31.3.2009   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 77/148


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre «A estratégia UE-África»

(2009/C 77/32)

Por carta de 11 de Julho de 2007, o Comissário Europeu Louis MICHEL, responsável pela pasta do Desenvolvimento e da Ajuda Humanitária, solicitou ao Comité Económico e Social Europeu a elaboração de um parecer exploratório sobre

«A estratégia UE-África».

A Secção Especializada de Relações Externas, incumbida da elaboração dos correspondentes trabalhos do Comité, emitiu parecer em 17 de Julho de 2008, tendo sido relator G. DANTIN.

Na 447.a reunião plenária de 17 e 18 de Setembro de 2008 (sessão de 18 de Setembro), o Comité Económico e Social Europeu adoptou, por 89 votos a favor, nenhum voto contra e nenhuma abstenção, o seguinte parecer:

1.   Conclusões e recomendações

1.1

No contexto mundializado deste novo século, a relação entre a Europa e a África deve evoluir de modo considerável com base nos ensinamentos do passado, tendendo, nomeadamente, para uma parceria equitativa em direitos e deveres. Com efeito, após décadas de cooperação e de ajuda ao desenvolvimento, a extrema pobreza da África agrava-se e intensifica-se: os frutos de um crescimento mal orientado e pouco rico em empregos não estão repartidos de modo equitativo, acentuando as desigualdades; mais de 55 % da população da África subsariana vive com menos de 1 dólar por dia; cerca de 70 % do número total de empregos são de carácter informal e de subsistência, mais de 57 % dos quais no sector da agricultura. Esta situação transmite a imagem de uma falta dramática de empregos dignos e produtivos.

1.2

O desafio é considerável, sobretudo em termos de desenvolvimento e estabilização do continente africano, mas também de segurança do continente europeu e da sua capacidade de construir um crescimento sustentável numa base contínua.

1.3

As políticas de desenvolvimento realizadas até à actualidade pela União Europeia para aplicar os diferentes acordos (Lomé, Yaoundé e Cotonou) e os financiamentos que lhes foram consagrados não atingiram os resultados pretendidos, nomeadamente em matéria de criação de empregos dignos. Dito isto, dado que as coisas não podem continuar assim e que a situação vai ter de mudar, o CESE congratula-se com o êxito da Cimeira UE-África realizada em Lisboa, em 8 e 9 de Novembro de 2007.

1.3.1

Apraz-lhe, em particular, que a questão do emprego tenha sido considerada de forma transversal.

1.4

Com efeito, o CESE considera que o desenvolvimento do emprego digno é crucial para a redução das desigualdades e da pobreza, para a integração social e a construção de vidas dignas que são necessárias para a eliminação dos extremismos e dos conflitos e, por conseguinte, para a indispensável estabilidade dos Estados.

1.5

Para desenvolver o emprego digno, o CESE considera necessário realizar uma acção em que o emprego seria o objectivo essencial, intervindo sobre os parâmetros enunciados nos pontos seguintes e que, embora intrinsecamente diferentes, estão ligados por fortes sinergias que lhes conferem uma capacidade de reacção recíproca, constituindo, no seu conjunto, uma política.

1.5.1

O crescimento baseado essencialmente na exploração das riquezas naturais é pouco rico em empregos. Este crescimento deve ser reorientado para produtos de primeira transformação ou para produtos acabados. Os investimentos devem ter este objectivo e visar sectores com forte valor acrescentado.

1.5.2

O sector privado reveste-se de importância capital e, graças a ele, as PME. A UE deve converter o desenvolvimento das PME num dos eixos da sua política de cooperação.

1.5.3

O encarecimento actual das matérias-primas é um dado adicional que deve fazer com que o sector agrícola se torne a prioridade estratégica do desenvolvimento. Ao ocupar uma parte importante do território e da população rural, este sector deve contribuir para a auto-suficiência alimentar, para o desenvolvimento de uma indústria de transformação e, através disso, para travar o êxodo rural.

Convém planificar uma política agrícola a curto, médio e longo prazo, tendo o cuidado de estabelecer como prioridade um orçamento para a sua realização. A elaboração desta política deve ser efectuada com as organizações agrícolas.

1.5.4

O desenvolvimento dos recursos humanos é um factor imprescindível de qualquer estratégia de desenvolvimento. Por conseguinte, é necessário analisar as necessidades em termos de emprego e de mercado do trabalho, realizar previsões e antecipar-se aos principais desafios ligados à adequação entre emprego e formação.

1.5.5

Embora a integração económica regional e subregional tenha progredido sensivelmente, o potencial comercial ainda está por explorar. É preciso, em particular, coordenar as medidas adoptadas para harmonizar os procedimentos aduaneiros, desenvolver as infra estruturas e garantir a livre circulação dos cidadãos. Deste ponto de vista, o Comité lamenta que, até hoje, não tenham sido concluídas as negociações regionais dos Acordos de Parceria Económica, dos quais um dos objectivos é precisamente a integração económica.

1.5.6

O diálogo social deve acompanhar e melhorar qualquer política de desenvolvimento, nomeadamente através de negociações de convenções colectivas. Por conseguinte, convém criar ou desenvolver organizações de empregadores e de trabalhadores fortes e independentes.

1.5.7

A participação dos actores não-estatais é indissociável do desenvolvimento do emprego e deve constituir um aspecto fundamental da estratégia comum UE-África. A este título, aqueles devem participar na elaboração e na aplicação dos Planos Indicativos Nacionais e Regionais (PIN e PIR).

1.5.8

A «boa governação» condiciona a confiança dos investidores, sendo, deste ponto de vista, essencial para o emprego. Este factor deve ser contemplado na sua globalidade, nomeadamente no tocante ao respeito dos Direitos do Homem e dos trabalhadores, que incluem as liberdades sindicais, as normas do trabalho e a corrupção. Sobre este último ponto, a UE e os Estados-Membros devem condicionar os seus auxílios financeiros à rastreabilidade das suas utilizações.

2.   Introdução

2.1

Por carta de 11 de Julho de 2007, Louis MICHEL, Comissário Europeu responsável pela pasta do desenvolvimento e da ajuda humanitária, solicitou ao Comité Económico e Social Europeu que elaborasse um parecer exploratório «sobre as várias questões suscitadas na Comunicação Do Cairo para Lisboa — A parceria UE-África», nomeadamente certas questões que têm a ver com as modalidades de redução do défice de empregos em África.

2.2

O CESE congratula-se com este pedido que, embora se inscreva no quadro das políticas de desenvolvimento que foram realizadas em África ao longo de várias décadas, pretende interrogar-se sobre o futuro que se esboça, em particular através das decisões da Cimeira UE-África que estão incluídas na declaração intitulada «A parceria estratégica» acompanhadas de um «Primeiro Plano de Acção» (2008-2010) tendo em vista a sua aplicação.

2.3

Ao consultar o CESE sobre o tema do emprego, a Comissão mostra que decidiu fazer deste tema o objectivo essencial da sua política de desenvolvimento, ao mesmo tempo que indica que os intervenientes socioeconómicos têm um papel a desempenhar na erradicação da pobreza através da criação de empregos dignos. O CESE congratula-se com este facto.

Depois de ter procedido a uma análise rápida das políticas passadas e dos seus resultados tendo em conta a situação actual da África e as políticas futuras, o presente parecer pretende destacar as acções essenciais que, segundo o CESE, devem ser realizadas para contribuir para a criação de empregos dignos. Este exercício será realizado à luz das orientações e do plano de acção que foram aprovados na Cimeira UE-África realizada em Lisboa, em 8 e 9 de Dezembro de 2007. Para o efeito, o parecer apoiar-se-á, nomeadamente, nos trabalhos anteriores do CESE em matéria de desenvolvimento da África (1).

3.   Considerações gerais

3.1

O continente africano é diversificado, É constituído por Estados soberanos diferenciados em termos de história, de cultura, de etnia, de riquezas próprias (por exemplo, minérios, petróleo e diamantes) de clima ou ainda de democracia, de boa governação e de respeito pelos Direitos do Homem. Tudo isto conduz a níveis económicos e sociais variáveis. Por conseguinte, é delicado apreender este continente e olhá-lo de modo global e monolítico. No entanto, não deixa de ser verdade que são comuns certas características e, em primeiro lugar, as relações com a Europa, quer pertençam ao passado ou ao futuro ou ainda a uma história comum que nos conduzirá a um futuro comum que se inscreve numa dinâmica de mudança, ela própria partilhada.

3.2

Com efeito, no contexto mundializado deste novo século, a relação entre a Europa e a África deve evoluir de modo considerável com base nos ensinamentos do passado. Esta relação deve basear-se na consciência da necessidade de construir um futuro em comum, que deve assentar em desafios e riscos comuns e numa lógica de interesses mútuos, muito mais do que numa história temporariamente partilhada, na compaixão ou na fidelidade, correndo-se o risco de certos parceiros ficarem confrontados, em cada um dos dois continentes, com as suas próprias contradições.

3.3

O desafio é considerável. A quinze quilómetros do território europeu, o continente africano concentra no seu território todos os «principais riscos» do mundo contemporâneo: migração descontrolada, epidemias emergentes, catástrofes climáticas e ambientais e ameaça terrorista. Mas também é o continente com o potencial mais consequente, quer se trate dos recursos naturais ou da procura previsível de consumo e de investimento.

3.4

Sem dúvida que a União Europeia ainda continua a ser o principal parceiro económico do continente africano e o seu primeiro doador. Mas este monopólio histórico está a ser actualmente destruído pela ofensiva dos «financiadores emergentes», em primeiro lugar a China, mas também a Índia, os grandes países da América Latina e as monarquias do Golfo, ou mesmo o Irão, bem como pelo regresso dos Estados Unidos, que fazem questão de preservar a segurança dos seus aprovisionamentos energéticos, de combater a ameaça terrorista, de alargar a luta pelos valores cristãos e democráticos a novos territórios e de resistir à «infiltração» chinesa, que consideram preocupante (2).

3.5

Mas é evidente que, a partir de agora, a segurança do continente europeu, bem como a sua capacidade de manter um crescimento sustentável numa base contínua, vão depender, de maneira estreita e imediata, do desenvolvimento e da estabilização do continente africano. A Europa não pode ser, a médio e a longo prazo, um reduto de prosperidade a quinze quilómetros de um continente que se caracteriza pela miséria. O que está em jogo é o desenvolvimento sustentável da União Europeia, que deve consciencializar-se para o facto de que a África passou a ser a «sua fronteira».

3.6

A estratégia da Europa em relação à África caracterizou-se durante muito tempo por uma relação desigual de tipo doador-beneficiário, acompanhada de uma falsa boa consciência ideológica e de uma visão unilateral dos interesses europeus. Esta visão arcaica e irrealista foi terrivelmente prejudicial. Há que virar esta página em proveito de uma nova concepção de parceria entre parceiros iguais em direitos e deveres, que praticam uma lógica de interesses comuns, e que se apoia em certos parâmetros como o desenvolvimento sustentável, a boa governação económica, fiscal e social e as transferências de tecnologias (3).

3.6.1

Assim, esta estratégia que se baseia numa relação desigual «doador-beneficiári»o ou «financiador-beneficiário» e que se concretiza, nomeadamente, no teor dos vários acordos que regularam ou regulam as relações entre a UE e a África, é um «fracasso» se considerarmos a actual situação económica e social da África (4). Importa, pois, modificar esta situação.

Os Estados africanos foram, por isso, colocados numa situação de dependência, sobretudo financeira, que os levou a hipotecar o dinamismo necessário para uma entrada positiva na economia mundial.

3.6.1.1

Com efeito, depois de décadas de uma política de ajudas ao desenvolvimento praticada pela União Europeia, por vários Estados-Membros (frequentemente antigos colonizadores) e por organismos internacionais como o Banco Mundial, a pobreza extrema da África agrava-se e intensifica-se.

3.6.1.2

Enquanto que alguns países ou regiões emergentes como a China, a Índia, o Sudeste Asiático e o Brasil passam a ser potências económicas que se inscrevem no comércio internacional, a África ainda não conseguiu demarcar-se, salvo raras excepções.

3.6.1.3

Porquê que um país como a Coreia do Sul que vivia, ainda há poucos anos, «para o arroz e pelo arroz» se tornou um dos campeões mundiais da construção electrónica e naval, dos serviços informáticos e da construção automóvel, e não a África?

3.6.1.4

A Europa ainda continua a ser o principal importador de produtos africanos. Todavia, apesar de quase 25 anos de direitos aduaneiros desiguais, o volume das exportações dos países africanos para a UE diminuiu mais de metade, tendo passado de 8 % em 1975 para 2,8 % em 2000 em relação com o volume do comércio mundial. Esta preferência em relação aos direitos aduaneiros não foi suficiente. A falta de competitividade dos produtos africanos comprometeu as capacidades de exportação da África para a Europa.

3.6.1.5

Os frutos do crescimento, que se devem essencialmente à exploração dos recursos naturais, não estão distribuídos de modo equitativo, o que agrava as desigualdades, mantém os pobres na pobreza ou acentua esta desvantagem e permite que os ricos se tornem cada vez mais ricos. Tudo isto está bem longe de uma boa governação económica associada a preocupações éticas. Muitos países africanos denunciam esta situação:

«É necessário repatriar os fundos adquiridos ilegalmente nos países de origem e depositados nos bancos estrangeiros (5).

Estamos doentes com a má governação, alguns países estão mais pobres do que antes da exploração do petróleo, dos diamantes. Certos países têm dirigentes cujos bens pessoais são superiores à dívida do país! O mal não vem do exterior, mas de nós próprios» (6).

4.   Do Cairo para Lisboa: Uma nova «Estratégia África-União Europeia»

4.1

As políticas realizadas até à actualidade e os financiamentos que lhes foram consagrados nem sempre atingiram os resultados pretendidos, nomeadamente em matéria de criação de empregos dignos. Com base nesta análise, considerando que a situação não pode continuar assim, o CESE congratula-se com o êxito da Cimeira de Lisboa, de 8 e 9 de Dezembro de 2007. Vê com bons olhos a vontade política que permitiu completar, ou mesmo redesenhar dando-lhes uma nova orientação, as relações de cooperação e, por conseguinte, as relações tanto comerciais como políticas, entre os dois continentes.

4.2

Com efeito, sete anos após a Cimeira do Cairo, a Cimeira de Lisboa estabeleceu as bases para uma nova parceria estratégica «de igual para igual» entre a África e a União Europeia; esta parceria baseia-se em valores, princípios e interesses comuns que nos permitem enfrentar juntos os desafios globais na cena internacional: paz e segurança, governação e Direitos do Homem, migração, energia e alterações climáticas, comércio, infra-estruturas e desenvolvimento.

4.3

Para além do seu conteúdo, a originalidade e a inovação desta estratégia são a criação, em paralelo com a declaração de uma fase operacional, de oito planos de acção prioritária (ver Anexo I do presente parecer), como uma espécie de roteiro ou de plano de trabalho destinado a traduzir em termos concretos a aplicação das opções e das prioridades estratégicas identificadas pelos dois continentes. Os progressos da realização destes oito planos, extremamente ambiciosos à luz do Acordo de Cotonou, serão avaliados na próxima cimeira de 2012.

4.4

O CESE considera positivo que, para além das declarações de princípio sem dúvida importantes, tenha sido definida uma arquitectura de trabalho que permite a sua tradução operacional e concreta, o que permitirá, designadamente, a avaliação da sua aplicação a partir de 2010.

4.5

O CESE sublinha que cada uma destas oito parcerias, traduzidas em plano de acção, pode contribuir para o desenvolvimento do emprego digno, a partir do momento em que é feita esta opção política e na medida em que são acompanhadas de políticas de emprego específicas (ver ponto 7).

4.6

Todavia, para além do que fica escrito, a boa vontade demonstrada por uns e por outros nesta cimeira não basta para dissimular certas dificuldades e obstáculos denunciados por alguns responsáveis africanos. Estes últimos deixam transparecer que uma nova estratégia, por mais inovadora que seja na criação de uma parceria equilibrada, não pode melhorar rapidamente relações que ainda hoje se considera serem caracterizadas por uma dinâmica de dominadores-dominados:

Critica-se duramente a burocracia da UE, enquanto que «com a China é tão fácil obter imediatamente os tractores de que necessitamos …»

Solicita-se à UE que indemnize a África pela colonização e espoliação dos seus bens ou que aceite os seus imigrantes...

Emitem-se dúvidas quanto à capacidade de os Acordos de Parceria Económica (APE) serem concluídos num verdadeiro espírito de parceria …

Denunciam-se as divergências muito acentuadas sobre a crise do Zimbabué...

O caminho ainda parece longo e cheio de emboscadas para que as duas partes ganhem a aposta num clima de confiança reencontrada.

4.6.1

Deste ponto de vista, o CESE considera, no quadro de uma parceria equilibrada, que é em primeiro lugar da competência dos próprios governos africanos assumir a responsabilidade da boa governação, da luta contra a corrupção e da orientação dos investimentos directos ou estrangeiros para a redução da pobreza nos respectivos países. Este assumir de responsabilidade, que consolida a sua soberania, é a transição incontornável para uma parceria renovada. Por conseguinte, o princípio efectivo da adesão a esta parceria equilibrada entre a União Europeia e a África é essencial e faz todo o sentido se o objectivo for o desenvolvimento do emprego digno.

4.7

O CESE felicita-se do lugar que é conferido à sociedade civil, tanto em termos institucionais (relações entre o CESE da UE e o ECOSOC da UA) (7), como no que diz respeito ao conjunto dos intervenientes não-estatais que constituem a sociedade civil organizada (8). Deste ponto de vista, para que a vontade expressa tome forma e se consubstancie, será necessário ter em conta, sob pena de falhar, as dificuldades encontradas neste ponto na aplicação do Acordo de Cotonou.

Tudo somado, o CESE aprova a orientação a favor do progresso que se reflecte na estratégia UE-África para o conjunto do continente.

5.   O emprego digno: Objectivo inultrapassável de uma estratégia eficiente UE-África

5.1

O artigo 55.o da estratégia UE-África dispõe que as questões de emprego e, nomeadamente, a segurança social, as possibilidades de empregos insuficientes e a promoção do trabalho digno em África serão abordadas de maneira conjunta, devendo ser concedida prioridade à criação de empregos úteis na economia formal, bem como à melhoria das más condições de vida e de trabalho, em conformidade com o programa a favor do trabalho digno das Nações Unidas, e à integração da economia informal na economia formal.

5.2

O CESE congratula-se com o facto de a questão do emprego ter sido considerada formalmente na estratégia UE-África, na medida em que considera que o seu desenvolvimento é, tanto em termos de quantidade como de qualidade, fundamental para a redução das desigualdades e da pobreza e para a integração social, que são necessárias para a eliminação dos extremismos e dos conflitos e, consequentemente, para a necessária estabilidade dos Estados.

6.   A situação do emprego em África

A taxa da população activa é elevada (68,6 %). Se a taxa de desemprego é igualmente elevada (10,3 %) é a falta de empregos dignos e produtivos que constitui o problema mais grave: 46,2 % da população, que inclui 55,4 % na África subsariana, vive com menos de 1 dólar por dia. Por outras palavras, uma proporção importante da população activa dedica-se a um trabalho informal geralmente de subsistência. Este trabalho representa 68 % do número total de empregos, 57,2 % dos quais no sector agrícola primário, e é realizado em grande proporção por jovens e mulheres, quando estas últimas desempenham um papel determinante na medida em que são os pilares da comunidade económica e da família, constituindo assim o fio condutor da organização do tecido económico e social africano (ver Anexo II do presente parecer).

7.   Criar empregos dignos e produtivos

Considerando as observações anteriores, a prioridade para a África é criar empregos dignos, produtivos e livremente escolhidos, que são os únicos susceptíveis de contribuir de maneira eficaz para a erradicação da pobreza, a construção de uma vida digna e a aplicação de uma protecção social eficiente e aberta a todos. Tudo isto deve integrar a dimensão do género a todos os níveis, mas também a dos jovens que representam o futuro da África e, em parte, a solidariedade entre as gerações.

De facto, sem empregos produtivos, seria ilusório ambicionar níveis de vida decentes, bem como o desenvolvimento económico e social e a realização pessoal do indivíduo. Estes objectivos passam, antes de mais, pelo desenvolvimento dos recursos humanos e das empresas do sector privado. Para ser plenamente operacional, esta dinâmica deve inscrever-se num quadro que favoreça a sua realização e em que estejam presentes, nomeadamente, a democracia, o Estado de Direito, a boa governação e o respeito dos Direitos do Homem e dos direitos sociais.

Na estratégia UE-África, adoptada na Cimeira de Lisboa, o emprego tem uma dimensão transversal. O objectivo deste capítulo é aprofundar esta questão fundamental em termos de análises e de propostas de orientações, o que passa por uma reflexão sobre os principais meios que podem contribuir para a abordagem do objectivo: esta abordagem é essencialmente macroeconómica. Todavia, para abordar a diversidade das acções, seria útil fazer, ulteriormente, um inventário das várias acções realizadas pelas ONG europeias que intervêm em matéria de ajudas ao desenvolvimento em África, evidenciando a diversidade dos programas que realizam com êxito, em particular com as pessoas colectivas e/ou os agrupamentos locais (por exemplo, cooperativas, associações hortícolas, estabelecimentos de ensino ou centros de saúde) e que contribuem para o desenvolvimento do emprego.

No entanto, além do que precede, o CESE faz questão de sublinhar com força que o desenvolvimento da África e, consequentemente, a criação de empregos dignos e produtivos apenas poderão ser realizados num clima de estabilização reforçada dos Estados que compõem este continente. Ora, um número considerável de países continuam mergulhados em conflitos intermináveis. Ao longo destes últimos dez anos, na Guiné, Libéria e Serra Leoa, países que dispõem de recursos naturais, sobretudo diamantes e madeira, os conflitos precipitaram estas regiões numa crise grave que esteve na origem de um fluxo importante de refugiados. Isto sem falar do conflito Darfur, que assola o Sudão, da «guerra esquecida» do Norte do Uganda, da insegurança persistente no Leste e no Norte da República Centro-Africana e da instabilidade do Congo. Considerando esta situação, a União Europeia e a comunidade internacional em geral têm um papel importante a desempenhar nesta questão determinante para o futuro do continente africano. Para além das atrocidades cometidas, que ninguém pode ignorar nem aceitar, é de facto claro que, se por um lado o emprego pode contribuir para a estabilidade dos Estados, por outro lado a instabilidade destes impede o seu desenvolvimento e a consequente criação de emprego.

7.1   Para um crescimento rico em empregos

7.1.1

Em relação ao crescimento económico, 2006 foi um ano favorável para este continente, que registou uma taxa de 6,3 % na África do Norte e de 4,8 % na África subsariana, com fortes contrastes de país para país.

7.1.2

Estes valores são significativos, nomeadamente se comparados com os resultados da União Europeia, mas devido a uma produtividade que está a estagnar ou mesmo a retroceder, a investimentos mal orientados, a um reduzido valor acrescentado sobre os produtos industriais ou agrícolas essenciais, à explosão demográfica e a um enorme défice de empregos dignos, seria necessário um crescimento com dois valores para melhorar os empregos, tanto em termos quantitativos como qualitativos. Segundo as estimativas, seria necessário um crescimento de 9 % no mínimo para começar a apreender positivamente os Objectivos do Milénio que, em todo o caso e lamentavelmente, não comportam objectivos de emprego.

7.1.3

Este crescimento é pobre em criação de empregos, porque a sua proveniência está mal orientada. Resulta frequentemente do aumento da exploração das riquezas naturais que se caracteriza, amiúde, por condições de trabalho no limite do aceitável e cuja rentabilidade disparou recentemente, nomeadamente nos Estados produtores de petróleo, devido ao encarecimento do preço do barril de petróleo bruto. Além do facto de esta situação ser aleatória, na medida em que está sujeita à variação dos preços, nem sequer cria um emprego suplementar. O mesmo acontece com os outros recursos naturais, na medida em que são geralmente exportados em estado bruto. Além disso, quando as classes médias colhem os benefícios de um aumento de actividade, em geral são consumidos produtos importados. e este consumo também não tem impacto no emprego local.

7.1.4

É necessário que os benefícios derivados da extracção do petróleo bruto, que nem sempre se sabe onde e como são utilizados, sejam investidos na fabricação de produtos de transformação com forte valor acrescentado que terão por consequência um crescimento rico em empregos. O mesmo é válido para os outros recursos naturais ou agrícolas que, por sua vez, podem favorecer o desenvolvimento de uma indústria agroalimentar no quadro de uma política agrícola estruturada, financiada e prioritária (ver ponto 7.4 e Anexo IV do presente parecer).

7.1.5

Não é da simples exploração das matérias-primas ou das produções agrícolas tradicionais e de massa (por exemplo, cana-de-açúcar, algodão, bananas, amendoim e cacau) que resultará um crescimento susceptível de criar um número óptimo de empregos. Este crescimento também tem a ver com o desenvolvimento de uma indústria de transformação que fabrica produtos elaborados com forte valor acrescentado e que, a longo prazo, constitui o melhor meio de evitar a deterioração das condições do intercâmbio, de participar na economia subregional, regional e mundial para dela retirar benefícios na perspectiva de uma nova fase de desenvolvimento.

7.2   Para investimentos reorientados para a diversificação

Se, sem crescimento, não há criação de empregos ou apenas em quantidade insuficiente, não haverá crescimento sem investimentos de qualidade.

Admite-se geralmente que, para se obter uma taxa de crescimento anual consequente durante vários exercícios (ver ponto 7.1.2), é necessária uma taxa de investimento que oscile entre 22 % e 25 % do PIB, quando apenas foi de 15 % nos últimos anos. Podemos distinguir duas fontes de investimentos susceptíveis de viabilizar este ritmo de crescimento.

7.2.1   Os investimentos endógenos

7.2.1.1

Em primeiro lugar, trata-se de investir em sectores com forte valor acrescentado e (ou) forte capacidade de produção que tenham um forte potencial de criação de emprego: infra-estruturas, agricultura e desenvolvimento sustentáveis, conservação do ambiente, indústria cultural, transportes, pescas, exploração florestal, TIC, indústria (primeira transformação e produtos acabados). Trata-se também de investir em segmentos que participam na constituição de um quadro propício a atrair os investimentos directos estrangeiros (IDE). Trata-se igualmente de caminhar para a criação de um círculo virtuoso: investimentos endógenos — produção — comércio — benefícios ... novos investimentos endógenos.

7.2.1.2

Os investimentos endógenos, ou ainda a mobilização dos recursos financeiros internos permitirão que a África seja ela própria a determinar as suas prioridades de desenvolvimento ao contrário dos IDE.

7.2.1.3

Onde devem ser encontrados os fundos para estes investimentos endógenos?

A mobilização dos enormes benefícios, visíveis ou ocultos, gerados pela exploração dos recursos naturais (petróleo, gás, carvão, diamantes, madeira, minérios: crómio, platina, cobalto, ouro, manganésio, cobre, ferro e urânio) (9). (Como são utilizados actualmente? E como são utilizados, por exemplo, os benefícios provenientes da venda do açúcar que foi pago três vezes o seu preço no mercado mundial?);

A introdução de impostos sobre o valor acrescentado (IVA) apenas permitiu aumentar as receitas públicas de maneira limitada e incompleta, mas isto pode ser melhorado.

Uma melhor cobrança do imposto permitiria duplicar as receitas fiscais em certos países;

As variações importantes do rácio receitas fiscais/PIB (entre 38 % na Argélia e Angola e menos de 10 % na Nigéria, Sudão e Chade) revelam que os países que têm rácios muito reduzidos podem aumentar sensivelmente as suas receitas;

Procurar oficializar o trabalho informal, o que alargaria a base tributária e permitiria aumentar a base dos recursos.

O conjunto destas melhorias deveria permitir contribuir para o crescimento quantitativo e qualitativo das políticas públicas.

Num certo número de países, as remessas dos trabalhadores imigrantes são uma importante fonte de desenvolvimento (10). Estas remessas atingiram cerca de 16 mil milhões de dólares em 2004. Os fundos contabilizados e não-contabilizados representariam mais recursos financeiros do que a ajuda pública ao desenvolvimento (APD) e os investimentos directos estrangeiros (IDE). Estes fundos, não sendo uma fonte de endividamento, ao passarem pelo sistema bancário oficial dos países africanos poderiam ter uma incidência considerável nas capacidades de investimentos; Este ponto, por si só, mostra a importância de que se reveste a imigração para os países africanos; tal importância justifica que todas as modificações das regulações dos fluxos migratórios sejam objecto de debates aprofundados entre a UE, os Estados-Membros considerados individualmente e os países africanos envolvidos (11);

A fuga de capitais continua a privar os países africanos de uma quantidade considerável de recursos para o investimento. Esta fuga de capitais representa duas vezes a dívida total do continente africano  (12), o que leva alguns peritos a afirmar que a África é um «credor líquido» em relação ao resto do mundo. Estes recursos afectados a investimentos produtivos poderiam criar empregos e fornecer rendimentos a grandes camadas da população. Além de estancarem a hemorragia, como foi feito em certos países europeus, os governos poderiam encarar a hipótese de conceder uma amnistia temporária para o repatriamento destes capitais.

Com estas perspectivas e empreendendo as reformas necessárias, em particular nos sectores financeiros e orçamentais, a África poderia conseguir mobilizar muitos mais recursos internos para financiar os investimentos produtivos da sua escolha.

7.2.2   Os investimentos directos estrangeiros (IDE)

O contributo dos investimentos directos estrangeiros é crucial para o desenvolvimento económico do continente. Com efeito, estes investimentos desempenham um papel importante quando são bem orientados, no processo de desenvolvimento dos países de acolhimento, nomeadamente através do fornecimento dos capitais e das tecnologias, das competências, do saber-fazer e do acesso ao mercado, o que contribui para uma maior eficácia na utilização dos recursos e para uma produtividade reforçada.

7.2.2.1

Enquanto que nos anos 80 os fluxos médios anuais de IDE destinados à África duplicaram em relação à década precedente, atingindo 2,2 mil milhões de dólares, aumentaram sensivelmente até atingirem 6,2 mil milhões de dólares nos anos 90 e 13,8 mil milhões de dólares nos anos 2000-2003. Não obstante, este continente representa apenas 2 a 3 % dos fluxos mundiais, depois de ter atingido um máximo de 6 % em meados da década de 70 e menos de 9 % dos fluxos destinados aos países em desenvolvimento, em relação com uma percentagem máxima de 28 % atingida em 1976.

7.2.2.2

Uma das características próprias dos fluxos de IDE destinados à África é a atracção suscitada pelos recursos naturais. Isto explica a repartição desigual dos IDE pelo continente. Vinte e quatro países africanos, cuja economia é considerada dependente do petróleo e do minério, receberam em média três quartos dos fluxos de IDE durante as últimas duas décadas.

7.2.2.3

Convém reorientar os IDE, nomeadamente para sectores manufactureiros que garantam uma grande diversificação de produções competitivas facilitadas por transferências tecnológicas. Para atrair IDE diversificados e para que sejam eficazes, a África deve continuar a envidar esforços para criar um quadro geral propício e atraente. Com efeito, os IDE apenas podem estar presentes e contribuir para o desenvolvimento se forem preenchidas certas condições prévias: qualidade do tecido económico e das infra-estruturas, dimensão do mercado em causa (daí a importância da integração regional), formação da mão-de-obra (ver ponto sobre os recursos humanos), reforço e estabilidade dos poderes públicos e boa governação. Além disso, para serem eficientes, os IDE devem inscrever-se numa visão da economia nacional e da sua inserção na conjuntura subregional, regional e mundial. Com este objectivo, deve ser concebida a elaboração de uma verdadeira estratégia nacional de desenvolvimento, como aconteceu no Sudeste Asiático nos anos 70 e 80.

7.2.2.4

Todavia, os IDE não podem resolver todos os problemas, muito menos em matéria de boa governação, democracia, Estado de Direito, respeito dos Direitos do Homem, corrupção, fuga de capitais etc. A propósito desta constatação, é oportuno sublinhar que os IDE provenientes da China aumentaram sensivelmente nos últimos anos devido, nomeadamente, aos notáveis esforços diplomáticos que culminaram com a Cimeira China África. A China concentra os seus IDE quase exclusivamente nas indústrias extractivas, para garantir as matérias-primas necessárias à expansão da sua economia.

7.2.2.5

O comércio sino-africano foi multiplicado por vinte em dez anos, tendo passado de 3 mil milhões de dólares em 1998 para 55 mil milhões de dólares em 2006. Mas do ponto de vista dos interesses africanos, o método chinês suscita numerosas questões. Estes interesses reforçam com frequência os governos, cujas orientações políticas não vão no sentido da democracia, do Estado de Direito e da redução da pobreza (13). Deste ponto de vista, o conflito do Darfur é edificante, bem como a atitude chinesa no Zimbabué. Além disso, no plano do desenvolvimento, o método da China é preocupante (ver Anexo III do presente parecer).

7.2.2.6

No plano dos investimentos em África, os Estados-Membros da UE estão muito presentes. Para amplificar esta situação, podemos encarar a hipótese de:

Oferecer incentivos tangíveis às empresas da UE sob a forma, por exemplo, de créditos fiscais;

Utilizar os instrumentos de desenvolvimento existentes, depois de revistos e reforçados. Reforçar, por exemplo, a eficácia e a facilidade de investimento do BEI e melhorar o seu desempenho, de modo a que se torne um recurso útil para o sector privado;

Criar uma facilidade/órgão de garantia dos investimentos financiados de modo adequado, com base no modelo preconizado no artigo 77.o, n.o 4, do Acordo de Cotonou.

7.3   Fazer das PME o instrumento do desenvolvimento económico

O sector privado, o seu reforço e a sua diversificação revestem-se de importância capital para o desenvolvimento sustentável, para a criação de emprego e para a consequente redução da pobreza.

Ora, na maior parte dos países africanos, há de certo modo um elo que falta entre, por um lado, o sector informal e as muito pequenas empresas (MPE) que têm mais a ver com a sobrevivência social do que propriamente com o estímulo da economia e, por outro lado, as filiais das grandes empresas estrangeiras que têm um funcionamento quase autárcico e que, por isso, contribuem pouco para a economia local.

Por conseguinte, coloca-se a questão de favorecer a emergência de pequenas e médias empresas (PME), que constituiriam um tecido económico coerente que contribui para o desenvolvimento de um sector privado indispensável para o desenvolvimento do continente.

Para favorecer o desenvolvimento das PME, seria conveniente, nomeadamente:

Aprofundar a integração regional (ver ponto 7.8), para ultrapassar a pequenez dos mercados locais;

Reduzir os encargos administrativos, aumentar a credibilidade judiciária e adaptar as infra-estruturas, incluindo as imateriais (infra-estruturas de comunicação) às suas necessidades;

Abrir as suas possibilidades financeiras (ver ponto 7.2.1: Os investimentos endógenos) para a sua criação e financiamento; Para o efeito, seria necessário, em particular, melhorar o ambiente dos negócios (criando, por exemplo, ajudas para o mercado e a comercialização), ajudá-los a satisfazer as exigências da finança formal e alargar a oferta de financiamentos através de um maior recurso ao sector privado não- financeiro;

Converter o desenvolvimento das PME num dos eixos da política de cooperação da União Europeia em África. Através dos Estados-Membros e das suas empresas, a UE deve favorecer e promover a criação de PME, nomeadamente através do estímulo ao investimento graças a incentivos fiscais (por exemplo, créditos fiscais, empréstimos bonificados e papel do BEI);

Realizar transferências tecnológicas sistemáticas (saber-fazer e comunicação) que possam eventualmente lançar ulteriores programas de investigação e desenvolvimento. Qualquer empresa europeia que assina um contrato de fornecimento de equipamentos ou de produtos industriais deve comprometer-se a transferir a sua tecnologia (isto é feito efectivamente com a China, nomeadamente no sector do nuclear e da aeronáutica. Porque não com a África sobre produtos menos elaborados? Mesmo que os desafios financeiros sejam menos importantes);

Criar «spin-off» e viveiros de empresas, podendo isto ser favorecido através da previsão nas formações da preocupação de desenvolver o espírito empresarial;

Desenvolver co-empresas ou empresas comuns que associem componentes africanas e europeias (por exemplo, capitais, mão-de-obra e direcção).

7.4   Construir uma agricultura moderna e competitiva

A agricultura, as pescas e a silvicultura, que constituem vertentes essenciais do desenvolvimento rural, devem ser a principal prioridade estratégica do desenvolvimento da África. Estes sectores são fundamentais para o desenvolvimento primário e, devido ao seu primado sobre grande parte do território, são factores estruturantes da vida económica e social. Este desenvolvimento é indispensável para procurar atingir a auto-suficiência alimentar, porque representa um domínio essencial da economia dos países africanos e contribui para estabilizar as populações, tanto mais que representa um grande potencial em termos de criação de emprego. Considerando a importância da agricultura africana (-57,2 % da população activa total dedica-se à agricultura em comparação com 5 % nos países industrializados), não pode deixar de surpreender constatar que apenas foi destinado à agricultura 1 % dos recursos do 9.o Fundo Europeu de Desenvolvimento; esta constatação reforça a ideia da necessária associação da sociedade civil, e dos agricultores em particular, à elaboração dos Planos Indicativos Nacionais. Comparativamente, o Banco Mundial consagrou 8 % dos seus recursos à agricultura e reconheceu ele próprio que isto era insuficiente.

Neste período de encarecimento dos preços das matérias-primas agrícolas, e por conseguinte dos produtos alimentares, nos mercados internacionais, mais do que nunca o desenvolvimento progressivo da agricultura apenas poderá ser realizado através da adopção de uma política agrícola séria, estruturada e planificada a curto, médio e longo prazo. Esta política deve beneficiar de prioridade orçamental e financeira no sentido lato do termo e ser adaptada às limitações próprias dos diferentes países e do continente, ao mesmo tempo que deve integrar a abordagem regional.

Para garantir o máximo de êxito na implantação desta política, esta última apenas poderá ser elaborada e aplicada com a colaboração das organizações agrícolas africanas e deverá, nomeadamente, incluir mecanismos de salvaguarda: é normal que no Senegal seja importado arroz da Ásia, quando existem possibilidades de cultivo com irrigação ao longo do rio que não são valorizadas?

Uma política racional de promoção do emprego no sector agrícola poderá assentar, em particular, nos aspectos apontados no Anexo IV do presente parecer.

7.5   Os recursos humanos no cerne de uma política para o emprego

O desenvolvimento dos recursos humanos é um factor imprescindível de qualquer estratégia de desenvolvimento. A educação e a formação desempenham um papel de primeiro plano neste processo, formando uma mão-de-obra flexível, diversificada em termos de empregabilidade, e de boa qualidade. Por conseguinte, é necessário que os responsáveis pela planificação dos recursos humanos, associados aos intervenientes socioeconómicos, procedam a uma análise das necessidades em termos de emprego e de mercado do trabalho, realizem previsões a médio e a longo prazo e se antecipem aos problemas e aos desafios mais importantes ligados à adequação entre formação e emprego. De modo geral, o exemplo dos países emergentes ou recentemente desenvolvidos, como a Coreia, é edificante deste ponto de vista.

A UE e os Estados-Membros devem desempenhar um papel central graças à experiência adquirida em matéria de formação e a financiamentos bem orientados e selectivos, cuja rastreabilidade seria garantida. A União Europeia tem vários projectos educacionais em que podem participar estudantes africanos. O Comité está em crer que esta actividade da UE é muito importante, pois o futuro da África depende do facto de a população possuir um bom nível de educação.

As diferentes acções que poderiam ser realizadas para colocar os recursos humanos no centro da promoção do emprego são desenvolvidas no Anexo V do presente parecer.

7.6   A integração regional

Reconhece-se em geral que existe um enorme potencial para desenvolver o comércio intra-africano e para criar espaços económicos mais vastos.

Embora a integração económica regional e subregional tenha progredido sensivelmente, nomeadamente graças à criação da União Africana, o potencial comercial ainda não foi plenamente explorado. Convém coordenar melhor as medidas adoptadas para harmonizar os procedimentos aduaneiros, reduzir os obstáculos pautais e não-pautais, melhorar os transportes e as comunicações através do aumento dos investimentos no desenvolvimento das infra-estruturas regionais e garantir a livre circulação dos cidadãos, nomeadamente através da supressão dos vistos, inscrevendo tudo isto numa política de ordenamento do território de forma a assegurar uma coerência geral.

O desenvolvimento económico da África passa em primeiro lugar pelo aprofundamento do seu mercado interno para que seja capaz de desenvolver um crescimento endógeno que permita estabilizar e integrar este continente na economia mundial. A integração regional e o desenvolvimento do mercado interno são os pilares e os trampolins que permitirão uma abertura positiva da África ao comércio mundial.

Deste ponto de vista, o Comité lamenta que, até hoje, não tenham sido concluídas as negociações regionais dos Acordos de Parceria Económica, dos quais um dos objectivos é precisamente a integração económica.

7.7   O diálogo social

O diálogo social é necessário e fundamental para o desenvolvimento do emprego digno e produtivo. Deste modo, este diálogo deve ser parte integrante da aplicação da estratégia comum. Com efeito, a plena participação dos parceiros sociais na vida económica e social, nomeadamente através da negociação da convenção colectiva, dá resposta não só a exigências de democracia, mas também constitui uma fonte de desenvolvimento social, de paz social e de competitividade económica. O diálogo social é o instrumento privilegiado que permite atingir consensos socioeconómicos geradores de desenvolvimento. Com efeito, não é possível um desenvolvimento económico óptimo que não seja paralelamente acompanhado por um desenvolvimento social. Estes conceitos devem estar em sintonia para criar a dinâmica necessária à plena eficiência de um progresso económico capaz de suscitar uma melhoria dos modos de vida e dos empregos dignos, bem como o bem-estar das populações. Convém portanto criar ou desenvolver as liberdades sindicais e de negociação colectiva, bem como organizações de empregadores e de trabalhadores fortes e independentes que disponham das capacidades e dos conhecimentos técnicos necessários ao pleno desempenho das suas funções.

7.8   A sociedade civil organizada

A participação dos intervenientes não-estatais é indissociável do desenvolvimento do emprego digno e deve portanto ser um aspecto essencial da estratégia comum. Efectivamente, a sua participação, ao mesmo tempo que dá resposta a exigências de democracia participativa, introduz o saber fazer e os conhecimentos de terreno daqueles que quotidianamente empreendem, produzem e cultivam. A este título, devem ser associados à elaboração dos programas indicativos nacionais e regionais (PIN e PIR) e serem considerados actores do desenvolvimento de pleno direito, beneficiar dos auxílios públicos ao desenvolvimento e das disposições do Acordo de Cotonou que visam os auxílios ao reforço das capacidades. Temos interesse em reler, nomeadamente, o ponto 3 do parecer do CESE 1497/2005 sobre a necessária organização estrutural, ou mesmo institucional, da sociedade civil organizada (plataforma, redes, Comité …) para adquirir uma unidade de tempo e de localização necessária aos debates e à definição das suas orientações. Deste ponto de vista, a criação, graças ao Acordo de Parceria Económica (APE) CARIFORUM-CE, que foi concluído em Dezembro de 2007, de um Conselho Consultivo da Sociedade Civil é um exemplo a seguir em África. (ver declaração final da 25.a Reunião dos Meios Económicos e Sociais ACP-UE, realizada em 4, 5 e 6 de Março em Bruxelas: «Uma melhor parceria para um melhor desenvolvimento»). Ao cumprir o mandato que lhe conferiu o Acordo de Cotonou, o CESE desempenhou, através do seu Comité de Acompanhamento ACP-UE, um papel importante ao contribuir para a coordenação, a reflexão colectiva e a colocação em rede da sociedade civil organizada.

7.9   A boa governação

A boa governação condiciona a confiança dos investidores e este ponto de vista, por si só, revela que a boa governação é essencial para o desenvolvimento da África. Por conseguinte, a promoção da governação democrática, necessária em todos os escalões administrativos, é um elemento fundamental do diálogo da parceria Europa-África. Deve ser considerada na sua globalidade e incluir o respeito dos Direitos do Homem e dos direitos dos trabalhadores, nomeadamente as liberdades sindicais, as normas do trabalho, o Estado de Direito, o reforço das instituições e do aparelho de Estado (cuja fragilidade e capacidades insuficientes são frequentemente um freio à aplicação das acções de cooperação), a participação da sociedade civil numa verdadeira democracia participativa ou ainda a luta contra a corrupção. Sobre este último ponto, a União Europeia e os Estados-Membros devem impor exigências no quadro das parcerias, condicionando os seus auxílios financeiros à rastreabilidade das suas utilizações. Com efeito, dos 100 mil milhões de dólares de auxílios anuais, 30 mil milhões «evaporam-se» (14) (ver ponto 3.6.1.5 e 7.2.1.3, último travessão).

Bruxelas, 18 de Setembro de 2008.

O Presidente

do Comité Económico e Social Europeu

Dimitris DIMITRIADIS


(1)  CESE 1205/2004 «O papel das organizações de mulheres como agentes não-estatais no âmbito do Acordo de Cotonou», relatora FLORIO, Setembro de 2004.

CESE 1497/2005 «Como integrar os aspectos sociais nos Acordos de Parceria Económica», relatores PEZZINI e DANTIN. Dezembro de 2005.

CESE 753/2006 «Uma prioridade necessária para a África: O ponto de vista da sociedade civil europeia», relator BEDOSSA, Maio de 2006.

CESE 673/2007 «Migração e desenvolvimentoOportunidades e desafios», relatora: M. SHARMA, Dezembro de 2007.

Relatórios do Comité de Seguimento ACP-UE do CESE: «Os recursos humanos para o desenvolvimento», relatores KING e AKOUETE, Maio de 2007.

(2)  União Europeia-África: «A parceria estratégica», Nathalie DELAPALME e Elise COLETTE. Notas da Fundação Robert SCHUMANN, Dezembro de 2007.

(3)  Discurso do Comissário Louis MICHEL na Conferência «UE-China-África», organizada pela Comissão Europeia, Bruxelas, 28 de Junho de 2007.

(4)  Resposta do Comissário Louis MICHEL a um interveniente na Assembleia Parlamentar Mista de Kigali, 18, 19, 20, 21 e 22 de Novembro de 2007.

(5)  Cimeira Extraordinária da União Africana sobre o Emprego e a Luta contra a Pobreza, Ouagadougou, 3 a 9 de Setembro de 2004. Declaração final (artigo 16.o).

(6)  Intervenção do Presidente do CES de um Estado francófono da África Ocidental na Assembleia Geral da UCESA (União dos CES de África), Ouagadougou, 13 e 14 de Novembro de 2007.

(7)  Ver artigos 104.o e 105.o da declaração.

(8)  Ver artigos 106.o a 110.o da declaração.

(9)  Só em África, concentra-se a quase totalidade das reservas mundiais de crómio (essencialmente no Zimbabué e na África do Sul), 90 % das reservas de platina (África do Sul) e 50 % das reservas de cobalto (RDC e Zâmbia).

(10)  Ver CESE 673/2007 «Migração e desenvolvimentoOportunidades e desafios», relatora: M. SHARMA, Dezembro de 2007.

(11)  Segundo encontro conjunto CESE-UCESA (União dos CES Africanos). Declaração dos Presidentes.

(12)  «O desenvolvimento económico em África», relatório da CNUCED, 26 de Setembro de 2007.

(13)  Assembleia Parlamentar Mista ACP-UE. Projecto de relatório sobre «Os IDE nos Estados ACP», relatores: Astrid LULLING e Timothy HARRIS, Kigali, Novembro de 2007.

(14)  «O desenvolvimento económico em África», relatório da CNUCED, 27 de Setembro de 2007. Entrevista do Secretário de Estado para a francofonia do Governo Francês, jornal «Le Monde», 16 de Janeiro de 2008.