52007DC0073

Comunicação da Comissão relativa aos instrumentos de gestão baseados nos direitos de pesca {SEC(2007) 247} /* COM/2007/0073 final */


[pic] | COMISSÃO DAS COMUNIDADES EUROPEIAS |

Bruxelas, 26.2.2007

COM(2007) 73 final

COMUNICAÇÃO DA COMISSÃO

relativa aos instrumentos de gestão baseados nos direitos de pesca {SEC(2007) 247}

COMUNICAÇÃO DA COMISSÃO

relativa aos instrumentos de gestão baseados nos direitos de pesca

ÍNDICE

1. Problemática 3

2. Contexto 3

3. Contexto comunitário 4

4. Sistemas de gestão baseada nos direitos de pesca (RBM) 5

5. Próximas etapas 6

6. Lançamento de um debate 7

7. Conclusão 8

PROBLEMÁTICA

Na sua Comunicação intitulada "Melhoria da situação económica no sector das pescas"[1], a Comissão indicava que a difícil situação económica actual de muitos segmentos da frota de pesca da Comunidade exige uma nova abordagem da gestão halìêutica. A importância concedida às práticas de pesca sustentáveis, com unidades populacionais de peixes mais abundantes, deve ser explicitamente associada ao objectivo de criar um enquadramento que favoreça a eficiência económica das frotas e dos navios de pesca.

Reconhece-se que a grande variedade dos sistemas de gestão actualmente utilizados pela Comunidade e pelos Estados-Membros resulta numa falta de transparência, de eficácia e, em certos casos, de coerência global, que contribuem para as dificuldades económicas com que o sector se confronta. A presente comunicação procura analisar diferentes opções de gestão para melhorar a eficácia da gestão das pescarias e facilitar, ao mesmo tempo, a realização dos objectivos fundamentais que a Comunidade e os Estados-Membros tentam alcançar no contexto da política comum da pesca (PCP) - tais como a conservação dos recursos, a manutenção da "estabilidade relativa" das possibilidades de pesca dos Estados-Membros e um sector das pescas competitivo. O objectivo é lançar um debate entre os Estados-Membros e a Comissão sobre o futuro dos sistemas de gestão baseados nos direitos de pesca no contexto da PCP.

Na presente comunicação, definimos a gestão baseada nos direitos de pesca (RBM) como um sistema formalizado de atribuição de direitos individuais de pesca a pescadores, navios de pesca, empresas, cooperativas ou comunidades piscatórias.

Contexto

A partir do momento em que cessou a liberdade de acesso aos recursos da pesca, todos os sistemas de gestão criaram alguma forma de direitos de acesso e/ou utilização dos recursos. O mesmo se verificou com a PCP, que prevê, nomeadamente, a concessão de licenças e quotas nacionais, a limitação dos "dias no mar" em determinadas pescarias e diferentes medidas de limitação da capacidade das frotas. Embora os mecanismos básicos da PCP no domínio da repartição dos direitos de pesca pelos Estados-Membros tenham dado provas de eficiência e de durabilidade, em muitos outros aspectos a PCP não conseguiu garantir a realização dos seus objectivos, como demonstram a condição depauperada de muitas unidades populacionais, em especial das espécies demersais, e o fraco desempenho económico de alguns segmentos da frota.

Os sistemas de gestão criados a nível dos Estados-Membros e da Comunidade, que impõem um acesso "restrito" às pescarias, resultaram implicitamente na atribuição de um valor económico ao direito de pescar. Esse valor económico reflecte-se de forma directa ou indirecta nas diversas transacções comerciais que têm lugar actualmente no sector das pescas, de que são exemplo a venda ou a cedência a título oneroso de licenças, de dias de pesca ou quotas em determinados Estados-Membros. Mais indirectamente, o valor económico dos direitos de pesca reflecte-se nas diferenças observadas no valor de mercado dos navios vendidos com ou sem licença de pesca.

Assim, o comércio de direitos de pesca existe, de facto , na maior parte dos Estados-Membros. O valor económico desses direitos pode atingir níveis substanciais e exercer um grande impacto no desenvolvimento do sector das pescas. O nosso objectivo deve consistir em criar um sistema que contribua para formalizar esse valor económico sob a forma de direitos de pesca individuais, de modo a facilitar uma maior transparência, certeza jurídica, segurança e, em última análise, uma maior eficiência económica para os pescadores, o que implica também a minimização dos custos para o resto da sociedade.

Neste contexto, é necessário iniciar uma discussão com vista à partilha e melhoramento dos conhecimentos neste domínio e à avaliação das necessidades de actuação.

Estes elementos já tinham sido referidos no contexto do guia[2] contido na proposta da Comissão relativa à reforma da PCP, em que a Comissão se comprometia a apresentar um relatório sobre a possibilidade de introduzir nos sistemas comunitários e/ou nacionais de gestão das pescarias disposições em matéria de direitos de pesca cessíveis, quer a título individual quer colectivo.

Contexto comunitário

O sector comunitário das pescas é caracterizado por uma multiplicidade de mecanismos e instrumentos de gestão. Situações comparáveis são por vezes tratadas de forma muito diferente, dependendo do Estado-Membro, região ou pescaria em causa. Essas abordagens, por vezes diferentes no interior de um mesmo Estado-Membro, constituem um repositório considerável de experiências práticas que devem ser avaliadas e merecem ser partilhadas.

A conservação das pescarias, que constitui uma condição prévia para a sustentabilidade dos ecossistemas marinhos e a manutenção da actividade económica do sector, representa, neste momento, o objectivo prioritário e mais imediato, em conformidade com os compromissos assumidos pela Comunidade em relação às Agendas de Joanesburgo (promoção de um rendimento máximo sustentável) e de Lisboa. Com o debate sobre a gestão baseada nos direitos de pesca, pretende-se verificar se uma melhor gestão económica do sector não pode contribuir para a realização desse objectivo e, em especial, se não podem ser concebidos sistemas de gestão novos e/ou melhorados dos aspectos económicos da pesca, que promovam o aumento da eficácia e da eficiência. Assim um sistema de direitos ou quotas individuais de pesca, de direitos de utilização territorial na pesca (TURF - sigla da expressão inglesa Territorial Use Rights in Fishing ) ou de direitos de esforço de pesca pode contribuir para reduzir o nível das capacidades de pesca e, consequentemente, a pressão exercida pela pesca. Todos esses sistemas de gestão deveriam ser avaliados à luz da respectiva contribuição para os objectivos da PCP, nomeadamente para "garantir que a exploração dos recursos aquáticos vivos crie condições sustentáveis dos pontos de vista económico, ambiental e social" (Regulamento (CE) n.º 2371/2002 do Conselho).

A Comunidade é responsável pela limitação da dimensão global da frota e pela fixação dos níveis das capturas e do esforço de pesca, bem como pelas decisões em matéria de medidas técnicas, como as restrições aplicáveis aos navios/artes de pesca, com vista a garantir uma protecção adicional dos recursos haliêuticos. As autoridades nacionais distribuem e gerem as licenças, as quotas e o esforço de pesca a nível nacional e regional. Todas essas intervenções de gestão contribuem, assim, para a definição e caracterização dos direitos de acesso e de captura de cada pescador. Podem ser atribuídos valores económicos a esses direitos, mas este processo é frequentemente pouco transparente e imprevisível.

Sistemas de gestão baseada nos direitos de pesca (RBM)

É conveniente determinar claramente o que um sistema formalizado de RBM pode oferecer. Um sistema destes não é uma panaceia para os problemas com que se confrontam as pescas, nem tão pouco um instrumento de gestão em si, mas sim um meio para auxiliar os pescadores a melhorarem o seu desempenho económico. Assim, continuará a ser necessário tentar alcançar os objectivos de conservação através de diversas medidas de gestão das pescarias (p.ex.: quotas). A formalização dos direitos de pesca poderá, porém, ajudar a sociedade a alcançar esses objectivos e, simultaneamente, a obter uma melhor relação custos/benefícios. Afirmou-se que a sustentabilidade económica permitirá também, a mais longo prazo, obter uma situação de melhor sustentabilidade biológica, na medida em que um sistema RBM eficaz deve conduzir a uma maior participação dos pescadores e do sector na sustentabilidade dos recursos.

Deve reconhecer-se, à partida, que quaisquer barreiras (como por exemplo quotas) ao comércio normal e livre de direitos de pesca conduz, em teoria, a uma situação em que a repartição das quotas não é óptima em termos económicos. Contudo, é perfeitamente legítimo, em termos políticos, que cada Estado-Membro opte por um determinado sistema que, embora não seja perfeito, seja compatível com os seus objectivos nacionais. Assim, será possível conciliar objectivos contraditórios, como por exemplo a eficiência económica a curto prazo e a manutenção do emprego, ou influenciar a repartição dos direitos de pesca pelos diferentes subsectores da pesca, ou seja, a frota artesanal e as frotas industriais.

O aspecto mais controverso dos sistemas RBM é a possibilidade de cessão dos direitos de pesca. O raciocínio subjacente a essa possibilidade é essencialmente económico: a eficiência das empresas da pesca aumenta quando os navios economicamente menos eficientes são retirados da frota, sendo que a transferência das quotas dos navios menos rentáveis para os mais rentáveis introduz a noção de preço pela utilização dos recursos. A introdução desse preço poderá originar a compra de direitos em grande escala, o que resultará numa concentração em termos de propriedade das quotas, repartição geográfica das actividades da pesca e composição da frota. Cabe aqui notar que esse fenómeno de concentração já se verificou e é de esperar que continue, independentemente da existência de sistemas RBM, nomeadamente pelo facto de as possibilidades de pesca terem sido reduzidas para níveis que tornam a pesca numa actividade economicamente pouco rentável para muitos navios, os quais optam cada vez mais pelos regimes nacionais de desmantelamento.

Para compensar os riscos de concentração, os sistemas RBM poderão ser concebidos de modo a desencorajar a concentração para além de um determinado limite, por forma a preservar o equilíbrio geográfico das actividades de pesca e a manter, o mais possível, o actual tecido cultural, social e profissional. Assim, nos casos em que os sistemas RBM possam vir a afectar as actividades da pequena pesca costeira dirigida ao mesmo recurso e possam ter um impacto importante sobre a economia local, justifica-se plenamente que seja adoptada uma abordagem prudente. A protecção da pequena pesca pode constituir uma prioridade política e ser objecto de um sistema de quotas em benefício do desenvolvimento da comunidade piscatória, com o objectivo específico de proteger os interesses desse segmento do sector das pescas contra concorrentes que dispõem de muito mais capital.

No entanto, qualquer mecanismo criado para limitar os efeitos negativos que podem resultar de um mercado não-regulamentado, principalmente em termos de concentrações e relocalizações, deverá ser compatível com o mercado único e com as regras comunitárias em matéria de concorrência. A experiência já demonstrou que será necessário manter a vigilância em relação a esse aspecto, na medida em que vários mecanismos podem ser contrários às regras comunitárias. Qualquer mecanismo desse tipo terá de ser sujeito a uma análise sistemática por parte da Comissão.

Os sistemas RBM podem também contribuir para os problemas da valorização ( highgrading ) e das devoluções, que constituem um perigo para a sustentabilidade dos recursos e complicam a avaliação do nível real das capturas. No entanto, esses desafios também se colocam no quadro dos actuais regimes de gestão e não devem ser encarados como problemas específicos dos sistemas RBM. A Comissão está actualmente a preparar uma iniciativa política sobre as devoluções que deverá contribuir para limitar as eventuais consequências de uma utilização mais vasta dos sistemas RBM. Nesse contexto, uma melhor aplicação e controlo da regulamentação das actividades da pesca afigura-se essencial para o sucesso final de qualquer sistema de gestão futuro.

Próximas etapas

Tendo em conta o reconhecimento, no âmbito da PCP, do princípio da "estabilidade relativa", que pretende garantir a repartição das possibilidades de pesca pelos Estados-Membros "com base numa estimativa da parte das unidades populacionais que cabe a cada Estado-Membro" (Regulamento (CE) n.º 2371/2002 do Conselho), não se afigura possível, nesta fase, avançar para um sistema RBM a nível comunitário, em que os direitos de pesca possam ser livremente negociados entre Estados-Membros. Qualquer utilização dos sistemas RBM no âmbito da actual PCP deverá ocorrer a nível dos Estados-Membros, centrando-se nas possibilidades de cessão dos direitos de pesca no interior de cada Estado-Membro. Obviamente, tal não impedirá que um Estado-Membro decida que o seu sistema RBM permita o troco de quotas com cidadãos de outros Estados-Membros, como já acontece em certos casos.

Qualquer debate a nível comunitário sobre os sistemas de gestão das pescarias deve centrar-se na análise dos actuais sistemas nacionais e das possibilidades de melhoramento da respectiva eficiência através da partilha das melhores práticas. Cabe aqui salientar, uma vez mais, que cada Estado-Membro é livre de definir os seus próprios objectivos no que respeita às dimensões económica, social e ambiental da gestão das pescarias.

Partindo de uma avaliação "da base para o topo", a nível nacional, da adequação dos sistemas RBM, será importante que cada Estado-Membro verifique, de que forma poderá alcançar os seus diferentes objectivos e qual será o equilíbrio mais desejável entre esses objectivos. Nesse aspecto, o debate deverá continuar a ser alimentado pela opinião do sector, através da respectiva participação no Comité Consultivo da Pesca e da Aquicultura (CCPA) e no Comité para o Diálogo Social no Sector da Pesca Marítima, na medida em que qualquer RBM eficaz requer um forte empenho e participação a todos os níveis.

Mais fundamentalmente, poderão surgir alguns obstáculos, a nível dos Estados-Membros, à criação de sistemas RBM relativamente homogéneos. Por razões de costume e tradição, alguns Estados-Membros questionam a possibilidade de os direitos de acesso a um recurso público serem cedidos a interesses privados, mesmo a título temporário. Por outro lado, esses direitos terão de ser integrados na grande diversidade de enquadramentos jurídicos nacionais.

Por último, um debate a nível comunitário sobre os RBM deverá igualmente incluir a consideração de elementos transnacionais como a procura de sinergias entre os sistemas dos Estados-Membros ou a introdução da possibilidade de trocos de quotas entre Estados-Membros, o que suscita preocupações quanto aos potenciais impactos de qualquer alteração da repartição geográfica das quotas sobre o princípio da "estabilidade relativa".

Lança MENTO DE UM DEBATE

A necessidade de um debate a nível comunitário sobre os aspectos económicos da gestão das pescas é reforçada pelas novas orientações da PCP, em especial à luz dos objectivos de desenvolvimento sustentável a longo prazo (formulados na recente comunicação da Comissão sobre a aplicação da estratégia MSY), das recentes iniciativas para o melhoramento da rendibilidade económica das frotas de pesca através de auxílios de emergência e de auxílios à reestruturação e do novo Fundo Europeu das Pescas.

Por outro lado, a compra e venda de direitos de pesca já é praticada em alguns Estados-Membros, tanto no âmbito de mercados bem estabelecidos como de forma indirecta. Assim, os direitos de pesca já existem de facto , com efeitos muitas vezes pouco claros no sector e nas comunidades piscatórias. Lançar um debate sobre estas questões é simultaneamente importante e urgente.

As discussões da Comissão com o sector e com os Estados-Membros revelaram pontos particularmente sensíveis no que respeita à criação de sistemas RBM, entre os quais se incluem:

- a questão da "estabilidade relativa";

- a possibilidade de cessão dos direitos, que poderá envolver a concentração excessiva e muitas vezes irreversível desses direitos;

- a repartição inicial e a duração dos direitos de pesca;

- as eventuais consequências negativas para o sector da pequena pesca, nos casos em que coexista com empresas de pesca industrial;

- os problemas da "valorização" e das devoluções;

- a necessidade de controlo eficiente da aplicação da regulamentação.

Essas questões terão de ser tratadas de forma directa, para que um debate pragmático sobre o futuro da gestão baseada nos direitos de pesca no âmbito da PCP se possa desenrolar de forma construtiva. A Comissão tem a intenção de contribuir para esse debate, no limite dos seus recursos, através de uma panóplia de estudos específicos e pareceres. A Comissão está a planear resumir o debate e avaliar a necessidade de novas medidas no prazo de 12 meses a contar da adopção da presente comunicação.

A Comissão apresentará em seguida o seu relatório ao Conselho e ao Parlamento Europeu e, se for caso disso, propostas ou recomendações para o respectivo seguimento.

Conclusão

A Comissão considera importante começar a reflectir na questão dos instrumentos de gestão baseados nos direitos de pesca. Já existem várias experiências nesse domínio em diversos Estados-Membros, pelo que é agora importante melhorar os nossos conhecimentos sobre a forma como os direitos de pesca são criados e existem no contexto comunitário, partilhar e discutir os conhecimentos e as boas práticas nesta área e verificar se serão necessários alguns ajustamentos ou novas iniciativas para melhor servir os objectivos da política comum da pesca. A Comissão espera poder participar num debate pragmático, transparente e frutuoso com a participação de todas as partes e dos Estados-Membros interessados.

[1] COM(2006) 103 final

[2] Comunicação da Comissão relativa à reforma da política comum da pesca (guia),(COM(2002) 181 final).