52008DC0192




[pic] | COMISSÃO DAS COMUNIDADES EUROPEIAS |

Bruxelas, 15.4.2008

COM(2008) 192 final

RELATÓRIO DA COMISSÃO AO CONSELHO E AO PARLAMENTO EUROPEU

Progressos realizados na criação do mercado interno do gás e da electricidade [SEC(2008) 460]

RELATÓRIO DA COMISSÃO AO CONSELHO E AO PARLAMENTO EUROPEU

Progressos realizados na criação do mercado interno do gás e da electricidade

A. CONTEXTO

A importância da energia para o crescimento e a competitividade da União Europeia não pára de aumentar. A prestação de serviços energéticos fiáveis, a preços aceitáveis, quer para os utilizadores industriais quer para os agregados familiares, continua a ser um factor primordial de desenvolvimento económico e social. O bom funcionamento do mercado interno da energia é essencial para vencer os três desafios que se colocam à União Europeia: competitividade, sustentabilidade e segurança do aprovisionamento.

O último passo no sentido da criação de mercados concorrenciais da energia foi dado em 1 de Julho de 2007, com a abertura plena dos mercados retalhistas nacionais. No plano jurídico, a partir de agora, todos os consumidores europeus podem escolher o seu fornecedor e tirar proveito da concorrência.

Contudo, o presente relatório mostra que, na prática, a integração do mercado ainda está longe de constituir um êxito. Salvo raras excepções, os mercados europeus da electricidade e do gás permanecem mercados nacionais com uma concorrência limitada do ponto de vista económico.

O presente relatório chama a atenção para o facto de se manterem ainda, em larga medida, os problemas identificados no relatório intercalar da Comissão para o período de 2006/2007, bem como no relatório sobre o estudo sectorial dos mercados europeus da electricidade e do gás. Nem todas as lacunas podem ser resolvidas com a legislação em vigor; é necessário adoptar um melhor quadro legislativo.

B. PROGRESSOS REGISTADOS EM DOMÍNIOS ESSENCIAIS, DEFICIÊNCIAS QUE SUBSISTEM

1. Aplicação da legislação

Todos os Estados-Membros[1] cumpriram o prazo de 1 de Julho de 2007 para a abertura completa dos seus mercados do gás e da electricidade[2]. No entanto, foram criadas restrições a uma concorrência livre e leal dada a coexistência de segmentos de mercado aberto e de preços regulados para o consumidor final.

Mais de três anos volvidos sobre a data-limite de aplicação das directivas[3] relativas à electricidade e ao gás, alguns Estados-Membros ainda não satisfazem devidamente os requisitos legais. Esta situação ocorre em domínios da maior importância para a liberalização do mercado, nomeadamente no domínio do controlo regulamentar, da separação das redes e da regulação das tarifas de fornecimento, além da notificação das obrigações de serviço público.

As entidades reguladoras desempenham um papel estatutário fundamental no acompanhamento da aplicação das regras pelos operadores de rede. O ERGEG[4] cumpre uma importante função de coordenação das medidas nacionais de acompanhamento e, consequentemente, na harmonização da avaliação da conformidade. O acompanhamento pelo ERGEG[5] da aplicação dos regulamentos relativos à electricidade[6] e ao gás[7] em 2007 revela um cumprimento inadequado em domínios da maior importância para o desenvolvimento de mercados líquidos, nomeadamente no capítulo da transparência e da atribuição de capacidade primária. Cerca de 15% dos operadores europeus de redes de transporte (ORT) de gás não satisfazem os requisitos aplicáveis ao sector em matéria de transparência. Cerca de um terço dos ORT não publica os dados impostos pela regulamentação relativos aos fluxos históricos e às taxas de utilização da capacidade nem as previsões de capacidade disponível. Paralelamente, um terço dos ORT que aplicam a regra "menos de três expedidores”[8] não publica os dados agregados exigidos e cerca de 85% aplicam a regra da isenção sem a necessária autorização das entidades reguladoras.

Os relatórios sobre os indicadores de mercado — uma responsabilidade dos Estados-Membros – são por norma insuficientes. Note-se que apenas 30% das entidades reguladoras nacionais têm capacidade para prestar informações sobre a percentagem de mudanças de fornecedor na indústria, pequenas e médias empresas e agregados familiares.

2. Integração do mercado

O mercado continua a apresentar um nível insuficiente de integração. Esta situação conduz, nomeadamente, a diferenças nos preços, a monopólios regionais e a um persistente congestionamento transfronteiras.

Num mercado bem integrado, a concorrência mantém preços similares entre Estados-Membros ou regiões limítrofes. Os preços para os consumidores industriais de electricidade começam a convergir nas regiões do noroeste e do centro da União Europeia mas, nalguns casos[9], continuam a registar diferenças de quase 100%. Uma utilização mais eficiente da infra-estrutura veio permitir uma certa melhoria na correlação dos preços da electricidade, particularmente entre a região Países Baixos/Bélgica/Áustria/França/Alemanha e o mercado nórdico.

O comércio transfronteiras é um importante foco de pressão concorrencial sobre os preços. Atendendo a que a existência de capacidades de rede suficientes constitui um pré-requisito das trocas comerciais, é necessário remover os pontos de estrangulamento que persistem na infra-estrutura de gás e electricidade. Em cinco Estados-Membros, a relação entre a capacidade de interligação da rede de transporte de electricidade e a capacidade instalada é de menos de 10%. Noutros dez Estados-Membros, situa-se entre 10% e 30%. O planeamento coordenado do investimento e os estudos de mercado são fundamentais para uma oferta de capacidade à escala comunitária. As medidas voluntárias adoptadas no quadro da iniciativa regional promovida pela Comissão com o apoio operacional do ERGEG[10] (nomeadamente, os estudos coordenados sobre a procura de fluxos de gás na Península Ibérica, a análise dos investimentos regionais no domínio do transporte e da armazenagem de gás na região do sudeste) são certamente positivas, mas os acordos voluntários não são suficientes para garantir o nível de segurança necessário, para dar resposta à procura do mercado.

A falta de independência dos operadores de rede continua a impedir um investimento adequado. A experiência mostra que, quando os operadores históricos nacionais são accionistas das redes de transporte nos seus mercados, o seu interesse em limitar a concorrência no seu mercado nacional constitui, com frequência, um obstáculo a um desenvolvimento suficiente da capacidade a montante. Há estudos que apontam para uma correlação entre uma separação adequada das actividades e o investimento. A parte das receitas ligadas à gestão do congestionamento reinvestida na capacidade de interligação tem sido cerca de duas vezes superior no caso dos ORT de propriedade separada em relação aos ORT de integração vertical e os níveis de investimento duplicaram, pelo menos, nos três a quatro anos que se seguiram à separação da propriedade.

Há, contudo, que reconhecer a existência de outros factores com influência nos níveis de investimento, designadamente a regulação das tarifas. As entidades reguladoras deveriam propor um enquadramento favorável ao investimento, incluindo um sistema regulador estável e incentivos justos ao investimento, além de um mercado integrado, tendo nomeadamente em vista uma redução tarifária. A regulamentação em matéria de incentivos não está ainda suficientemente desenvolvida.

As diferentes regulamentações em vigor nos Estados-Membros continuam a ser um obstáculo à integração do mercado. Refira-se o projecto-piloto coordenado para leiloar a capacidade de gás na região do Noroeste[11], o qual foi bloqueado devido às divergências nas legislações nacionais. É necessário obter mais apoio dos Estados-Membros para vencer estes obstáculos.

As vantagens oferecidas por uma infra-estrutura suficiente apenas se farão sentir se a capacidade oferecida aos intervenientes no mercado obedecer a condições não discriminatórias, que favoreçam as trocas comerciais. È importante que a diferença de tratamento dado aos serviços transfronteiriços e ao transporte doméstico não dê origem à discriminação dos utilizadores nem a incompatibilidade com a legislação em vigor (ou proposta). Ao mesmo tempo, os sistemas de capacidade devem ter a maior flexibilidade possível, objectivo que será mais facilmente atingido com um regime dissociado de entrada-saída.

Desenvolvimentos regionais

Foram elaborados vários projectos bilaterais e multilaterais destinados a melhorar a integração transfronteiras, com particular destaque para as iniciativas regionais adoptadas pelo ERGEG para a cooperação governamental no quadro dos Fóruns Pentalaterais no Noroeste da Europa e do MIBEL/MIGAS nos países ibéricos. Ao contrário de outras iniciativas, a comunidade da energia promove a cooperação regional numa base juridicamente vinculativa.

Estes projectos são úteis para o desenvolvimento de boas práticas. Assim, as iniciativas regionais adoptadas pelo ERGEG incidiram na atribuição coordenada de capacidade além fronteiras nos mercados do gás do Noroeste da Europa, na análise coordenada da procura e no planeamento do investimento nos mercados ibérico e do Sudeste da Europa[12] do gás e na coordenação regulamentar destinada a harmonizar o processo de decisão regulamentar transfronteiras e a melhorar a transparência. Em 2006, o projecto de mercado trilateral da electricidade — um mecanismo de atribuição de capacidade que garante fluxos energéticos na boa direcção relativamente aos preços do mercado à vista — entrou em funcionamento entre a França, a Bélgica e os Países Baixos, tendo consideravelmente aumentado a eficiência do transporte da energia produzida na região. O Fórum Pentalateral para a electricidade decidiu criar um mecanismo comum de atribuição de capacidade transfronteiras, assente nos fluxos, para toda a região. Recentemente, foi dado início ao debate sobre as questões relacionadas com o gás, que deverá incidir nos pontos de estrangulamento jurídico e na segurança do aprovisionamento. Em Novembro de 2007, a República da Irlanda e a Irlanda do Norte deram início aos trabalhos de criação de um mercado grossista comum da electricidade e prevêem-se avanços no mercado do gás.

A abordagem regional permite ter em conta diferentes níveis de desenvolvimento do mercado, tendo como objectivo comum a realização do mercado único.

3. Concentração e consolidação

A nível nacional, continua a verificar-se uma grande concentração das estruturas de mercado. Além disso, os operadores históricos controlam as principais infra-estruturas, o que aumenta ainda mais o seu poder de mercado.

Entre 2005 e o segundo semestre de 2007, 40% dos Estados-Membros para os quais estavam disponíveis dados registaram um aumento do número de fornecedores independentes no mercado da electricidade. No sector do gás, apenas um quarto dos Estados-Membros registou aumentos. Contudo, no caso da França, Itália, Polónia e Países Baixos, registou-se um aumento superior a 50% (de 10 para 15 fornecedores em França; de 0 para 75 na Polónia; de 8 para 20 nos Países Baixos; de 123 para 182 (2006) em Itália). Em 7 de 21 Estados-Membros, não havia nenhum fornecedor independente a exercer a actividade no mercado nacional do gás. No sector da electricidade, esta situação só é comunicada no caso de Chipre, mas a Comissão não dispõe de dados pertinentes sobre 15 Estados-Membros.

Os mercados retalhistas ainda não estão a funcionar em pleno, devido, principalmente, às restrições de acesso impostas aos novos intervenientes no mercado de distribuição de gás. Mesmo no mercado mais desenvolvido — o Reino Unido — a concorrência é dominada pelos produtores. A entrada de novos produtores no mercado permanece crucial para a concorrência e para a segurança do aprovisionamento. O gás natural liquefeito desempenha aqui um importante papel.

Paralelamente a mercados nacionais altamente concentrados, mantém-se a tendência para a consolidação e a concentração. Se os agentes de mercado saídos das fusões e aquisições actuarem numa base concorrencial efectiva, esta situação não terá necessariamente efeitos negativos. Os governos, as entidades reguladoras nacionais e as autoridades da concorrência deveriam empenhar-se activamente na criação de um quadro que obrigue a adoptar uma atitude concorrencial sempre que não seja previsível o seu desenvolvimento a partir das estruturas do mercado, por exemplo, através da libertação de capacidade, de programas de disponibilização de gás e de requisitos rigorosos no plano da transparência.

4. Tendências a nível de preços

Com a liberalização do mercado da electricidade, os clientes nos Estados-Membros da UE-15 beneficiaram de reduções de preços acumuladas na ordem dos 60 mil milhões de euros no período de 1998-2004. Estas poupanças foram parcialmente contrabalançadas pelo aumento dos preços registado em períodos subsequentes. Os preços do gás na UE-27 acompanharam a subida do preço do petróleo. No caso dos utilizadores industriais, os preços aumentaram em média 35% entre 2005 e 2006 e mais 12% em 2007. No período de 2005-2007, registou-se um aumento total comparável no caso dos clientes domésticos, embora os aumentos de preços mais significativos tenham ocorrido principalmente em 2007[13].

Há várias razões que explicam estes desenvolvimentos. Como a concorrência continua a ser limitada, a pressão concorrencial sobre os preços também é baixa. Além disso, os preços reflectem a tendência geral, nomeadamente ao nível dos preços do petróleo, os quais registaram aumentos superiores a 50% no período de 2005-2007. Dada a relação existente entre os preços do gás e os preços do petróleo e o papel cada vez mais importante do gás na produção de energia, as oscilações nos preços do petróleo afectam os preços do gás e da electricidade.

Ao mesmo tempo, há indicações de que a independência dos operadores de rede influencia positivamente os preços, por via da promoção da eficiência de rede, facilitação do acesso à rede por parte de terceiros e contribuição para a confiança do mercado. Desde a abertura do mercado, em 1998, os Estados-Membros com ORT de propriedade separada registaram desenvolvimentos mais positivos a nível de preços que os Estados-Membros cujos ORT estavam e continuam a estar ligados a empresas de fornecimento.

5. Independência dos operadores de redes

A separação funcional ainda não é eficazmente aplicada em todos os Estados-Membros[14]. Esta situação tanto se verifica no caso da electricidade e do gás, como dos operadores de redes de transporte e distribuição. Alguns Estados-Membros foram além dos requisitos actualmente aplicáveis em termos de separação. No sector da electricidade, cerca de metade dos Estados-Membros têm operadores de rede que funcionam em regime de propriedade separada; no sector do gás, esta situação verifica-se em sete Estados-Membros[15].

A nível da distribuição, os Estados-Membros recorrem muito a derrogações: 50% dos Estados-Membros isenta os ORT com menos de 100 000 clientes dos requisitos legais de separação das actividades, tanto no caso da electricidade como do gás[16].

A insuficiente independência dos operadores de rede traduz-se no sub-investimento nas capacidades da rede e, nomeadamente, em capacidades transfronteiras inadequadas. A separação no plano jurídico não tem sido suficiente para inverter esta tendência.

6. Regulação efectiva pelas autoridades reguladoras

Embora as directivas relativas à electricidade e ao gás estabeleçam um conjunto mínimo de poderes para as entidades reguladoras, a situação de desigualdade entre países no que respeita aos poderes de regulação não melhorou. Nalguns Estados-Membros, os poderes estão distribuídos por diversas entidades reguladoras nacionais e regionais, incluindo a autoridade da concorrência e/ou o ministério. Esta situação pode contribuir para aumentar a incoerência. Praticamente não existe controlo regulamentar dos mercados grossista e retalhista nos Estados-Membros.

O não cumprimento da legislação comunitária não é, muitas vezes, sancionado de forma suficiente ou eficaz. Ao mesmo tempo, os relatórios de acompanhamento do ERGEG sobre a aplicação da legislação existente deixam claro que as entidades reguladoras não estão suficientemente empenhadas em utilizar os poderes de que dispõem para promover activamente a aplicação dos requisitos legais. Um relatório elaborado pelo ERGEG para o 14.º Fórum de Madrid demonstrou, nomeadamente, que apenas uma das autoridades reguladoras utiliza os poderes que lhe foram conferidos para aplicar sanções aos ORT que não satisfazem os requisitos legais.

O objectivo de integração do mercado exige a harmonização transfronteiras das decisões regulamentares. O ERGEG e os fóruns europeus de regulação da electricidade e do gás (“Fórum de Florença”/ “Fórum de Madrid”) têm seguramente contribuído para este processo, ao oferecerem plataformas de debate para discussão dos problemas a nível prático e desenvolvimento de soluções comuns no campo das melhores práticas. Contudo, o "fosso regulamentar" continua a colocar entraves a uma tomada de decisão coordenada transfronteiras, um problema que o actual modelo de cooperação voluntária aplicado pelo ERGEG não pode resolver.

7. Dimensão cliente

Resposta dos consumidores — mudança de fornecedor

A mudança de fornecedor é frequente nos países ibéricos, República Checa e países nórdicos, situando-se acima da média no caso dos grandes clientes industriais na Alemanha, Áustria e Luxemburgo. Na maioria dos outros países, a taxa anual de mudança de fornecedor dos agregados familiares situa-se em redor de 1% ou menos. A situação é semelhante no sector do gás, com excepção da Itália, cuja taxa de mudança de fornecedor é superior a 1%. Embora as taxas de mudança de fornecedor continuem a aumentar no caso dos clientes de maior dimensão, a maioria dos clientes (pequenas empresas e agregados familiares) continua a dispor de pouca margem de escolha.

A taxa de mudança de fornecedor não é o único indicador do funcionamento da concorrência nos mercados retalhistas. Muitas vezes, não existem ofertas concorrentes ou estas são demasiado equivalentes para constituírem uma verdadeira opção. Os Estados-Membros e as entidades reguladoras nacionais devem velar pelo estabelecimento de procedimentos simples e transparentes em caso de mudança de fornecedor, de modo a dar aos consumidores a confiança de que necessitam. Além disso, o mercado retalhista é distorcido por tarifas de fornecimento reguladas.

Qualidade do serviço

A liberalização do mercado tem tipicamente por objectivo a melhoria da posição dos consumidores. A possibilidade de escolher o fornecedor e a consequente pressão da concorrência resultam numa melhor adequação entre oferta e procura. As directivas relativas ao gás e à electricidade colocam uma ênfase especial nos direitos dos consumidores. Os inquéritos aos consumidores revelam que o grau de satisfação com a qualidade dos serviços de electricidade e de gás fornecidos é, regra geral, bom[17]. O receio de que a abertura à concorrência pudesse conduzir a níveis de serviço mais baixos ou a problemas na oferta do serviço universal revelaram-se infundados.

Para tirar proveito da liberalização, é necessário ter acesso ao fornecimento de energia. Estudos[18] realizados mostram que a grande maioria dos utilizadores finais europeus acede facilmente ao mercado da electricidade e do gás — a média da UE-27 atinge os 93% no sector dos serviços de electricidade não-substituíveis e os 72% no sector do gás, no qual existem, com frequência, substitutos disponíveis. Em média, dois terços (66%) dos cidadãos comunitários consideram o custo dos serviços de electricidade acessíveis; no caso do gás, a situação é semelhante. Não se registam variações significativas por categoria sociodemográfica nem no que respeita aos resultados da UE -15 e da UE-27[19].

Preços regulados

Nos Estados-Membros da União Europeia, coexistem com frequência mercados da energia abertos e preços regulados: esta situação verifica-se num terço dos mercados do gás em, pelo menos, um segmento de mercado e em mais de 50% dos mercados da electricidade. Na maioria dos Estados-Membros com preços regulados, a regulamentação não abrange apenas os pequenos clientes — todos os segmentos da clientela podem ser abastecidos a preços regulados[20].

Os efeitos negativos da regulação dos preços da energia continuam a ser motivo de grande preocupação: conduzem imediatamente a distorções da concorrência e reduzem a liquidez nos mercados grossistas. A longo prazo, os preços regulados enviam mensagens erradas aos investidores, com consequências negativas para o desenvolvimento de novas infra-estruturas. Ao estabelecer um nível de preços que impede os novos operadores de prestarem serviços a preços que cubram os custos, a regulação dos preços cria uma barreira à entrada de fornecedores alternativos no mercado e, consequentemente, ameaça directamente a segurança do aprovisionamento. No caso do mercado francês, nomeadamente, a bolsa da electricidade veio mostrar a sua incapacidade para fixar preços de referência do mercado devido aos preços regulados da energia. As medidas de defesa do consumidor não deverão ser confundidas com instrumentos da concorrência, devendo ser tratadas separadamente.

C. SEGURANÇA DO APROVISIONAMENTO

De acordo com os relatórios de Verão e de Inverno da União Europeia sobre as perspectivas para o sector da electricidade, elaborados em 2007 pelo grupo de operadores de redes de transporte de electricidade europeus (ETSO) e pelos operadores de redes de transporte de gás europeus (Gas Infrastructure Europe - GIE), as previsões não apontam para qualquer risco específico de ruptura energética a médio prazo. Estes relatórios resumem as previsões em termos de balanço energético nacional e regional, estabelecendo uma relação entre produção e pico de procura. Avaliam a adequação global das redes interconectadas. Contudo, em caso de condições climáticas extremas, nomeadamente temperaturas baixas ou muito elevadas, ou de crises no fornecimento de gás, as redes de energia sofrem uma pressão acrescida, particularmente quando o período é igualmente crítico nos países vizinhos.

A oferta de capacidades suficientes de transporte continua a ser fulcral, não apenas para o desenvolvimento da concorrência, mas também para a segurança do aprovisionamento. No que se refere, especificamente, ao fornecimento de gás, a União Europeia recorre cada vez mais às importações[21]. Com a diminuição das reservas locais de gás e as previsões de significativo aumento do consumo de gás a nível mundial, a diversificação das vias e das fontes de aprovisionamento desempenha um papel central na redução da dependência nas três principais fontes que são, hoje, a Rússia, a Noruega e a Argélia. Com o aumento dos preços do gás, o papel desempenhado pelo GPL na diversificação das fontes tem vindo progressivamente a aumentar.

As redes de electricidade e de gás são essenciais ao bom funcionamento do mercado comunitário. Ainda subsistem obstáculos à conclusão dos projectos prioritários já identificados. Foram nomeados coordenadores para os projectos declarados de interesse europeu que registam atrasos ou encontram dificuldades de execução. Estes projectos são os seguintes: (1) Ligação de rede eléctrica entre a Alemanha, a Polónia e a Lituânia; (2) Conexões para implantação de parques eólicos ao largo da costa na Europa setentrional; (3) Interconexão entre França e Espanha e (4) Gasoduto Nabucco.

No caso da electricidade, a dependência face às importações é menor. A produção pode assentar em fontes endógenas, incluindo as energias renováveis, e nos combustíveis cujo mercado é mais diversificado a nível mundial (nomeadamente carvão). Contudo, a dependência face à produção de gás, em grande parte importado, tem vindo a aumentar. Paralelamente, os investidores na infra-estrutura estão confrontados com novos desafios. A rede de electricidade está a tornar-se dependente da infra-estrutura do gás. O investimento na produção de energia renovável (designadamente, eólica) implica infra-estruturas de transporte de elevada capacidade, a fim de adaptar a rede a uma utilização irregular das capacidades.

Após o rigoroso Inverno de 2005/2006, alguns países comprometeram-se a criar capacidade de armazenagem de gás e a maximizar a utilização da capacidade de importação. A Itália, designadamente, introduziu os contratos de transporte com obrigação de pagamento (" ship or pay ") ao abrigo dos quais os expedidores podiam renunciar às capacidades de transporte para aumentar a utilização física das capacidades. Em finais de 2006 e durante o ano de 2007, registou-se um ligeiro excedente no sector do gás, o que permitiu aumentar as transacções de gás e deu uma certa liquidez aos centros de negociação. Resta saber se, de futuro, esta situação servirá de base para uma evolução positiva e dinâmica do mercado.

A União Europeia deverá não só continuar a concentrar-se na dimensão estratégica das suas relações com os países terceiros em matéria energética, particularmente no caso dos fornecedores, mas também ter em conta a importância de estabelecer uma estrutura de mercado, que ofereça a fornecedores e investidores a possibilidade de beneficiar de um mercado livre e de um fluxo energético sem barreiras. Esta situação exige a actuação da Comissão, dos governos e das entidades reguladoras, sem esquecer os operadores de rede. Um factor crítico é constituído pelos atrasos nos processos de autorização de investimentos. Esses atrasos representam um grande risco para a segurança do aprovisionamento e para o desenvolvimento do mercado interno.

D. CONCLUSÕES

Apesar de algumas melhorias encorajadoras, designadamente no plano da coordenação transfronteiras a nível regional, a análise global dos progressos registados no mercado interno da electricidade e do gás natural demonstra que ainda subsistem muitos obstáculos ao seu bom funcionamento.

A insuficiente aplicação da legislação comunitária continua a ser um dos principais factores. A Comissão, os Estados-Membros, as entidades reguladoras e o sector devem colaborar para melhorar a situação:

- Paralelamente, devem ser conferidos poderes às entidades reguladoras nacionais para assegurarem a correcta aplicação da legislação pelas partes interessadas;

- As entidades reguladoras devem assumir a responsabilidade de promover a aplicação da regulamentação. Para reduzir as barreiras práticas ao comércio transfronteiriço, será seguramente necessário harmonizar os modelos de melhores práticas em matéria de regulamentação transfronteiras. As iniciativas regionais adoptadas pelo ERGEG e outros projectos governamentais similares contribuem positivamente para este processo;

- As empresas devem cumprir escrupulosamente a regulamentação. A aplicação da legislação europeia não é negociável;

- Os preços regulados da energia continuam a ser motivo de grande preocupação.

Os principais problemas observados nos vários domínios são caracterizados por dois aspectos comuns: um impacto significativo, que prejudica o bom funcionamento do mercado interno da electricidade e do gás, e a falta de capacidade de resposta do actual quadro jurídico. A Comissão abordou, por conseguinte, estas questões num pacote legislativo, que apresentou em 19 de Setembro de 2007.

[1] Na medida em que não beneficiem de uma derrogação.

[2] Anexo técnico (AT), secção 1.

[3] AT, secção 1.

[4] Grupo de Reguladores Europeus da Electricidade e do Gás criado pela Decisão 2003/796/CE da Comissão, de 11 de Novembro de 2003.

[5] Disponível no seguinte endereço: www.ergeg.org

[6] Regulamento (CE) n.º 1228/2003

[7] Regulamento (CE) n.º 1775/2005.

[8] Regra segundo a qual os ORT não são obrigados a publicar todos os dados caso haja menos de 3 expedidores activos no ponto pertinente da rede; ver n.º 5 do artigo 6.º do Regulamento (CE) n.º 1775/2005.

[9] AT, secção 5.

[10] www.ergeg.org

[11] UK, NL, B, F, IRL, DE, DK, SW, N-IRL e Noruega (observador).

[12] AT, CZ, GR, H, IT, PL, SK e SI.

[13] Eurostat, dados em 1 de Janeiro de cada ano.

[14] No âmbito da consulta pública realizada pelo ERGEG relativa às orientações em matéria de separação funcional, os ORT chamaram, nomeadamente, a atenção para a necessidade de envolver os gestores da rede na gestão das empresas integradas e mesmo de conceder incentivos a esses gestores de acordo com os resultados alcançados pela empresa integrada no seu todo. Ver observações publicadas no sítio Web www.ergeg.org, em Public Consultations – Energy – GGP Functional Unbundling.

[15] AT, secção 7.

[16] AT, secção 7.

[17] EUROBARÓMETRO, Preços e qualidade dos serviços de interesse geral, Setembro de 2005 e de 2007 - Inquéritos aos consumidores sobre o nível de satisfação: http://ec.europa.eu/consumers/cons_int/serv_gen/cons_satisf/consumer_service_finrep_en.pdf.

[18] EUROBARÓMETRO, Serviços de interesse geral - Capítulo 1.4-1.5, Julho de 2007.

[19] EUROBARÓMETRO, Serviços de interesse geral - Capítulo 3.1, Julho de 2007.

[20] ERGEG, Revisão da regulamentação relativa aos preços no consumidor final, 14.6.2007 (refª E07-CPR-08-04), www.ergeg.org

[21] AT, secção 8.