» para efeitos da presente comunicação. Se outras formas de retransmissão dos programas dos organismos de radiodifusão de serviço público noutras plataformas são ou não considerados novos serviços importantes, deve ser decidido pelos Estados-Membros, tendo em conta as especificidades e as características dos serviços em questão.

(52)  Ver igualmente a nota 40 sobre a justificação de um SIEG da radiodifusão.

(53)  Por exemplo, uma das questões relevantes que convém ponderar consiste em saber se os organismos de radiodifusão de serviço público estão a apresentar sistematicamente propostas demasiado elevadas para a obtenção de direitos de programas de grande audiência de uma forma que excede as necessidades do mandato de serviço público e que conduz a distorções desproporcionadas no mercado.

(54)  JO C 119 de 22.5.2002, p. 22.