30.4.2009   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 100/84


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre A dimensão ética e social das instituições financeiras europeias

2009/C 100/14

Em 25 de Setembro de 2007, o Comité Económico e Social Europeu decidiu, nos termos do n.o 2 artigo 29.o do Regimento, elaborar um parecer de iniciativa sobre:

A dimensão ética e social das instituições financeiras europeias.

Foi incumbida da preparação dos correspondentes trabalhos a Secção Especializada da União Económica e Monetária e Coesão Económica e Social, que emitiu parecer em 2 de Outubro de 2008, sendo relator Edgardo Maria IOZIA.

Na 448.a reunião plenária de 22 e 23 de Outubro de 2008 (sessão de 23 de Outubro), o Comité Económico e Social Europeu adoptou, por 122 votos a favor, 23 votos contra e 45 abstenções, o seguinte parecer:

1.   Síntese e recomendações

1.1   Os recentes desenvolvimentos da crise financeira, imprevisíveis e inesperados pela imensidão das perdas e pela manifesta impotência dos instrumentos reguladores do mercado criados para proteger os aforradores, as empresas e os investidores, exigem uma nova reflexão em relação com o conteúdo do presente parecer. As situações de falência que se foram sucedendo em todo o mundo, o salvamento de bancos e de seguradoras aparentemente muito sólidos criaram um estado de angústia e de preocupação em milhões de cidadãos europeus.

1.1.1   O Conselho Europeu, de 15 e 16 de Outubro, consagrado principalmente à crise financeira, exprimiu a sua determinação em actuar de forma concertada para proteger o sistema financeiro europeu, assim como os depositantes. Depois do Eurogrupo, o Conselho, no seu conjunto, aprovou os princípios definidos na reunião de Paris, de 12 de Outubro, no sentido de preservar a estabilidade do sistema, reforçar a vigilância do sector financeiro europeu, em particular dos grupos transnacionais, melhorar a coordenação a nível europeu das autoridades supervisoras, apoiar as instituições financeiras importantes, evitar situações de falência e garantir a protecção dos depósitos dos aforradores.

1.1.2   Além disso, o Conselho Europeu apelou a que rapidamente se analisasse a proposta legislativa da Comissão destinada a reforçar o enquadramento das agências de notação e a segurança dos depósitos, e apelou ainda a que os Estados-Membros adoptem medidas destinadas a impedir que as remunerações dos administradores e o benefício de opções de compra de acções, nomeadamente no sector financeiro, conduzam à assunção de riscos excessivos ou a uma focalização extrema nos objectivos de curto prazo.

1.1.3   O Conselho salientou a sua determinação em tomar as medidas necessárias para apoiar o crescimento e o emprego e recomendou que se proceda a uma reforma, profunda do sistema financeiro internacional, assente nos princípios da transparência, da solidez bancária, da responsabilidade, da integridade e da governação mundial, tendo em vista evitar conflitos de interesses.

1.1.4   O CESE havia há muito solicitado, em vão, acções para reforçar os instrumentos reguladores, a cooperação entre as autoridades de controlo, a coordenação e harmonização das medidas de supervisão, denunciado os riscos excessivos assumidos pelo sistema bancário europeu e internacional, escorados em sistemas anómalos de retribuição ligados a resultados a curtíssimo prazo, obrigando os operadores do sector a campanhas indiscriminadas de venda de produtos de altíssimo risco.

1.1.5   Não obstante os escândalos financeiros registados na Europa, nada de concreto foi feito e só hoje, quando a gravidade da crise pode ter efeitos dramáticos na economia, nos apercebemos de que as promessas de um capitalismo desenfreado e irresponsável, de crescimento desmedido e ilimitado eram falsas e portadoras de crises profundas.

1.1.6   O modelo entrou irreversivelmente na fase terminal. O CESE deseja que, finalmente, as instituições políticas assumam as suas responsabilidades:

Reforçando as finalidades e o campo de acção das autoridades reguladoras;

proibindo a detenção de fundos, créditos e títulos fora do orçamento;

incrementando e uniformizando as actividades das entidades reguladores nacionais;

impondo normas mais adequadas e transparentes das actividades dos «hedge funds», dos bancos de investimento, dos instrumentos estruturados «off-shore» para transmitir actividades financeiras, dos fundos especulativos e dos fundos de investimento (equity funds), submetendo-os ao controlo das autoridades e determinando a natureza e o seu estatuto de «empresas» às quais se aplica a legislação vigente, tal como preconiza o Parlamento Europeu;

modificando o sistema de tributação, evitando incentivos ou reduções perante grandes riscos ou excessivo endividamento;

constituindo uma Agência Europeia de Notação;

regulando o sistema de remunerações dos gestores de topo, dos incentivos à venda de produtos financeiros inadequados aos operadores, como defende o próprio Conselho;

controlando os mercados não regulamentados;

adequando as obrigações de capital para os produtos financeiros complexos e os produtos derivados.

1.1.7   O CESE está convicto de que a gravíssima crise financeira e a desejada derrota definitiva do capitalismo de casino podem permitir que se adoptem medidas mais oportunas para acautelar no futuro o sistema financeiro e, ao mesmo tempo, relançar a economia. É necessário um esforço geral, na precisa medida do risco de toda a economia real ser infectada pelo vírus descoberto na finança. Investimentos em infra-estruturas, em «investimentos verdes», como, por exemplo, eficiência energética, fontes renováveis, inovação e investigação, podem ajudar a sustentar a procura. Um novo Fundo Europeu, de cuja gestão se poderia incumbir o BEI e garantido pelos Estados-Membros, poderia resolver o problema do bloqueamento do financiamento da economia, em particular dos sectores que mais carecem de investimentos a médio e longo prazo.

1.1.8   O CESE aprecia as medidas até agora tomadas pelos Estados-Membros, o Banco Central e o Conselho, e convida todas as instituições europeias a dar provas de competência e rapidez nesta situação tão dramática para os cidadãos, os trabalhadores e as empresas, a fim de restabelecer o mais depressa possível o funcionamento do sistema financeiro europeu e mundial.

1.1.9   O CESE deseja igualmente que, para além das medidas financeiras necessárias para a consecução deste objectivo prioritário, se envidem todos os esforços para conter a crise económica que se avizinha.

1.1.10   Centenas de milhares de euros foram disponibilizados para salvar o sistema bancário. O CESE espera que com igual energia e prontidão se salvem as empresas, em particular as pequenas e médias, apoiando a procura através do crescimento dos salários e das pensões, para evitar que a recessão se transforme rapidamente em depressão.

1.2   A enorme diversidade na oferta de serviços financeiros pode ser comparada à diversidade que se encontra na natureza. A protecção da biodiversidade da natureza já está assimilada na consciência dos cidadãos. A protecção da biodiversidade dos fornecedores de serviços financeiros também faz parte do património cultural e social da Europa que não deve ser delapidado, devendo, pelo contrário, ser apoiado, dado o enorme valor social que representa. A dimensão ética e social do sistema financeiro europeu deve ser reforçada e salvaguardada.

1.3   O n.o 3 do artigo 2.o do Tratado de Lisboa estipula que «(A União) empenha-se no desenvolvimento sustentável da Europa, assente num crescimento económico equilibrado e na estabilidade dos preços, numa economia social de mercado altamente competitiva que tenha como meta o pleno emprego e o progresso social, e num elevado nível de protecção e de melhoramento da qualidade do ambiente. A União respeita a riqueza da sua diversidade cultural e linguística e vela pela salvaguarda e pelo desenvolvimento do património cultural europeu».

1.4   As instituições europeias e os Estados-Membros terão de empenhar-se em fomentar e apoiar a dimensão ética e social do mercado financeiro, para além da sua capacidade competitiva. «Uma economia social de mercado também é sinónimo de uma economia justa do ponto de vista social» (1); ou «A economia social de mercado permite à economia atingir o seu objectivo final que é a prosperidade e o bem-estar de todos os indivíduos, protegendo-os de situações de carência» (2).

1.5   No lançamento da sua proposta para instauração de um comité europeu de alto nível que dê resposta à crise nos mercados financeiros, que identifique as novas regras e que combata «as finanças insensatas que não podem governar-nos», Jacques Delors afirmou que a crise actual «encarna a falência dos mercados pouco ou mal regulados e demonstra, uma vez mais, que estes mercados não são capazes de auto-regulação».

1.6   A crise recente mostra que o pluralismo e a biodiversidade do sistema financeiro, para além de fazerem parte do património cultural e histórico europeu, são necessários para a existência de iniciativas de conteúdo ético ou social e constituem também factores determinantes para o aumento da competitividade e para a redução do risco de ocorrência de crises sistémicas nos sistemas financeiros.

1.7   O crescimento económico para além de determinados limites e que não contemple a possibilidade de satisfazer outras necessidades não aumenta a felicidade humana. O papel dominante da finança especulativa na economia real deve ser reduzido e redireccionado para uma conduta mais razoável que seja sustentável do ponto de vista social e aceitável do ponto de vista ético.

1.8   Por conseguinte, é necessário promover o papel da finança ética e socialmente responsável. O Comité Económico e Social Europeu começa por salientar que, neste domínio, uma abordagem intervencionista é desadequada, dado que a experiência prova que é conveniente as iniciativas de carácter social e ético surgirem espontaneamente das bases.

1.9   A dimensão ética não é atributo exclusivo de um determinado tipo de actividade. O papel importante e documentado das caixas económicas e de diversos movimentos cooperativos na promoção de iniciativas éticas ou sociais e no incentivo ao desenvolvimento de sistemas locais merece particular atenção. Apesar do reconhecimento concedido pelo Tratado Europeu, alguns Estados-Membros ainda não a reconhecem nem a defendem explicitamente. É necessário empreender esforços para obter um reconhecimento mais sistemático e generalizado deste modo de governação da sociedade. As recentes acções contra o movimento cooperativo intentadas junto da Comissão Europeia em Itália, Espanha, França e Noruega, em virtude da ausência de legislação comunitária adequada, são testemunho desta necessidade.

1.10   O CESE considera que o quadro legislativo nunca é neutro relativamente à conduta das organizações e dos indivíduos. Com base nesta constatação, o CESE considera que, num sistema que já incentiva determinados tipos de conduta, sistematizar e generalizar o princípio de um sistema de compensação para todas as iniciativas éticas ou sociais vai ao encontro dos critérios de equidade e de racionalidade aplicáveis ao papel público na economia e na sociedade.

1.11   Sempre que uma determinada organização tiver comprovadamente abandonado, pelo menos parcialmente, mas de forma estrutural e permanente, o princípio da maximização dos lucros para promover iniciativas de natureza ética ou social, deverá poder beneficiar de normas fiscais e regulamentares que sejam, pelo menos em parte, diferentes das aplicadas no regime geral, à excepção das regras prudenciais essenciais. Em alguns Estados-Membros, os investidores éticos já beneficiam de uma derrogação à directiva bancária. Devem ser envidados esforços no sentido de alargar este princípio a todos os Estados.

1.12   O CESE interroga-se se as iniciativas com conteúdo ético ou social levadas a cabo por organizações habitualmente com fins lucrativos devem usufruir de benefícios fiscais ou regulamentares. Uma organização com fins lucrativos lança uma iniciativa que é estruturalmente independente da sua actividade habitual. A oportunidade da atribuição de uma compensação em relação ao procedimento habitual não deve suscitar muitas dúvidas. Por outro lado, se as iniciativas não são estruturalmente diferenciadas da sua actividade habitual, é necessário aprofundar o debate para avaliar da oportunidade da introdução de um sistema de compensação.

1.13   Em muitos segmentos do mercado é prestada uma atenção insuficiente à dimensão social. A responsabilidade social das empresas (RSE) promove o crescimento constante e compatível, com respeito pela dignidade humana e ambiental. Em contrapartida, os sistemas de recompensas associados exclusivamente a quantidades de produto vendido, e não à qualidade do serviço, estão a provocar uma enorme onda de descontentamento entre os clientes e entre os trabalhadores exaustos, vítimas das condicionantes orçamentais, ou seja em resultado das tensões provocadas por pressões comerciais constantes.

1.14   O CESE considera que se deve aplicar de forma sistemática e direccionada o «princípio da proporcionalidade», segundo o qual um pequeno intermediário que efectue transacções simples não pode estar sujeito à mesma carga regulamentar que uma organização multinacional complexa, sendo naturalmente evidente que o mercado deve continuar a usufruir das mesmas garantias. As normas são adoptadas para proteger o mercado.

1.15   Ao garantir que os Estados-Membros não adoptam medidas que iriam ocasionar uma distorção da concorrência, a Comissão Europeia pode contribuir para a protecção da diversidade no fornecimento de serviços financeiros, bancários e de seguros. As normas relativas aos auxílios estatais devem ter este aspecto em consideração.

1.16   O capitalismo de casino e o turbo-capitalismo têm visado grandes empresas financeiras e industriais que foram reduzidas, após vendas fraccionadas do seu património, a meras sombras do passado, apanhando nestas operações de «destruição» do valor intrínseco da empresa milhares de trabalhadores, famílias, accionistas e a economia em geral, deixando atrás de si apenas ruínas.

1.17   No presente parecer, o CESE reafirma a necessidade de colocar a economia ao serviço do homem, tal como foi defendido por um grande economista (3): «O maior perigo reside na subordinação das convicções às necessidades do sistema industrial moderno. Segundo estas, a tecnologia é sempre benéfica; o crescimento económico é sempre benéfico; as empresas devem sempre expandir-se; o consumo de bens é a principal fonte de felicidade; a ociosidade é perversa; e nada deve interferir com a prioridade concedida à tecnologia, ao crescimento e ao aumento do consumo».

2.   Introdução

2.1   A ética e o impulso gregário

2.1.1   O pensamento grego criou uma base sólida para a cultura ocidental e é deste pensamento que podemos partir para definir, em primeiro lugar, os conceitos de «ético» e «social».

2.1.2   Segundo Aristóteles, o objecto da ética é o bem do homem, entendido não num sentido abstracto, mas como o máximo de «bens» que podem ser adquiridos e conseguidos através da acção. O maior bem pelo qual os indivíduos lutam é a felicidade; a maior forma de felicidade é a acção virtuosa.

2.1.3   A felicidade é, simultaneamente, a melhor, a mais bela e a mais agradável de todas as coisas, qualidades estas que não devem ser separadas, como o faz a inscrição de Delos:

«a)

De todas as coisas, a justiça é a mais bela;

b)

a saúde, a mais útil;

c)

porém, a mais agradável é a posse do objecto desejado;

d)

pois que, todas estas propriedades estão presentes nas melhores actividades: e estas, ou uma delas — a melhor — nós a identificamos com a felicidade» (Aristóteles, Ética a Nicómaco, Livro I).

2.1.4   A filosofia pode ajudar-nos a entender de que forma, paralelamente a uma realidade absoluta da ética, podem existir realidades relativas que satisfazem os grupos sociais, pequenos ou grandes, que partilham a mesma ideia de felicidade e que se associam para a alcançar.

2.1.5   A ética e os valores plurais coexistem e são representativos da riqueza histórica da humanidade em todas as suas diferentes manifestações, incluindo as que se tornaram recentemente conhecidas pela designação de «economia da felicidade». Este conceito estuda, de forma sistemática, a partir de uma base empírica, a natureza da felicidade e as vias possíveis para a alcançar.

2.1.6   Está provado que o crescimento da economia, sem o crescimento concomitante de outros factores de satisfação, não aumenta a felicidade pessoal. Pelo contrário, «Para além de um determinado limite, o crescimento da economia não resulta numa maior felicidade. O aumento constante do consumo pressupõe o aumento constante do trabalho necessário para financiá-lo e do tempo consagrado à actividade profissional. Tudo isto em detrimento das relações humanas — e são precisamente estas relações que são a principal fonte de felicidade» (4).

2.1.7   Vários inquéritos realizados pelo Eurostat já demonstraram que, apesar de o rendimento per capita na Europa ter aumentado, sem interrupções, durante os últimos 25 anos, os níveis de felicidade não registaram alterações significativas. Nos Estados Unidos, os resultados obtidos foram muito semelhantes.

2.2   A crise financeira de 2007-2008: o que se segue?

2.2.1   A agitação persistente que se instalou nos mercados financeiros desde Fevereiro de 2007, afectando as principais instituições financeiras e bancárias, tornou-se um dos principais pontos da agenda do debate político internacional.

2.2.2   Os efeitos da crise entre as instituições de crédito hipotecário nos Estados Unidos alargaram-se e tornaram-se mais agudos devido ao facto de muitas das dívidas classificadas como «subprime» — ou seja, em que o reembolso é pouco provável — terem sido integradas, através de um processo de titularização, em «pacotes» de dívidas mais vastos, com uma total falta de transparência quanto à escala do problema. O resultado é que os operadores passam a deter títulos pouco seguros e desvalorizados.

2.2.3   Esta incerteza desencadeou uma perda de confiança ulterior no sistema financeiro, o que teve consequências muito negativas para os negócios que se baseiam num fluxo constante de crédito barato.

2.2.4   Os «hedge funds» (fundos de retorno absoluto) ou fundos de investimento especulativo foram as primeiras vítimas da crise financeira, incluindo os operados pelos grandes bancos comerciais. Foram vários os bancos europeus que acabaram por ver uma grande parte da dívida norte-americana do «subprime» na sua contabilidade. Alguns bancos alemães, conhecidos pela sua prudência, foram atingidos de forma particularmente dura, embora o flagelo também se tenha alastrado a instituições financeiras imunes, para as quais o custo do dinheiro subiu vertiginosamente. Esta foi a causa da quase falência do Northern Rock.

2.2.5   O caso da Société Générale está, em parte, relacionado com as convulsões financeiras que tiveram início no Verão passado e, em parte, com uma certa tendência para incentivar os operadores nos mercados financeiros a assumirem riscos excessivos que tanto podem traduzir-se em avultados lucros, como em perdas astronómicas no caso de tomadas de posição imprudentes. Esta situação revelou a dramática insuficiência dos procedimentos de controlo interno aplicados neste estabelecimento e deixa dúvidas quanto às práticas de todo o sistema bancário na matéria.

2.2.6   Trata-se da «finança de casino», em que, infelizmente, a «banca falida» é constituída pelos aforradores, em particular os mais vulneráveis, que, de uma forma ou de outra, têm de pagar uma factura pela qual não são responsáveis, pelos trabalhadores (mais de cem mil despedimentos no sector financeiro até à data, fora os que ainda estão para vir) (5) e pelos cidadãos, cuja segurança é comprometida e que se interrogam quanto à credibilidade do sistema financeiro.

2.2.7   Até à data, os prejuízos declarados atingem os 400 mil milhões de dólares, devendo, segundo estimativas fiáveis, ascender a 1 200 mil milhões de dólares (6). Os grandes investidores institucionais e os fundos de pensão são naturalmente afectados, mas é todo o sistema económico que sofre as pesadas consequências com o aumento do custo e a menor disponibilidade do dinheiro, com o consequente aumento dos preços e da inflação e as suas repercussões no arrefecimento da economia. Uma espiral perversa que atravessa toda a actividade económica. Em alguns Estados-Membros fala-se já de recessão.

2.2.8   É certo que, com algumas excepções isoladas e limitadas, o sistema financeiro europeu tem sido mais vítima do que culpado. Contudo, também é verdade que a «financeirização» da economia, a procura de meios cada vez mais sofisticados com vista à multiplicação das oportunidades de lucro, o papel cada vez mais agressivo dos fundos especulativos e o surgimento dos fundos soberanos, com recursos muito elevados, relegaram a economia real para um papel cada vez mais marginal, evidenciando simultaneamente as lacunas dos sistemas de controlo nacionais, a ineficácia dos mecanismos de cooperação entre as diferentes autoridades e o papel preocupante das agências de notação, nomeadamente as que se dedicam à denominada notação ética (que atribuíram avaliações positivas a empresas como a Parmalat, dotada de um magnífico código de conduta).

2.2.9   Esta crise teve repercussões em todos os intervenientes do mercado, independentemente de possuírem um perfil especulativo de destaque, com pouca visibilidade ou inexistente. A integração dos mercados atingiu um ponto em que ninguém pode afirmar que está imune a repercussões negativas. O problema reside no facto de apenas os aspectos negativos serem partilhados, enquanto os lucros ficam seguros nas mãos dos especuladores.

3.   O sistema financeiro europeu

3.1   Bancos

3.1.1   Os bancos constituem o elemento central de ligação entre os intermediários financeiros. Em alguns países, possuem um forte domínio sobre a economia real, exercendo um poder que não é exclusivamente económico, influenciando o desenvolvimento territorial e empresarial e multiplicando as suas oportunidades de lucro.

3.1.2   Embora as instituições bancárias operem num contexto de mercado e ofereçam todas, essencialmente, os mesmos serviços, desde os totalmente uniformizados aos mais especializados, têm origens muito distintas que se mantiveram ao longo do tempo.

3.1.3   Paralelamente aos bancos comerciais e aos bancos de investimento, que ocupam uma posição predominante no mercado, existem as caixas económicas de inspiração pública, criadas para proporcionar às comunidades urbanas, e particularmente aos seus membros mais pobres, uma bóia de salvação nos momentos de crise. As primeiras caixas económicas deste tipo foram constituídas no império alemão, no início do século XIX, embora muitas tivessem apenas mudado o nome das casas de penhores já existentes, criadas no século XV. Actualmente, representam cerca de um terço do mercado de retalho com 160 milhões de clientes e 980 mil empregados. Alguns exemplos de acções inclusivas realizadas pelas caixas económicas são «Die Zweite Sparkassen» na Áustria e «Parcours confiance» em França.

3.1.4   Em algumas regiões periféricas e em zonas rurais, desenvolveu-se o movimento das caixas agrícolas e artesanais para combater o fenómeno da usura, com base nas ideias de Friedrich Wilhelm Raiffeisen que fundou a primeira «Darlehenskassenverein» em 1864. Os bancos populares, também baseados em princípios cooperativos, desenvolveram-se a partir das ideias de Franz Hermann Schulze-Delitzsch, que criou o primeiro «Vorschussverein» (banco do povo) em 1850. O grande movimento do crédito cooperativo e dos bancos populares desenvolve-se a partir destas experiências, detendo actualmente na UE uma parte do mercado superior a 20 %, com mais de 140 milhões de clientes, 47 milhões de sócios e 730 mil empregados.

3.1.5   Esta nota histórica mostra que a sociedade civil sempre atribuiu aos bancos um lugar no sistema económico, que é, pelo menos parcialmente, diferente do das outras empresas. Dos bancos sempre se esperou também a prossecução de fins éticos ou sociais e não apenas lucrativos.

3.1.6   Um aspecto significativo do qual o sector financeiro tem de estar consciente é a possibilidade de maior acesso aos serviços financeiros. Enquanto nos países em vias de desenvolvimento apenas 20 % da população tem acesso ao crédito, na Europa este número sobe para uns animadores 90 %. Contudo, continua a ser insuficiente, uma vez que os restantes 10 % poderão ser alvo de uma discriminação realmente muito grave.

3.2   Seguros

3.2.1   Enquanto os primeiros bancos modernos remontam ao início do século XV em Itália — Banco de San Giorgio de 1406 — e alguns deles, como o Monte dei Paschi, fundado em Siena em 1472, ainda hoje existem, as origens dos seguros são bastante mais antigas. Os primeiros tipos de seguros datam de entre o segundo e o terceiro milénio antes de Cristo na China e na Babilónia. Os gregos e os romanos foram os primeiros a introduzir os conceitos de seguro de vida e de saúde, com as suas «sociedades de beneficência» que pagavam tratamentos médicos, abonos de apoio à família e até funerais. As guildas da Idade Média tinham a mesma finalidade. O contrato de seguro, dissociado do investimento, foi inventado em Génova no século XIV (1347). Estes contratos fizeram a fortuna de Edward Lloyd que, em 1688, abriu um café na Tower Street, em Londres, frequentado por armadores, mercadores e comandantes de navios, o local de encontro ideal para os grupos que procuravam fazer um seguro do navio e da respectiva carga e para os que pretendiam ter uma participação financeira na empresa. Foi também por volta desses anos, após o terrível incêndio de Londres, em 1666, que destruiu 13 200 casas, que Nicholas Barbon fundou a primeira companhia de seguros contra incêndios, o «The Fire Office».

3.2.2   Na sequência da experiência da Lloyd's (que não era, do ponto de vista técnico, uma companhia de seguros), o modelo do seguro disseminou-se por toda a Europa e as companhias de seguros começaram a operar. O desenvolvimento dos seguros modernos prende-se com a teoria moderna das probabilidades que teve como precursores Pascal e Fermat, mas também Galileu. Começaram a funcionar organismos mútuos nos círculos das seguradoras, propriedade dos subscritores das apólices e não de accionistas, ou seja dos seus clientes directos. No século passado, surgiram as cooperativas de seguros, que, em alguns países, assumiram uma posição importante devido à sua grande capacidade para oferecer produtos de qualidade a todo o mercado. À semelhança dos bancos cooperativos, as mútuas de seguros estão fortemente ligadas aos sistemas económicos locais e contribuem de forma substancial para o respectivo desenvolvimento, designadamente através do reinvestimento de uma parte significativa do seu valor acrescentado.

3.3   Actividade bancária e seguradora com ética

3.3.1   Nos últimos anos, começaram a operar as companhias seguradoras e os bancos éticos, que visam a manutenção das relações comerciais e a disponibilização de apoio financeiro apenas para as empresas que cumpram requisitos rigorosos, baseados em valores, partilhados pela comunidade que criou estes bancos e estas seguradoras. Os requisitos em matéria de sustentabilidade ambiental, uma posição intransigente relativa ao mercado de armamento e um compromisso firme no sentido do combate a qualquer tipo de discriminação são alguns exemplos desses «valores», que constituem um marco de referência neste domínio.

3.3.2   Finança «ética» e microfinança

3.3.2.1   Por finança ética entende-se a actividade financeira que promove iniciativas de âmbito humano, social e ambiental em função de uma avaliação ética e económica das respectivas repercussões no ambiente e na sociedade, realizada com o objectivo primordial de fornecer apoio financeiro às actividades em causa ou mesmo a particulares através do microcrédito.

3.3.2.2   A microfinança assenta em bancos especializados, que envolvem montantes pequenos, destinados aos segmentos mais desfavorecidos da população que estariam excluídos do sistema bancário tradicional, e é sobretudo conhecida pela sua presença no Terceiro Mundo. Contudo, convém não esquecer que os países ocidentais também têm uma tradição importante no domínio da micropoupança (enquanto o microcrédito tem desempenhado um papel mais marginal, por exemplo, através das casas de penhores de outros tempos). Os depósitos de baixo custo multianuais são um exemplo de micropoupança.

3.3.2.3   A actividade de finança ética baseia-se nos seguintes princípios (7):

a)

não discriminação dos beneficiários do investimento em razão do sexo, da religião ou da origem étnica ou em razão do património, partindo do princípio que o crédito, em todas as suas formas, é um direito humano;

b)

acesso aos mais desfavorecidos, com base na validade de formas de garantias pessoais, de categoria ou da comunidade, em pé de igualdade com garantias baseadas no património;

c)

eficiência, que, no âmbito do financiamento ético, não é definida em termos de beneficência, mas de actividade economicamente vital e socialmente útil;

d)

participação do aforrador nas escolhas da empresa que recolhe os fundos, através da indicação das preferências quanto ao destino desses fundos ou de mecanismos democráticos de participação no processo decisório;

e)

total transparência e acesso a todas as informações, razão pela qual as poupanças devem ser nominativas e os clientes têm o direito de ser informados quanto ao modo de funcionamento da instituição financeira e quanto às decisões por esta tomadas relativas ao crédito e ao investimento;

f)

renúncia ao enriquecimento com base unicamente na posse e na movimentação de dinheiro, de modo que as taxas de juro sejam mantidas ao nível mais justo possível, com base em critérios que não sejam apenas económicos, mas também éticos e sociais;

g)

ausência de relações financeiras com intervenientes ou actividades económicas que constituam um obstáculo ao desenvolvimento humano e que contribuam para a violação dos direitos humanos fundamentais, como a produção e o comércio de armamento, a fabricação de produtos de forma gravemente prejudicial para a saúde e para o ambiente, as actividades com base na exploração de menores ou na repressão das liberdades cívicas, etc.

3.3.2.4   Por «seguros éticos», entende-se a actividade seguradora que se baseia nos seguintes princípios (8):

a)

mutualidade, entendida como o regresso ao sentido original do seguro enquanto instrumento de solidariedade entre os que não incorrem em perdas e os que sofrem prejuízos e têm necessidade de ser compensados;

b)

segurabilidade, entendida como a garantia, para todos, de protecção pelo seguro contra eventuais adversidades, sem distinções injustas em razão da idade, de uma possível incapacidade ou de outras dificuldades sociais;

c)

transparência, entendida como a clareza contratual e a verificabilidade dos critérios utilizados na determinação do prémio;

d)

criação de um benefício para o território;

e)

igualdade de dignidade entre as partes contratantes.

3.3.3   Investimento ético

3.3.3.1   O investimento ético tem por objectivo financiar iniciativas no domínio do ambiente, do desenvolvimento sustentável, dos serviços sociais, da cultura e da cooperação internacional. A selecção dos títulos não se limita à aplicação dos critérios financeiros tradicionais, mas baseia-se também em critérios de responsabilidade social, como a qualidade das relações de trabalho, o respeito pelo ambiente e a transparência.

4.   Responsabilidade social das empresas (RSE)

4.1   A Direcção-Geral das Empresas e da Indústria e a direcção-geral responsável pelos assuntos sociais da Comissão estão a cooperar com as associações patronais em algumas áreas temáticas. Uma delas é a informação adequada aos aforradores, com o objectivo de os ajudar a compreender melhor os mecanismos que regem os mercados financeiros e os produtos disponíveis. As iniciativas no domínio da educação financeira constituem um meio eficaz e socialmente responsável de permitir aos aforradores evitar o investimento em produtos não adequados às suas expectativas e aos seus perfis de risco.

4.2   A participação das partes interessadas nas iniciativas de RSE ainda está limitada a um número muito reduzido de empresas e, em parte, a actividades vocacionadas para o conjunto dos interessados. Apesar de haver ainda um longo caminho a percorrer, sectores como os bancos populares e cooperativos, as caixas económicas, as cooperativas de seguros e as sociedades mútuas pretendem fazer ainda mais e melhor.

4.3   Os incentivos aos quadros superiores e aos responsáveis pelos bancos de investimento são um dos problemas que emergiram, devendo ser revistos e reduzidos para um nível razoável, relacionado de forma adequada com os lucros e com os resultados da empresa. Actualmente, os trabalhadores e os consumidores afectados pela crise financeira reprovam as remunerações excessivas dos quadros superiores, que contribuem para aumentar as suas dificuldades. Estas remunerações mantêm-se, amiúde, extremamente elevadas, independentemente dos bons ou maus resultados obtidos.

4.4   Os novos modelos de gestão das empresas financeiras, orientados para a maximização dos lucros a muito curto prazo, parcialmente devido às avaliações de desempenho efectuadas trimestralmente, estão a estimular condutas, por vezes, irresponsáveis, tal como se verificou nos casos recentes de escândalos financeiros em alguns Estados-Membros. Em contrapartida, a responsabilidade social tenta tornar os lucros estáveis e sustentáveis ao longo do tempo, valorizando os activos corpóreos e incorpóreos das empresas, que, no caso de empresas financeiras, são constituídos pelos trabalhadores e pelas relações de confiança estabelecidas com os clientes.

4.5   O CESE preconiza uma adopção generalizada de códigos de conduta inspirados na responsabilidade social das empresas. É fundamental que estes códigos sejam verificáveis e verificados para evitar a repetição de situações em que excelentes códigos de conduta foram assinados e divulgados por gestores que burlaram centenas de milhares de aforradores, como aconteceu nos mais graves escândalos financeiros dos últimos anos (9).

5.   Os bancos locais e o desenvolvimento das economias locais e das PME

5.1   Os diferentes tipos de bancos encontram-se a disputar o mesmo mercado, oferecendo basicamente o mesmo tipo de serviços. A eficiência económica é um requisito que todos devem cumprir, independentemente de se tratar de sociedades anónimas ou de bancos privados orientados sobretudo para os lucros dos accionistas, ou de outras empresas mais orientadas para o desenvolvimento económico e social das suas zonas de influência, que dedicam uma atenção especial aos problemas do acesso ao crédito, aos clientes menos abastados, ao desenvolvimento das PME e à promoção dos grupos sociais mais vulneráveis e das regiões periféricas e ultraperiféricas.

5.2   Aparentemente, a taxa de crescimento da economia local é significativamente mais alta nas zonas onde o sistema bancário local está mais desenvolvido. É também importante salientar que, em muitos países, os bancos locais assumem principalmente a forma das caixas económicas e das sociedades cooperativas, que reinvestem localmente uma parte significativa dos seus lucros.

5.3   «O sistema bancário tem uma dupla responsabilidade: ao nível das empresas, deve melhorar a eficiência da gestão das empresas de crédito, medida em termos não apenas da rentabilidade (o “ser útil”), mas também da capacidade de inovação e da qualidade do capital humano utilizado; e, ao nível do território, tem a responsabilidade de contribuir para o desenvolvimento local (o “criar desenvolvimento”), medido em termos não apenas do volume do crédito concedido, mas também da capacidade para investir na selecção de projectos e na avaliação do potencial dos empresários e das empresas. Isto pode ser definido como eficiência territorial. A eficiência da gestão deve ser colocada ao serviço da eficiência territorial: não faz sentido ter bancos eficientes, mas que não contribuem para o desenvolvimento local (10)».

5.4   As PME encontraram um instrumento útil para agilizar o acesso ao crédito dos seus associados através das sociedades de caução e garantia, organizadas igualmente a nível europeu. Estas sociedades privilegiam o crédito de investimento para as pequenas e médias empresas que não têm as garantias pessoais solicitadas pelos mutuantes para construir uma relação bancária estável.

6.   O papel dos decisores políticos

6.1   O CESE começa por salientar que, neste domínio, uma abordagem intervencionista é desadequada, dado que a experiência prova que é conveniente as iniciativas de carácter social e ético surgirem espontaneamente das bases. Qualquer intervenção «activa» poderia reprimir ou desviar o espírito espontâneo que constitui a principal salvaguarda da «biodiversidade» do sistema económico e financeiro. Simultaneamente, o CESE considera que os decisores políticos têm de se abstrair de qualquer acção que coloque entraves às iniciativas existentes ou ao surgimento espontâneo de novas iniciativas.

6.2   O CESE interroga-se se as iniciativas de conteúdo ético ou social levadas a cabo por organizações habitualmente com fins lucrativos devem usufruir de benefícios fiscais ou regulamentares. Neste caso, é necessário distinguir entre duas situações bastante diferentes.

6.2.1   Uma organização com fins lucrativos lança uma iniciativa que é estruturalmente independente da sua actividade habitual (por exemplo, a operação «Point Passerelle» do Crédit Agricole). Neste caso, a oportunidade da atribuição de uma compensação em relação ao procedimento habitual não deve suscitar muitas dúvidas.

6.2.2   Uma organização com fins lucrativos lança iniciativas que não são estruturalmente diferentes da sua actividade habitual. Relativamente a estes casos, a oportunidade da introdução de um sistema de compensação tem sido alvo de aturados debates. Os partidários da compensação fiscal, financeira ou regulamentar defendem que as externalidades positivas decorrentes da iniciativa justificam um tratamento especial. Os opositores desta ideia baseiam-se em duas considerações principais: apenas as iniciativas levadas a cabo numa situação de equilíbrio económico autónomo (ou seja, nas quais seja possível garantir um lucro suficiente) poderão manter-se com o passar do tempo. Além disso, a acção genuinamente ética ou social deve ocorrer desinteressadamente e não ser motivada por vantagens de natureza regulamentar, financeira ou fiscal. A acção ética ou social é, em si mesma, «recompensadora». O simples facto de fazer o bem já deveria constituir uma satisfação para o autor da acção.

6.2.3   O CESE considera que actualmente a compensação para as iniciativas éticas ou sociais já é, na prática, reconhecida em todos os sistemas. A legislação fiscal permite a dedução apenas das despesas necessárias à criação do rendimento. Este princípio (evidentemente, dentro de determinados limites e condições) não é aplicável quando as despesas consistem em doações a organismos de solidariedade ou de utilidade social. Neste caso, a dedução do rendimento tributável é permitida, apesar de a despesa não ser necessária à criação desse rendimento.

6.2.4   O CESE considera que o quadro legislativo nunca é neutro relativamente à conduta das organizações e dos indivíduos. Com base nesta constatação, o CESE considera que, num sistema que já incentiva determinados tipos de conduta, sistematizar e generalizar o princípio de um sistema de compensação para todas as iniciativas éticas ou sociais vai ao encontro dos critérios de equidade e de racionalidade aplicáveis ao papel público na economia e na sociedade.

6.2.5   O princípio proposto pelo CESE pressupõe que o benefício da compensação seja atribuído não directamente às instituições, mas às suas iniciativas éticas ou sociais. O CESE não considera que se trate de um procedimento inadequado visto que também não é possível separar a ética da economia, exigindo que apenas as iniciativas que não proporcionem um benefício económico aos respectivos autores possam ser consideradas verdadeiramente éticas. Esta linha de acção faria com que as iniciativas éticas fossem identificadas apenas com as obras de beneficência ou as doações de generosidade.

7.   Compensação financeira e tributação

7.1   O CESE saúda as iniciativas neste sentido. Esta abordagem pode justificar-se também por motivos de ordem económica. Por diversas razões, resultantes de opções políticas, de restrições das finanças públicas ou de orientações de eficiência económica, nos últimos 10 a 20 anos o Estado «social» tem vindo a registar algum desgaste. Para evitar um decréscimo excessivo no bem-estar das populações, o crescimento económico não pode ser encarado como o único meio para criar bem-estar e protecção social, devendo privilegiar-se a criação de espaços para iniciativas ascendentes.

7.2   O modo como os Países Baixos estruturaram o sector dos seguros de doença constitui um exemplo de regulamentação que favorece a integração entre o sector público e o privado com o objectivo de continuar a garantir níveis elevados de Estado-Providência. Enquanto, por um lado, as seguradoras são obrigadas a segurar todos os cidadãos, por outro lado, têm acesso a um sistema público de compensações, tendo em conta os maiores riscos que, deste modo, têm de assumir. O mercado holandês também tomou iniciativas exemplares para facilitar o acesso das pessoas seropositivas ao seguro de vida.

7.3   A Bélgica oferece um exemplo interessante de compensação financeira destinado a facilitar o acesso a serviços financeiros básicos. Um fundo interbancário compensa os intermediários que fornecem um acesso mais fácil aos serviços. Na prática, isto significa que os intermediários mais restritivos são os contribuintes líquidos para esse fundo, enquanto os parceiros que adoptam uma abordagem mais aberta são os beneficiários líquidos.

7.4   No que diz respeito aos benefícios fiscais, já existe um sistema generalizado de favorecimento das cooperativas que prosseguem objectivos baseados no princípio das mutualidades.

7.5   Um exemplo de legislação que concede benefícios fiscais às organizações com fins sociais explícitos é o que diz respeito às organizações sem fins lucrativos de utilidade social (ONLUS), na Itália.

8.   Regulamentação

8.1   As normas impõem custos e restrições que constituem uma sobrecarga para o funcionamento das empresas e dos intermediários. Nos últimos vinte anos, as intervenções foram orientadas no sentido da aplicação do princípio da igualdade. Ao colocar todos os intervenientes comparáveis (por exemplo, bancos, companhias de seguros, etc.) no mesmo pé de igualdade, as normas funcionaram como um instrumento de promoção da concorrência e de eficiência económica. Se este princípio for aplicado com demasiada rigidez e sem as correcções necessárias, irá tornar-se um obstáculo intransponível à formação e à sobrevivência de iniciativas éticas e sociais. Este risco pode ser minimizado através da aplicação sistemática e direccionada do «princípio da proporcionalidade», segundo o qual um pequeno intermediário, que efectue transacções simples, não pode estar sujeito à mesma carga regulamentar que uma organização multinacional complexa.

8.2   Sempre que uma determinada organização tiver comprovadamente abandonado, pelo menos parcialmente, mas de forma estrutural e permanente, o princípio da maximização dos lucros para promover iniciativas de natureza ética ou social, deverá poder beneficiar de normas fiscais e regulamentares que sejam, pelo menos em parte, diferentes das aplicadas no regime geral. Em alguns Estados-Membros, os investidores éticos já beneficiam de uma derrogação à directiva bancária. Devem ser envidados esforços no sentido de alargar este princípio a todos os Estados.

8.3   Apesar do reconhecimento concedido pelo Tratado Europeu, alguns Estados-Membros ainda não o reconhecem nem o defendem explicitamente. É necessário empreender esforços para obter um reconhecimento mais sistemático e generalizado deste modo de governação da sociedade.

8.4   Ao garantir que os Estados-Membros não adoptam medidas que iriam ocasionar uma distorção da concorrência, a Comissão Europeia pode contribuir para a protecção da diversidade no fornecimento de serviços financeiros, bancários e de seguros. As normas relativas aos auxílios estatais devem ter este aspecto em consideração.

Bruxelas, 23 de Outubro de 2008.

O Presidente

do Comité Económico e Social Europeu

Mario SEPI


(1)  A.F. Utz, Etica economica (Ética Económica), San Paolo, Cinisello Balsamo, 1999.

(2)  Konrad Adenauer, Memorie 1945-1953 (Memórias 1945-1953), Mondadori, Milão, 1966;

(3)  John Kenneth Galbraith, «The Atlantic Monthly», Junho de 1967. Título original: Liberty, Happiness. and the Economy (Liberdade, Felicidade e a Economia).

(4)  Luca De Biase, Economia della felicità (Economia da Felicidade), Feltrinelli, 2007.

(5)  Fonte: UNI, United Network International — Genebra, 2008.

(6)  Boletim do Banco de Itália, n.o 52, Abril de 2008.

(7)  Democracia participativa: definições retiradas de um estudo financiado pela Assessoria ao Orçamento da região de Lácio (Itália).

(8)  Idem.

(9)  Estes indivíduos foram ainda distinguidos com honras justificadas pelo seu empenho ao nível local, nacional e internacional no desenvolvimento da actividade da empresa com coragem, tenacidade, inventividade, preparação profissional superior, visão clara das coisas, associada a uma ética comportamental que contradiz todos quantos — na verdade, os poucos — consideram que ética e economia são conceitos quase irreconciliáveis.

(10)  P. Alessandrini (2003), Le banche tra efficienza gestionale ed efficienza territoriale: alcune riflessioni (Os bancos entre eficiência da gestão e eficiência territorial: Algumas reflexões).