18.5.2010   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 128/97


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre o «Livro Verde sobre a tutela colectiva dos consumidores»

[COM(2008) 794 final]

(2010/C 128/18)

Relator: Edwin CALLEJA

Em 27 de Novembro de 2008, a Comissão Europeia decidiu, nos termos do artigo 262.o do Tratado que institui a Comunidade Europeia, consultar o Comité Económico e Social Europeu sobre o

Livro Verde sobre a tutela colectiva dos consumidores

COM(2008) 794 final.

Incumbida da preparação dos correspondentes trabalhos, a Secção Especializada do Mercado Único, Produção e Consumo emitiu parecer em 9 de Setembro de 2009.

Na 457.a reunião plenária de 4 e 5 de Novembro de 2009 (sessão de 5 de Novembro), o Comité Económico e Social Europeu adoptou, por 123 votos a favor, 4 votos contra e 13 abstenções, o seguinte parecer:

1.   Síntese das recomendações

1.1.   Por uma questão de princípio, e no que se refere à tutela colectiva, os consumidores devem poder exercer o direito fundamental que representa o acesso a uma protecção judicial eficaz. Contudo, é necessário ter em conta os limites estabelecidos pelos Tratados e as diferenças nacionais de direito processual e constitucional.

1.2.   A adopção de medidas legislativas europeias sobre tutela colectiva melhorará a protecção dos consumidores em particular nas transacções transfronteiriças.

1.3.   Têm de ser introduzidas no sistema garantias suficientes que impeçam os abusos e as reclamações fantasistas apresentadas por pessoas que não sejam os consumidores e motivadas por incentivos financeiros e por perspectivas de lucro.

1.4.   Como princípio geral, qualquer medida adoptada pela UE deverá prever garantias apropriadas contra a introdução de elementos que noutras jurisdições se revelaram susceptíveis de não serem respeitados. Em particular, qualquer sistema de tutela colectiva introduzido tem de conceder ao juiz, no que respeita aos requisitos preliminares num caso de tutela colectiva, poderes para pôr termo a qualquer abuso e para assegurar que as reclamações apresentadas tenham fundamento.

1.5.   A adopção de um mecanismo judicial de tutela colectiva não prejudica os sistemas de resolução extrajudicial de litígios de consumo.

1.6.   O CESE recomenda que a Comissão prossiga a sua acção destinada a encorajar as empresas a desenvolverem sistemas internos de tratamento das reclamações, a aperfeiçoarem os sistemas alternativos de resolução de litígios existentes e a fiscalização pública. Estes meios alternativos podem ser utilizados pelos consumidores antes de recorrerem ao sistema judicial.

1.7.   O CESE recorda à Comissão Europeia que a questão de um mecanismo judicial de tutela colectiva está a ser debatida desde 1985 e que chegou o momento de tomar decisões e estabelecer imediatamente sistemas que satisfaçam os consumidores.

2.   Introdução

2.1.   A estratégia comunitária em matéria de política dos consumidores da Comissão (1) tem como objectivo promover o mercado interno do comércio retalhista, conseguindo que, até 2013, os consumidores e os retalhistas tenham a mesma confiança nas compras transfronteiriças que nas que são efectuadas nos seus países. Na sua estratégia, a Comissão sublinhou a importância de os consumidores disporem de mecanismos de reparação eficazes e anunciou a intenção de tomar medidas no âmbito da tutela colectiva dos consumidores.

2.2.   O Parlamento Europeu, o Conselho e o Comité Económico e Social Europeu acolheram positivamente a intenção que manifestou a Comissão de melhorar a tutela dos consumidores, especialmente no âmbito da tutela colectiva dos consumidores (2). Também foi adoptada uma recomendação da OCDE sobre a resolução dos litígios de consumo e sua reparação (3), que animou os seus países membros a disponibilizarem aos consumidores o acesso a diferentes meios de reparação, incluindo mecanismos de tutela colectiva.

2.3.   O Livro Verde da Comissão sobre a Tutela Colectiva dos Consumidores publicado em Novembro de 2008 (4) procurou novas vias para facilitar a reparação dos consumidores nos casos em que um grande número de consumidores tenha sido lesado por uma prática de um mesmo comerciante em violação do direito dos consumidores. São apresentadas quatro opções no Livro Verde.

2.4.   Em 29 de Maio de 2009, a Comissão Europeia organizou igualmente uma audição pública para debater o Livro Verde e, em seguida, elaborou um documento, apresentado publicamente para observações, que aditava uma quinta opção às outras quatro opções de acção no domínio da tutela colectiva constantes do Livro Verde. O CESE não pode ter em conta esta proposta recente da Comissão numa fase tão avançada das suas deliberações, em especial, na medida em que ainda é necessário realizar avaliações de impacto e que o CESE, já nesta fase, prevê grandes dificuldades na execução desta quinta opção.

2.5.   Não se pode negar que a possibilidade de os consumidores poderem obter reparação quando os seus direitos são violados por comerciantes promove a confiança dos consumidores nos mercados e melhora o seu funcionamento. Contudo, este objectivo só pode ser alcançado se os consumidores souberem que, se tiverem um problema, poderão fazer valer os seus direitos e obter a reparação adequada.

2.6.   De forma a garantir equidade a todos os intervenientes, tem de ser conseguido um justo equilíbrio entre todos os interesses em causa.

3.   Síntese do Livro Verde

3.1.   O objectivo do Livro Verde é «avaliar o desenvolvimento actual dos mecanismos de reparação, nomeadamente quando a mesma infracção legal possa afectar vários consumidores, e propor eventuais soluções para ultrapassar as dificuldades que impeçam a obtenção de reparação eficaz neste tipo de situações» (5). À Comissão não pareceu útil distinguir os mecanismos transfronteiras no contexto dos litígios de massa dos mecanismos puramente nacionais. Outra questão que o Livro Verde procura identificar consiste em saber se os instrumentos a considerar deveriam ser aplicados apenas ao nível dos litígios transfronteiras ou também a litígios nacionais.

3.2.   O Livro Verde incide na resolução de litígios de massa e tem por objectivo providenciar meios eficientes de reparação colectiva para os cidadãos da UE lesados pelas práticas de um único comerciante independentemente do local da transacção. Também identifica os principais obstáculos com que os consumidores se deparam actualmente quando procuram obter uma reparação efectiva e os elementos que contribuem para a eficácia e a eficiência de um mecanismo de reparação colectiva.

3.3.   A Comissão afirma que os instrumentos europeus existentes (6) não são suficientes e salienta quatro opções que procuram abordar os problemas e proporcionar aos consumidores meios eficazes e adequados de reparação especialmente através do instrumento da reparação colectiva:

Opção 1 – Confiar nas medidas nacionais e da CE que tenham por objectivo a reparação adequada dos consumidores.

Opção 2 – Desenvolver a cooperação entre Estados-Membros a fim de assegurar que os consumidores na UE possam ter acesso aos mecanismos de reparação no âmbito da tutela colectiva disponíveis nos diferentes Estados-Membros.

Opção 3 – Uma combinação de instrumentos políticos não vinculativos ou vinculativos que articulados possam reforçar a reparação dos consumidores respondendo aos principais obstáculos.

Opção 4 – Mecanismos judiciais de tutela colectiva consistindo numa medida comunitária vinculativa ou não vinculativa.

4.   Observações na generalidade

4.1.   O CESE tem defendido, ao longo dos anos, a necessidade de uma definição, a nível comunitário, de uma acção colectiva cujo objectivo seria a obtenção de uma reparação efectiva em caso de violação de direitos colectivos.

4.2.   Já no ano de 1992, através de dois pareceres de iniciativa, o CESE chamou a atenção da Comissão para a necessidade de identificar as possibilidades de acção no domínio da regulação dos litígios transfronteiriços e do reconhecimento de poderes de representação das organizações de consumidores quer em litígios nacionais quer transfronteiriços (7). Por seu turno, num seu parecer, aprovado por unanimidade na reunião plenária de 1 de Junho de 1994, o CESE incentivou expressamente a Comissão à criação de um processo uniforme relativo a acções colectivas e acções conjuntas, não apenas para a cessação de práticas ilícitas mas também para facilitar acções relacionadas com pedidos de indemnização (8). O tema seria, aliás, retomado posteriormente pelo CESE em vários dos seus pareceres (9). No seu parecer de 26 de Outubro de 2006 (10), o CESE apoiou claramente a preocupação expressa pela Comissão no seu Livro Verde sobre as acções de indemnização devido ao incumprimento das regras comunitárias no domínio da concorrência e confirmou, no seu parecer de 25 de Março de 2009, a importância de ter meios eficazes de reparação dos lesados pela violação das regras de concorrência (11).

4.3.   Uma vez que a UE está a preparar a harmonização do direito substantivo dos consumidores, o CESE considera que deverá também assegurar que existem os procedimentos adequados para os consumidores poderem exercer esses direitos. Assim, deveria existir um mecanismo judicial de tutela colectiva para os consumidores que permita fazer justiça, como existe noutros domínios relacionados com as transacções comerciais. Tal como o CESE já afirmara em pareceres anteriores, a tutela dos consumidores é um direito fundamental que permite que interesses colectivos e individuais homogéneos sejam protegidos judicialmente. São necessárias acções comunitárias porque não existe um instrumento judicial que permita que os direitos homogéneos colectivos e individuais se tornem realidade e de cumprimento obrigatório. São necessários mecanismos de tutela colectiva dos consumidores para lhes conceder uma possibilidade realista e eficiente de obter compensação em caso de danos distintos, múltiplos e similares.

4.4.   Além disso, o reforço da competitividade é uma política principal da União Europeia. No que respeita à defesa do consumidor, a União Europeia elaborou um corpo de legislação substantiva, precisando agora de assegurar que tais leis são aplicadas de forma a que o motor económico possa ser accionado através do aumento do comércio transfronteiriço, baseado na confiança de que quaisquer litígios podem ser resolvidos rapidamente, com baixo custo e de acordo com regras e procedimentos análogos em qualquer parte do mercado único. Os consumidores podem ser sujeitos a práticas comerciais desleais em elevada escala, sendo, assim, necessários procedimentos para evitarem e porem termo a esses abusos. O cumprimento obrigatório, a prevenção, a indemnização e a reparação são elementos importantes. Os montantes das compensações são em geral simbólicos para as pessoas singulares, mas na sua totalidade podem ser elevados.

4.5.   O CESE tem para si que o recurso judicial também tem de ser possível e eficaz. No entanto, os mecanismos extrajudiciais de resolução de litígios devem constituir um complemento dos recursos judiciais, representando um procedimento menos formal e menos dispendioso. Para isso, porém, ambas as partes envolvidas num litígio têm de estar verdadeiramente dispostas a cooperar. Estas medidas extrajudiciais poderão permitir que se chegue mais rapidamente a uma resolução justa, contribuindo também para impedir o aumento do número de processos nos tribunais.

4.6.   Contudo, o CESE sublinha a importância de estabelecer os mecanismos apropriados no respeito pelas tradições culturais e jurídicas nacionais.

4.7.   O CESE considera igualmente que esse mecanismo judicial da UE deve ser utilizado principalmente nos direitos colectivos em caso de violação do direito do consumidor e das regras da concorrência.

5.   Observações na especialidade sobre o Livro Verde

5.1.   Mecanismos colectivos de reparação

5.1.1.   O CESE reconhece que deverá ser posto em prática um mecanismo de tutela judicial colectiva europeia em conformidade com o que é proposto na opção 4 do Livro Verde para que a justiça prevaleça tanto no interesse dos consumidores como das empresas. A instituição desse mecanismo permitirá que todos os consumidores acedam à justiça independentemente da sua nacionalidade, situação financeira e do montante do seu dano individual. Além disso, esse mecanismo também solucionará o problema reconhecido pelo Conselho de Ministros da OCDE na Recomendação sobre a resolução dos litígios de consumo e sua reparação (12) segundo o qual a maioria dos regimes de resolução de litígios e respectiva reparação instituídos nos vários Estados-Membros foi desenvolvida para resolver problemas a nível interno, nem sempre sendo adequados para indemnizar os consumidores naturais de um outro Estado-Membro.

5.1.2.   Contudo, o CESE também reconhece que a identificação de um mecanismo judicial colectivo harmonizado pode ter as suas dificuldades e desvantagens derivadas das complexidades, custos, duração e outros desafios inerentes. A minimização dos riscos substanciais de abuso derivados da litigação é um desses desafios, tal como o modo de financiamento dessas acções. É também necessário decidir se se pretende um processo de adesão ou de exclusão. Ambas as opções têm as suas desvantagens já identificadas pelo CESE (13).

5.2.   Principais características de uma acção colectiva europeia

5.2.1.   Como a Comissão reconhece no seu Livro Verde, apenas 13 Estados-Membros dispõem actualmente de mecanismos de tutela colectiva. Além disso, pode-se identificar três tipos diferentes de mecanismos que podem ser classificados de recurso judicial «colectivo» nos Estados-Membros que dispõem actualmente desse sistema.

5.2.2.   A «tutela colectiva» é efectivamente um conceito amplo, concentrando-se mais no resultado do que no (ou num) mecanismo. Engloba qualquer mecanismo que possa resultar na cessação ou na prevenção da não conformidade e/ou à atribuição de reparação no seu sentido mais lato, que se trate de rectificação ou de compensação. Dada a multiplicidade dos procedimentos possíveis que apareceram ou estão a aparecer em alguns Estados-Membros da UE e dado que a maioria dos procedimentos são inovadores e de carácter experimental, dificilmente se pode identificar um modelo que seja preferível a outro.

5.2.3.   Tendo em conta as divergências nas ordens jurídicas e tomando em consideração os vários caminhos explorados e as sugestões efectuadas nos pareceres anteriores sobre esse tema (14), o CESE apoia:

Uma directiva da UE para assegurar um grau mínimo de harmonização e ao mesmo tempo deixar margem de manobra suficiente para os países que, até ao momento, ainda não dispõem de uma acção colectiva judicial, que constituirá o seguimento à directiva relativa às acções inibitórias.

Medidas de salvaguarda que assegurem que as acções colectivas não tomam a forma das acções colectivas à americana. Qualquer medida jurídica da União Europeia deverá reflectir as tradições culturais e jurídicas europeias, ter a compensação como único objectivo e estabelecer um equilíbrio justo entre as partes, conduzindo a um sistema que salvaguarde os interesses da sociedade em geral. O Comité apoia plenamente a sugestão da Comissão segundo a qual qualquer medida adoptada para instituir um mecanismo judicial de tutela colectiva em todos os Estados-Membros deverá «evitar aspectos que são considerados encorajadores de uma cultura de contencioso, praticados em alguns dos países não europeus, nomeadamente indemnizações punitivas e contingency fees (honorários estabelecidos em função dos resultados alcançados)».

Um sistema misto de acções de grupo em que se conciliem as vantagens dos dois sistemas de «opt-in» e de «opt-out», consoante a natureza dos interesses em causa, a determinação ou indeterminação dos membros do grupo e a importância dos prejuízos individuais; no caso de «opt-in» compete aos interessados expressamente agregar os seus pedidos individuais de indemnização numa única acção; no caso de «opt-out» as acções deverão ser propostas por entidades representativas e qualificadas.

A concessão às pessoas em causa do direito de aderirem ao processo em vez de uma simples presunção de que são parte a não ser que optem pela exclusão. O CESE remete para as vantagens e os inconvenientes deste mecanismo descritos no seu parecer de 13 de Fevereiro de 2008 (15). Esta opção deveria prevalecer de forma a diminuir o impacto dessa acção colectiva, em particular nos Estados-Membros que ainda não dispõem desse tipo de acção.

A afirmação da Comissão de que qualquer mecanismo da UE deve prevenir as reclamações abusivas e que o juiz pode desempenhar um importante papel quanto à questão de saber se uma acção colectiva é abusiva ou admissível. O CESE recorda as suas recomendações sobre a importância do papel do juiz efectuadas nos seus pareceres anteriores. O juiz deverá ser investido de poderes que lhe permitam impedir numa fase precoce do processo as acções infundadas. Os tribunais deverão indagar quanto ao mérito da reclamação dos queixosos e da aptidão da reclamação em questão para adoptar a forma de uma acção colectiva. Em especial, o juiz deve assegurar que a identidade do grupo está estabelecida, baseado num certo número de casos análogos e que os danos reivindicados têm uma origem comum na medida em que resultam do incumprimento ou de um mau cumprimento das obrigações contratuais por um mesmo comerciante.

As vítimas devem obter a plena indemnização do valor real do prejuízo sofrido, que abrange não só o prejuízo real ou os danos materiais e morais como também os lucros cessantes e o direito a receber juros. Efectivamente, enquanto que a aplicação a nível público se concentra na observância e dissuasão, o objectivo das acções de indemnização deve ser garantir a reparação plena do prejuízo sofrido. A reparação plena deve, portanto, incluir o prejuízo real, os ganhos cessantes e a percepção de juros.

Esse mecanismo judicial colectivo deve contar com um financiamento adequado e sustentável.

O mecanismo deve incluir um regime de recursos.

5.2.4.   Todos os outros aspectos deste mecanismo judicial devem ser deixados à apreciação dos próprios Estados-Membros, em conformidade com o princípio da subsidiariedade. Com efeito, qualquer acção colectiva intentada a nível da UE deverá, em qualquer caso, respeitar os princípios da subsidiariedade e da proporcionalidade, sem nunca ir além do necessário para assegurar os objectivos do Tratado, na medida em que estes objectivos não podem ser cumpridos de forma suficiente pelos Estados-Membros e são, portanto, mais bem realizados a nível comunitário. Existem diferentes requisitos nacionais, jurídicos e constitucionais que impedem ou se opõem à harmonização da legislação, sobretudo o artigo 5.o do Tratado CE.

5.3.   Garantir a reparação dos consumidores através de outros meios existentes

5.3.1.   O CESE já tinha reconhecido que «um processo judicial colectivo a nível comunitário, como último recurso para os esforços de resolução de litígios, não prejudica de forma alguma os sistemas de resolução extrajudicial de litígios de consumo, que receberam o apoio sem reservas do CESE. As suas potencialidades devem ainda ser aprofundadas e desenvolvidas» (15), conforme proposto na opção 3 do Livro Verde da Comissão. Com efeito, as medidas propostas pela Comissão nessa opção são complementares mas não substituem a adopção de um instrumento judicial europeu tal como foi acima definido.

5.3.2.   Tem-se atribuído uma importância considerável aos mecanismos extrajudiciais de resolução de litígios. A DG SANCO encomendou um estudo sobre os mecanismos alternativos de resolução de litígios (MARL) para litígios de consumo. Foram também adoptadas recentemente directivas sobre os mecanismos referentes às acções de pequeno montante (16), mediação (17) e EEJ-NET (18). Com efeito, a legislação europeia sobre protecção dos consumidores teve de permitir dois sistemas, um público e um privado. Em 2004 ocorreu uma mudança política que poderá ter importantes consequências, designadamente, a exigência de que todos os Estados-Membros têm de ter uma autoridade pública central para coordenar a aplicação efectiva da legislação a nível transfronteiriço (19).

5.3.3.   Sistema interno de tratamento das reclamações

O Comité considera que um tratamento eficiente das reclamações dos comerciantes constituiria um passo decisivo para o aumento da confiança dos consumidores no mercado interno. Estima igualmente de extrema importância que a Comissão promova as necessárias iniciativas, com a participação imprescindível da sociedade civil e em particular das organizações representativas dos empresários, a fim de assegurar que existe um quadro jurídico coerente instituído que regule o desenvolvimento desses sistemas internos de tratamento de reclamações pelos comerciantes que tenham como principal objectivo um tratamento eficiente das reclamações dos consumidores.

5.3.4.   Supervisão pública

O CESE concorda com a proposta da Comissão de ampliar e reforçar as competências de execução das autoridades competentes, incluindo o Provedor de Justiça nacional, nos termos do Regulamento relativo à cooperação na defesa dos consumidores. Recomenda, porém, reiteradamente que o funcionamento detalhado desse mecanismo seja tratado no quadro de uma directiva de forma a assegurar um nível mínimo de harmonização em todos os Estados-Membros da União Europeia. Essa proposta deverá limitar as vias de recurso disponíveis no que respeita aos danos compensatórios e incluir uma protecção processual forte para quem está sujeito a procedimentos de execução. O CESE considera que a abordagem da supervisão pública pode ser desenvolvida tornando-se uma rede interoperativa funcional que abranja todos os Estados-Membros, o que poderia constituir um meio eficaz de identificar os operadores em toda a UE que estejam eventualmente a violar os direitos do consumidor. Campanhas adequadas de relações públicas para sensibilizar os consumidores e difundir informação poderiam sem dúvida encorajar os consumidores a informarem da violação dos seus direitos.

5.3.5.   Mecanismos alternativos de resolução de litígios

A Comissão reconhece que os mecanismos alternativos de resolução de litígios que existem variam consideravelmente dentro do mesmo Estado-Membro e entre Estados-Membros e que, mesmo nas jurisdições em que existem esses mecanismos, há grandes diferenças ao nível da especificidade do sector e da cobertura geográfica. Além disso, a maior parte dos mecanismos alternativos de resolução de litígios é utilizada no âmbito dos litígios individuais. No que respeita aos instrumentos comunitários existentes (20), o relatório sobre a «Análise e avaliação dos meios alternativos de recurso dos consumidores que não seja o recurso às vias judiciais», encomendado pela Comissão Europeia, revela que os princípios da independência e da imparcialidade dos terceiros envolvidos em sistemas de mediação/arbitragem estabelecidos nos referidos instrumentos nem sequer estão compilados na base de dados EEC-Net. Assim, o CESE considera que as recomendações existentes no que respeita aos mecanismos alternativos de resolução de litígios devem tornar-se instrumentos legislativos vinculativos. Permitir o acesso pelos consumidores aos MARL e aos mecanismos das acções de pequeno montante pode conduzir a uma resolução rápida, justa, eficiente e relativamente barata das questões da defesa dos consumidores.

Bruxelas, 5 de Novembro de 2009.

O Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Mario SEPI


(1)  COM(2007) 99 final.

(2)  Nas suas resoluções sobre a estratégia de política dos consumidores, o PE solicitou à Comissão, após cuidadosa reflexão sobre a reparação dos consumidores nos Estados-Membros, «que apresente, oportunamente, uma solução coerente a nível europeu, conferindo a todos os consumidores o acesso a mecanismos jurídicos formais para a resolução de queixas transfronteiriças» (A6-0155/2008); o Conselho convidou a Comissão a que «analise cuidadosamente os mecanismos colectivos de recurso e apresente os resultados dos estudos pertinentes em curso, tendo em vista eventuais propostas ou acções», JO C 166 de 20.7.2007, p. 1-3.

O pedido do PE foi reiterado na resolução referente ao Livro Verde sobre os serviços financeiros de retalho (A6-0187/2008). A comissão de inquérito do PE sobre a Equitable Life Assurance Society solicitou igualmente à Comissão «que pondere na criação de um quadro jurídico que contemple obrigações uniformes em matéria de processo civil para as acções colectivas europeias transfronteiriças» (A6-0203/2007). O CESE, no seu parecer de iniciativa (JO C 162 de 25.6.2008, p. 1), avançou algumas propostas relativas a normas jurídicas sobre mecanismos de acção colectiva.

(3)  http://www.oecd.org/dataoecd/43/50/38960101.pdf.

(4)  COM(2008) 794 final.

(5)  COM(2008) 794 final, p. 3.

(6)  Recomendação 98/257/CE da Comissão relativa aos princípios aplicáveis aos organismos responsáveis pela resolução extrajudicial de litígios de consumo (JO L 115 de 17.4.1998, p. 31) e Recomendação 2001/310/CE da Comissão relativa aos princípios aplicáveis aos organismos extrajudiciais envolvidos na resolução consensual de litígios do consumidor (JO L 109 de 19.4.2001, p. 56); Directiva 98/27/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 19 de Maio de 1998, relativa às acções inibitórias em matéria de protecção dos interesses dos consumidores (JO L 166 de 11.6.1998, p. 51); Regulamento (CE) n.o 2006/2004 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 27 de Outubro de 2004, relativo à cooperação entre as autoridades nacionais responsáveis pela aplicação da legislação de defesa do consumidor (JO L 364 de 9.12.2004, p. 1).

(7)  JO C 339 de 31.12.1991, p. 16 (ver ponto 5.4.2) e JO C 19 de 25.1.1993, p. 22 (ver ponto 4.12 e a secção 4 do interessante estudo anexo, da autoria conjunta de Eric Balate, Pierre Dejemeppe e Monique Goyens, publicado pelo CES, pp. 103 e segts.).

(8)  JO C 295 de 22.10.1994, p. 1.

(9)  Destaca-se pela sua importância o parecer de iniciativa sobre «Mercado Único e Defesa dos Consumidores: Oportunidades e Obstáculos no Grande Mercado» (JO C 39 de 12.2.1996, p. 55), onde se constata que, até essa data, não havia sido dado qualquer seguimento às sugestões e propostas avançadas pelo CES, no seu parecer anterior sobre o Livro Verde; o parecer sobre o «Relatório da Comissão ao Parlamento Europeu e ao Conselho – O Mercado Único em 1994» (COM(1995) 238 final), que chama a atenção para os atrasos na realização efectiva do mercado único, em especial na legislação na área dos direitos dos consumidores, em particular no que se refere às relações transfronteiriças (JO C 39 de 12.2.1996, p. 70); o parecer sobre a «Comunicação da Comissão: Prioridades da Política dos Consumidores (1996-1998)» onde, embora acolhendo como positivas a proposta de directiva sobre as acções inibitórias e o plano de acção apresentado pela Comissão relativo ao acesso dos consumidores à justiça, o Comité se mantinha na expectativa quanto aos futuros desenvolvimentos nesta área, constatava que o mercado único, neste domínio, estava longe de estar realizado, sendo «a adesão consciente aos direitos do consumidor condição base para se ganhar a confiança dos consumidores» (JO C 295 de 7.10.1996, p. 64). O mesmo tipo de preocupações perpassa ainda no parecer do CES sobre a «Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu e ao Conselho – Impacto e Eficácia do Mercado Único» [COM(1996) 520 final de 23 de Abril de 1997] (JO C 206 de 7.7.1997). Recorda-se, a tal propósito o parecer de iniciativa do CESE sobre «A Política dos Consumidores após o Alargamento da UE (ponto 11.6) (JO C 221 de 8.9.2005); o parecer sobre o programa de acção comunitário no domínio da saúde e da defesa do consumidor (2007-2013)» (ponto 3.2.2.2.1.) (JO C 88 de 11.4.2006); o parecer sobre o «Quadro jurídico para a política dos consumidores» (JO C 185 de 8.8.2006).

(10)  JO C 324 de 30.12.2006. O CESE manifestou o seu apoio a esta iniciativa da Comissão e confirmou a necessidade de acções colectivas quando «satisfazem exemplarmente alguns objectivos cruciais: i) a reparação efectiva dos danos, facilitando o pedido de indemnização pelas organizações em nome dos consumidores afectados contribuindo para um real acesso à justiça; ii) a prevenção e a dissuasão de comportamentos antitrust, dado o maior impacto social deste tipo de acções».

(11)  JO C 228 de 22.9.2009, p. 40.

(12)  REC (2007) 74 final de 12 de Julho de 2007.

(13)  JO C 162 de 25.6.2008.

(14)  JO C 162 de 25.6.2008, p. 31 e JO C 228 de 22.9.2009, p. 40.

(15)  JO C 162 de 25.6.2008, p. 1.

(16)  Regulamento (CE) n.o 861/2007 (JO L 199 de 31.7.2007, p. 1).

(17)  Directiva 2008/52/CE (JO L 136 de 24.5.2008, p. 3).

(18)  COM(2008) 380 final. Parecer CESE: (JO C 175 de 28.7.2009, p. 84).

(19)  Regulamento n.o 2006/2004 (JO L 364 de 9.12.2004, p. 1).

(20)  Recomendação 1998/257 e Recomendação 2001/310.