52009PC0338

Proposta de decisão-quadro do Conselho relativa ao direito de beneficiar de serviços de interpretação e de tradução no âmbito dos processos penais {SEC(2009) 915} {SEC(2009) 916} /* COM/2009/0338 final - CNS 2009/0101 */


[pic] | COMISSÃO DAS COMUNIDADES EUROPEIAS |

Bruxelas, 8.7.2009

COM(2009) 338 final

2009/0101 (CNS)

Proposta de

DECISÃO-QUADRO DO CONSELHO

relativa ao direito de beneficiar de serviços de interpretação e de tradução no âmbito dos processos penais

{SEC(2009) 915}{SEC(2009) 916}

EXPOSIÇÃO DE MOTIVOS

1. INTRODUÇÃO

1. A presente proposta de decisão-quadro do Conselho visa estabelecer normas mínimas comuns relativamente ao direito de beneficiar de serviços de interpretação e de tradução no âmbito dos processos penais na União Europeia. A proposta deverá constituir um primeiro passo de uma série de medidas destinadas a substituir a proposta da Comissão de 2004 de uma decisão-quadro do Conselho relativa a certos direitos processuais no âmbito dos processos penais na União Europeia - COM (2004) 328 de 28.4.2004 - que é retirada após a devida notificação ao Conselho e ao Parlamento Europeu. Apesar de três anos de discussões no âmbito do grupo de trabalho do Conselho, não foi possível chegar a acordo sobre esta proposta, que viria efectivamente a ser abandonada em Junho de 2007 após um debate estéril no Conselho «Justiça». A adopção de uma abordagem gradual é agora geralmente aceite como a forma de proceder adequada; contribuirá também para a criação progressiva e o reforço de um clima de confiança mútua. A proposta deve, por conseguinte, ser considerada parte integrante de um pacote legislativo abrangente que procurará estabelecer um conjunto mínimo de direitos processuais no âmbito dos processos penais na União Europeia. A proposta de 2004 tinha por objectivo, para além do direito de beneficiar gratuitamente de serviços de interpretação e de tradução, o direito à assistência de um advogado, o direito de ser informado dos seus direitos (declaração dos direitos), o direito de os arguidos vulneráveis beneficiarem de uma atenção especial, o direito de comunicar com as autoridades consulares e o direito de comunicar com a família. Em relação à presente proposta, a Comissão tinha decidido centrar-se no direito de beneficiar de serviços de interpretação e de tradução, na medida em que se tratou do direito menos controverso durante as discussões relativas à proposta de 2004 e que se encontra disponível um certo número de informações e de trabalhos de investigação.

2. A presente proposta procura melhorar os direitos dos suspeitos que não compreendam nem falem a língua do processo. A fixação de normas mínimas comuns relativas a estes direitos facilitará a aplicação do princípio do reconhecimento mútuo.

3. No que diz respeito à base jurídica, a proposta baseia-se no artigo 31.º, n.º 1, do Tratado da União Europeia. O artigo 31.º, n.º 1, alínea c), estabelece que a UE pode desenvolver uma «acção comum» para assegurar a compatibilidade das normas aplicáveis, se necessário, para melhorar a cooperação. A cooperação judiciária, e nomeadamente o reconhecimento mútuo, exige uma confiança recíproca. É necessário um certo grau de compatibilidade para reforçar a confiança mútua e, por conseguinte, a cooperação.

4. O direito de beneficiar de serviços de interpretação e de tradução, que tem a sua origem na Convenção Europeia de Salvaguarda dos Direitos do Homem (CEDH), é fundamental para qualquer pessoa objecto de uma acusação penal que não compreenda a língua do processo. O suspeito deve estar em condições de compreender a natureza da acusação contra ele formulada. Os principais documentos processuais devem ser traduzidos. Em conformidade com a CEDH, os serviços de interpretação de tradução devem ser prestados gratuitamente.

5. Avaliação de impacto

A proposta foi objecto de uma avaliação de impacto incluída no documento SEC(2009) 915. A avaliação de impacto foi analisada e seguidamente aprovada pelo Comité das Avaliações de Impacto em 27 de Maio de 2009. O ponto 25 expõe as recomendações do Comité e descreve a forma como foram tidas em conta (http://ec.europa.eu/governance/impact/practice_en.htm). As opções previstas eram as seguintes:

(a) A manutenção do status quo não implicaria a adopção de qualquer medida por parte da UE. A situação actual em que se pressupõe que os Estados-Membros cumprem as obrigações que lhes incumbem por força da CEDH prosseguiria, ao mesmo tempo que se manteria o que alguns consideram um desequilíbrio entre a acusação e o acusado que, até agora, tem entravado o reconhecimento mútuo. As consequências económicas desta opção seriam negligenciáveis.

(b) A adopção de medidas não legislativas, tais como recomendações, incentivaria os intercâmbios entre Estados-Membros e contribuiria para a identificação das melhores práticas. Esta opção permitiria melhorar o conhecimento das normas fixadas pela CEDH divulgando e recomendando as práticas que contribuem para o seu cumprimento. Em contrapartida, esta opção não permitiria aprofundar a harmonização das normas jurídicas.

(c) Esta opção consistiria na adopção de um novo instrumento que abrangeria o conjunto dos direitos processuais, tal como a proposta de 2004. A sua aplicação pelos Estados-Membros, o controlo da sua aplicação pela Comissão e a possibilidade de recorrer em último instância para o Tribunal de Justiça contribuiriam para ultrapassar as diferenças verificadas no que diz respeito à aplicação da CEDH e para promover a confiança mútua. O impacto económico desta opção seria duplo: por um lado, o custo da criação de serviços encarregados de velar pelo cumprimento dos direitos em questão e, por outro, as economias realizadas graças a uma redução dos custos associados aos recursos.

(d) A adopção de uma medida limitada aos casos transfronteiras poderia constituir uma primeira etapa. Esta devia ser objecto de uma reflexão aprofundada, de forma a que fosse encontrada uma solução adequada para eventuais problemas de discriminação entre diversas categorias de suspeitos implicados em processos transfronteiras por oposição aos processos nacionais. Tal como na opção anterior, o impacto económico seria duplo: em primeiro lugar, a criação de serviços encarregados de velar pelo cumprimento dos direitos em questão geraria custos e, em segundo lugar, a redução dos custos associados aos recursos permitiria fazer economias, mas numa menor medida do que no cenário anterior, uma vez que esta opção é menos ambiciosa.

(e) A opção privilegiada consiste numa abordagem gradual que começaria por medidas relativas ao acesso aos serviços de interpretação e de tradução, implicando uma nova decisão-quadro que obrigaria os Estados-Membros a estabelecerem normas mínimas apenas para o acesso aos serviços de interpretação e de tradução. O impacto económico desta opção seria duplo: por um lado, o custo da criação de serviços encarregados de velar pelo cumprimento dos direitos em questão e, por outro, a economia realizada graças a uma redução dos custos associados aos recursos.

Na avaliação do impacto, a combinação das opções (b) e (e) é considerada a melhor abordagem, uma vez que optimiza os efeitos de sinergia das medidas legislativas e não legislativas. É, por conseguinte, conveniente que a presente decisão-quadro seja acompanhada de um documento consagrado às melhores práticas.

2. ANTECEDENTES

6. O artigo 6.º do Tratado da União Europeia (TUE) determina que a União respeitará os direitos fundamentais tal como os garante a Convenção Europeia de Salvaguarda dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais (CEDH) e tal como resultam das tradições constitucionais comuns aos Estados-Membros. Além disso, em Dezembro de 2000, o Parlamento Europeu, o Conselho e a Comissão assinaram conjuntamente e proclamaram solenemente a Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia.

7. Segundo as conclusões da Presidência do Conselho Europeu de Tampere[1], o reconhecimento mútuo deveria tornar-se a pedra angular da cooperação judiciária, mas o reconhecimento mútuo «e a necessária aproximação da legislação facilitariam [...] a protecção judicial dos direitos individuais»[2].

8. Segundo a Comunicação da Comissão ao Conselho e ao Parlamento Europeu, de 26 de Julho de 2000, relativa ao reconhecimento mútuo de decisões finais em matéria penal[3], «deste modo, não só importa velar por que o tratamento dos suspeitos e os direitos da defesa não sejam afectados pela aplicação do princípio [do reconhecimento mútuo], como há que garantir o reforço das salvaguardas ao longo de todo o processo».

9. Esta posição foi consagrada no Programa de medidas destinadas a aplicar o princípio do reconhecimento mútuo das decisões penais[4] («Programa de medidas»), adoptado pelo Conselho e pela Comissão, que indica que «a dimensão do reconhecimento mútuo depende em grande medida da existência e do conteúdo de determinados parâmetros que condicionam a eficácia do exercício».

10. Estes parâmetros incluem os mecanismos de protecção dos direitos dos suspeitos (parâmetro 3) e a definição de normas mínimas comuns necessárias para facilitar a aplicação do princípio do reconhecimento mútuo (parâmetro 4). A presente proposta de decisão-quadro concretiza o objectivo declarado de reforçar a protecção dos direitos das pessoas.

3. O DIREITO DE BENEFICIAR DE SERVIÇOS DE INTERPRETAÇÃO E DE TRADUÇÃO TAL COMO PREVISTO NA CEDH

11. O artigo 5.º da CEDH – Direito à liberdade e segurança – estabelece que:

«1) Toda a pessoa tem direito à liberdade e segurança. Ninguém pode ser privado da sua liberdade, salvo nos casos seguintes e de acordo com o procedimento legal: (…)

f) Se se tratar de prisão ou detenção legal de uma pessoa … contra a qual está em curso um processo de extradição.

2) Qualquer pessoa presa deve ser informada, no mais breve prazo e em língua que compreenda, das razões da sua prisão e de qualquer acusação formulada contra ela.»

(…)

4) Qualquer pessoa privada da sua liberdade por prisão ou detenção tem direito a recorrer a um tribunal, a fim de que este se pronuncie, em curto prazo de tempo, sobre a legalidade da sua detenção e ordene a sua libertação, se a detenção for ilegal.»

E o artigo 6.º - Direito a um julgamento equitativo – estabelece que:

«3) O acusado tem, como mínimo, os seguintes direitos:

a) Ser informado no mais curto prazo, em língua que entenda e de forma minuciosa, da natureza e da causa da acusação contra ele formulada;

(…)

e) Fazer-se assistir gratuitamente por intérprete, se não compreender ou não falar a língua usada no processo.»

A Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia reflecte estes direitos nos seus artigos 6.º e 47.º a 50.º.

12. O Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (TEDH) declarou, relativamente ao artigo 6.º da CEDH, que o acusado tem o direito de beneficiar gratuitamente de serviços de interpretação, mesmo que seja condenado, que tem o direito de receber os documentos que estabelecem a acusação numa língua que compreenda, que a interpretação deve ser suficiente para lhe permitir compreender o desenrolar do processo e que o intérprete deve ser competente. O direito de beneficiar gratuitamente dos serviços de um intérprete, mesmo em caso de condenação, foi consagrado no processo Luedicke, Belkacem e Koç / Alemanha [5] . No processo Kamasinski / Áustria[6], o Tribunal declarou que a assistência prestada em matéria de interpretação deve permitir ao acusado saber de que é acusado e defender-se. Este direito é aplicável aos documentos escritos e à fase de instrução. O TEDH considerou que o nível de interpretação deve ser «adequado» e que os pormenores da acusação devem ser comunicados ao interessado numa língua que este compreenda ( Brozicek / Itália[7]). Cabe às autoridades judiciais provar que o arguido fala suficientemente a língua do Tribunal e não a este último demonstrar que tal não acontece[8]. O intérprete deve ser competente e o juiz deve garantir o carácter equitativo do processo ( Cuscani / Reino Unido[9]).

4. DISPOSIÇÕES ESPECÍFICAS

13. A proposta de decisão-quadro estabelece obrigações de base e parte da CEDH e da jurisprudência do TEDH. O Fórum de reflexão sobre multilinguismo e formação de intérpretes[10] elaborou um relatório com recomendações sobre a qualidade da interpretação e da tradução. Esse relatório foi fruto das reuniões do Fórum de reflexão organizadas em 2008 pela Direcção-Geral da Interpretação da Comissão, a fim de determinar se são necessárias medidas e, em caso afirmativo, quais. O Fórum concluiu ser necessário intervir e formulou recomendações relativamente à forma como melhorar a formação e dispor de intérpretes competentes e qualificados no quadro dos processos penais. As recomendações incluíam a criação de um programa de formação em interpretação jurídica e um sistema de acreditação, de certificação e de registo dos intérpretes jurídicos.

Artigo 1.º - Âmbito de aplicação

14. A proposta abrange todos os suspeitos no âmbito de uma infracção penal até à condenação final (incluindo qualquer eventual recurso). Neste caso, o termo «suspeito» é utilizado para designar essas pessoas. Trata-se de um termo autónomo, independente da designação dessas pessoas no processo nacional.

15. Dado que a jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem precisou que o artigo 6.º da CEDH deve aplicar-se às pessoas interrogadas relativamente a infracções, quer tenham sido já formalmente acusadas ou não, as pessoas presas ou detidas devido a uma acusação penal são também abrangidas pelo âmbito de aplicação desta disposição. Estes direitos começam a aplicar-se a partir do momento em que a pessoa é informada de que é suspeita de ter cometido uma infracção (por exemplo, no momento da sua detenção ou quando a pessoa suspeita se encontre detida).

O artigo 1.º clarifica que a proposta também é aplicável aos casos em que é utilizado o mandado de detenção europeu. É importante sublinhar que esses processos são abrangidos, uma vez que a decisão-quadro relativa ao mandado de detenção europeu apenas enuncia esses direitos em termos gerais. A presente proposta constitui relativamente a este aspecto um novo desenvolvimento do artigo 5.º da CEDH.

Artigo 2.º - Direito de beneficiar de serviços de interpretação

16. Este artigo consagra o princípio fundamental segundo o qual deve ser assegurada interpretação durante a fase de instrução e as fases judiciais do processo, ou seja, durante os interrogatórios realizados pela polícia, o julgamento, as audiências intercalares e os eventuais recursos. Este direito é igualmente extensível ao aconselhamento jurídico prestado ao suspeito se o seu advogado falar uma língua que ele não compreende.

Artigo 3.º - Direito à tradução dos documentos essenciais

17. O suspeito tem o direito de beneficiar da tradução dos documentos essenciais, a fim de preservar o carácter equitativo do processo. No processo Kamasinski / Áustria[11], o TEDH declarou que o direito a beneficiar de interpretação se aplicava também a «documentos escritos» e que o arguido devia ter um conhecimento suficiente do processo para se poder defender[12]. Os documentos essenciais do processo penal incluem, por conseguinte, o acto de acusação e qualquer documento escrito útil, tal como as deposições das testemunhas principais necessárias para poder «ser informado no mais curto prazo, em língua que entenda e de forma minuciosa, da natureza e da causa da acusação contra ele formulada», em conformidade com o artigo 6.º, n.º 3, alínea a), da CEDH. É igualmente conveniente fornecer a tradução de qualquer medida de segurança ou medida privativa de liberdade e da sentença, que seja necessária para que a pessoa em causa possa exercer o seu direito de recurso (artigo 2.º do Protocolo n.º 7 da CEDH).

No que diz respeito aos processos de execução de um mandado de detenção europeu, deve ser fornecida uma tradução deste último.

Artigo 4.º - Os Estados-Membros suportam os custos dos serviços de interpretação e de tradução

18. Este artigo prevê que os custos de interpretação e de tradução sejam suportados pelo Estado-Membro. O direito de beneficiar gratuitamente dos serviços de um intérprete, mesmo em caso de condenação, foi consagrado no acórdão proferido no processo Luedicke, Belkacem and Koç / Alemanha [13] .

Artigo 5.º - Qualidade da interpretação e da tradução

19. Este artigo estabelece a obrigação fundamental de assegurar a qualidade da interpretação e da tradução. O relatório do Fórum de reflexão sobre multilinguismo e formação de intérpretes[14] formula recomendações relativamente a este aspecto.

Artigo 6.º - Cláusula de não regressão

20. O presente artigo tem por objectivo garantir que a definição de normas mínimas comuns em conformidade com a presente decisão-quadro não terá por efeito diminuir as normas em vigor em certos Estados-Membros e garantir a manutenção das normas estabelecidas na CEDH. Os Estados-Membros são inteiramente livres de estabelecerem normas mais elevadas do que as previstas na presente decisão-quadro.

Artigo 7.º – Transposição

21. Este artigo obriga os Estados-Membros a transporem a decisão-quadro até x /xx/ 20xx e a enviarem, também até essa data, o texto das disposições de transposição para o direito nacional ao Conselho e à Comissão.

Artigo 8.º – Relatório

22. XX meses após a data de transposição, a Comissão deve apresentar um relatório ao Parlamento Europeu e ao Conselho, no qual avalia em que medida os Estados-Membros tomaram as medidas necessárias para dar cumprimento à presente decisão-quadro, o qual será acompanhado, se necessário, de propostas legislativas.

Artigo 9.º – Entrada em vigor

23. Este artigo estabelece que a decisão-quadro entrará em vigor no vigésimo dia seguinte ao da sua publicação no Jornal Oficial da União Europeia .

5. PRINCÍPIO DA SUBSIDIARIEDADE

24. O objectivo da proposta não pode ser suficientemente alcançado apenas pelos Estados-Membros, uma vez que consiste em promover a confiança entre eles, sendo por conseguinte importante adoptar uma norma mínima comum que seja aplicável em toda a União Europeia. A proposta aproximará as regras processuais dos Estados-Membros aplicáveis à interpretação e à tradução no âmbito de processos penais, a fim de reforçar a confiança mútua. Por conseguinte, a proposta respeita o princípio da subsidiariedade.

6. PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE

25. A proposta respeita o princípio da proporcionalidade na medida em que se limita ao mínimo exigido para alcançar os objectivos definidos a nível europeu, não excedendo o necessário para o efeito.

2009/0101 (CNS)

Proposta de

DECISÃO-QUADRO DO CONSELHO

relativa ao direito de beneficiar de serviços de interpretação e de tradução no âmbito dos processos penais

O CONSELHO DA UNIÃO EUROPEIA,

Tendo em conta o Tratado da União Europeia, nomeadamente o artigo 31.º, nº 1, alínea c),

Tendo em conta a proposta da Comissão,

Tendo em conta o parecer do Parlamento Europeu,

Considerando o seguinte:

(1) A União Europeia estabeleceu como objectivo manter e desenvolver um espaço de liberdade, segurança e justiça. Em conformidade com as conclusões do Conselho Europeu de Tampere de 15 e 16 de Outubro de 1999, nomeadamente o seu ponto 33, o princípio do reconhecimento mútuo deverá tornar-se a pedra angular da cooperação judiciária em matéria civil e penal na União Europeia.

(2) Em 29 de Novembro de 2000, em conformidade com as conclusões de Tampere, o Conselho adoptou um Programa de medidas destinadas a aplicar o princípio do reconhecimento mútuo das decisões penais[15]. Na parte introdutória, o Programa de medidas indica que o reconhecimento mútuo «deverá permitir não só o reforço da cooperação entre Estados-Membros, mas também a protecção dos direitos das pessoas».

(3) A aplicação do princípio do reconhecimento mútuo das decisões penais pressupõe a confiança mútua dos Estados-Membros nos sistemas de justiça penal uns dos outros. A dimensão do reconhecimento mútuo depende estreitamente de certos parâmetros, entre os quais figuram «os mecanismos de protecção dos direitos dos […] suspeitos»[16] e a definição das normas mínimas comuns necessárias para facilitar a aplicação do princípio do reconhecimento mútuo.

(4) O reconhecimento mútuo só pode funcionar eficazmente num clima de confiança em que, não só as autoridades judiciárias, mas também todos os intervenientes no processo penal considerem as decisões das autoridades judiciárias dos outros Estados-Membros como equivalentes às do seu próprio Estado, implicando «não apenas a confiança mútua, tanto na pertinência das disposições do outro Estado como na correcta aplicação dessas disposições»[17].

(5) Apesar de todos os Estados-Membros serem partes na Convenção Europeia de Salvaguarda dos Direitos do Homem e da Liberdades Fundamentais (CEDH), a experiência demonstrou que esta adesão em si mesma nem sempre permite assegurar um grau de confiança suficiente nos sistemas de justiça penal dos outros Estados-Membros.

(6) O artigo 31.º, n.º 1, alínea c), do Tratado da União Europeia prevê o seguinte: «assegurar a compatibilidade das normas aplicáveis nos Estados-Membros, na medida do necessário para melhorar a [cooperação judiciária em matéria penal]». A aplicação de normas mínimas comuns deve permitir aumentar a confiança nos sistemas de justiça penal de todos os Estados-Membros, o que aumentará consequentemente a eficácia da cooperação judicial num clima de confiança mútua.

(7) É conveniente que essas normas mínimas sejam aplicadas nos domínios da interpretação e da tradução no âmbito de processos penais. Para reforçar a necessária confiança recíproca dos Estados-Membros, a presente decisão-quadro define normas comuns de base em matéria de interpretação e de tradução no quadro de processos penais na União Europeia, que tomam em consideração a forma como os Estados-Membros respeitam as disposições da CEDH segundo as suas próprias tradições.

(8) O direito de beneficiar de serviços de interpretação e de tradução concedidos às pessoas que não compreendem a língua do processo, encontra-se consagrado nos artigos 5.º e 6.º da CEDH, tal como interpretados pela jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem. As disposições da presente decisão-quadro facilitam o exercício destes direitos na prática.

(9) As disposições da presente decisão-quadro devem garantir a salvaguarda dos direitos conferidos ao suspeito, que não fala nem compreende a língua do processo, dar-lhe conhecimento das acusações que lhe são imputadas e de compreender o processo, a fim de estar em condições de exercer os seus direitos. Devem para o efeito prever a prestação de uma assistência linguística gratuita e fidedigna. A assistência deve ser alargada, se for caso disso, às relações entre o suspeito e o seu advogado de defesa.

(10) Deve ser também prestada uma assistência adequada aos suspeitos com deficiências auditivas ou de elocução.

(11) A obrigação de dispensar uma atenção especial aos suspeitos que não são capazes de compreender ou de acompanhar o processo é indispensável a uma boa administração da justiça. A acusação, as autoridades responsáveis pela aplicação da lei e as autoridades judiciais devem, por conseguinte, garantir que os suspeitos numa posição potencialmente desvantajosa podem exercer efectivamente os seus direitos. Essas autoridades devem ter conhecimento de quaisquer vulnerabilidades potenciais e tomar as medidas adequadas para garantirem estes direitos. É o que deve sempre acontecer quando um suspeito é menor ou tem uma deficiência que impeça a sua participação activa no processo.

(12) Os Estados-Membros devem ser obrigados a assegurar a formação dos juízes, dos advogados e de qualquer outro pessoal relevante dos tribunais a fim de garantir a qualidade da interpretação e da tradução.

(13) A presente decisão-quadro respeita os direitos fundamentais e observa os princípios consagrados na Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia. A presente decisão-quadro procura, nomeadamente, promover o direito à liberdade, o direito a um processo equitativo e os direitos da defesa.

(14) Uma vez que o objectivo de estabelecer normas mínimas comuns não pode ser alcançado pelos Estados-Membros individualmente e pode ser melhor realizado a nível da União, o Conselho pode adoptar medidas em conformidade com o princípio da subsidiariedade, tal como referido no artigo 2.º do Tratado da União Europeia e definido no artigo 5.º do Tratado que institui a Comunidade Europeia. Em conformidade com o princípio da proporcionalidade estabelecido neste último artigo, a presente decisão-quadro não excede o necessário para atingir aquele objectivo,

ADOPTOU A PRESENTE DECISÃO-QUADRO:

Artigo 1.º Âmbito de aplicação

1. A presente decisão-quadro define regras relativas ao direito de beneficiar de serviços de interpretação e de tradução no âmbito dos processos penais e dos processos de execução de um mandado de detenção europeu.

2. Esses direitos são aplicáveis a qualquer pessoa suspeita de ter cometido uma infracção («o suspeito»), a partir do momento em que esta seja informada pelas autoridades competentes de um Estado-Membro das suspeitas que sobre ela pesam e até ao termo do processo.

Artigo 2.º Direito a interpretação

1. Os Estados-Membros asseguram que os suspeitos que não compreendam nem falem a língua do processo penal em causa beneficiem da assistência de um intérprete, por forma a garantir a equidade do processo penal. Deve ser assegurada interpretação durante os contactos com as autoridades encarregadas da instrução e com as autoridades judiciais, incluindo durante os interrogatórios realizados pela polícia, durante todas as reuniões necessárias entre o suspeito e o seu advogado, durante todas as audiências no tribunal e durante as eventuais audiências suplementares necessárias.

2. Os Estados-Membros asseguram, se for caso disso, que o aconselhamento jurídico de que o suspeito beneficia durante todo o processo penal seja objecto da assistência de um intérprete.

3. Os Estados-Membros garantem a criação de um procedimento que avalie se o suspeito compreende e fala a língua do processo penal.

4. Os Estados-Membros garantem que qualquer decisão que conclua pela não necessidade de interpretação seja passível de recurso.

5. O direito à assistência de um intérprete inclui a assistência às pessoas com deficiências auditivas ou de elocução.

6. No que diz respeito aos processos de execução de um mandado de detenção europeu, os Estados-Membros garantem que qualquer pessoa sujeita a tal processo que não compreenda nem fale da língua utilizada neste, beneficie da assistência de um intérprete durante todo o processo.

Artigo 3.º Direito à tradução dos documentos essenciais

1. Os Estados-Membros asseguram que os suspeitos que não compreendam a língua do processo penal em causa beneficiem da tradução de todos os documentos essenciais, a fim de garantir a equidade do processo penal.

2. Os documentos essenciais a traduzir incluirão qualquer medida de segurança privativa de liberdade, o acto de acusação, quaisquer provas documentais essenciais e a sentença.

3. O suspeito ou o seu advogado pode apresentar um pedido fundamentado de tradução de outros documentos, nomeadamente do aconselhamento jurídico que este último preste por escrito ao suspeito.

4. Os Estados-Membros garantem que uma decisão que recuse a tradução dos documentos a que se refere o n.º 2 seja passível de recurso.

5. No que diz respeito aos processos de execução de um mandado de detenção europeu, os Estados-Membros garantem que qualquer pessoa sujeita a tal processo que não compreenda a língua em que é redigido o mandado de detenção europeu, receba uma tradução do referido documento.

Artigo 4.º Os Estados-Membros suportam os custos dos serviços de interpretação e de tradução

Os Estados-Membros devem suportar os custos dos serviços de interpretação e de tradução resultantes da aplicação dos artigos 2.º e 3.º.

Artigo 5.º Qualidade da interpretação e da tradução

1. A interpretação e a tradução devem ser asseguradas por forma a que o suspeito possa exercer plenamente os seus direitos.

2. Os Estados-Membros disponibilizarão formação aos juízes, advogados e outro pessoal relevante dos tribunais, a fim de garantir a capacidade do suspeito de compreender o processo.

Artigo 6.º Cláusula de não regressão

Nenhuma disposição da presente decisão-quadro pode ser interpretada como limitativa dos direitos e garantias processuais que podem ser concedidos ao abrigo da Convenção Europeia de Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais ou da legislação dos Estados-Membros e que proporcionam um nível de protecção mais elevado, nem como uma derrogação a estes direitos e garantias.

Artigo 7.º Transposi ção

Os Estados-Membros tomarão todas as medidas necessárias para dar cumprimento às disposições da presente decisão-quadro até … [18].

Até à mesma data, os Estados-Membros transmitirão ao Conselho e à Comissão o texto das disposições que transpõem para o seu direito nacional as obrigações impostas pela presente decisão-quadro.

Artigo 8.º Relatório

Até … [19], a Comissão apresentará ao Parlamento Europeu e ao Conselho um relatório, em que avaliará em que medida os Estados-Membros tomaram as medidas necessárias para dar cumprimento à presente decisão-quadro, acompanhado, se necessário, de propostas legislativas.

Artigo 9.º Entrada em vigor

A presente decisão-quadro entra em vigor no vigésimo dia seguinte ao da sua publicação no Jornal Oficial das União Europeia .

Feito em Bruxelas, em

Pelo Conselho

O Presidente

[1] 15 e 16 de Outubro de 1999.

[2] Conclusão 33.

[3] COM(2000) 495 de 29.7.2000.

[4] JO C 12 de 15.1.2001, p. 10.

[5] 28 de Novembro, Série A n.°29. «46.O Tribunal chega, por conseguinte, à conclusão de que a acepção corrente da expressão […] «gratuitamente» que figura no artigo 6.º, n.º 3, alínea e) […] é confirmada pelo objecto e pela finalidade do artigo 6.º. O Tribunal conclui que o direito protegido pelo artigo 6.º, n.º 3, alínea e), inclui, para quem não falar nem compreender a língua utilizada na audiência, o direito de beneficiar da assistência gratuita de um intérprete, sem posteriormente lhe ser reclamado o pagamento das despesas resultantes dessa assistência.»

[6] 19 de Dezembro de 1989, Série A n.° 168.

[7] 19 de Dezembro de 1989, (10964/84) [1989] TEDH 23.

[8] «41[…] as autoridades judiciais italianas deviam ter tomado medidas para garantir o respeito dos requisitos do artigo 6 § 3 (a) (art. 6-3-a), salvo se pudessem estabelecer que o requerente tinha na realidade um conhecimento suficiente de italiano para compreender a partir da notificação as acusações contra ele formuladas.. Tal prova não decorre dos documentos do dossiê nem das declarações das testemunhas ouvidas em 23 de Abril de 1989. Verificou-se, relativamente a este ponto, violação do artigo 6 § 3 (a) (art. 6-3-a).»

[9] 24 de Setembro de 2002 – N.º.3277/96.

[10] http://ec.europa.eu/commission_barroso/orban/docs/FinalL_Reflection_Forum_Report_en.pdf

[11] 19 de Dezembro de 1989, Série A n.° 168.

[12] «74. O direito […]à assistência gratuita de um intérprete é aplicável não apenas às declarações orais feitas no julgamento, mas igualmente aos documentos escritos e à fase de instrução. O n.º 3 (e) (art. 6-3-e) assinala que uma pessoa «acusada de uma infracção penal» que não compreenda nem fale a língua utilizada no tribunal tem o direito à assistência gratuita de um intérprete para a tradução ou interpretação de todos os documentos ou declarações do processo intentado contra ele, que lhe sejam necessários para beneficiar de um processo equitativo, compreender o sentido ou comunicar na língua do tribunal. […]Contudo, o n.º 3 (e) (art. 6-3-e) não vai até ao ponto de exigir uma tradução escrita de todas as provas documentais ou documentos oficiais do processo. A assistência prestada em matéria de interpretação deve permitir ao acusado ter conhecimento das acusações que lhe são imputadas e defender-se, nomeadamente apresentando ao tribunal a sua versão dos factos. Tendo em conta a necessidade de o direito garantido pelo n.º 3 (e) (art. 6-3-e) ser concreto e efectivo, a obrigação das autoridades competentes não se limita, por conseguinte, a designar um intérprete, mas incumbe-lhes, se forem alertados para um determinado caso, exercer um certo controlo posterior sobre a adequação da interpretação prestada (ver acórdão Artico).»

[13] «46. O Tribunal chega, por conseguinte, à conclusão de que a acepção corrente da expressão […] «gratuitamente» que figura no artigo 6.º, n.º 3, alínea e) […] é confirmada pelo objecto e pela finalidade do artigo 6.º. O Tribunal conclui que o direito protegido pelo artigo 6.º, n.º 3, alínea e) comporta, para quem não falar nem compreender a língua utilizada na audiência, o direito de beneficiar de assistência gratuita de um intérprete, sem posteriormente lhe ser reclamado o pagamento das despesas resultantes dessa assistência.»

[14] Ver nota 10.

[15] JO C 12 de 15.1.2001, p. 10.

[16] JO C 12 de 15.1.2001, p. 10.

[17] COM (2000) 495 de 26.7.2000, p. 4.

[18] 24 meses a contar da data de publicação da presente decisão-quadro no Jornal Oficial .

[19] 36 meses a contar da data de publicação da presente decisão-quadro no Jornal Oficial .