52007DC0628

Comunicação da Comissão ao Conselho, ao Parlamento Europeu, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões - Intensificar o combate ao trabalho não declarado /* COM/2007/0628 final */


[pic] | COMISSÃO DAS COMUNIDADES EUROPEIAS |

Bruxelas, 24.10.2007

COM(2007) 628 final

COMUNICAÇÃO DA COMISSÃO AO CONSELHO, AO PARLAMENTO EUROPEU, AO COMITÉ ECONÓMICO E SOCIAL EUROPEU E AO COMITÉ DAS REGIÕES

Intensificar o combate ao trabalho não declarado

COMUNICAÇÃO DA COMISSÃO AO CONSELHO, AO PARLAMENTO EUROPEU, AO COMITÉ ECONÓMICO E SOCIAL EUROPEU E AO COMITÉ DAS REGIÕES

Intensificar o combate ao trabalho não declarado

1. Introdução

O trabalho não declarado é definido como « qualquer actividade remunerada de carácter lícito, mas não declarada aos poderes públicos, tendo em conta as diferenças de carácter legislativo existentes entre os Estados-Membros ». Esta definição[1], que estabelece uma relação entre o trabalho não declarado e a fraude fiscal e/ou a fraude relativa às contribuições obrigatórias para a segurança social, abrange diversas actividades que vão da prestação de serviços informais às famílias ao trabalho clandestino de residentes em situação irregular; exclui, contudo, qualquer actividade criminosa.

De uma forma geral, considera-se que o trabalho não declarado, fenómeno complexo que sofre a influência de grande número de factores económicos, sociais, institucionais e culturais, tende a constituir um obstáculo às políticas económicas, orçamentais e sociais que visam o crescimento.

Tanto empregadores (e consumidores) como trabalhadores por conta de outrem (e por conta própria) podem recorrer ao trabalho não declarado atraídos pelas potenciais vantagens – que em comparação com o risco de sanções – de escapar ao imposto e às contribuições para a segurança social, aos direitos sociais (salário mínimo, legislação em matéria de protecção do emprego, licenças) e ao custo inerente ao cumprimento da legislação (exigências em matéria de inscrição, disposições sobre saúde e segurança). Na medida em que entra em concorrência com actividades conformes à legislação, podendo mesmo afastá-las, o trabalho não declarado é a principal fonte de dumping social. No caso de o trabalho não declarado ser efectuado por indivíduos que recebam prestações para compensar a sua inactividade, existe igualmente uma dimensão de fraude social.

A problemática do trabalho não declarado já tinha sido analisada na comunicação de 1998 da Comissão, que passou em revista as suas causas e repercussões e destacou algumas experiências de políticas na matéria. A comunicação em apreço abriu caminho a um vasto debate político à escala da UE sobre esta temática, que culminou na adopção de uma abordagem política comum estabelecida nas Orientações para o Emprego 2003-2005[2]. Estas orientações preconizavam uma combinação equilibrada de medidas preventivas (nomeadamente através de legislação adaptada em matéria de contribuições sociais e impostos e em matéria administrativa), de acções de sensibilização, de sanções e de fiscalização. Esta combinação de medidas foi mais aprofundada na Resolução do Conselho, de 29 de Outubro de 2003, relativa à transformação do trabalho não declarado em emprego regular[3], que exortava igualmente a participação activa dos parceiros sociais. Além disso, a comunicação foi um dos elementos que esteve na origem da experiência lançada em 2000 que permitiu reduzir a taxa do IVA sobre serviços com grande intensidade do factor trabalho[4].

Face a um contexto em que a importância da economia informal não diminuiu, parecendo mesmo verificar–se algum crescimento em certos sectores (construção) e em determinadas formas de trabalho, pode-se questionar se é suficiente a atenção política que está a ser consagrada à problemática do trabalho não declarado. A presente comunicação propõe-se, pois, reafirmar a relevância das políticas de combate ao trabalho não declarado, analisando as medidas adoptadas nos Estados-Membros e ilustrando as oportunidades de intercâmbio em matéria de boas práticas. A análise apresentada baseia-se igualmente em novos dados que decorrem de um inquérito harmonizado, realizado com o objectivo de clarificar as características e os motivos do trabalho não declarado.

2. RELEVÂNCIA DAS POLÍTICAS QUE VISAM A REDUÇÃO DO TRABALHO NÃO DECLARADO

Aplicadas com sucesso, as políticas destinadas a transformar o trabalho informal em formas de emprego formal, contribuirão para a consecução dos principais objectivos da renovada Estratégia de Lisboa para o crescimento e o emprego.

O trabalho não declarado tem repercussões negativas que afectam os três pilares da Estratégia de Lisboa, nomeadamente os grandes objectivos da Estratégia Europeia de Emprego (pleno emprego, qualidade e produtividade no trabalho e coesão social). De um ponto de vista macroeconómico, o trabalho não declarado diminui as receitas fiscais e mina o financiamento dos sistemas de segurança social; numa perspectiva microeconómica, tende a distorcer a concorrência leal entre as empresas, abrindo caminho ao dumping social. Além disso, o trabalho não declarado prejudica a produtividade, dado que as empresas do sector informal, regra geral, evitam recorrer a serviços e produtos do sector formal (crédito, por exemplo), preferindo conservar uma dimensão modesta.

O recente Livro Verde sobre o direito do trabalho[5] considera que o trabalho não declarado é um dos principais factores de dumping social, constituindo, por conseguinte, um dos grandes desafios para a modernização do direito do trabalho na UE. Por outro lado, o trabalho não declarado é frequentemente sinónimo de condições de trabalho inadequadas e de subsequentes riscos para saúde dos trabalhadores, de fracas perspectivas de progresso na carreira e de protecção social insuficiente. Neste contexto, os parceiros sociais europeus perspectivaram uma análise conjunta do trabalho não declarado no âmbito do seu programa de trabalho para 2006-2008[6]. A subsequente consulta sobre o Livro Verde[7] demonstrou que as administrações apoiavam firmemente a ideia de uma maior cooperação administrativa a nível da UE e de uma intensificação dos intercâmbios de informações e de boas práticas, ao passo que os parceiros sociais e outras partes interessadas confirmavam as prioridades políticas definidas na Resolução do Conselho de 2003; no que diz respeito aos sindicatos, nomeadamente, assumia especial importância melhorar o quadro normativo e a sua fiscalização a nível europeu, a fim de combater a fraude social transfronteiriça.

Existe um consenso cada vez maior quanto à ideia de que o trabalho não declarado representa um custo para os sistemas de segurança social: não só a perda de receitas sofrida enfraquece a sua base financeira, mas a confiança e credibilidade públicas nestes sistemas são prejudicadas. Na verdade, embora frequentemente os trabalhadores não declarados possam ser titulares de prestações por desemprego, compensatórias de inactividade ou familiares, são, por outro lado, privados das vantagens ligadas a um contrato formal de trabalho, como uma reforma proporcional ao salário, formação e a perspectiva de progressão na remuneração e na carreira, correndo simultaneamente o risco de serem constantemente acantonados em actividades não declaradas. As reformas dos sistemas de segurança social podem oferecer incentivos importantes para o trabalho passar a ser declarado, como sublinha o relatório de síntese de 2006 sobre pensões adequadas e sustentáveis[8].

O problema colocado por um mercado do trabalho segmentado, no qual vastas categorias de trabalhadores se encontram presos em actividades que não beneficiam da protecção adequada, é igualmente cada vez mais reconhecido. O trabalho não declarado constitui um caso extremo de segmentação do mercado de trabalho[9].

A possibilidade de encontrar trabalho não declarado é um importante factor de atracção para a imigração clandestina. Aos residentes em situação irregular, geralmente não abrangidos por regimes de segurança social, é frequentemente proposto trabalho não declarado em condições socialmente inaceitáveis e que não cumpre a legislação em matéria de saúde e segurança. Em 16 de Maio de 2007, a Comissão apresentou uma proposta de directiva que prevê sanções contra os empregadores de nacionais de países terceiros em situação irregular[10].

3. DADOS RELATIVOS AO TRABALHO NÃO DECLARADO

A. Factores que incentivam o trabalho não declarado

Perante os factores expostos infra, questiona-se se não há um terreno cada vez mais propício para o trabalho não declarado:

- procura crescente de serviços prestados às famílias e de cuidados em consequência de alterações sociodemográficas, eventualmente em combinação com a redução do tempo de trabalho;

- tendência para relações de trabalho mais reduzidas e menos hierárquicas, acompanhadas de sistemas mais flexíveis de remuneração ou contabilização das horas de trabalho;

- trabalho por conta própria (incluindo trabalho por conta própria simulado) e subcontratação bem como, mais geralmente, contratos flexíveis e contratos de trabalho pontual quando utilizados incorrectamente para evitar a declaração de parte dos rendimentos;

- facilidade crescente de estabelecimento de grupos transfronteiriços de empresas, que exigem uma cooperação internacional eficaz entre as entidades e os sistemas de fiscalização e aplicação da lei.

B. Estatísticas a nível da UE

Problemas de quantificação

O facto de o trabalho não declarado não ser directamente observado ou registado e de poder ser definido diferentemente nas legislações nacionais, torna difícil a obtenção de estimativas fiáveis da amplitude desta realidade nos Estados-Membros da UE. No entanto, é imperativo medir a extensão e as características do trabalho não declarado para que possam ser postas em prática medidas políticas adequadas.

O trabalho não declarado pode ser medido quer directa, quer indirectamente. Os métodos indirectos baseiam-se na comparação de agregados macroeconómicos (como as contas nacionais, o consumo de electricidade, as transacções em dinheiro). Os métodos indirectos (frequentemente monetários) sobrestimam muitas das vezes a importância do trabalho não declarado e fornecem pouca informação sobre as suas características socioeconómicas. Os métodos directos, pelo contrário, baseiam-se em inquéritos estatísticos e têm vantagens em termos de comparabilidade e detalhe, mas tendem a subestimar a extensão de trabalho não declarado. Para um conhecimento aprofundado da extensão e das causas do trabalho não declarado, convém, por conseguinte, combinar estes dois métodos. Além disso, há um manancial de informação administrativa (estatísticas da inspecção do trabalho, por exemplo), que não é explorada de forma sistemática, mas que poderia ser utilizada para complementar os resultados obtidos graças às análises directas e indirectas.

Estimativas nacionais

As melhores estimativas disponíveis até á data, baseadas em métodos indirectos, relativamente ao nível global de trabalho não declarado nos Estados-Membros foram obtidas através de um estudo realizado para a Comissão em 2004[11]. O trabalho não declarado apresenta diferenças significativas entre os vários Estados-Membros, no que se refere à sua extensão e características, podendo representar, ou mesmo ultrapassar, 20% do PIB em alguns dos países da Europa do Sul e da Europa Oriental. Um recente levantamento efectuado por especialistas da rede do Observatório Europeu do Emprego[12] indica que o trabalho não declarado continua a aumentar em vários Estados-Membros[13], embora, nos últimos anos, em alguns dos novos Estados-Membros, a forte criação de emprego e a emergência de problemas de falta de mão-de-obra tenha conduzido a uma diminuição do fenómeno.

C. Características e formas do trabalho não declarado segundo o Eurobarómetro

Na sequência do estudo de 2004, no segundo trimestre de 2007, recorreu-se a métodos directos para a realização de um inquérito sobre o trabalho não declarado na UE 27, sob a forma de um inquérito especial Eurobarómetro (n.° 284); este inquérito centrou-se sobre a opinião do público sobre o trabalho não declarado, nos aspectos ligados à procura e à oferta, nas motivações para recorrer ao trabalho não declarado, e ainda nas características socioeconómicas dos produtores e dos consumidores.

Dado o carácter sensível desta problemática, a natureza experimental do inquérito e o escasso número de inquiridos que reconheceram ter estado envolvidos em trabalho não declarado, os resultados devem ser interpretados com extrema prudência. Os resultados quantitativos, em especial, são provavelmente inferiores aos valores reais. Como o inquérito Eurobarómetro se baseia numa amostra predefinida, não pode fornecer dados fiáveis sobre a situação de nacionais de países terceiros em situação irregular ou de cidadãos dos novos Estados-Membros cuja livre circulação esteja temporariamente sujeita a restrições. Contudo, os resultados indicam por exemplo:

- a existência de um vasto mercado em toda a UE para o trabalho não declarado, nomeadamente no sector dos serviços prestados às famílias;

- que o principal propulsor é, não tanto a necessidade, mas o evitar os impostos e a carga administrativa (nomeadamente no que se refere aos trabalhos atípicos, como as actividades sazonais);

- a importância das remunerações não declaradas (entregues em mão)[14], nomeadamente no sector da construção.

- a prevalência do trabalho não declarado entre estudantes, trabalhadores por conta própria e desempregados;

- o escasso conhecimento das sanções caso a situação seja descoberta.

4. POLÍTICAS PARA REDUZIR O TRABALHO NÃO DECLARADO

Face à sua complexidade e heterogeneidade, não é possível apontar uma solução única para combater o trabalho não declarado. É necessário uma estratégia equilibrada, composta por medidas destinadas a contrariar ou a prevenir a ocorrência do fenómeno e por acções que garantam a aplicação destas medidas, com a participação dos parceiros sociais. Foi esta a abordagem da Resolução do Conselho de 2003 relativa à transformação do trabalho não declarado em emprego regular, que preconiza:

- a redução das vantagens financeiras do trabalho não declarado decorrentes da configuração dos sistemas fiscais e de segurança social, bem como da permissividade com que os sitemas de protecção social consideram o trabalho não declarado;

- a reforma e simplificação administrativas, com vista a reduzir o custo inerente ao cumprimento da lei;

- o reforço dos mecanismos de fiscalização e de sanções, com a participação das inspecções do trabalho, das administrações fiscais e dos parceiros sociais;

- a cooperação transnacional entre os Estados-Membros, e

- o desenvolvimento de actividades de sensibilização.

As principais políticas desenvolvidas nos domínios anteriormente mencionados, são a seguir analisadas e ilustradas através de exemplos de práticas inovadoras[15] introduzidas nos Estados-Membros.

Atractivos financeiros do trabalho não declarado

Os dados disponíveis confirmam que o montante, a concepção e a aplicação das diferentes formas de tributação (nomeadamente a tributação sobre os rendimentos do trabalho e as contribuições para a segurança social) favorecem significativamente o trabalho não declarado. No entanto, outros factores, como a confiança das pessoas nos sistemas fiscal e de protecção social, desempenham também um papel relevante.

Neste aspecto, a maior parte dos Estados-Membros melhorou os incentivos financeiros ao trabalho declarado, nomeadamente aumentando a base isenta de imposto para os rendimentos do trabalho e estabelecendo salários mínimos de forma adequada quer por via legislativa, quer através de convenções colectivas. As estatísticas confirmam uma diminuição geral, mas lenta, da tributação dos salários baixos. Na UE, o peso global da tributação que incide sobre o trabalho diminuiu, em média, cerca de 1,2 pontos percentuais entre 2000 e 2005[16]. Contudo, com a taxa média bruta à volta de 40%, estas reduções poderão ainda não convencer quem possa optar pelo trabalho não declarado (em especial se houver combinação com prestações sociais). Além disso, o efeito pretendido com as referidas reduções pode ser anulado por eventuais horas extraordinárias, que, em muitos Estados-Membros, estão sujeitas a uma tributação significativamente mais elevada.

Os salários mínimos foram significativamente aumentados, designadamente nos novos Estados-Membros. Os níveis foram geralmente fixados com prudência (menos de metade do salário médio), de modo a evitar o desaparecimento dos empregos regulares e a sua substituição por trabalho não declarado. Além disso, em muitos novos Estados-Membros em que está generalizada a prática de remunerações não declaradas (entregues em mão) salários mínimos mais elevados reduzem a margem de manobra para a negociação deste tipo de remuneração.

O nível das prestações ligadas ao exercício de uma actividade profissional e das prestações sociais mínimas deveria permitir viver decentemente, garantindo simultaneamente condições financeiras mais atractivas para o trabalho declarado do que as relativas a uma actividade não declarada combinadas com o benefício de prestações sociais. Na maior parte dos Estados-Membros, foram introduzidos controlos mais rigorosos dos beneficiários das prestações sociais.

Uma grande parte da actividade por conta própria em alguns Estados-Membros deixa entrever possíveis distorções entre os regimes fiscais e de segurança social dos trabalhadores por conta de outrem e dos trabalhadores por conta própria, devido a um nível de tributação mais baixo das sociedades do que dos rendimentos do trabalho e a um tratamento diferente dos trabalhadores por conta de própria e por conta de outrem no âmbito da segurança social. A introdução de uma taxa fiscal única na Eslováquia e na Estónia pode ser considerada como uma tentativa para eliminar estas distorções.

Algumas lições políticas:

- Em relação ao trabalho não declarado, o equilíbrio entre os factores dissuasivos e os incentivos no contexto dos sistemas de segurança social pode ser melhorado através de níveis adequados de apoio ao rendimento, do reconhecimento da relação entre direitos e contribuições, do controlo dos beneficiários das prestações e de sanções financeiras adequadas em caso de fraudes fiscais ou de fraudes à segurança social.

- Os aspectos a controlar incluem, entre outros, i) tributação das horas extraordinárias, ii) respeito dos salários mínimos ou dos salários estabelecidos através de convenções colectivas e o eventual papel que possam desempenhar como valor de referência para as práticas existentes ao nível das remunerações não declaradas (entregues em mão), iii) distorções entre os regimes fiscais dos trabalhadores por conta de outrem e dos trabalhadores por conta própria e iv) redução da carga fiscal sobre os empregos de baixa produtividade.

B. Reforma e simplificação administrativas

A carga administrativa, nomeadamente no que se refere ao trabalho atípico ou sazonal, parece constituir, a par da tributação do trabalho, um dos mais importantes impulsionadores de recurso ao trabalho não declarado. Em certos casos extremos, a combinação desta carga administrativa e/ou fiscal com a baixa produtividade torna certas actividades economicamente inviáveis na economia formal.

A introdução de sistemas simplificados de inscrição dos trabalhadores na Grécia (para os trabalhadores em regime familiar), em França (trabalhadores sazonais agrícolas, hotelaria e restauração), nos Países Baixos (trabalho doméstico) e na Alemanha («mini-jobs») permitiu a criação de um número considerável de empregos. Em Espanha, onde as comparações entre regiões revelam uma correlação entre a incidência dos contratos temporários e o trabalho não declarado, o acordo dos parceiros sociais celebrado em 2005, que visa a redução do emprego temporário, também pode ser considerado como um primeiro passo prometedor para a regularização do trabalho não declarado.

Na Bélgica, Áustria e Espanha foram introduzidos cheques-serviço e outros dispositivos de prestação regular de serviços às famílias, mecanismos estes que viram as suas possíveis utilizações reduzidas na Dinamarca, em 2001. A introdução dos referidos mecanismos teve, frequentemente, um impacto positivo na criação de empregos, mas os resultados em matéria de custos e benefícios orçamentais são mitigados.

Tendo em consideração o trabalho não declarado pode ocorrer em combinação com a evasão à tributação indirecta, certos Estados-Membros fizeram uso da faculdade que lhes oferecia a Directiva 1999/85/CE, reduzindo as taxas de IVA sobre determinados serviços de mão-de-obra intensiva. Não há muitos dados que apontem para um efeito de criação de emprego decorrente de uma mera redução da taxa do IVA. Para os sectores da construção, renovação e manutenção, vários Estados-Membros (como a Finlândia, a Suécia ou a Itália) optaram por uma dedução à matéria colectável do consumidor, medida que consideraram mais eficaz.

Desde a adesão à UE de dez novos Estados-Membros, em 1 de Maio de 2004, o Reino Unido, a Irlanda e a Suécia abriram os seus mercados de trabalho aos trabalhadores destes novos Estados-Membros, ao passo que os outros Estados-Membros optaram por aplicar disposições transitórias aos nacionais de oito desses novos Estados-Membros.

No relatório sobre a aplicação das disposições transitórias estabelecidas no Tratado de Adesão de 2003, a Comissão referiu que as restrições de acesso ao mercado de trabalho podem aumentar drasticamente o recurso ao trabalho não declarado[17].

Desde 1 de Maio de 2006, em alguns Estados-Membros da UE 15 (Finlândia, Espanha, Portugal, Grécia, Itália, Países Baixos e, em breve, Luxemburgo) todas as restrições foram levantadas, ao passo que outros Estados-Membros as simplificaram, num contexto de retracção dos mercados de trabalho. Recentemente, a Alemanha e a Áustria anunciaram a liberalização do acesso para especialistas qualificados. Em 1 de Janeiro de 2007, dez Estados-Membros da UE 25 (República Checa, Estónia, Chipre, Letónia, Lituânia, Polónia, Eslovénia, Eslováquia, Finlândia e Suécia) liberalizaram, ao abrigo da legislação nacional, o acesso dos trabalhadores búlgaros e romenos aos respectivos mercados de trabalho.

Algumas lições políticas:

- a legislação do trabalho e os sistemas administrativos ainda podem ser melhorados para uma gestão mais eficaz das carências e das necessidades a curto prazo do mercado de trabalho;

- podem ser tomadas iniciativas em sectores específicos (nomeadamente na hotelaria e restauração, agricultura, serviços prestados às famílias) para transformar o trabalho não declarado em emprego regular;

- o acervo comunitário relativo à livre circulação de trabalhadores deveria, de um modo geral, ser aplicado e apoiado (através do EURES, designadamente);

- haveria todo o interesse em explorar melhor as possibilidades oferecidas pelo acesso à administração pública em linha, aos processos electrónicos de inscrição e pelo intercâmbio de informações entre as bases de dados das administrações.

C. Vigilância e sanções

O Livro Verde da Comissão sobre direito do trabalho[18] sublinhou a necessidade de uma cooperação mais eficaz a nível nacional entre as diferentes instâncias administrativas de controlo a nível nacional, nomeadamente a inspecção do trabalho, a administração da segurança social e a administração fiscal, e do «reforço da dotação destas autoridades em recursos e em competências especializadas e da cooperação com os parceiros por parte destas instâncias de controlo, pode contribuir para reduzir as causas do trabalho não declarado».

Novas leis e novos planos de acção com o objectivo de melhorar a detecção do trabalho não declarado foram aprovados em vários Estados-Membros (Alemanha, Finlândia, França, Itália, Eslováquia, etc.). Em muitos casos, a definição do trabalho não declarado foi actualizada para reflectir a evolução do mercado do trabalho (trabalho através de agência, subcontratação, etc.) e foram adoptados critérios para detectar o falso trabalho por conta própria.

A melhoria da capacidade de acompanhamento e de fiscalização dos organismos de segurança social, das inspecções do trabalho e dos sindicatos tornou-se uma prioridade em muitos Estados-Membros. Foram criadas estruturas interministeriais de coordenação em França, na Bélgica, na Irlanda e em Itália. Foram estabelecidas interfaces entre as bases de dados relevantes (em Portugal, por exemplo).

Foi generalizada a obrigação para os empregadores de inscrever os trabalhadores a partir do primeiro dia de contratação. Além disso, os potenciais utilizadores de trabalho não declarado passaram a ser considerados responsáveis na Alemanha (desde 2004 os agregados familiares devem conservar as facturas relativas à prestação de serviços de construção e de manutenção) e na Áustria (deve ser mantida uma contabilidade de tesouraria actualizada no sector da hotelaria e da restauração).

Em vários países foram celebrados acordos entre os parceiros sociais, nomeadamente no sector da construção (Alemanha, Finlândia, Itália). Em Itália, a Lei do Orçamento estabelece que, em 2007, o Ministério do Trabalho, em colaboração com os parceiros sociais, introduzirá um sistema normativo para calcular o número efectivo de horas trabalhadas (« indici di congruità »).

Foram introduzidas sanções para os empregadores de nacionais de países terceiros em situação irregular (Finlândia, Alemanha, Países Baixos ou Reino Unido, por exemplo), que, em muitos casos, foram reforçadas, nomeadamente por medidas que proíbem a participação em concursos públicos. Neste contexto, a Comissão propôs recentemente uma directiva com vista a garantir que, no âmbito da política global de migração da UE,[19] todos os Estados-Membros introduzam e cominem sanções semelhantes contra os empregadores que recorram a nacionais de países terceiros com residência ilegal no território comunitário.

Algumas lições políticas:

- A inscrição obrigatória dos trabalhadores constitui um requisito prévio para detectar o trabalho não declarado. As excepções à prática de contratos de trabalho escritos devem ser limitadas ao mínimo.

- Podem ser considerados vários tipos de soluções em sectores específicos para que, com a participação dos parceiros sociais, o trabalho não declarado seja fiscalizado e regularizado;

- O êxito das políticas de combate ao trabalho não declarado depende do grau de cooperação entre as diversas entidades responsáveis em matéria fiscal, laboral e de imigração, bem como da aplicação da legislação e da cominação de sanções.

D. Cooperação transfronteiriça na UE

No âmbito da Directiva 96/71/CE relativa ao destacamento de trabalhadores, foram celebrados acordos de cooperação bilateral entre, nomeadamente, França, Bélgica e Alemanha e prevista a celebração de outros acordos (entre Itália, Espanha, Polónia e República Checa). Além disso, um grupo de Estados-Membros estabeleceu uma rede de cooperação, a fim de promover um programa de acção mais vasto em matéria de trabalho não declarado e de partilha das respectivas experiências[20].

A Comissão considera que a cooperação administrativa entre os Estados-Membros deve ser melhorada, designadamente no que diz respeito aos trabalhadores destacados[21]. A este respeito, a Comissão prevê adoptar uma recomendação que visa o reforço desta cooperação através do Sistema de Informação do Mercado Interno, assim como uma decisão criando um Comité de alto nível, a quem caberá apoiar e assistir os Estados-Membros na identificação e troca de boas práticas no domínio da fiscalização e da aplicação da legislação relativa aos trabalhadores destacados.

Além disso, a proposta da Comissão, de 2006, relativa a um regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho que estabelece as modalidades de aplicação do Regulamento (CE) n.º 883/2004 relativo à coordenação dos sistemas de segurança (que substituirá o Regulamento (CEE) n.º 1408/71 logo que o regulamento de aplicação seja adoptado) contém igualmente disposições que reforçam a cooperação entre as instituições de segurança social dos Estados-Membros.

Lição política:

- o quadro institucional que rege o controlo dos movimentos transfronteiriços de trabalhadores deve ser adaptado de maneira contínua ao ritmo e à complexidade crescentes das actividades transfronteiriças.

E. Sensibilização

Foram realizadas com êxito várias campanhas de sensibilização (como a campanha «Fair play» na Dinamarca). Nos novos Estados-Membros, estas campanhas, frequentemente de grande amplitude, centraram-se em aspectos concretos, como a remuneração não declarada (campanha «Work Contract Works», na Lituânia, por exemplo).

Lições políticas:

- Há margem para uma maior sensibilização da opinião quanto aos riscos ligados ao trabalho não declarado, nomeadamente no que diz respeito a eventuais sanções (ver resultados do inquérito Eurobarómetro); os parceiros sociais têm um papel fundamental a desempenhar neste aspecto.

- É importante informar os cidadãos sobre os efeitos positivos do pagamento integral dos impostos e sobre a natureza de seguro das contribuições para a segurança social.

5. CONCLUSÕES E ACÇÕES SUBSEQUENTES

Não há indícios convincentes de que o trabalho não declarado tenha diminuído significativamente nos últimos anos. O trabalho não declarado continua a constituir uma opção financeira atractiva, sobretudo quando combinado com a fraude em matéria de IVA e as possibilidades de operar a uma escala mais vasta ao nível da UE. Foram adoptadas algumas medidas políticas fragmentárias nos Estados-Membros, mas aparentemente sem avaliação de resultados nem partilha de experiências. Chegou o momento de os Estados-Membros intensificarem os seus esforços no combate ao trabalho não declarado.

- Apesar de se poderem assinalar alguns progressos (em matéria de tributação de baixos salários), é necessário ir mais além, tendo em conta as especificidades nacionais, para reduzir ainda mais a tributação do trabalho através de uma melhor qualidade das finanças públicas, em especial no que diz respeito à eficiência da despesa pública e dos sistemas de tributação, da redução dos custos não salariais do trabalho e do deslocamento da incidência da carga fiscal para outras fontes de receita alternativas[22]. Há margem para reduzir as complexidades administrativas dos sistemas de tributação e de prestações sociais, que podem constituir incentivos para trabalhadores por conta própria e pequenas empresas recorrerem ao trabalho não declarado.

- A Comissão considera as disposições transitórias que limitam a mobilidade dos trabalhadores originários dos novos Estados-Membros como um factor que entrava o recurso ao trabalho declarado e que pode aumentar drasticamente a prática do trabalho não declarado numa altura em que a evolução do mercado do trabalho multiplicam as oportunidades de trabalho regular. Neste contexto, a Comissão insta os Estados-Membros, responsáveis por estas disposições, a proceder à sua revisão com a maior brevidade possível e, de qualquer modo, no termo da segunda fase, em 30 de Abril de 2009, para a UE-8 e no termo da primeira fase, em 31 de Dezembro de 2008, para a Bulgária e a Roménia.

- Os Estados-Membros são convidados a dar a devida atenção ao trabalho não declarado nas decisões relativas ao modo como serão aplicados os princípios comuns de flexigurança.

- A Comissão insta os parceiros sociais a acordar iniciativas concretas no domínio do trabalho não declarado no contexto dos seus programas de trabalho conjuntos, aos níveis interprofissional e sectorial europeus, bem como ao nível nacional;

- Medidas de vigilância e de fiscalização eficazes são componentes fundamentais de uma abordagem política global. Neste contexto, a Comissão remete para a sua proposta legislativa que prevê sanções contra os empregadores de nacionais de países terceiros em situação irregular.

- A Comissão analisará a viabilidade de uma plataforma europeia de cooperação entre inspecções do trabalho e outras entidades de fiscalização.

- Para permitir o acompanhamento da transformação do trabalho não declarado em trabalho regular, os Estados-Membros devem explorar com a Comissão a metodologia mais apropriada para a quantificação do trabalho não declarado. Para esse efeito, será realizado um estudo no contexto do programa PROGRESS, em 2008.

- A Comissão tratará o trabalho não declarado como uma prioridade no seu programa de aprendizagem recíproca. No âmbito do programa PROGRESS, as partes interessadas poderão apresentar propostas de campanhas de informação, de inquéritos, de medidas de avaliação e de acções para o intercâmbio de informações sobre boas práticas.

[1] COM (98) 219

[2] JO L197 de 5.8.2003 (orientação n° 9 sobre o trabalho não declarado).

[3] JO C 260 de 29.10.2003, p.1.

[4] Directiva 1999/85/CE, JO L 277, 28.10.1999 que permite aos Estados-Membros a aplicação de uma taxa reduzida de IVA a serviços com grande intensidade do factor trabalho, como no caso de renovação de residências particulares, cabeleireiros, lavagem de janelas e limpezas em casas particulares e de pequenas reparações. Esta experiência foi prorrogada até 31.12.2010 pela Directiva 2006/18/CE, JO L 51, 22.2.2006, p.12.

[5] Modernizar o direito do trabalho para enfrentar os desafios do século XXI, COM (2006)708 de 22 de Novembro de 2006.

[6] Programa de trabalho dos parceiros sociais europeus, 2006 - 2008.

[7] Resultado da consulta pública sobre o Livro Verde «Modernizar o direito do trabalho para enfrentar os desafios do século XXI» (COM (2007)xxx).

[8] SEC(2006)304/2

[9] «Para a definição de princípios comuns de flexigurança», COM(2007) 359, de 27.6.2007.

[10] COM(2007) 249, de 16.5.2007.

[11] «Undeclared Work in an Enlarged Union» (Trabalho não declarado na União alargada), Maio de 2004, http://ec.europa.eu/employment_social/incentive_measures/activities_en.htm.

[12] www.eu-employment-observatory.net.

[13] Não são considerados os efeitos das recentes campanhas de regularização efectuadas em Itália, Espanha e Portugal relativamente a nacionais de países terceiros em situação irregular.

[14] Ou seja, uma parte da remuneração total directamente entregue em dinheiro e não declarada.

[15] Os exemplos não reflectem nenhuma ordem de preferência, nem as referências nacionais são exaustivas. Pode ser consultada uma lista mais extensa de práticas inovadoras no sítio Web do Observatório Europeu do Emprego (www.eu-employment-observatory.net) e na documentação apresentada numa conferência internacional sobre o trabalho não declarado e a evasão fiscal, realizada em Bruxelas em 21 e 22 de Junho de 2007 (http://socialsecurity.fgov.be/european_congress/).

[16] Ver Eurostat, Structural Indicators, tax wedge on low wage earners (Eurostat, Indicadores Estruturais, peso da tributação sobre os salários baixos).

[17] COM (2006) 48 final, de 8.2.2006, referente ao período de 1 de Maio de 2004 a 30 de Abril de 2006. Está previsto outro relatório antes do termo da segunda fase, em 30 de Abril de 2009, e, para a Bulgária e Roménia, antes do termo da primeira fase, em 31 de Dezembro de 2008.

[18] COM(2006) 708 supramencionado

[19] COM(2007) 249, de 16 Maio 2007.

[20] ENUW (European Network on Undeclared Work), rede estabelecida entre parceiros públicos de cinco Estados-Membros (Alemanha, França, Itália, Bélgica e Roménia) e coordenada pelo Ministério do Trabalho italiano.

[21] COM(2007) 304 final, de 13 de Junho de 2007, sobre o destacamento de trabalhadores no âmbito de uma prestação de serviços .

[22] Ver orientações integradas n.os 2, 3, 5 e 22. As Orientações para as Políticas de Emprego fazem referência ao deslocamento da carga fiscal do trabalho para a tributação indirecta ou ambiental (edição de 2001, por exemplo). Ver também Livro Verde sobre instrumentos de mercado para fins da política ambiental e de políticas conexas , COM(2007)140, de 28.3.2007, e a Comunicação «Os valores europeus no contexto da globalização», COM(2005) 525 de 3.11.2005.