52009DC0179

Relatório da Comissão ao Conselho nos termos do artigo 8.º da Directiva 2003/49/Ce do Conselho relativa a um regime fiscal comum aplicável aos pagamentos de juros e royalties efectuados entre sociedades associadas de Estados Membros diferentes /* COM/2009/0179 final */


[pic] | COMISSÃO DAS COMUNIDADES EUROPEIAS |

Bruxelas, 17.4.2009

COM(2009) 179 final

RELATÓRIO DA COMISSÃO AO CONSELHO

nos termos do artigo 8.º da Directiva 2003/49/CE do Conselho relativa a um regime fiscal comum aplicável aos pagamentos de juros e royalties efectuados entre sociedades associadas de Estados-Membros diferentes

RELATÓRIO DA COMISSÃO AO CONSELHO

nos termos do artigo 8.º da Directiva 2003/49/CE do Conselho relativa a um regime fiscal comum aplicável aos pagamentos de juros e royalties efectuados entre sociedades associadas de Estados-Membros diferentes

1. SÍNTESE

O artigo 8.º da Directiva 2003/49/CE do Conselho relativa a um regime fiscal comum aplicável aos pagamentos de juros e royalties efectuados entre sociedades associadas de Estados-Membros diferentes («Directiva juros e royalties » ou «a directiva»)[1] exige que a Comissão apresente «ao Conselho um relatório sobre a aplicação da (…) directiva, tendo em vista nomeadamente alargar o seu âmbito de aplicação a outras sociedades ou empresas não abrangidas pelo artigo 3.º e pelo anexo.» Em resposta, a Comissão examinou a oportunidade e integralidade da aplicação, bem como as questões de interpretação e melhorias possíveis ao texto existente, incluindo o alargamento do âmbito de aplicação da directiva. O relatório conclui que, embora a directiva tenha, de um modo geral, sido aplicada oportunamente e na íntegra, são necessárias orientações e coordenação no que respeita a certos conceitos-chave, assim como ao âmbito de melhoria do texto actual.

2. ANTECEDENTES

A DIRECTIVA FOI ADOPTADA EM 3 DE JUNHO DE 2003. O PRAZO DE EXECUÇÃO ERA 1 DE JANEIRO DE 2004. FOI POSTERIORMENTE ALTERADA PELAS DIRECTIVAS 2004/66/CE [2] e 2004/76/CE[3] do Conselho. A primeira alarga a aplicação da directiva às empresas e aos impostos dos novos Estados-Membros, enquanto a segunda concede a alguns novos Estados-Membros derrogações temporárias de uma ou mais disposições da directiva. Ambas as directivas modificativas deviam ter sido aplicadas até 1 de Maio de 2004.

Tendo em conta o relatório do artigo 8.º, a Comissão solicitou ao Instituto Internacional de Documentação Fiscal (IBFD) que realizasse um inquérito sobre a aplicação destas directivas. A informação que se pretendia obter com o inquérito destinava-se a permitir à Comissão avaliar a necessidade de:

- actuação para garantir o cumprimento das obrigações dos Estados-Membros nos termos da directiva e do Tratado;

- orientação para a aplicação de cada uma das disposições da directiva;

- legislação suplementar no domínio abrangido pela directiva.

Foi acordado que o inquérito deve abranger apenas 20 Estados-Membros, excluindo, assim, cinco Estados-Membros (Grécia, Letónia, Lituânia, Polónia e Portugal) que beneficiam de derrogações transitórias, uma vez que ainda não existe qualquer obrigação de esses Estados-Membros aplicarem a directiva na íntegra. Embora o inquérito tenha sido concluído antes da adesão da Bulgária e da Roménia à União Europeia, deve ter-se em conta que esses Estados-Membros também beneficiam de derrogações transitórias[4].

3. A DIRECTIVA

3.1. Objecto e âmbito de aplicação

O objectivo da directiva consiste em colocar os pagamentos transfronteiras de juros e royalties em plano de igualdade com os pagamentos internos, mediante a dupla tributação jurídica e a eliminação dos inconvenientes relativos aos fluxos de tesouraria.

Outra preocupação é que esses pagamentos não escapem por completo à tributação. Em conformidade com o considerando 3, esses pagamentos devem ser «sujeitos a uma única tributação num Estado-Membro.»

O mecanismo consiste em isentar da tributação na origem os pagamentos de juros e royalties , quer por liquidação quer por retenção de imposto na fonte, tentando ao mesmo tempo assegurar que o beneficiário efectivo dos pagamentos seja tributado no seu Estado-Membro de residência ou, no caso dos estabelecimentos permanentes, no Estado-Membro em que se situam. A directiva prevê um procedimento de reembolso para os casos em que o imposto tiver sido retido na fonte.

Ao tributar o beneficiário efectivo no Estado-Membro de residência – no caso dos estabelecimentos permanentes, no Estado-Membro em que se situam – garante-se que esse rendimento é tributado na mesma jurisdição em que as respectivas despesas são dedutíveis (ou seja, o custo da angariação de capital, no caso de rendimento dos juros, e as despesas de investigação e desenvolvimento, no caso de royalties ).

3.2. Aplicação

A maior parte dos 20 Estados-Membros abrangidos pelo inquérito parece ter aplicado a directiva dentro do prazo legalmente previsto. Dos Estados-Membros que não o fizeram, todos, com uma excepção apenas, tornaram as regras de aplicação nacionais aplicáveis retroactivamente a partir de 1 de Janeiro de 2004.

No que respeita às implicações práticas da directiva, o inquérito mostra que dez Estados-Membros não cobram, actualmente, imposto por retenção na fonte sobre os pagamentos de juros ao exterior (havendo outros dois Estados-Membros que concedem amplas isenções) e que seis Estados-Membros não cobram imposto por retenção na fonte sobre os pagamentos de royalties (com uma excepção, no caso de um Estado-Membro, para royalties relativos a patentes).

Note-se, neste contexto, que a directiva é pertinente mesmo para os Estados-Membros que não cobram impostos por retenção na fonte (ou por liquidação) sobre os pagamentos de juros ou royalties , uma vez que os artigos 4.º e 5.º limitam a responsabilidade de todos os Estados-Membros à reclassificação do pagamento de juros ou royalties como distribuições de lucros e à cobrança de impostos sobre os mesmos.

3.3. Questões específicas de interpretação e aplicação

3.3.1. N. os 1, 4 e 5 do artigo 1.º – «Beneficiário efectivo»

A condição para se ser considerado como beneficiário efectivo pretende garantir que não são injustamente obtidas isenções ao abrigo da directiva através da interposição artificial de um intermediário.

Embora haja diferenças de redacção entre os critérios para que as empresas e os estabelecimentos permanentes sejam considerados como beneficiários efectivos, a diferença essencial reside na referência ao «…rendimento colectável no Estado-Membro em que [o estabelecimento permanente] está situado para efeitos de um dos impostos…» . A directiva clarifica aqui que os pagamentos como tais devem ser tributados ao beneficiário efectivo.

Os Estados-Membros abrangidos pelo inquérito adoptaram abordagens diferentes no que respeita aos critérios de beneficiário efectivo. No que se refere às empresas, alguns Estados-Membros optaram por não transpor de todo a definição do n.º 4 do artigo 1.º, outros basearam-se em definições internas e outro grupo de Estados-Membros fez a sua transposição com alguns desvios. No que respeita aos estabelecimentos permanentes, alguns Estados-Membros optaram por não transpor de todo o n.º 5 do artigo 1.º ou fizeram a sua transposição com variações nacionais.

Essas diferenças de abordagem podem levar à recusa de isenção num Estado-Membro, mas à concessão, em circunstâncias idênticas, noutro Estado-Membro. Apesar dos comentários de alguns Estados-Membros afirmando que se trata essencialmente de uma questão de avaliação caso a caso, mantém-se que o termo, tal como utilizado no contexto da directiva, é uma questão de direito comunitário e a sua interpretação deve ser uniforme em toda a Comunidade. A coexistência de 27 interpretações potencialmente diferentes comprometeria a eficácia da directiva.

As soluções possíveis incluem o desenvolvimento de orientações através da discussão num grupo de trabalho técnico ou da alteração das definições para as tornar mais precisas.

3.3.2. N.º 3 do artigo 1.º – Estabelecimentos permanentes – «Despesa dedutível para efeitos fiscais»

No caso dos pagamentos efectuados pelos estabelecimentos permanentes, a obrigação de o Estado de origem se abster da tributação torna-se uma condição para que esses pagamentos representem uma despesa dedutível para efeitos fiscais para o pagador.

Fica claro, neste contexto, que o objectivo do requisito de «dedutibilidade para efeitos fiscais» é assegurar que os benefícios da directiva aumentam apenas no que respeita aos pagamentos que representam despesas atribuíveis a estabelecimentos permanentes. Contudo, na sua redacção, a disposição aplicar-se-á igualmente a casos em que a dedução seja recusada por outros motivos.

Embora o IBFD não tenha detectado, nos Estados-Membros inquiridos, casos de recusa de isenção por o pagamento ser uma despesa não dedutível, não pode excluir-se que tais casos possam vir a ocorrer e que o Estado de acolhimento do estabelecimento permanente possa, nessa situação, aplicar um imposto por retenção na fonte sobre o pagamento.

A fim de evitar uma diferença de tratamento injustificável, por exemplo, entre uma filial e um estabelecimento permanente, pode considerar-se a reformulação do n.º 3 do artigo 1.º no intuito de o tornar mais preciso.

3.3.3. N.º 10 do artigo 1.º – Período de participação

Onze dos 20 Estados-Membros inquiridos recorreram à opção prevista no n.º 10 do artigo 1.º de impor um prazo mínimo como condição para tirar partido dos benefícios da directiva. De acordo com o inquérito, três destes Estados-Membros exigem que esta condição seja satisfeita na altura do pagamento, sem que uma satisfação posterior dessa condição possa ser tida em conta retroactivamente.

Este requisito parece incompatível com o objectivo da directiva em geral e do n.º 10 do artigo 1.º em especial, assim como com a jurisprudência pertinente do TJE. No processo Denkavit , relativo à opção do período de participação previsto no n.º 2 do artigo 3.º da Directiva «sociedades-mãe/filiais», o Tribunal concluiu que, enquanto derrogação ao princípio da isenção de impostos por retenção na fonte estabelecido por essa directiva, a opção do período de participação devia ser objecto de interpretação estrita[5]. Notou ainda que a disposição em questão tinha em vista « combater os abusos que resultem de participações adquiridas no capital de sociedades com o único objectivo de aproveitar os benefícios fiscais previstos, e que não se destinam a manter-se »[6].

Estas conclusões têm aplicação directa na interpretação do n.º 10 do artigo 1.º da directiva. Tal como no caso do n.º 2 do artigo 3.º da Directiva «sociedades-mãe/filiais», o n.º 10 do artigo 1.º constitui uma derrogação ao princípio da isenção de impostos por retenção na fonte e deve, por isso, ser objecto de interpretação estrita. Partilha igualmente do objectivo do n.º 2 do artigo 3.º, ou seja, combater o aproveitamento abusivo dos benefícios da directiva através de participações temporárias, meramente motivadas por razões fiscais. Esse objectivo é alcançado se a participação se mantiver durante o período mínimo exigido, independentemente de esse período já ter terminado na altura do pagamento ou de só terminar posteriormente, por exemplo, na data em que for apresentado um pedido de isenção.

O TJE afirmou que os Estados-Membros não são obrigados a conceder a isenção desde o início do período de participação sem que esteja garantida a possibilidade de obterem o pagamento posterior do imposto, se a participação não se mantiver durante o período mínimo, ou a conceder imediatamente a isenção com base num compromisso unilateral pela empresa-mãe[7]. Contudo, este acórdão foi emitido antes de o Conselho alterar a Directiva 76/308/CEE com o objectivo de alargar o âmbito de cooperação administrativa na cobrança de créditos de impostos sobre o rendimento[8]. Este novo contexto jurídico pode alterar as obrigações dos Estados-Membros ao abrigo da directiva, uma vez que dispõem agora de novos instrumentos para a recuperação de dívidas fiscais.

3.3.4. Artigo 2.º – «Juros» e «Royalties»

O inquérito não revelou discrepâncias significativas entre a definição de «juros» da alínea a) do artigo 2.º e as definições usadas no contexto da legislação nacional que faz a transposição da directiva. Também não parecem existir diferenças óbvias entre a definição da alínea a) do artigo 2.º e a do artigo 11.º do Modelo de Convenção Fiscal sobre o Rendimento e o Património da OCDE que pode ser pertinente para efeitos de aplicação da directiva.

De acordo com o inquérito, os dois Estados-Membros aplicaram uma definição de royalties mais restritiva que a da alínea b) do artigo 2.º Deste modo, alguns pagamentos de royalties desses Estados-Membros poderiam, nessa altura, ter sido ser sujeitos a imposto por retenção na fonte, em função do teor da legislação nacional e das convenções em matéria de dupla tributação aplicáveis. Após a conclusão do inquérito, um Estado-Membro alterou a sua legislação, a fim de alinhar a sua definição nacional com a da directiva.

A definição contida na alínea b) do artigo 2.º é precisa e inequívoca. Consequentemente, os Estados-Membros só podem desviar-se dessa definição se isso implicar a concessão de isenções idênticas ou mais generosas que as prescritas pela directiva.

3.3.5. Alínea a) do artigo 3.º – «Sociedade de um Estado-Membro»

3.3.5.1. Anexo – Lista das entidades

Diversos Estados-Membros decidiram alargar os benefícios da directiva aos pagamentos de um conjunto mais amplo de entidades do que as que constam do anexo, mantendo simultaneamente os requisitos do anexo no que diz respeito aos destinatários dos pagamentos.

3.3.5.2. Entidades transparentes

É concebível que uma ou mais das entidades constantes do anexo possam ser consideradas transparentes do ponto de vista fiscal por um Estado-Membro diferente daquele em que a entidade se encontra registada ou constituída.

A directiva não contém disposições que permitam aos Estados-Membros «ver através» das entidades não residentes admissíveis[9]. Daí decorre que um Estado-Membro não dispõe de base jurídica para recusar a aplicação da directiva a uma entidade não residente que cumpra os requisitos do artigo 3.º

Contudo, mesmo que fosse permissível aplicar uma abordagem baseada na transparência, a lógica dessa abordagem exigiria que o Estado-Membro em questão alargasse os benefícios da directiva ao sócio/accionista. Esse ponto de vista seria coerente com a posição tomada no Relatório da OCDE sobre parceria e nos comentários sobre o artigo 1.º do Modelo de Convenção Fiscal sobre o Rendimento e o Património[10].

3.3.5.3. Local de direcção efectiva

Constata-se que três dos Estados-Membros inquiridos exigem como condição para conceder uma isenção que a empresa que recebe um pagamento esteja sujeita ao imposto sobre as sociedades no Estado-Membro em que se encontra a sua direcção efectiva. Tal poderá levar a uma recusa dos benefícios da directiva numa situação em que, por exemplo, tanto o Estado-Membro em que a empresa foi constituída, como aquele em que se situa a sua direcção efectiva se baseie, na sua legislação nacional, no local de constituição como factor relevante para a determinação do domicílio fiscal.

Não há, no texto da directiva, qualquer disposição que sustente a imposição de um critério de domicílio fiscal que seja preferível a outro. Se a empresa for residente apenas num Estado-Membro, não importa se o critério aplicado pelo Estado-Membro de residência é o local de constituição ou o local de direcção efectiva. Se a empresa tiver dupla residência, a regra decisiva da convenção em matéria de dupla tributação aplicável determinará normalmente o domicílio com base no critério do «local de direcção efectiva». Nesta situação, pode ser razoável esperar que a empresa esteja « sujeita a um dos impostos a seguir enumerados, sem beneficiar de qualquer isenção » [subalínea iii) da alínea a) do artigo 3.º] no Estado-Membro em que a empresa tem o seu local de direcção efectiva[11].

3.3.5.4. Condições de sujeição ao imposto

Embora, aparentemente, a maioria dos Estados-Membros aplique uma condição «subjectiva» de sujeição ao imposto – ou seja, aplica-se à própria empresa e não ao pagamento específico de juros ou royalties – alguns Estados-Membros exigem que é o próprio pagamento que deve ser sujeito ao imposto (condição «objectiva» de sujeição ao imposto).

De acordo com o inquérito, há um Estado-Membro que exige que a empresa não disponha da opção de isenção. Esse Estado-Membro exige, ademais, que a empresa esteja sujeita, no seu Estado-Membro de residência, a um imposto da mesma natureza ou de natureza semelhante ao imposto sobre o rendimento no primeiro Estado-Membro.

Não há, na directiva, disposições que sustentem qualquer um destes requisitos. Pelo contrário, as condições da alínea a) do artigo 3.º são exaustivas, não deixando assim margem para a imposição de outras condições e restrições.

3.3.6. Alínea b) do artigo 3.º – «Sociedade associada»

3.3.6.1. Limiar de participação

Segundo o inquérito, nenhum Estado-Membro tinha baixado o limiar de participação directa de 25%, embora um Estado-Membro aceitasse participações indirectas. Contudo, diversos Estados-Membros tinham passado de um critério em termos do «capital» para um critério em termos dos «direitos de voto» ou permitiam a utilização alternativa de um ou outro critério.

O inquérito constatou que um Estado-Membro exige que sejam simultaneamente satisfeitos ambos os critérios, em termos do «capital» e dos «direitos de voto». Não há, na directiva, disposições que sustentem este duplo requisito.

3.3.6.2. Empresas «envolvidas»

Um Estado-Membro alargou o âmbito de isenção disponível ao abrigo da directiva, dispensando o requisito de a empresa-mãe comum, na situação descrita na subalínea iii) da alínea b) do artigo 3.º, ser residente na UE. Os Estados-Membros podem ser mais generosos que a directiva.

3.3.7. Alínea c) do artigo 3.º – Estabelecimento permanente - Definição

A definição de estabelecimento permanente é claramente decalcada da do artigo 5.º do Modelo de Convenção Fiscal sobre o Rendimento e o Património da OCDE, mas sem reproduzir a lista de exemplos e excepções contidos nos n.os 2 a 7 do artigo 5.º

O facto de a definição da directiva diferir um pouco da do n.º 2 do artigo 2.º da Directiva «sociedades-mãe/filiais» e de nenhuma das duas definições reproduzir exactamente o artigo 5.º do Modelo de Convenção Fiscal sobre o Rendimento e o Património da OCDE pode criar uma situação de insegurança jurídica, em especial no que diz respeito à situação dos estabelecimentos permanentes que são também representantes dependentes.

Para a aplicação da directiva, a maior parte dos Estados-Membros optou por seguir a definição geral de estabelecimento permanente contida na sua respectiva legislação fiscal nacional. Todavia, cinco Estados-Membros introduziram uma definição específica para efeitos de aplicação da directiva.

3.3.8. N.º 2 do artigo 4.º – Exclusão de pagamentos como juros ou royalties

O n.º 2 do artigo 4.º é uma disposição relativa aos preços de transferência. Como se conclui do comentário sobre este artigo contido no COM (1998) 67 final, ele pretende também ser uma disposição em matéria de subcapitalização. No mesmo comentário, afirma-se que devem ser concedidos a qualquer montante reclassificado como distribuição de lucros os benefícios da Directiva «sociedades-mãe/filiais»[12].

O inquérito constatou que um Estado-Membro estaria a negar os benefícios da Directiva «sociedades-mãe/filiais» aos pagamentos de juros e royalties reclassificados como distribuição de lucros oculta, considerando que, na jurisprudência nacional, essas distribuições não se podem considerar dividendos. Contudo, esse Estado-Membro considera-se incapaz de aplicar um imposto por retenção na fonte se existir uma convenção em matéria de dupla tributação, uma vez que não se aplicaria o artigo da convenção relativo aos dividendos[13].

É necessário examinar o tratamento fiscal dos montantes excessivos de juros ou royalties , quer sejam ou não reclassificados como distribuição de lucros. Em função das circunstâncias, poderá também haver uma questão de discriminação perante o tratamento dos pagamentos nacionais semelhantes.

Neste contexto, deve notar-se que o Tribunal constatou que a aplicação discriminatória de disposições em matéria de subcapitalização que envolvam um rácio capitais próprios/capitais alheios, sem uma cláusula de saída, constitui uma restrição desproporcionada da liberdade de estabelecimento e, por isso, injustificável[14].

3.3.9. Artigo 5.º – Fraudes e abusos

Segundo parece, vários Estados-Membros dão ao artigo 5.º uma interpretação que autoriza a recusa de isenção nos casos em que a empresa beneficiária seja controlada por um residente num país terceiro.

Verifica-se ainda que um Estado-Membro parece recusar os benefícios da directiva a uma empresa beneficiária de outro Estado-Membro que seja detida ou controlada por uma pessoa habitualmente residente ou domiciliada no primeiro Estado-Membro.

A alínea b) do artigo 3.º exige que as « participações devem referir-se apenas a sociedades domiciliadas no território da Comunidade ». A directiva não estipula, porém, que uma empresa-mãe que receba um pagamento de juros ou de royalties de uma filial que detém parcial ou completamente tenha de ser controlada por um residente na UE (ou por um residente de um Estado-Membro diferente do da filial) para que o pagamento seja passível de isenção.

O artigo 5.º deve, além disso, ser interpretado tendo em conta a jurisprudência pertinente do TJE relativa a práticas abusivas, que exige medidas adequadas e proporcionais neste domínio[15]. É pouco provável que uma legislação nacional ou uma disposição em matéria de dupla tributação que recuse isenções meramente com base no facto de a empresa-mãe ser controlada por um residente num país terceiro – ou por um dos seus próprios residentes – cumpra o critério de proporcionalidade, na medida em que « não tem por objectivo específico excluir (…) os expedientes puramente artificiais »[16].

Deve recordar-se que a condição de «beneficiário efectivo» do artigo 1.º foi especificamente concebida para combater as situações de existência de intermediários fictícios. Pode, por isso, duvidar-se se uma empresa que cumpre o critério de «beneficiário efectivo» se pode considerar um intermediário fictício, para efeitos de aplicação do artigo 5.º

3.4. Aspectos não focados no inquérito

3.4.1. Pagamentos intra-empresa

O âmbito da directiva está actualmente limitado aos pagamentos entre entidades jurídicas distintas. Não abrange, por isso, as situações intra-empresa, como os pagamentos reais ou nocionais entre a sede e um estabelecimento permanente ou entre dois estabelecimentos permanentes da mesma empresa.

No contexto do trabalho da OCDE sobre a atribuição de lucros aos estabelecimentos permanentes, surgiu a seguinte questão: nos termos das convenções em matéria de dupla tributação, o Estado de origem (normalmente, o Estado do estabelecimento permanente) terá direito a aplicar um imposto por retenção na fonte, ou outra forma de tributação na fonte, nos pagamentos nocionais de juros ou de royalties à sede ou a outro estabelecimento permanente da mesma empresa?

Esta questão ainda está a ser debatida, mas alguns países da OCDE mostraram-se inclinados a aplicar um imposto por retenção na fonte em relação a este tipo de pagamentos.

A tributação na fonte dos pagamentos intra-empresa criaria desvantagens para os investimentos transfronteiras semelhantes ou idênticas às que levaram à adopção da directiva. Parece, por isso, adequado que se considere o alargamento do âmbito de aplicação da directiva, a fim de cobrir esses pagamentos.

3.4.2. Participações

Limiar : A alínea b) do artigo 3.º da directiva estipula actualmente que as «participações», na acepção dessa mesma disposição, devem respeitar um limiar mínimo de 25% do capital ou dos direitos de voto. Nos termos do artigo 3.º da Directiva «sociedades-mãe/filiais», que inclui uma disposição semelhante, o limiar para as «participações» foi gradualmente reduzido de 25% para 10% do capital ou dos direitos de voto, desde 2009 (cf. também n.º 2 do artigo 7.º da Directiva «fusões»).

Assim, apesar de as três directivas comunitárias relativas ao imposto sobre as sociedades partilharem o objectivo de criar condições análogas às do mercado interno, um grupo de empresas na acepção das duas últimas directivas não é exactamente o mesmo que um grupo de empresas na acepção da Directiva «Juros e Royalties », aumentando, assim, os custos de planeamento e de conformidade das empresas envolvidas em operações transfronteiras.

A diferença de limiares pode originar resultados incongruentes, por exemplo, no contexto de uma reclassificação de um pagamento de juros ou de royalties como distribuição de lucros. Um pagamento de juros ou de royalties entre sociedades associadas através de uma «participação» de, pelo menos, 10%, mas inferior a 25%, não seria elegível para isenção ao abrigo da Directiva «Juros e Royalties », mas poderia ser contemplado com uma isenção ao abrigo da Directiva «sociedades-mãe/filiais», se reclassificado como uma distribuição de lucros.

Participações indirectas : O âmbito de aplicação da directiva está actualmente limitado às participações directas, ao passo que o da Directiva «sociedades-mãe/filiais» não tem a mesma restrição. Uma vez que ambas as directivas partilham do mesmo objectivo – ou seja, eliminar a dupla tributação – não há justificação óbvia para esta diferença.

Alargamento do âmbito de aplicação : Embora a eliminação das incoerências relativas aos limiares e às participações directas/indirectas representasse uma melhoria significativa da situação existente, pode deduzir-se do artigo 8.º, conjugado com os considerandos 2, 4 e 9, que se pretendia que a directiva viesse a incluir as sociedades não associadas e que a limitação actual às sociedades associadas deveria ser vista apenas como uma primeira etapa experimental. É óbvio que os pagamentos entre entidades não associadas enfrentam os mesmos obstáculos transfronteiras que as transacções entre sociedades associadas: dupla tributação internacional, formalidades administrativas onerosas e problemas relativos aos fluxos de tesouraria.

No que respeita aos pagamentos de royalties , um alargamento do âmbito de aplicação da directiva às sociedades não associadas seria coerente com o objectivo do artigo 163.º do Tratado CE de «… reforçar as bases científicas e tecnológicas da indústria comunitária e fomentar o desenvolvimento da sua capacidade concorrencial internacional…» .

Saliente-se ainda que o alargamento do âmbito de aplicação seria coerente com os artigos 11.º e 12.º do Modelo de Convenção Fiscal sobre o Rendimento e o Património da OCDE, que não fazem distinção entre sociedades associadas e não associadas.

Por último, há que ter em conta a incidência orçamental de um eventual alargamento do âmbito de aplicação. Contudo, deve sublinhar-se que essa incidência poderá ser limitada, uma vez que a maioria dos Estados-Membros já renuncia no todo ou em parte aos seus direitos de tributação, quer através de legislação nacional quer nas suas convenções em matéria de dupla tributação com outros Estados-Membros.

4. CONCLUSÃO

EMBORA MOSTRE QUE A APLICAÇÃO FOI, DE UM MODO GERAL, SATISFATÓRIA, O INQUÉRITO TAMBÉM DESTACOU ALGUNS CASOS DE TRANSPOSIÇÃO E DE INTERPRETAÇÃO QUESTIONÁVEIS, POR EXEMPLO NO QUE SE REFERE AO PERÍODO DE PARTICIPAÇÃO MÍNIMO, AO DOMICÍLIO FISCAL DO BENEFICIÁRIO EFECTIVO, AO LIMIAR DE PARTICIPAÇÃO, À RECLASSIFICAÇÃO DOS LUCROS OCULTOS, À INTER -relação entre a Directiva «Juros e Royalties » e a Directiva «sociedades-mãe/filiais» e à cláusula em matéria de fraudes e abusos.

Também é evidente que poderá ser necessário um maior debate e mais orientações relativamente aos conceitos-chave da directiva, com vista a conseguir uniformidade de interpretação e redução da insegurança jurídica. É necessário reflectir sobre as implicações de uma aplicação e uma interpretação não uniformes do conceito de «estabelecimento permanente», no contexto da directiva, bem como sobre as consequências de uma definição de estabelecimento permanente que divirja da do artigo 5.º do Modelo de Convenção Fiscal sobre o Rendimento e o Património, por exemplo no que se refere à possível exclusão de estabelecimentos permanentes que sejam agências.

Relativamente às alterações que poderiam melhorar o funcionamento da directiva, uma reformulação do n.º 3 do artigo 1.º poderia suprimir aquilo que se pode considerar uma discriminação injustificável entre filiais e estabelecimentos permanentes. Além disso, em termos de coerência e consistência, é óbvio que é urgente alinhar os critérios de participação da directiva com os das Directivas «sociedades-mãe/filiais» e «fusões». Actualmente, pode considerar-se o alargamento do âmbito de aplicação da directiva às sociedades não associadas, com vista a avaliar o seu potencial para promover os objectivos de Lisboa.

[1] JO L 157 de 26.6.2003, p. 49.

[2] JO L 168 de 1.5.2004, p. 35.

[3] JO L 157 de 30.4.2004, p. 106.

[4] As derrogações para a Bulgária e a Roménia estão previstas no Acto relativo às condições de adesão da República da Bulgária e da Roménia e às adaptações dos Tratados em que se funda a União Europeia, anexo VI, número 6, e anexo VII, número 7, JO L 157 de 21.6.2005, p. 289 e 329.

[5] Acórdão de 17.10.1996 relativo aos processos conjuntos C-283/94, C-291-94 e C-292/94 Denkavit International BV a.o. contra Bundesamt für Finanzen , n.º 27.

[6] Ponto 31.

[7] Denkavit , ponto 33.

[8] Directiva 2001/44/CE do Conselho, de 15 de Junho de 2001, que altera a Directiva 76/308/CEE relativa à assistência mútua em matéria de cobrança de créditos resultantes de operações que fazem parte do sistema de financiamento do Fundo Europeu de Orientação e Garantia Agrícola, bem como de direitos niveladores agrícolas e de direitos aduaneiros, e relativa ao imposto sobre o valor acrescentado e a determinados impostos especiais de consumo, JO L 175 de 28.6.2001, p. 17-20.

[9] Ou seja, que cumpram todos os critérios do artigo 3.º

[10] Ver, nomeadamente, os pontos 6.4 e 6.5.

[11] Esta posição poderia eventualmente ser contestada argumentando que, num caso em que o estabelecimento permanente seja o destinatário de um pagamento de juros ou de royalties , deveria ser suficiente que a empresa fosse tributável no Estado-Membro do estabelecimento permanente relativamente aos lucros atribuíveis a este último.

[12] Ver o parecer de AG Mischo de 26.9.2002 no Processo C-324/00 Lankhorst-Hohorst .

[13] Esta afirmação é contestável. Numa reserva ao n.º 3 do artigo 10.º do Modelo de Convenção Fiscal sobre o Rendimento e o Património da OCDE, o Estado-Membro em questão reserva-se «o direito de alargar a definição de dividendos do n.º 3 por forma a abranger todos os rendimentos sujeitos ao tratamento fiscal das distribuições». Assim sendo, um pagamento não tem necessariamente de se qualificar como «dividendo» ao abrigo da lei nacional desse Estado-Membro para ser considerado «dividendo» na aplicação do n.º 3 do artigo 10.º

[14] Processo C-105/07, Lammers, n.º 32. Ver ainda Processo C-524/04, Thin Cap Group Litigation , n.º 92.

[15] Por exemplo, Acórdão de 17.7.1997 relativo ao Processo C-28/95 Leur-Bloem contra Inspecteur der Belastingdienst/Ondernemingen Amsterdam 2 , n.º 44.

[16] Por exemplo, o acórdão de 13.3.2007 relativo ao Processo C-524/04 Test Claimants in the Thin Cap Group Litigation contra Commissioners of Inland Revenue , n.º 79.