22.9.2010   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 255/42


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a «Proposta de directiva do Parlamento Europeu e do Conselho que estabelece medidas de luta contra os atrasos de pagamento nas transacções comerciais (reformulação) e aplica o Small Business Act»

[COM(2009) 126 final – 2009/0054 (COD)]

(2010/C 255/07)

Relatora: Ana BONTEA

Em 1 de Julho de 2009, o Conselho decidiu, nos termos do artigo 95.o do Tratado que institui a Comunidade Europeia, consultar o Comité Económico e Social Europeu sobre:

Proposta de directiva do Parlamento Europeu e do Conselho que estabelece medidas de luta contra os atrasos de pagamento nas transacções comerciais

e aplica o Small Business Act

COM(2009) 126 final – 2009/0054 (COD).

Foi incumbida da preparação dos correspondentes trabalhos a Secção Especializada do Mercado Único, Produção e Consumo, que emitiu parecer em 17 de Novembro de 2009, sendo relatora Ana Bontea.

Na 458.a reunião plenária de 16 e 17 de Dezembro de 2009 (sessão de 17 de Dezembro), o Comité Económico e Social Europeu adoptou, por 145 votos a favor, 3 votos contra e 2 abstenções, o seguinte parecer:

1.   Conclusões e recomendações

1.1   O CESE acolhe favoravelmente e apoia a aplicação do Small Business Act, bem como a proposta de directiva em apreço, por considerar que a melhoria do quadro legislativo para encurtar os prazos de pagamento e a luta contra os atrasos de pagamento são medidas extremamente importantes e indispensáveis.

1.2   Medidas legislativas, mesmo que necessárias e importantes, não são suficientes para eliminar os atrasos de pagamento, sendo necessário desenvolver acções múltiplas e complexas e intensificar a cooperação a todos os níveis. As próprias PME e as suas organizações têm um papel importante a desempenhar neste processo.

1.3   O CESE defende que todas as entidades e instituições públicas, aos níveis europeu, nacional, regional e local, devem estar sujeitas à obrigação de cumprir prazos de pagamento curtos. O CESE felicita a Comissão Europeia pelas medidas adoptadas para os pagamentos que efectua em gestão directa e manifesta todo o seu apoio à continuação e ao desenvolvimento deste trabalho a todos os níveis. Relativamente ao período temporal necessário à transposição da directiva, convida-as, ainda, a aplicarem imediatamente estes princípios, a fim de assegurar um apoio eficiente às empresas no actual contexto da crise.

O CESE considera que a proposta de directiva em apreço carece de alguns melhoramentos, propondo, principalmente, as seguintes medidas:

para os contratos públicos:

A criação, sem demora, de uma regra para que os pagamentos sejam efectuados no prazo de 30 dias, eliminando-se a derrogação a esta regra ou, pelo menos, limitando-a a um máximo de 60 dias a contar da data de fornecimento. As entidades públicas não podem, de modo algum, defrontar-se com maiores dificuldades de financiamento das suas actividades do que as PME;

A eliminação ou, pelo menos, a limitação da derrogação ao prazo máximo de 30 dias do procedimento de recepção;

para todas as transacções comerciais:

relativamente aos atrasos de pagamento, imposição ao devedor da obrigação legal de pagamento de juros de mora, de compensações e de indemnizações por custos internos mínimos caso o contrato não preveja disposições mais favoráveis aos credores;

criação de regulamentação sobre disposições contratuais manifestamente abusivas e dívidas não impugnadas;

tomada em consideração, no âmbito do exercício da liberdade contratual, dos princípios de concorrência leal e de ética de negócios, limitando o abuso de direito.

1.4   Reiterando as suas anteriores propostas (1), o CESE salienta que para atingir plenamente o objectivo da directiva são necessárias medidas que melhorem o acesso das PME aos mercados públicos, permitindo-lhes beneficiar mais de normas fixas.

1.5   A transposição da directiva e o acompanhamento das medidas adoptadas implica que haja cooperação e um diálogo social de qualidade entre as autoridades, os parceiros sociais e as organizações das PME.

1.6   Há que evitar prazos de pagamento excessivamente longos e atrasos de pagamento em caso de subcontratação ou nas relações das PME com as grandes empresas, incluindo as grandes empresas retalhistas (2). Nos sectores em que há maior risco de haver atrasos injustificados de pagamento, as autoridades nacionais poderiam, segundo os casos, monitorizar/publicar os prazos de pagamento, sem que daí decorressem obrigações ou custos adicionais para as empresas.

1.7   O CESE recomenda aos Estados-Membros que intensifiquem a cooperação e prevejam acções comuns de informação e de apoio às PME em caso de atrasos de pagamento nas transacções transfronteiriças.

1.8   Ao nível europeu, poderia revelar-se útil a criação de um sítio Internet com informações prestadas pelos Estados-Membros, em todas as línguas correntes, sobre a transposição da directiva, o quadro jurídico e os procedimentos aplicáveis à cobrança de dívidas, incluindo a arbitragem e a mediação ou outras informações práticas. Ao nível nacional, conviria promover a divulgação destas informações através de balcões únicos e das organizações das PME.

1.9   As medidas que visam acelerar os pagamentos das entidades públicas são igualmente úteis no tocante ao direito fiscal (reembolso do IVA, regularização dos impostos, etc.). Também neste domínio, foram constatadas em alguns países más práticas que deram origem a bloqueios financeiros.

1.10   O CESE reitera a sua proposta que visa a «criação de um comité consultivo aberto às partes interessadas, que poderia funcionar com o apoio do CES» (3).

2.   Introdução

2.1   Situação e efeitos dos atrasos de pagamento

2.1.1   Nas transacções comerciais da UE:

Regra geral, os pagamentos são diferidos;

Há numerosos atrasos no pagamento de facturas, em particular de contratos públicos, com um atraso médio de pagamento de 67 dias (4), em comparação com 57 dias no sector privado;

A «cultura dos atrasos no pagamento», que se desenvolveu em alguns Estados, tornou-se uma prática muito comum com efeitos económicos e sociais particularmente graves (ela é responsável por um em cada quatro casos de falência e pela perda, anualmente, de mais de 450 000 postos de trabalho). Em tempos de crise, este efeito é ainda mais acentuado (devido a más práticas, as empresas vêem-se privadas da cobrança de 270 mil milhões de euros, o equivalente a 2,4 % do PIB da UE. Uma percentagem elevada se tivermos em conta que a do plano de relançamento da economia é de 1,5 % (5);

Os atrasos de pagamento são utilizados como forma de crédito bancário;

Não raro, os prazos de pagamento injustificadamente longos resultam de uma posição privilegiada que pode afectar gravemente sobretudo as pequenas empresas, as empresas artesanais e inclusivamente as médias empresas.

2.1.2   As PME detêm uma posição precária nas negociações, em vários aspectos:

nível de competitividade e lugar que ocupam no mercado;

preocupação de não comprometer as relações com os clientes;

possibilidades limitadas de competir no que diz respeito aos prazos de pagamento oferecidos aos seus clientes;

falta de experiência e disponibilidade limitada de recursos humanos e materiais para lançar procedimentos legais de cobrança de dívidas, situação que se agrava em caso de transacções transfronteiriças.

2.1.3   Os atrasos de pagamento:

acarretam para as empresas credoras custos adicionais significativos e complicam a sua gestão financeira, para além de terem um impacto negativo no fluxo de liquidez, causarem elevadas despesas bancárias, reduzirem as oportunidades de investimento e criarem ainda mais incerteza para muitas delas, principalmente as PME, o que afecta gravemente a sua competitividade, rentabilidade e viabilidade, especialmente em períodos em que o acesso ao financiamento é difícil e oneroso;

resultam, não raro, em atrasos a montante no processo de pagamento a fornecedores e trabalhadores (com impacto social negativo), de pagamento de impostos, taxas e contribuições para o orçamento nacional e para a segurança social (com efeitos negativos na cobrança de receitas públicas), bloqueando também o acesso das empresas ao financiamento (por exemplo, o atraso no pagamento de impostos, taxas e contribuições para os cofres da segurança social resultante da falta de pagamento dentro do prazo das facturas limita o acesso aos auxílios estatais e aos programas financiados pelos Fundos Estruturais);

são responsáveis pela falência de empresas que normalmente seriam viáveis, podendo desencadear falências em cascata com efeitos negativos consideráveis tanto a nível económico como social;

desencorajam os operadores económicos de participarem na adjudicação de contratos públicos, o que afecta a concorrência e o funcionamento do mercado interno, para além de reduzir a capacidade das entidades públicas de assegurar uma utilização eficiente dos fundos públicos e de utilizar da melhor forma o dinheiro dos contribuintes;

podem favorecer a corrupção (no sentido de acelerar o pagamento de facturas no âmbito de contratos públicos) ou a adjudicação para além dos limites financeiros definidos;

podem ter efeitos negativos no comércio intracomunitário, ou seja, a maioria das empresas considera que há um risco muito elevado de haver atrasos de pagamento nas transacções comerciais intracomunitárias, o que resulta num crescente sentimento de insegurança e num aumento dos custos.

2.2   Quadro jurídico

2.2.1   Ao nível comunitário existe apenas uma disposição sobre esta matéria, nomeadamente a Directiva 2000/35/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de Junho de 2000, que estabelece medidas de luta contra os atrasos de pagamento nas transacções comerciais (6).

2.2.2   O Regulamento (CE) n.o 44/2001 (7), o Regulamento (CE) n.o 805/2004 (8), o Regulamento (CE) n.o 1896/2006 (9) e o Regulamento (CE) n.o 861/2007 (10) são aplicáveis aos processos de contestação em tribunal de dívidas por atrasos de pagamento.

2.3   Objectivos a nível europeu

2.3.1   O Small Business Act  (11) realçou a importância vital que as PME assumem para a competitividade europeia, tendo salientado que lhes deve ser facilitado o acesso efectivo ao financiamento e que elas precisam de tirar maior partido das oportunidades que o mercado único oferece.

2.3.2   O plano de relançamento da economia europeia  (12) refere que o acesso das empresas a fontes de financiamentos suficientes e acessíveis determina as perspectivas de investimento, crescimento e emprego num contexto de recessão económica, exortando a UE e os Estados-Membros a garantir que as entidades públicas paguem as facturas no prazo de um mês.

2.3.3   A proposta de directiva do Parlamento Europeu e do Conselho que estabelece medidas de luta contra os atrasos de pagamento nas transacções comerciais e aplica o Small Business Act visa melhorar a capacidade de autofinanciamento das empresas europeias e também facilitar o bom funcionamento do mercado interno, através da eliminação dos obstáculos às transacções comerciais transfronteiriças resultantes dos atrasos de pagamento.

3.   Observações na generalidade

3.1   O CESE acolhe favoravelmente a aplicação do Small Business Act e a proposta de directiva, considerando que é particularmente importante e útil proceder, sem demora, à melhoria do quadro legislativo em matéria de luta contra os atrasos de pagamento.

3.2   O CESE já se mostrou favorável à aplicação rápida do Small Business Act, através de acções propostas ao nível comunitário, tendo apoiado em particular «o projecto revisto de directiva sobre os prazos de pagamento que deveria aumentar as obrigações e as penalizações para as autoridades públicas em caso de pagamento posterior a 30 dias  (13)».

3.3   O CESE, ao apoiar estas medidas, tem em vista os efeitos negativos, complexos e de grande escala que os atrasos de pagamento têm sobre as empresas, sobretudo as PME, mas também sobre os trabalhadores e as transacções comerciais intracomunitárias.

3.4   Para além de lutar contra os atrasos de pagamento, é também muito importante encurtar os prazos de pagamento. Assim, o título da directiva poderia ser completado nesse sentido e as medidas nela previstas poderiam ser agrupadas em função destes dois objectivos.

3.5   Medidas legislativas, mesmo que necessárias e importantes, não são suficientes para eliminar os atrasos de pagamento. Este problema tem causas múltiplas e complexas, devendo ter-se em conta a situação desde a adopção, há 8 anos atrás, da Directiva 2000/35/CE, bem como as circunstâncias locais. O CESE insta os Estados-Membros a participarem activamente na identificação e na aplicação das medidas mais adequadas para lutar contra os atrasos de pagamento, salientando quão importante é haver uma cooperação e um diálogo de qualidade entre as autoridades, os parceiros sociais e as organizações das PME. As próprias PME e as suas organizações têm um papel importante a desempenhar neste processo, sendo imprescindível que desenvolvam mais esforços de informação, melhorem os seus procedimentos internos e actuem ao nível dos devedores.

3.6   O CESE entende oportunas as seguintes medidas susceptíveis de obterem resultados positivos:

Criação de uma obrigação geral de pagamento no prazo de 30 dias das facturas de contratos públicos, uma medida que visa estabelecer procedimentos normalizados e transparentes para acelerar os pagamentos;

Atribuição aos credores de um direito de indemnização correspondente, no mínimo, a 5 % do montante facturado, como medida para dissuadir as entidades públicas de fazer pagamentos com atraso;

Recuperação dos custos administrativos internos incorridos pelo credor, o que teria efeitos dissuasores nos devedores, para além do juro legal;

Supressão da possibilidade de os Estados-Membros excluírem acções relativas a montantes inferiores a 5 euros, uma vez que se trata de transacções de pequena monta;

Melhoria das disposições relativas a cláusulas contratuais manifestamente abusivas; o artigo 6.o da proposta de directiva é relevante nesta matéria;

Reforço da transparência relativamente aos direitos e obrigações previstos na directiva; e

Criação de um sistema de avaliação e acompanhamento que permitirá reforçar a informação e a participação das instituições europeias e de todas as partes interessadas.

3.7   No entanto, o CESE considera ser necessário melhorar consideravelmente a proposta de directiva no que diz respeito ao conteúdo, para que, em termos práticos, numerosas empresas possam efectivamente beneficiar da redução e do respeito dos prazos de pagamento, bem como de vias de recurso eficientes contra os devedores.

4.   Observações na especialidade

4.1   O CESE defende que todas as entidades, aos níveis europeu, nacional, regional e local, devem estar sujeitas à obrigação de cumprir prazos de pagamento curtos

4.1.1   Em termos práticos, a criação de uma obrigação geral, para os contratos públicos, de pagamento no prazo máximo de 30 dias, bem como a inclusão de uma disposição que estipule que o processo de aceitação/verificação não deve exceder 30 dias, terão um impacto positivo significativo.

4.1.2   Todas as entidades e instituições públicas, aos níveis europeu, nacional, regional e local, devem estar sujeitas à obrigação de pagar as facturas dentro de prazos curtos, e dar-lhe cumprimento.

4.1.3   O CESE felicita a Comissão Europeia por ter estabelecido novos objectivos mais estritos no domínio dos pagamentos que efectua em gestão directa, ter reduzido os prazos do pré-financiamento e dos pagamentos iniciais, ter simplificado os procedimentos gerais antes do arranque dos projectos no terreno e, ainda, ter encorajado a simplificação das medidas de controlo, manifestando todo o seu apoio à continuação e ao desenvolvimento deste trabalho a todos os níveis. O CESE convida as autoridades nacionais a adoptarem medidas urgentes para reduzir e respeitar os prazos de pagamento, recomendando-lhes que valorizem as boas práticas existentes.

4.1.4   O CESE considera que o artigo 5.o da proposta de directiva, referente aos pagamentos no âmbito dos contratos públicos, não permite atingir as expectativas nem realizar os louváveis objectivos da Comissão, pelo que sugere o seguinte:

Por motivos de lógica e clareza, e no sentido da concretização do objectivo proposto de que «os prazos de pagamento nos contratos adjudicados por entidades públicas não deveriam, por regra, poder exceder 30 dias» (14), é conveniente que o artigo 5.o estabeleça expressamente a obrigação de pagamentos das facturas dos contratos públicos dentro de um prazo máximo de trinta dias, fixe um prazo máximo para o procedimento de recepção e preveja a aplicação de medidas em caso de desrespeito destas regras, precisando-se que as medidas são cumulativas.

Preocupa o CESE que a derrogação prevista no artigo 5.o, n.o 4, que permite a negociação de prazos de pagamento mais dilatados em casos justificados, venha a ser aplicada incorrectamente pelas entidades públicas devido à ausência de critérios objectivos e precisos para avaliar a justificação de prazos de pagamento mais longos ou a validade dos motivos apresentados; as entidades públicas são, ao mesmo tempo, juiz e parte interessada e as dificuldades com que se debatem para financiar as suas actividades não são maiores do que as das PME. Consequentemente, o CESE propõe a eliminação da derrogação a esta regra ou, pelo menos, a sua limitação, de modo que os prazos de pagamento nestes casos não excedam 60 dias a contar da data de fornecimento.

O CESE propõe ainda a eliminação ou, pelo menos, a limitação do âmbito de aplicação da derrogação prevista no artigo 5.o, n.o 3, relativa ao período máximo de duração do procedimento de aceitação que não deve não exceder 30 dias.

4.1.5   A aplicação do princípio da liberdade contratual apresenta algumas particularidades que importa salientar:

Uma vez que a directiva não contém disposições que impõem limites ao abuso de direito no que se refere à aplicação da liberdade contratual, o CESE sugere que, neste contexto, sejam tidos em conta os princípios da concorrência leal e da ética de negócios. Neste sentido, o CESE já propusera num anterior parecer «no interesse de uma concorrência salutar, convidar os Estados-Membros a prever disposições de direito da concorrência (luta contra práticas de comércio desleais) para tornar ilícitas cláusulas abusivas de prazos de pagamento anormalmente elevados que excedam o ciclo médio de venda (superiores a 60 dias) e sem razões legítimas» (15).

Nos contratos públicos é exigida uma garantia de correcta execução dos mesmos apenas aos empresários, ao passo que as entidades não dão garantias semelhantes no que toca ao pagamento a tempo. Há que equilibrar esta situação.

O princípio da liberdade contratual não pode funcionar plenamente quando se trata de estabelecer condições de pagamento e de recepção para os contratos públicos, uma vez que as empresas não têm um verdadeiro poder de negociação em relação às entidades;

O exercício da liberdade contratual deveria conduzir a disposições mais favoráveis para o credor e não a disposições contrárias à regra geral. Assim, propõe-se substituir na expressão «salvo disposição em contrário e devidamente justificada» (artigo 5.o, n.o 3) os termos «em contrário» por «mais favorável ao credor». Esta proposta aplica-se igualmente ao artigo 4.o, n.o 1, relativo à indemnização pelos custos de recuperação.

4.2   Imposição ao devedor da obrigação legal de pagamento de juros de mora, de compensações e de indemnizações por custos internos mínimos

4.2.1   Na Finlândia e na Suécia, os juros devidos por atrasos nos pagamentos são pagos automaticamente sem que sejam necessárias decisões judiciárias. Importa generalizar esta prática. O CESE propõe a imposição da obrigação legal (de direito) de pagamento de juros de mora, de compensações e de indemnizações por custos internos mínimos, através da aplicação do princípio da liberdade contratual no sentido de poderem ser negociadas condições ou quantias mais favoráveis para o credor, sem que as PME tenham de empreender mais esforços ou hesitem em exercer esse direito devido à precariedade da posição que detêm.

4.3   Relações com as organizações associativas

4.3.1   As organizações patronais e representativas das PME devem ser consultadas e envolvidas na transposição da directiva, bem como na aplicação e no acompanhamento das medidas adoptadas com vista a encurtar e a respeitar os prazos de pagamento. É necessário ajudá-las a desenvolverem serviços de informação, directos ou em linha, e a prestarem aos seus membros serviços de aconselhamento e de assistência em matéria de atrasos de pagamento e de cláusulas abusivas.

4.3.2   O CESE propõe que do artigo 6.o, n.o 3, relativo aos meios de acção aplicáveis à anulação de cláusulas manifestamente abusivas, conste expressamente menção às «organizações patronais e das PME», assinalando que o termo escolhido («organizações») pode dar azo a problemas de transposição.

4.3.3   As organizações patronais e, em particular, as organizações das PME também podem dar um contributo importante para a elaboração dos relatórios a que se refere o artigo 10.o da proposta de directiva, devendo deles constar os seus pontos de vista.

4.4   O CESE salienta a necessidade de assegurar a existência de vias de recurso eficazes e eficientes contra os devedores

4.4.1   No tocante à cobrança de dívidas, o CESE realça a importância de procedimentos simples, rápidos, eficientes e acessíveis às empresas, em particular às PME, e reclama a possibilidade de obtenção um título executório num prazo máximo de 90 dias em caso de dívidas não impugnadas (artigo 9.o). Importa igualmente aperfeiçoar os procedimentos de constatação de cláusulas contratuais manifestamente abusivas.

5.   Outras observações e propostas

5.1   O CESE considera que a regulamentação em matéria de cláusulas contratuais manifestamente abusivas (artigo 6.o) deve ser melhorada e, para tal, propõe a definição dos critérios de qualificação das mesmas e a inclusão na lista das cláusulas consideradas manifestamente abusivas aquelas que excluem o pagamento de uma indemnização por custos de recuperação, bem como uma cláusula de reserva de propriedade e a garantia de boa execução da obrigação de pagamento.

5.2   O CESE reafirma a sua posição no que toca à situação das pessoas singulares, que, embora de um ponto de vista estritamente jurídico, não sejam abrangidos pelo âmbito de aplicação da directiva na sua versão actual, estão sujeitos a condições semelhantes nas suas relações com determinadas empresas e com a administração pública. O CESE insta a Comissão a «analisar estas questões, a fim de determinar se convém incluir na directiva certos aspectos das relações com os consumidores ou se é preferível elaborar propostas específicas» (15).

5.3   O CESE propõe que se defina a expressão «dívidas não impugnadas» (artigo 9.o). As contestações devem ser declaradas inadmissíveis nos casos em que existe uma factura assinada pelo beneficiário ou um documento comprovativo da recepção dos bens.

5.4   O CESE chama também a atenção para os seguintes aspectos:

A disposição que exclui os contratos anteriores a 8 de Agosto de 2002 do âmbito de aplicação da nova directiva deve ser retirada do artigo 1.o, n.o 2, alínea b), e inserida no artigo 11.o, n.o 4, que fixa a data de transposição.

A definição de «juro de mora» (artigo 2.o, n.o 5) deveria prever a possibilidade de negociar o montante, inclusive com entidades públicas.

Para evitar problemas de transposição, há que enumerar completamente as três categorias de contratos públicos, nomeadamente fornecimento de mercadorias, prestação de serviços e prestação de trabalhos, ou designá-los usando a expressão genérica «contratos públicos» (artigo 5.o, n.os 1, 2 e 6, omitindo os contratos de prestação de trabalhos).

A substituição da expressão «data em que o devedor tiver recebido a factura» por «data em que a factura tiver sido enviada ao devedor» (artigo 3.o, n.o 2, alínea b), e artigo 5.o, n.o 2, alínea b)) contribuiria para simplificar a prova e reduzir os custos de envio postal ou de elaboração de facturas electrónicas.

No artigo 4.o, n.o 1, importa clarificar se o conceito de «dívida» engloba apenas o valor do produto ou, também, o IVA e outros custos, como, por exemplo, o transporte.

O artigo 5.o, n.o 5, relativo ao direito a uma indemnização correspondente a 5 % do montante devido deve especificar se uma indemnização superior a esta percentagem será possível desde que haja provas nesse sentido.

5.5   Importa evitar a imposição de prazos de pagamento injustificadamente longos e de prazos de pagamento em caso de:

subcontratação de contratos públicos (aos subcontratantes devem ser aplicadas as mesmas regras de pagamento que são aplicáveis às entidades públicas);

fornecimentos no âmbito do comércio retalhista de grande dimensão. Neste domínio, o CESE já propôs que fosse instituído um código de conduta voluntário, apoiado em contratos escritos, que permitisse às PME o acesso à grande distribuição com um mínimo de garantias (16), impedindo a grande distribuição e/ou os grandes fornecedores de exercerem pressão.

5.6   O relatório a que se refere o artigo 10.o deverá ser elaborado e publicado anualmente, pelo menos durante os três anos seguintes à aplicação da directiva, de forma a viabilizar uma avaliação contínua e tornar mais fácil o intercâmbio de boas práticas.

5.7   O CESE apoia a valorização e o desenvolvimento das boas práticas existentes no domíno da luta contra os atrasos de pagamento e da redução dos prazos de pagamento:

Comissão Europeia:

Medidas que visam a redução, de 30 para 20 dias, dos prazos para pagamento do pré-financiamento inicial de financiamentos não reembolsáveis e de contratos da UE (o que representa 9,5 mil milhões de euros); relativamente aos outros pagamentos geridos a nível central, o objectivo é reduzir os prazos de pagamento de 45 para 30 dias (em caso de subvenções);

Reforço da utilização de taxas forfetárias e de montantes fixos para os financiamentos não reembolsáveis e os contratos comerciais geridos a nível central;

Simplificação dos procedimentos gerais numa fase anterior ao lançamento dos projectos, o que pode contribuir para acelerar os pagamentos. São propostas medidas que dão aos serviços da Comissão a possibilidade de publicação de concursos públicos abrangendo um prazo de dois anos e de utilização de procedimentos normalizados para o efeito;

Encorajamento à simplificação das medidas de controlo sempre que possível.

Reino Unido: As entidades comprometeram-se a efectuar o pagamento das facturas dentro de um prazo de 10 dias;

Irlanda, Bélgica, Polónia, Portugal e República Checa: Os respectivos governos comprometeram-se a reduzir os atrasos de pagamento, em particular quando estão em causa entidades públicas;

Bélgica: O Governo Federal criou um novo «crédito ponte» específico, alimentado por um fundo de investimento federal, destinado a financiar atrasos de pagamento por parte de entidades públicas e não apenas ao nível federal;

Espanha: Para 2009, o Instituto de Crédito Oficial (ICO) criou um mecanismo de liquidez de 10 mil milhões de euros para os empréstimos preferenciais, que permitirá às PME e aos empresários em nome individual satisfazer as suas necessidades de liquidez. A estes fundos são aplicáveis regras de co-financiamento, em que, por exemplo, 50 % provêm do ICO e 50 % de outros institutos de crédito. Além disso, o mecanismo de «pagamento em adiantado» das autarquias locais permite reunir as facturas expedidas por empresas e empresários em nome individual relativas à execução de trabalhos e à prestação de serviços encomendados por autarquias locais.

Bruxelas, 17 de Dezembro de 2009

O Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Mario SEPI


(1)  JO C 224 de 30.8.2008; JO C 182 de 4.8.2009.

(2)  N.T.: A expressão «empresas retalhistas» corresponde à sigla (CMAV), constante do original em romeno, para o «comércio retalhista de grande dimensão».

(3)  JO C 407 de 28.12.1998, pp. 50-55.

(4)  Há grandes disparidades entre os Estados-Membros e uma clara divisão entre o Norte e o Sul.

(5)  Segundo dados da Intrum Justitia, Índice Europeu de Pagamentos em 2009.

(6)  JO L 200 de 8.8.2000.

(7)  JO L 12 de 16.1.2001.

(8)  JO L 143 de 30.4.2004.

(9)  JO L 399 de 30.12.2006.

(10)  JO L 199 de 31.7.2007.

(11)  JO C 182 de 4.8.2009, p. 30.

(12)  COM(2008) 800 final.

(13)  COM(2008) 394 final, JO C 182 de 4.8.2009, p. 30.

(14)  Ponto (16) dos considerandos da proposta de directiva.

(15)  JO C 407 de 28.12.1998, pp. 50-55.

(16)  JO C 175 de 28.7.2009, pp. 57-62.