52009DC0673




[pic] | COMISSÃO EUROPEIA |

Bruxelas, 9.12.2009

COM(2009)673 final

COMUNICAÇÃO DA COMISSÃO AO PARLAMENTO EUROPEU E AO CONSELHO

Aplicação do artigo 290.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia

COMUNICAÇÃO DA COMISSÃO AO PARLAMENTO EUROPEU E AO CONSELHO

Aplicação do artigo 290.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia

INTRODUÇÃO

O artigo 290.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, tal como previsto no Tratado assinado em Lisboa em 13 de Dezembro de 2007[1] (a seguir designado «novo Tratado»), permite ao legislador delegar na Comissão o poder de adoptar actos não legislativos de alcance geral que completem ou alterem certos elementos não essenciais de um acto legislativo. Na terminologia adoptada no novo Tratado, os actos jurídicos adoptados deste modo pela Comissão são designados «actos delegados» (artigo 290.º, n.º 3).

Esta disposição não requer a adopção de qualquer acto jurídico vinculativo de direito derivado para assegurar a respectiva aplicação; basta-se a si própria e contém todos os elementos de que o legislador necessita para definir, caso a caso, o âmbito de aplicação, o conteúdo e as modalidades de uma delegação de poderes. Contudo, a Comissão considera útil e necessário determinar o quadro geral em que se devem inscrever estas delegações de poderes. O Parlamento Europeu, sublinhando que esta medida deve preservar a liberdade do legislador, chegou a uma conclusão semelhante, tendo proposto que as instituições adoptem uma fórmula-tipo para as delegações, que seria regularmente inserida pela Comissão no próprio projecto de acto legislativo[2].

Com efeito, sem pôr em causa a liberdade do Parlamento Europeu e do Conselho para fixarem os limites e as condições de uma delegação de poderes aquando da adopção de um acto legislativo, tanto os princípios da iniciativa legislar melhor como o bom desenrolar do processo interinstitucional favorecem uma abordagem coordenada e coerente. A Comissão, encarregada de elaborar e adoptar os actos delegados, tal como o Parlamento Europeu e o Conselho, responsáveis pelo seu controlo, devem favorecer a instauração de um sistema tão homogéneo e previsível quanto possível.

O objectivo da presente comunicação consiste em expor o ponto de vista da Comissão sobre o âmbito de aplicação dos actos delegados, a forma como as delegações de poderes devem ser enquadradas, os métodos de trabalho que a Comissão tenciona seguir para preparar a adopção dos actos delegados e, por último, as condições em que o legislador pode exercer um controlo sobre o exercício dos poderes conferidos à Comissão.

ÂMBITO DE APLICAÇÃO DOS ACTOS DELEGADOS

Para definir os limites do domínio de aplicação do artigo 290.º, não basta analisar cuidadosamente os termos escolhidos pelos autores do novo Tratado para definir os actos delegados, sendo também necessário situar esta disposição no seu contexto, analisando nomeadamente as relações históricas que mantém com o procedimento de regulamentação com controlo e as suas ligações com o artigo 291.º, relativo aos actos de execução. Com efeito, é em torno dos artigos 290.º e 291.º que deve ser estabelecido o quadro jurídico que substituirá o chamado sistema de «comitologia», criado no âmbito do Tratado que institui a Comunidade Europeia.

Na acepção do artigo 290.º, uma delegação de poderes só é possível num acto legislativo. Em contrapartida, é indiferente que este acto legislativo tenha sido ou não adoptado conjuntamente pelo Parlamento Europeu e pelo Conselho. Com efeito, o artigo 290.º não estabelece qualquer distinção entre o processo legislativo ordinário (antigo procedimento de «co-decisão») e os processos legislativos especiais.

Relações com o procedimento de regulamentação com controlo (a seguir denominado «PRCC»)

A definição dos actos delegados constante do artigo 290.º, n.° 1, está, de um ponto de vista puramente redaccional, muito próxima da dos actos que na Decisão 1999/468/CE[3] («Decisão comitologia») são abrangidos pelo PRCC, introduzido em 17 de Julho de 2006 pela Decisão 2006/512/CE[4]. Com efeito, em ambos os casos os actos em causa são de alcance geral e visam alterar ou completar certos elementos não essenciais do acto legislativo.

A semelhança dos critérios não significa, porém, que serão aplicados da mesma forma; num contexto institucional novo, o âmbito de aplicação dos actos delegados não será necessariamente uma cópia do do PRCC. Por conseguinte, deve ser evitada qualquer reprodução mecânica dos precedentes.

Relações com os actos de execução

Antes de ser examinada de forma independente, a noção de acto delegado deve ser apreciada à luz da noção de acto de execução, tal como prevista no artigo 291.º.

Em primeiro lugar, é evidente que um mesmo acto não pode ter uma dupla acepção. Um acto abrangido pelo artigo 290.º é, por definição, excluído do âmbito de aplicação do artigo 291.º, e vice-versa. Os dois artigos foram incontestavelmente concebidos pelos autores do novo Tratado como excluindo-se um ao outro. Os actos deles decorrentes têm, de resto, denominações jurídicas diferentes.

Em segundo lugar, convém notar que os autores do novo Tratado não se colocaram na mesma perspectiva para conceberem os domínios de aplicação dos dois artigos. A noção de acto delegado é definida pelo seu alcance e pelos seus efeitos - acto de alcance geral que completa ou altera elementos não essenciais -, enquanto a de acto de execução, nunca descrita, decorre da sua razão de ser - necessidade de condições uniformes de execução. Este desfasamento explica-se pela natureza e pelo alcance muito diferentes dos poderes conferidos à Comissão por cada uma destas duas disposições.

Ao receber o poder de adoptar actos delegados ao abrigo do artigo 290.º, a Comissão é autorizada a completar ou alterar o trabalho do legislador. Esta delegação é sempre facultativa: é com um objectivo de eficácia que o legislador delega na Comissão poderes que lhe são próprios. No sistema instaurado pelo artigo 291.º, a Comissão não exerce qualquer atribuição de natureza «quase legislativa»; o seu poder é exclusivamente executivo. Os Estados-Membros são «naturalmente» encarregados da aplicação dos actos juridicamente vinculativos da União, mas, dado que são necessárias condições uniformes de execução, a Comissão deve exercer a sua competência de execução. A sua intervenção não é facultativa, mas sim obrigatória quando as condições do artigo 291.º se encontram preenchidas.

Por último, é útil insistir no facto de que o alcance geral dos actos adoptados pela Comissão não é, por si só, suficiente para implicar a aplicação do regime jurídico dos actos delegados em vez do dos actos de execução. Com efeito, o artigo 291.º permite também à Comissão adoptar medidas de execução de alcance geral. A fim de assegurar a execução uniforme de um acto juridicamente vinculativo da União, a Comissão poderá, com efeito, recorrer quer a medidas individuais, quer a actos de alcance geral. Em contrapartida, ressalta claramente da redacção do artigo 290.º que a Comissão não pode nunca adoptar um acto delegado relativo a uma medida de carácter individual.

Critérios de aplicação do artigo 290.º

Cabe exclusivamente ao legislador aplicar os critérios definidos no artigo 290.º que, precisa-se, são cumulativos: o acto deve ser não só de alcance geral, mas deve também alterar ou completar certos elementos não essenciais do instrumento legislativo. Se uma destas duas condições não estiver preenchida, o artigo 290.º não é aplicável.

A Comissão não tenciona proceder a uma interpretação abstracta destes critérios; o leque muito vasto de medidas possíveis numa dada situação impossibilita antecipadamente qualquer tentativa de classificação. A Comissão gostaria contudo de fazer duas observações.

Em primeiro lugar, a Comissão considera que, ao utilizarem o verbo «alterar», os autores do novo Tratado quiseram cobrir os casos hipotéticos em que a Comissão é investida do poder de alterar formalmente um acto de base. Esta alteração formal pode afectar o texto de um ou mais artigos do dispositivo, ou o texto de um anexo que juridicamente faça parte integrante do instrumento legislativo. Pouco importa que o anexo contenha medidas puramente técnicas; a partir do momento em que é conferido à Comissão o poder de alterar um anexo que contenha medidas de alcance geral, deve ser aplicado o regime dos actos delegados.

Em segundo lugar, a Comissão sublinha a importância que convém atribuir ao verbo «completar», cujos sentido e alcance são menos explícitos do que os do verbo «alterar».

A Comissão considera que, para determinar se uma medida «completa» o acto de base, o legislador deve avaliar se a futura medida acrescenta, na prática, novas normas não essenciais que alteram o quadro do acto legislativo, deixando uma margem de apreciação à Comissão. Em caso afirmativo, pode considerar-se que a medida «completa» o acto de base. Caso contrário, as medidas que se destinem apenas a aplicar as normas existentes do acto de base não devem ser consideradas medidas complementares.

O legislador pode regulamentar inteiramente um determinado domínio de acção, confiando à Comissão a responsabilidade de assegurar a aplicação harmonizada dessa regulamentação através de actos de execução; de igual modo, o legislador pode optar por só regulamentar parcialmente o domínio em causa, deixando à Comissão a responsabilidade de completar a regulamentação através de actos delegados.

ENQUADRAMENTO DAS DELEGAÇÕES DE PODERES

Dado que o legislador confere poderes à Comissão, compete-lhe enquadrar o respectivo exercício em cada acto legislativo. O artigo 290.º, n.° 1, segundo parágrafo, do novo Tratado impõe ao legislador que delimite explicitamente os objectivos, o conteúdo, o âmbito de aplicação e o período de vigência da delegação de poderes. Este define assim dois tipos de limites para a delegação de poderes: limites materiais e limites temporais.

Limites materiais

A delegação de poderes deve ser clara, precisa e circunstanciada. O legislador determina os objectivos que a adopção dos actos delegados deve permitir alcançar, bem como, se for caso disso, os limites que estes actos não podem ultrapassar.

Assim, no caso de o legislador desejar conferir à Comissão poderes para alterar o anexo de um regulamento, deve, por exemplo, precisar que a Comissão pode, através de um acto delegado, alterar o referido anexo, total ou parcialmente, quando certas circunstâncias se encontrem reunidas - realização de progressos científicos ou técnicos, ocorrência de um determinado evento, decurso de um certo período de tempo, etc. De igual modo, podem ser fixados limites à Comissão no âmbito da alteração do anexo; se o anexo disser respeito, por exemplo, à fixação de valores quantitativos, o legislador pode impor à Comissão a obrigação de não transpor certos limiares.

Limites temporais

O artigo 290.º determina que a duração da delegação de poderes é estabelecida pelo legislador. A Comissão considera que esta norma não consagra a prática das chamadas «cláusulas de caducidade» («sunset clauses») que, inseridas num acto legislativo, põem automaticamente termo aos poderes conferidos à Comissão, obrigando-a, na prática, a apresentar uma nova proposta legislativa no termo do prazo imposto pelo legislador. O artigo 290.º exige principalmente que os poderes delegados sejam enquadrados de forma clara e previsível; não impõe, em contrapartida, que a Comissão fique sujeita a «prazos de caducidade». O legislador deve encontrar um justo equilíbrio entre a necessidade de enquadrar os poderes delegados e a de garantir a continuidade da adopção dos actos jurídicos essenciais para a execução das políticas da União. Forçar a Comissão a apresentar periodicamente novas propostas legislativas para obter a renovação de uma delegação de poderes seria contrário aos objectivos de eficácia e de rapidez que justificam precisamente o recurso aos actos delegados.

A Comissão considera que é preferível não sobrecarregar as instituições com a instauração de um sistema vinculativo de delegações precárias. Por conseguinte, as delegações de poderes devem, em princípio, ter uma duração indeterminada. Tal prática seria de resto perfeitamente coerente com a situação actual. Com efeito, a experiência demonstra, regra geral, que o legislador não deseja impor um limite temporal aos poderes conferidos à Comissão, mesmo quando lhe confia a responsabilidade de tomar medidas de natureza quase legislativa.

Tal não significa, no entanto, que as delegações de poderes devam ser imutáveis. A este respeito, é importante recordar que, em aplicação do artigo 290.º, n.° 2, alínea a), o legislador tem a possibilidade de introduzir no acto de base a faculdade de revogação da delegação de poderes. Juridicamente, uma revogação tem efeitos idênticos aos de uma cláusula de caducidade; ambas põem termo aos poderes conferidos à Comissão, ficando esta encarregada de apresentar posteriormente uma proposta legislativa, se tal se revelar útil e necessário. Por outras palavras, se em certos domínios o legislador considerar necessário evitar que a delegação de poderes se transforme num mandato perpétuo, pode dotar-se do direito de revogação, que de resto se pode revelar mais flexível do que uma cláusula de caducidade automática.

Isto não significa que a revogação, enquanto tal, possa ser compreendida meramente como um «substituto» das cláusulas de caducidade. Tal como se demonstra adiante (ver ponto 5.2), a revogação pode servir outros objectivos. Mas há que constatar que, com esta prerrogativa, o legislador dispõe de um mecanismo cujo efeito prático é comparável ao de uma cláusula de caducidade.

Todavia, em certos casos específicos pode ser oportuno o legislador fixar um prazo preciso para a delegação de poderes. Nesses casos, e a fim de não obrigar as instituições a recorrerem à via legislativa para renovarem a delegação a poderes, convém instaurar um mecanismo de recondução tácito, mediante a elaboração de um relatório pela Comissão, sob reserva, naturalmente, de o legislador ter a possibilidade de impedir essa renovação automática.

PROCESSO DE ADOPÇÃO DOS ACTOS DELEGADOS

Autonomia da Comissão

O artigo 290.º não contém qualquer disposição que refira directa ou indirectamente o processo de adopção dos actos delegados. Delegatária dos poderes conferidos pelo legislador, a Comissão adopta os actos necessários para alcançar os objectivos fixados pelo acto de base.

O artigo 290.º, n.º 1, relativo ao enquadramento da delegação de poderes, obriga a Comissão a respeitar os limites materiais e temporais da delegação, os quais constituem, em certa medida, o corpo do «mandato» emitido pelo legislador. Por conseguinte, o n.º 1 intervém a montante, ainda antes de a Comissão começar a elaborar um acto delegado.

Por seu lado, o n.º 2 do mesmo artigo, consagrado ao controlo que o legislador pode exercer, intervém a jusante, depois de o mandato ter sido executado, agindo quer sobre a própria delegação, que pode ser revogada se o legislador considerar que está a ser mal utilizada, quer sobre os actos delegados, relativamente aos quais podem ser apresentadas objecções uma vez adoptados, proibindo assim a sua entrada em vigor.

Em contrapartida, nenhuma destas duas disposições interfere no processo de adopção pela Comissão de um acto delegado. Por conseguinte, a Comissão dispõe de uma grande autonomia nesta matéria.

Trabalhos preparatórios da adopção dos actos delegados

A Comissão tenciona realizar o trabalho preparatório que julgar necessário para garantir, por um lado, que de um ponto de vista técnico e jurídico os actos delegados respondem perfeitamente aos objectivos fixados pelo acto de base e, por outro, que de um ponto de vista político e institucional todos os elementos estão reunidos para evitar objecções por parte do Parlamento Europeu ou do Conselho.

Com excepção dos casos em que este trabalho preparatório não necessite de uma nova consulta de peritos, a Comissão tenciona consultar sistematicamente os peritos das autoridades nacionais de todos os Estados-Membros responsáveis pela execução dos actos delegados após a adopção destes últimos. Esta consulta será realizada em tempo útil, de modo a que os peritos possam dar à Comissão uma contribuição útil e eficaz. Para tal, a Comissão poderá constituir grupos de peritos[5] ou recorrer a grupos já existentes.

A Comissão atribui a maior importância a estes trabalhos que, no plano técnico, permitem estabelecer uma parceria eficaz com os peritos das autoridades nacionais. Não obstante, convém precisar que os peritos têm um papel consultivo e não um papel institucional no âmbito do processo decisório. No termo das consultas, a Comissão informará os peritos das conclusões que considera dever extrair dos debates, das suas reacções preliminares, bem como da forma como tenciona proceder.

No domínio específico dos serviços financeiros, a Comissão comprometeu-se, aliás, a continuar a consultar os peritos designados pelos Estados-Membros para a elaboração dos seus projectos de actos delegados, de acordo com a prática estabelecida (ver Declaração n.° 39 anexada à Acta Final da Conferência Intergovernamental que aprovou o Tratado de Lisboa[6]).

Além disso e sempre que necessário, a Comissão realizará todos os estudos, análises, audições e consultas úteis, sob as formas que melhor se adaptem aos domínios em causa e aos prazos fixados.

Em geral, a Comissão tenciona instaurar um sistema de «alerta rápido» (« early warning »), a fim de permitir ao Parlamento Europeu e ao Conselho uma melhor planificação do exercício das suas prerrogativas no prazo de dois meses após a adopção dos actos delegados. Este prazo pode ser prorrogado de um mês a pedido do Parlamento Europeu ou do Conselho (cf. ponto 5.3.1). Nos dossiês considerados sensíveis, a Comissão procurará também prestar ao Parlamento Europeu e ao Conselho informações suplementares sobre os actos delegados que tenciona adoptar.

CONTROLO DOS ACTOS DELEGADOS

Considerações gerais

O artigo 290.º, n.° 2, do novo Tratado determina as duas condições a que o legislador pode submeter a delegação de poderes: o direito de revogação, por um lado, e o direito de «formular objecções», ou seja, o direito de oposição, por outro. Enquanto a oposição é uma «censura específica» dirigida contra um acto delegado claramente identificado, a revogação priva a Comissão de forma geral e absoluta dos seus poderes delegados. A oposição deve assim ser encarada como o modo de controlo «de direito comum» que o legislador exerce sobre o conjunto dos actos delegados, ao passo que a revogação se apresenta como uma medida mais excepcional, motivada, por exemplo, pela ocorrência de elementos susceptíveis de pôr em causa o próprio fundamento da delegação de poderes.

O legislador não é obrigado a impor cumulativamente estas duas condições, que são independentes uma da outra. Pode considerar que nem sempre é necessário prever a possibilidade de revogar a delegação de poderes, na medida em que esta prerrogativa, no caso de um acto abrangido pelo processo legislativo ordinário, confere a um dos dois ramos do poder legislativo o poder unilateral de tornar inoperante uma disposição adoptada conjuntamente. De igual modo, o direito de oposição poderá por vezes revelar-se difícil de utilizar, nomeadamente quando o legislador deseja conferir à Comissão o poder de adoptar actos delegados em prazos curtos e com um calendário particularmente apertado (ver pontos 5.2 e 5.3.1).

Para exercer um dos poderes de controlo que lhe são reconhecidos pelo Tratado, o Parlamento Europeu delibera por maioria dos membros que o compõem e o Conselho por maioria qualificada, em conformidade com o artigo 290.º, n.° 2, segundo parágrafo.

Direito de revogação

Pode ponderar-se o recurso ao direito de revogação nomeadamente nos casos em que o legislador deseje dispor da possibilidade de retomar, em qualquer momento, os poderes que conferiu à Comissão, a fim de ter em conta circunstâncias novas que justifiquem uma intervenção legislativa.

O legislador pode também desejar dispor do direito de revogação nos casos em que considere inútil ou pouco prático dispor do direito de oposição. São exemplos disto os casos em que a Comissão é obrigada a adoptar actos delegados submetendo-se a condicionalismos de tempo incompatíveis com o exercício de um direito de oposição pelo legislador. Na impossibilidade de poder exercer um controlo sobre cada um dos actos adoptados, tendo em conta a sua frequência, o legislador conservaria um controlo global da delegação de poderes através do direito de revogação.

Sempre que esteja previsto pelo acto legislativo, o exercício do direito de revogação deve obedecer a uma obrigação de motivação e ser precedido de um intercâmbio de informações entre instituições. Convém também prever os respectivos efeitos jurídicos.

É conveniente que a instituição que deseja retirar a sua confiança à Comissão exponha as suas razões. Tal terá um duplo interesse, já que, em primeiro lugar, permitirá à instituição que não exerce o direito de revogação compreender as razões que justificam a decisão unilateral da outra instituição de alterar o acto de base e, por outro, confere um efeito preventivo ao uso da revogação: ao expor os motivos da sua decisão, o Parlamento Europeu ou o Conselho indicam claramente à Comissão o que convém que esta faça ou não faça para evitar futuras revogações.

A instituição que tenciona proceder a uma revogação deve informar da sua intenção não só a Comissão, mas também a instituição que não exerce o direito de revogação. Será assim possível instaurar um diálogo interinstitucional antes de ser tomada a decisão de revogação. Além disso, convém que a instituição que toma a iniciativa da revogação indique expressamente quais os poderes delegados cuja revogação solicita. Com efeito, é necessário prever a hipótese de o Parlamento Europeu ou o Conselho tencionarem revogar apenas uma parte dos poderes delegados na Comissão. Ou seja, deve prever-se a possibilidade de uma «revogação parcial».

Por último, os efeitos da revogação devem estar expressamente previstos no acto de base. Pode assim ser especificado que a decisão de revogação põe termo à delegação de poderes visando expressamente as competências delegadas revogadas, mas que não afecta os actos delegados já em vigor.

Direito de oposição

Sempre que esteja previsto no acto legislativo, o direito de oposição deve obedecer a certas exigências no que se refere ao procedimento a seguir. Após ter adoptado um acto delegado, a Comissão notifica-o ao legislador - simultaneamente ao Parlamento Europeu e ao Conselho no caso de o acto de base ser abrangido pelo processo legislativo ordinário. O direito de oposição será então desencadeado e funcionará como uma condição suspensiva: a entrada em vigor do acto delegado adoptado pela Comissão será suspensa por um período especificado no acto legislativo, durante o qual o legislador terá o direito de se opor.

Além disso, a Comissão tomará todas as medidas necessárias para que os actos delegados sejam tornados públicos a contar da sua adopção.

Prazos

O prazo de que o legislador dispõe para examinar o acto delegado será fixado no acto de base. O legislador terá liberdade para determinar, caso a caso, o prazo que julga necessário. Todavia, a Comissão considera que convém evitar fixar limites temporais totalmente diferentes nos vários domínios em causa, excepto se tal se justificar plenamente à luz da urgência das medidas a tomar – caso em que seria necessário fixar prazos mais curtos - ou, pelo contrário, devido à extrema complexidade dos actos que a Comissão tem a responsabilidade de adoptar - caso em que seria útil prolongar o período de exame.

O prazo de oposição começaria a correr a partir da transmissão pela Comissão do acto delegado adoptado em todas as línguas oficiais da União.

A experiência adquirida com o PRCC demonstra que o prazo de três meses actualmente previsto para exercer o direito de oposição excede o que seria necessário, na medida em que o Parlamento e o Conselho conseguem muitas vezes determinar mais rapidamente se o acto em causa é susceptível de levantar dificuldades. Na maioria dos casos, o prazo de três meses torna-se portanto um simples prazo processual que atrasa a entrada em vigor do acto, sem trazer qualquer verdadeiro valor acrescentado.

Por conseguinte, a Comissão privilegia um sistema segundo o qual o prazo de oposição é fixado em dois meses, podendo contudo ser prolongado automaticamente por um mês por iniciativa do Parlamento Europeu ou do Conselho. Este mecanismo permitiria assim aumentar a eficácia dos procedimentos sem pôr em causa o princípio de um prazo global de três meses. Em casos específicos, em que a complexidade ou a sensibilidade das matérias sobre as quais a delegação é atribuída à Comissão tornem o prazo de dois meses insuficiente para permitir ao Parlamento Europeu e ao Conselho exercerem as suas prerrogativas, pode ser oportuno prever um prazo fixo de três meses.

Além disso, é necessário prever a possibilidade de as duas instituições decidirem informar a Comissão de que não se oporão ao acto delegado antes de o prazo legal ter chegado ao termo, permitindo assim a entrada em vigor imediata do acto.

É evidente que este dispositivo normalizado não será adaptado a todos os domínios de intervenção. Certas políticas exigem que a Comissão actue muito rapidamente, mesmo em casos não urgentes. Nesses casos, o legislador poderá ser convidado a reduzir consideravelmente a duração do prazo de controlo, ou mesmo a abdicar do mesmo, se dispuser também de um direito de revogação (ver ponto 5.2).

Motivos

O artigo 290.º do TFUE não enumera os motivos com base nos quais o legislador se pode opor a um acto delegado. O direito de exprimir objecções, que constitui para o legislador o controlo de «direito comum» sobre a delegação de poderes, deverá, por conseguinte, em princípio, depender do poder discricionário do Parlamento Europeu e do Conselho.

Todavia, a instituição que se opõe deve expor as razões que justificam a sua decisão. Estes motivos devem ser expostos na decisão do Conselho ou na resolução do Parlamento Europeu que formaliza as suas objecções. Tal prática evitará à Comissão prosseguir na via que levou o Parlamento Europeu ou o Conselho a emitirem objecções. Se, por exemplo, a instituição que emitiu objecções expuser claramente que a Comissão excedeu o quadro da delegação de poderes, tal permitirá à Comissão, se necessário, optar pela via legislativa.

Efeitos da oposição

Um acto delegado ao qual o Parlamento Europeu ou o Conselho se tenha oposto não pode entrar em vigor. Seguidamente, a Comissão tem possibilidade de adoptar um novo acto delegado, alterado se for caso disso para ter em conta as objecções emitidas, ou de apresentar uma proposta legislativa conforme com os Tratados, no caso de as objecções se basearem no facto de os poderes delegados terem sido excedidos. Outra possibilidade é a Comissão renunciar totalmente à acção.

Procedimento de urgência

A Comissão considera que, em certos casos, a adopção e a entrada em vigor de um acto delegado sujeito ao direito de oposição podem revelar-se particularmente urgentes. Por exemplo, no auge da crise financeira do Outono de 2008, foi necessário alterar certas normas contabilísticas o mais rapidamente possível. Os prazos previstos no PRCC, aplicáveis no caso vertente, tiveram de ser sensivelmente encurtados para que as medidas fossem tomadas e aplicadas no mais curto prazo.

Por conseguinte, o exercício normal do direito de oposição pode revelar-se incompatível com a urgência da situação em causa. É por este motivo que a Comissão considera essencial instaurar um procedimento de urgência cujo uso poderá ser previsto pelo legislador.

Existem várias formas de organizar este procedimento. Uma delas consiste em encurtar ao mínimo essencial o prazo de oposição. Deste modo, por razões de urgência imperiosas, um acto delegado adoptado pela Comissão poderia, por exemplo, entrar em vigor oito dias após a sua transmissão ao Parlamento Europeu e ao Conselho. Esta abordagem tem a vantagem de ser simples e de não alterar o circuito processual tradicional. No entanto, corre o risco de tornar perfeitamente ilusório o direito de oposição do legislador, que terá grandes dificuldades em emitir objecções num prazo tão curto.

A Comissão gostaria portanto de privilegiar outra abordagem, que lhe permitiria adoptar, fazer entrar em vigor e aplicar imediatamente um acto delegado, que ficaria no entanto sujeito ao direito de oposição. Este acto seria imediatamente notificado ao legislador e seria aplicado enquanto não fosse feita qualquer objecção pelo Parlamento Europeu ou pelo Conselho num prazo que pode ser fixado em seis semanas. No caso de serem emitidas objecções, o acto delegado deixaria de se aplicar.

CONCLUSÃO

A presente comunicação tem em conta os contactos exploratórios com os serviços do Parlamento Europeu e as discussões com o Conselho nas semanas que antecederam a sua adopção. A Comissão considera que a presente comunicação permitirá às três instituições organizarem da forma mais harmoniosa possível as delegações de poderes conferidas ao abrigo do artigo 290.º do novo Tratado.

Em conformidade com as orientações apresentadas na presente comunicação, a Comissão apresenta em anexo alguns modelos de artigos para os futuros actos legislativos que lhe conferirão o poder de adoptar actos delegados.

ANEXO

Modelos

Os presentes modelos estabelecem uma formulação normalizada para os artigos de um acto de base no qual o legislador define os limites da delegação de poderes e fixa as condições a que a delegação obedece. Estes modelos não dizem respeito aos actos delegados em si. Todavia, a Comissão gostaria de esclarecer desde já que os actos delegados conterão considerandos específicos que explicarão a sua razão de ser. Os actos delegados serão igualmente acompanhados de uma exposição de motivos que apresentará mais pormenorizadamente os fundamentos do acto e que fornecerá informações sobre o trabalho preparatório realizado pela Comissão, sempre que pertinente.

Considerando

A Comissão deve ter poderes para adoptar actos delegados em conformidade com o artigo 290.º do Tratado no que diz respeito a […].

Artigos que delegam poderes

(Uma ou mais disposições delegam poderes na Comissão no acto de base. Estas disposições estabelecem os objectivos, o conteúdo e o âmbito de aplicação dos poderes delegados e fazem referência ao artigo A.)

Artigo A Exercício da delegação

1. O poder de adoptar os actos delegados referidos nos artigos [ menção do ou dos artigos que delegam poderes ] é conferido à Comissão por

Opção 1

um prazo indeterminado.

Opção 2

um período de [X] anos após a entrada em vigor de […]. A Comissão apresenta um relatório relativo aos poderes delegados o mais tardar [X] meses antes do final do período de [X] anos. A delegação de poderes é renovada automaticamente por períodos com igual duração, salvo se o Parlamento Europeu ou o Conselho a revogarem em conformidade com o artigo B.

2. Assim que adoptar um acto delegado, a Comissão notifica-o simultaneamente ao Parlamento Europeu e ao Conselho.

3. O poder de adoptar actos delegados conferido à Comissão está sujeito às condições estabelecidas nos artigos [B] [e] [C]. [Sempre que razões de urgência imperiosas o exijam, é aplicável o artigo D.][7]

Artigo B Revogação da delegação

1. A delegação de poderes referida nos artigos [ menção do ou dos artigos que delegam poderes ] pode ser revogada pelo Parlamento Europeu ou pelo Conselho.

2. A instituição que der início a um procedimento interno para decidir se tenciona revogar a delegação de poderes informa o outro legislador e a Comissão, o mais tardar um mês antes de tomar uma decisão final, indicando os poderes delegados que poderão ser objecto de revogação, bem como os motivos da mesma.

3. A decisão de revogação põe termo à delegação dos poderes especificados na presente decisão. Entra em vigor imediatamente ou numa data posterior especificada na mesma, mas não afecta os actos delegados já em vigor. É publicada no Jornal Oficial da União Europeia .

Artigo C Objecções aos actos delegados

1. O Parlamento Europeu e o Conselho podem formular objecções ao acto delegado

Opção 1

no prazo de dois meses a contar da data de notificação. Por iniciativa do Parlamento Europeu ou do Conselho, este prazo é prolongado por um mês.

Opção 2

no prazo de três meses a contar da data de notificação.

2. Se, no termo deste prazo, nem o Parlamento Europeu nem o Conselho tiverem formulado objecções ao acto delegado ou se, antes dessa data, o Parlamento Europeu e o Conselho tiverem informado a Comissão de que decidiram não formular objecções, o acto delegado entra em vigor na data prevista nas suas disposições.

3. Se o Parlamento Europeu ou o Conselho formularem objecções ao acto delegado, este último não entra em vigor. A instituição que formular objecções ao acto delegado expõe os motivos das mesmas.

Artigo D Procedimento de urgência[8]

1. Um acto delegado adoptado segundo o procedimento de urgência entra em vigor imediatamente e é aplicável desde que não tenha sido formulada qualquer objecção em conformidade com o n.° 2. A notificação do acto ao Parlamento Europeu e ao Conselho expõe os motivos que justificam o recurso ao procedimento de urgência.

2. O Parlamento Europeu e o Conselho podem, no prazo de [seis semanas] a contar da data de notificação, formular objecções ao acto delegado. Nesse caso, o acto deixa de ser aplicado. A instituição que formular objecções ao acto delegado expõe os motivos das mesmas.

[1] JO C 306 de 17.12.2007.

[2] Resolução do Parlamento Europeu de 7 de Maio de 2009, sobre as novas competências e responsabilidades do Parlamento por força do Tratado de Lisboa.

[3] JO L 184 de 17.7.1999, p. 23. Versão consolidada, tal como alterada pela Decisão 2006/512/CE, publicada no JO C 255 de 21.10.2006, p. 4.

[4] JO L 200 de 22.7.2006, p. 11.

[5] Como se verifica com todos os grupos de peritos, as informações pertinentes relativas aos grupos assim constituídos serão colocadas à disposição do público através do registo dos grupos de peritos.

[6] JO C 115 de 9.5.2008, p. 350.

[7] Esta última frase é introduzida unicamente nos actos de base que prevêem um procedimento de urgência.

[8] As disposições que remetem para este artigo contêm uma menção clara de «razões de urgência imperiosas».