52007DC0059

Comunicação da Comissão ao Conselho e ao Parlamento Europeu relativa a Comunicação interpretativa relativa a resíduos e subprodutos /* COM/2007/0059 final */


[pic] | COMISSÃO DAS COMUNIDADES EUROPEIAS |

Bruxelas, 21.2.2007

COM(2007) 59 final

COMUNICAÇÃO DA COMISSÃO AO CONSELHO E AO PARLAMENTO EUROPEU

relativa a Comunicação interpretativa relativa a resíduos e subprodutos

ÍNDICE

1. Introdução 3

2. Antecedentes da Comunicação 4

2.1. Âmbito da Comunicação 4

2.2. Contexto da Comunicação 4

3. Aplicação da jurisprudência do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias 6

3.1. Noções gerais relativas à definição de resíduo 6

3.2. O material em causa é um resíduo de produção ou um produto? 7

3.3. Condições em que um resíduo de produção não seria um resíduo 7

3.4. Outros factores utilizados pelo Tribunal para distinguir entre resíduo e subproduto 10

ANEXO 1 - Exemplos de resíduos e não resíduos 12

1. Escórias e poeiras decorrentes da produção de ferro e aço 12

2. Subprodutos da indústria alimentar e de bebidas - alimentação animal 12

3. Subprodutos de combustão - gesso de dessulfuração de gases de combusão 13

4. Resíduos de corte e outro material similar 13

ANEXO II - uma árvore de decisão para a distinção entre resíduos e subprodutos 15

COMUNICAÇÃO DA COMISSÃO AO CONSELHO E AO PARLAMENTO EUROPEU

relativa a Comunicação interpretativa relativa a resíduos e subprodutos

(Texto relevante para efeitos do EEE)

1. INTRODUÇÃO

Nos últimos trinta anos, a definição de resíduo tem sido uma componente-chave da protecção do ambiente europeu contra os impactos da geração e gestão dos resíduos. Os objectos ou substâncias definidos como "resíduos" são controlados pela legislação comunitária em matéria de resíduos, com vista à protecção da saúde humana e do ambiente. A definição de resíduo é aplicada pelas autoridades competentes indicadas na Directiva 2006/12/CE[1] (Directiva-Quadro Resíduos) caso a caso quando da tomada de decisões relativas à autorização ou à transferência de resíduos. Em geral, é fácil determinar o que é ou não é um resíduo. Contudo, têm surgido vários problemas relacionados com a interpretação desta definição.

Um desses problemas diz respeito à distinção entre os materiais que não são o objectivo principal de um processo de produção, mas que podem ser considerados como subprodutos que não são resíduos, e os que devem ser tratados como resíduos. Na realidade, não existe uma distinção nítida, mas sim uma grande variedade de situações técnicas com riscos e impactos ambientais extremamente diferentes e com algumas zonas pouco definidas. Contudo, para fins da aplicação da legislação em matéria de ambiente, é necessário traçar uma linha clara entre as duas situações jurídicas, caso a caso – resíduo ou não resíduo. É esta distinção que por vezes se tem revelado difícil de aplicar.

A fim de melhorar a segurança jurídica da legislação em matéria de resíduos e de facilitar a compreensão e aplicação da definição de resíduo, a presente Comunicação procura guiar as autoridades competentes na tomada de decisões casuísticas sobre se um dado material é ou não um resíduo, bem como informar os operadores económicos sobre o modo como essas decisões devem ser tomadas. A Comunicação contribuirá também para atenuar as diferenças na interpretação destas disposições em toda a UE.

A presente Comunicação tem como objectivo explicar a definição de resíduo estabelecida no artigo 1.° da Directiva-Quadro Resíduos, tal como interpretada pelo Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias (TJCE), a fim de assegurar a correcta aplicação da Directiva. No âmbito do direito da UE em matéria de resíduos, conceitos como subproduto ou matéria-prima secundária não têm significado jurídico – pura e simplesmente os materiais são ou não são resíduos. Apenas para fins da presente Comunicação[2], serão utilizados os seguintes termos ilustrativos, para além do termo resíduo definido na Directiva:

- Produto - todo o material que é deliberadamente produzido num processo de produção. Em muitos casos é possível identificar um (ou mais) produtos "primários", que são os principais materiais produzidos.

- Resíduo de produção - um material que não é deliberadamente produzido num processo de produção, mas que pode ser ou não ser um resíduo.

- Subproduto – um resíduo de produção que não é um resíduo.

Conforme anunciado na Estratégia Temática de Prevenção e Reciclagem de Resíduos, a eficácia das orientações propostas na Comunicação será avaliada em 2010 no âmbito da revisão da Estratégia. Nessa mesma ocasião, examinar-se-á se a jurisprudência ulterior do TJCE torna necessária uma revisão das orientações.

2. ANTECEDENTES DA COMUNICAÇÃO

2.1. Âmbito da Comunicação

O âmbito da presente Comunicação é a distinção entre resíduo e não resíduo no contexto de um processo de produção. Não é relevante para outros resíduos, como os resíduos urbanos ou outros fluxos de resíduos similares, nem para os resíduos de consumo. Não trata da questão de quando um produto se pode tornar um resíduo, ou de quando um resíduo deixa de ser um resíduo. Também não trata de resíduos excluídos do âmbito da Directiva-Quadro Resíduos.

2.2. Contexto da Comunicação

De acordo com o n.º 2, alínea iv), do artigo 8.º da Decisão n.º 1600/2002/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de Julho de 2002, que estabelece o Sexto Programa Comunitário de Acção em matéria de Ambiente[3], é necessário clarificar a distinção entre resíduo e não resíduo. Na Comunicação sobre a Estratégia Temática de Prevenção e Reciclagem de Resíduos de 27 de Maio de 2003[4], a Comissão descreveu a situação relativa à definição de resíduo, apelou a um vasto debate devidamente fundamentado sobre essa matéria e convidou as partes interessadas a apresentarem alternativas à definição de resíduo que considerassem melhores que a definição existente. A maioria dos comentários foi no sentido da manutenção da definição básica de resíduo e da clarificação de determinados aspectos específicos.

Tendo em conta este consenso, a Comissão comprometeu-se, na Estratégia Temática de Prevenção e Reciclagem de Resíduos, adoptada em 21 de Dezembro de 2005[5], a apresentar uma "comunicação ...contendo orientações baseadas na jurisprudência do Tribunal de Justiça Europeu sobre subprodutos em sectores industriais relevantes e sobre quando é que os subprodutos devem ou não ser considerados resíduos, a fim de clarificar a situação jurídica para os operadores económicos e as autoridades competentes." O presente documento dá cumprimento a esse compromisso.

2.2.1. Por que razão são necessárias orientações?

A evolução da jurisprudência e a relativa ausência de clareza jurídica têm por vezes dificultado a aplicação da definição de resíduo, tanto por parte das autoridades competentes como dos operadores económicos. Há casos de soluções casuísticas divergentes sobre factos similares adoptadas por autoridades competentes em diferentes Estados-Membros, o que resulta em desigualdades no tratamento dos operadores económicos e em obstáculos no mercado interno. Uma interpretação excessivamente lata da definição de resíduo impõe custos desnecessários às empresas em causa e pode reduzir a atractividade dos materiais que seriam de outro modo reintroduzidos na economia. Uma interpretação excessivamente estrita poderia causar danos ambientais e minar o direito comunitário e as normas comuns em matéria de resíduos na UE.

A Comissão considera que as orientações são um meio mais adequado para estabelecer a clareza jurídica do que uma definição de subprodutos na Directiva-Quadro Resíduos. Nomeadamente, uma distinção entre resíduo e subproduto que se baseie no facto de o material se destinar a valorização ou eliminação, ou no facto de o material ter ou não ter um valor económico positivo, não pareceria oferecer as garantias necessárias com vista à protecção do ambiente. Em alternativa, uma transposição directa para o texto da Directiva de parte dos acórdãos do TJCE, fora do seu contexto, pode simplesmente resultar na criação de novas incertezas. Outras opções, como a elaboração de listas, parecem impraticáveis em termos operacionais e de aplicação da legislação. Dentro dos critérios juridicamente vinculativos estabelecidos pelo TJCE, as orientações constituem um instrumento flexível e adaptável a novos dados e tecnologias.

2.2.2. Contexto industrial

Há uma grande variedade de tipos de materiais produzidos em processos industriais e que poderiam ser abrangidos pela presente Comunicação. Em linguagem comercial, esses materiais podem ser identificados como subprodutos, co-produtos, produtos intermédios, produtos secundários ou produtos derivados. Nenhum destes termos tem significado algum no direito comunitário em matéria de ambiente, ou seja, os produtos e os subprodutos têm o mesmo estatuto: muito simplesmente, os materiais são ou não são resíduos.

Os processos de produção industrial são frequentemente complexos e podem gerar diversos materiais diferentes com diferentes valores económicos, impactos ambientais e estatutos de resíduo/não resíduo. Para além disso, as consequências do estatuto de resíduo/não resíduo podem variar consoante o sector. Em alguns sectores, os materiais vendidos e que estão classificados como resíduos são transaccionados livremente entre empresas em todo o mercado interno. Noutros sectores, como a indústria alimentar e das bebidas, é crucial uma distinção clara entre resíduo e produto para fins da exploração económica do material em causa. A situação técnica está a evoluir continuamente, com mudanças tecnológicas rápidas, tanto a nível dos processos de produção como dos tratamentos disponíveis de resíduos.

2.2.3. Situação ambiental

É claro que tanto os produtos como os resíduos podem conter matérias tóxicas e constituir um risco para a saúde humana e o ambiente caso sejam inadequadamente manipulados ou controlados. Adicionalmente, os resíduos industriais e de extracção apresentam frequentemente características que podem colocar riscos particulares para o ambiente quando comparados com os produtos. Isto porque, enquanto o teor dos produtos é, em geral, concebido e controlado de forma específica, a composição dos resíduos pode ser menos clara.

Isso significa que, de um ponto de vista ambiental, é extremamente importante que os materiais sejam correctamente classificados como resíduos ou não resíduos. A legislação em matéria de resíduos protege o ambiente, de várias maneiras, dos efeitos dos resíduos industriais, nomeadamente através de procedimentos de autorização e transferência e de normas específicas para a incineração de resíduos. Se um material não é um resíduo, isso não significa que esteja completamente excluído do sistema de protecção do ambiente estabelecido no direito comunitário. A regulamentação relativa a produtos e outra legislação, como o Regulamento REACH proposto, tem como objectivo a protecção da saúde humana e do ambiente dos potenciais impactos ambientais de produtos e outros materiais que não são resíduos.

3. APLICAÇÃO DA JURISPRUDÊNCIA DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DAS COMUNIDADES EUROPEIAS

3.1. Noções gerais relativas à definição de resíduo

O TJCE tem consistentemente declarado que a definição de resíduo deve ser interpretada de uma forma lata, a fim de ser coerente com o objectivo da Directiva 2006/12/CE e com o n.º 2 do artigo 174.° do Tratado CE que estabelece que a política da Comunidade no domínio do ambiente tem por objectivo atingir um nível de protecção elevado. A definição de resíduo na Directiva 2006/12/CE faz referência ao seu Anexo 1 e à Lista Europeia de Resíduos constante da Decisão 2000/532/CE da Comissão[6]. No entanto, dado que ambas estas fontes são indicativas, a definição de resíduo liga-se essencialmente à noção de "desfazer-se" (de objectos ou substâncias).

O Tribunal sublinhou em várias ocasiões que um material é ou não é um resíduo consoante as circunstâncias factuais específicas e que, por conseguinte, a decisão deve ser tomada pela autoridade competente caso a caso.

Finalmente, é importante salientar que, mesmo quando um determinado material satisfaz os critérios estabelecidos pelo TJCE (e descritos no ponto 3.3) para ser considerado um não resíduo, se na prática o detentor se desfizer dele, esse material deve então ser claramente considerado e tratado como um resíduo.

3.2. O material em causa é um resíduo de produção ou um produto?

No processo Palin Granit[7] , o TJCE decidiu que um resíduo de produção é algo que não é o resultado directamente procurado pelo processo de fabrico. No processo Saetti[8] , o TJCE salientou que, quando a produção do material em causa é o "resultado de uma escolha técnica" (para a produção deliberada desse material), esse material não pode ser um resíduo de produção.

Por conseguinte, a primeira questão a colocar ao determinar se um material é ou não um resíduo é se o fabricante escolheu deliberadamente produzir o material em questão.

Se o fabricante tivesse podido produzir o produto primário sem produzir o material em causa, mas optou por o fazer, isso prova que o material em causa não é um resíduo de produção. Outras provas de que a produção do material em causa resultara de uma escolha técnica poderiam incluir uma modificação do processo de produção a fim de dotar o material em causa de características técnicas específicas.

O processo relativo ao coque de petróleo No processo Saetti e Frediani, foi solicitado ao TJCE que se pronunciasse sobre se o coque de petróleo - um material à base de carbono produzido na refinação de petróleo bruto - era ou não um resíduo. O Tribunal decidiu que o coque de petróleo não podia ser classificado como um resíduo de produção dado que a produção de coque é o resultado de uma escolha técnica, especificamente destinada a utilização como combustível. O Tribunal decidiu também que, mesmo que o coque de petróleo fosse um resultado automático do processo de refinação, se fosse certo que toda a produção de coque seria utilizada essencialmente para os mesmos tipos de uso que essas outras substâncias (produzidas no processo de refinação), o referido coque de petróleo seria igualmente um produto petrolífero fabricado como tal e não um resíduo de produção. |

3.3. Condições em que um resíduo de produção não seria um resíduo

O Tribunal considerou que, mesmo quando um material é considerado um resíduo de produção, isso não implica que seja necessariamente um resíduo. As características do material em termos da sua possibilidade de utilização posterior na economia podem implicar que este não deveria ser considerado um resíduo.

Em jurisprudência recente (processos Palin Granit e seguintes), o TJCE estabeleceu três critérios que um resíduo de produção deve satisfazer para ser considerado um subproduto. O Tribunal decidiu que, quando a reutilização de um material não é meramente eventual, mas certa, sem transformação prévia antes da reutilização e na continuidade do processo de produção, então o material não será um resíduo. Este critério é cumulativo, devendo ser satisfeitos todos os três critérios. Para além destes critérios, o TJCE salientou que a utilização a que se destina o subproduto deve também ser lícita – por outras palavras que o subproduto não é algo de que o fabricante é obrigado a desfazer-se ou cuja utilização prevista esteja proibida ao abrigo do direito nacional ou da UE (ver a árvore de decisão constante do Anexo II).

3.3.1. A reutilização do material constitui uma certeza e não é mera possibilidade?

Se houver a possibilidade de o material não ser efectivamente utilizável, não satisfazer as especificações técnicas que seriam exigidas para que fosse utilizável ou não existir um mercado para esse material, então esse material deveria continuar a ser considerado um resíduo. O estatuto de resíduo protege o ambiente das potenciais consequências dessa incerteza. Se subsequentemente se revelar que o resíduo pode, de facto, servir um fim útil, o material perderá o seu estatuto de resíduo quando estiver pronto para utilização como um produto valorizado (ver Mayer Parry[9] ).

Em alguns casos, poderá haver a possibilidade de utilizar uma determinada proporção do material, sendo necessário eliminar o restante. Se, na decisão casuística da autoridade competente, não puder ser garantida a certeza da utilização para todo o material em causa, então o material deveria começar por ser considerado um resíduo. Contudo, a existência de contratos a longo prazo entre o detentor do material e os seus subsequentes utilizadores pode ser uma indicação de que o material abrangido pelo contrato será utilizado e, por conseguinte, que existe a certeza da sua utilização.

Do mesmo modo, se o material for destinado a armazenamento por um período de tempo indefinido, antes de uma potencial, mas não certa, reutilização, deveria ser considerado um resíduo enquanto estiver armazenado ( Palin Granit ).

3.3.1.1. A reutilização traz uma vantagem financeira ao detentor do resíduo

Caso um fabricante possa vender o material em causa com lucro, isso pode indicar que é mais provável que esse material seja certamente utilizado (Palin Granit). Todavia, por si só este facto não é conclusivo - ver a jurisprudência precedente que confirma que um resíduo pode ter um valor económico ( Vessoso e Zanetti[10], Tombesi[11] ). A Comissão considera que é também importante pesar os custos do tratamento dos resíduos ao considerar estes critérios, dado existir o risco de poder ser oferecido um preço simbólico para que o material seja classificado como não resíduo, permitindo-lhe assim ser sujeito a tratamento fora das instalações de tratamento de resíduos adequadas. Contudo, um preço elevado, a um nível semelhante ou superior aos preços correntes no mercado para esse material, pode indicar que o material não é um resíduo.

Os processos relativos aos estrumes espanhóis

Nos processos apensos da Comissão contra a Espanha (C-416/02 e C-121/03), o Tribunal decidiu que o estrume não será um resíduo quando utilizado como fertilizante dos solos integrado numa prática legal de espalhamento em parcelas claramente identificadas (independentemente de as parcelas estarem dentro ou fora da exploração agrícola que gerou o efluente) e se o seu armazenamento se limitar às necessidades dessas operações de espalhamento.

3.3.2. O material pode ser utilizado novamente sem transformação prévia?

Em alguns casos, este critério pode ser de difícil aplicação. Frequentemente, na cadeia de valor de um subproduto, existe uma série de tarefas que deve ser seguida para a utilização futura do material: o material é produzido, pode depois ser lavado, secado, refinado ou homogeneizado, podem ser-lhe acrescentadas características ou outros materiais necessários para a sua futura utilização, a sua qualidade será controlada e assim por diante. Algumas tarefas serão levadas a cabo no local de produção do fabricante, outras nas instalações do utilizador seguinte e ainda outras por intermediários. Na medida em que sejam uma parte integrante do processo de produção (ver o ponto seguinte), essas tarefas não impedem que o material seja considerado um subproduto.

O Tribunal considerou que, caso seja necessário um processo de valorização adicional antes da sua futura utilização, mesmo que essa utilização subsequente seja certa, tal prova que o material é um resíduo até à conclusão desse processo ( Avesta Polarit[12] ).

3.3.3. Como elemento da continuidade do processo de produção?

Se, contudo, o material for preparado para utilização futura como parte integrante na continuidade do processo de produção e for efectivamente enviado para essa outra utilização, é um subproduto, de acordo com o critério estabelecido pelo TJCE.

Nesta situação, a autoridade competente terá de decidir se as tarefas descritas no ponto supra são uma parte integrante da continuidade do processo de produção . Nesse caso, a Comissão considera que essa autoridade competente terá de fazer uma distinção baseada em todos os factos, nomeadamente: o grau de preparação do material para utilização futura, a natureza e extensão das tarefas necessárias para preparar o material antes da sua utilização ulterior, a integração dessas tarefas no processo de produção principal e o facto de as tarefas serem eventualmente executadas por um terceiro que não o fabricante são aspectos que poderão ser todos relevantes. Os documentos BREF poderiam igualmente ser tidos em consideração pela autoridade competente a título de orientação ao decidir se as tarefas fazem parte integrante da continuidade do processo de produção. É de salientar que a abordagem estabelecida pelo Tribunal nos processos Palin Granit, Niselli[13] e relativos aos estrumes espanhóis constitui uma abordagem em sentido estrito, mais do que lato, quanto à noção de processo de produção.

Se o material sair do local ou fábrica onde foi produzido a fim de ser sujeito a transformação ulterior, então isto pode indicar que essas tarefas já não são uma parte do mesmo processo de produção. Contudo, com a especialização crescente dos processos industriais, tal não pode ser considerado uma prova definitiva. Os utilizadores seguintes e as empresas intermediárias podem ser envolvidas na preparação do material para utilização posterior executando o tipo de tarefas descrito anteriormente no ponto 3.3.2.

Se o material for necessário como elemento da actividade primária do fabricante, isso é prova de que o material em causa não é um resíduo.

O processo relativo a pedra residual

Nos processos Avesta Polarit e Palin Granit , foi solicitado ao Tribunal que estabelecesse em que circunstâncias a pedra residual resultante da exploração de minas e pedreiras deve ser considerada um resíduo. O Tribunal decidiu que, nos casos em que a pedra era armazenada antes de uma possível utilização futura ou de uma obrigação de tratamento de resíduos ulterior, essa pedra seria considerada um resíduo. Quando determinados resíduos que poderiam ser fisicamente identificados são armazenados antes de uma potencial, mas não certa, reutilização sem qualquer transformação, com vista a preencher galerias subterrâneas a fim de assegurar a estabilidade necessária para a actividade principal da mina (extracção de minério), não se trataria de resíduos .

3.4. Outros factores utilizados pelo Tribunal para distinguir entre resíduo e subproduto

No processo Arco Chemie[14] e em jurisprudência similar, o TJCE enumera toda uma série de factores que podem indicar que um material é um resíduo. Nenhum desses elementos é necessariamente conclusivo, mas alguns podem ser úteis em certas circunstâncias.

3.4.1. A única utilização possível é a eliminação, ou a utilização tem um impacto ambiental elevado ou exige medidas de protecção especiais

Conforme sublinhado pelo TJCE, se um dado material não tiver utilização possível, e por conseguinte for necessário proceder à sua eliminação, pareceria normal que esse material fosse considerado um resíduo a partir do momento da sua produção. Em alguns casos, a utilização posterior do material é proibida ou é necessário proceder-se à sua eliminação ou valorização como um resíduo no âmbito de um procedimento obrigatório. Tal poderia verificar-se por questões de ordem ambiental, de segurança ou de saúde pública. Um exemplo de legislação da UE que poderia levar a que fosse obrigatório eliminar um determinado material ou tratá-lo como um resíduo é a Directiva 96/59 relativa a PCB/PCT[15]. Igualmente, se o material não satisfizer as normas da legislação relativa a produtos para a sua potencial utilização, esse material deve ser tratado como um resíduo até estar em condições de satisfazer essas normas.

Uma questão mais complexa é a dos potenciais danos para o ambiente de um determinado material e da necessidade de medidas especiais de protecção do ambiente a adoptar para que o material seja utilizado. Alguns produtos primários apresentam também um potencial elevado em termos de danos ambientais e exigem uma utilização cuidadosa a fim de não serem prejudiciais para o ambiente. Contudo, na sequência da posição do TJCE sobre a interpretação da definição de resíduo, se um subproduto tiver um impacto ambiental maior que o material ou produto alternativo que substitui, tal pode influenciar a decisão de classificação do material como resíduo ou não resíduo, nas situações em que uma comparação seja possível e relevante.

A situação contrária, ou seja a ausência de um risco claro para o ambiente decorrente do material, não prova que este não seja um resíduo. No processo Palin Granit , o TJCE considerou que, ainda que se considere provado que o material em questão não implica um verdadeiro risco para a saúde humana ou para o ambiente, esse não é um critério relevante para considerar que um material não é um resíduo. Esta conclusão é lógica – os resíduos industriais inertes depositados numa área inadequada podem não constituir um risco para a saúde humana ou para o ambiente. Contudo, constituem indubitavelmente um incómodo e deveriam estar abrangidos pela definição de resíduo. Consequentemente, o facto de uma substância poder ser valorizada como combustível de uma forma ecologicamente responsável e sem tratamento substancial não significa que a substância não seja um resíduo ( Arco Chemie ). A definição de resíduo existe para garantir efectivamente esse tratamento ecologicamente responsável no caso dos resíduos.

No mesmo processo, o TJCE declarou que nem o lugar de armazenagem de um material nem a sua composição eram relevantes para a questão de o material ser ou não considerado um resíduo. Em alguns casos - extracção de mármore, por exemplo - os resíduos de produção, como as aparas de corte, podem na realidade ser compostos exactamente pelo mesmo material que o produto primário. Contudo, se estiverem destinados a eliminação, continuarão a ser um resíduo.

3.4.2. O método de tratamento do material em questão é um método corrente de tratamento de resíduos

Em algumas circunstâncias, o destino do material pode dar uma boa pista quanto ao estatuto desse material. Contudo, o TJCE decidiu também que o facto de a operação a aplicar ao material ser ou não uma operação de tratamento de resíduos constante do Anexo IIA ou IIB não pode dar uma resposta definitiva quanto à classificação do material como resíduo ou não resíduo ( Niselli ). Tal é inevitável, dado que diversos métodos de tratamento ou eliminação enumerados no Anexo poderiam também ser perfeita e validamente aplicados a um produto, e vice-versa. Nomeadamente, não há forma de distinguir entre a combustão de um combustível como um produto e a combustão de um resíduo baseada no método de tratamento.

3.4.3. Na percepção da empresa, o material é um resíduo

No processo Arco Chemie, o Tribunal salientou que a percepção do material como resíduo poderia ser um factor que eventualmente indicaria que o material em causa era um resíduo. Contudo, a Comissão considera que este critério poderia incentivar uma abordagem negligente relativamente à legislação sobre resíduos, ao dar uma vantagem às empresas que não estão conscientes das suas obrigações jurídicas ou que procuram subtrair-se ao cumprimento dessas obrigações. Além disso, como a noção é extremamente subjectiva, poderia resultar na variação do conceito de resíduo de um Estado-Membro para outro.

3.4.4. A empresa procura limitar a quantidade de material produzido

Novamente no processo Palin Granit , o TJCE salientou que o facto de a empresa procurar limitar a quantidade de material produzido poderia ser um indicador de que o material é um resíduo. Mas não é um indicador definitivo, dado ser possível procurar variar as quantidades produzidas de um dado material por factores relacionados com o custo, o preço e os mercados, e não pela vontade de reduzir ao mínimo as quantidades de um material que deve ser eliminado. Além disso, a aplicação deste critério de uma forma rigorosa poderia, em algumas circunstâncias, dissuadir as empresas de adoptar políticas de prevenção de resíduos.

ANEXO 1 - Exemplos de resíduos e não resíduos

Estes exemplos destinam-se a ilustrar alguns casos em que os materiais podem ser classificados como resíduos ou não. Estes exemplos abrangem uma série de sectores diferentes, mas não são definitivos nem exaustivos. Há muitos outros exemplos que poderiam ter sido utilizados e mesmo os exemplos aqui apresentados podem variar na UE em algumas circunstâncias, nomeadamente se não houver uma certeza da utilização de um determinado subproduto ou se, pelo contrário, a utilização de um material for certa numa região ou Estado-Membro, embora não seja esse o caso em toda a UE.

1. ESCÓRIAS E POEIRAS DECORRENTES DA PRODUÇÃO DE FERRO E AÇO

As escórias de alto-forno são produzidas paralelamente ao ferro quente num alto-forno. O processo de produção do ferro é adaptado a fim de garantir que as escórias apresentem as qualidades técnicas necessárias. É feita uma escolha técnica no início do processo de produção que determina o tipo de escórias produzido. Além disso, a utilização das escórias é certa num número de utilizações finais claramente definidas e a procura é elevada. As escórias de alto-forno podem ser utilizadas directamente no final do processo de produção, sem transformação ulterior que não seja uma parte integrante desse processo de produção (como a trituração para se o obter a dimensão de partículas adequada). Este material pode, por conseguinte, ser considerado como não abrangido pela definição de resíduo.

Em contrapartida, as escórias de dessulfuração são produzidas devido à necessidade de remover o enxofre antes da transformação do ferro em aço. As escórias resultantes são ricas em enxofre, não podem ser utilizadas ou recicladas no circuito metalúrgico e são portanto geralmente depositadas em aterro. Outro tipo de exemplo são as poeiras extraídas do processo de produção do aço quando da depuração do ar dentro das instalações. Essas poeiras são captadas em filtros através de um processo de extracção. Esses filtros podem ser limpos e o teor metálico reintroduzido no ciclo económico através de uma operação de reciclagem. Ambos estes resíduos de produção são, por conseguinte, resíduos desde o ponto de produção, deixando o teor de ferro extraído dos filtros de ser considerado um resíduo após a sua reciclagem.

2. SUBPRODUTOS DA INDÚSTRIA ALIMENTAR E DE BEBIDAS - ALIMENTAÇÃO ANIMAL

Uma das principais utilizações dos subprodutos do sector alimentar e das bebidas é na alimentação animal. Os processos de produção em numerosos sectores (por exemplo, produção de açúcar, trituração de sementes de oleaginosas, produção de amido e produção de malte) geram materiais que são utilizados como matéria-prima para alimentação animal, quer directamente pelos agricultores quer pela indústria de alimentos compostos para animais. Embora nem todos os resíduos de produção destinados à alimentação animal sejam automaticamente não resíduos[16], as matérias-primas para alimentação supramencionadas são produzidas deliberadamente em processos de produção adaptados, ou podem não ser produzidas deliberadamente mas satisfazem os critérios cumulativos do Tribunal relativamente aos subprodutos, dado que a sua reutilização na alimentação animal é certa, sem transformação ulterior fora do processo de produção desse material. Além disso, as matérias-primas para alimentação animal são regidas por legislação como o Regulamento n.º 178/2002 relativo a legislação alimentar[17] e a Directiva 96/25/CE relativa à circulação de matérias-primas para alimentação animal[18]. Em ambos os casos, este material pode portanto ser considerado como não abrangido pela definição de resíduo.

3. SUBPRODUTOS DE COMBUSTÃO - GESSO DE DESSULFURAÇÃO DE GASES DE COMBUSÃO

As instalações de dessulfuração de gases de combustão (FGD) extraem o enxofre dos gases de combustão produzidos quando da queima de combustíveis fósseis sulfurosos em centrais eléctricas, a fim de impedir que essas emissões contribuam para a poluição atmosférica e a chuva ácida. O material resultante – o gesso de dessulfuração de gases de combustão (FGD ) - é utilizado para todos os fins para os quais o gesso natural pode ser utilizado e, nomeadamente, para a produção de placas de gesso. O processo é modificado e controlado para produzir gesso FGD com as características pretendidas. Além disso, a utilização do material é certa, sem transformação ulterior antes da reutilização e como elemento de um processo de produção integrado.

Alguns outros produtos de combustão do carvão podem ter outras utilizações com pouca ou nenhuma outra transformação prévia. Contudo, na prática alguns são geralmente depositados em aterro – como as cinzas volantes de lignite, por exemplo. Por conseguinte, como não existe a certeza da utilização a nível de toda a UE, esses produtos não satisfazem os critérios do TJCE em toda a UE e serão portanto frequentemente resíduos, embora em algumas situações locais possa existir uma aplicação e, por consequência, a certeza da sua utilização.

4. RESÍDUOS DE CORTE E OUTRO MATERIAL SIMILAR

A serradura, as aparas de madeira e os resíduos de corte provenientes de madeira não tratada são gerados em empresas de serração ou em operações secundárias, como o fabrico de mobiliário ou paletes e embalagens, juntamente com o produto primário, ou seja a madeira cortada. Estes elementos são depois utilizados como matéria-prima na produção de painéis à base de madeira, como aglomerados de partículas, ou na produção de papel. A utilização é certa, como elemento de um processo de produção integral e sem transformação ulterior a não ser a adaptação à dimensão adequada para a sua integração no produto final.

Em termos mais gerais, o material excedente de um processo de produção primário, ou o material deficiente apenas do ponto de vista estético, mas que é materialmente semelhante ao produto primário, como compostos de borracha e misturas de vulcanização, peças e aparas de cortiça, sucatas plásticas e materiais similares, podem ser considerados subprodutos. Para tal devem poder ser reutilizados directamente, por reintrodução quer no processo de produção primário quer noutras produções integradas em que a reutilização é igualmente certa. Os materiais deste tipo podem também ser considerados como não abrangidos pela definição de resíduo.

Quando o material deste tipo exige uma operação de reciclagem ou valorização completa, ou contém contaminantes que é necessário remover antes da sua utilização ou transformação ulterior, isso indicaria que o material é um resíduo até à conclusão da respectiva operação de reciclagem ou de valorização.

ANEXO II - uma árvore de decisão para a distinção entre resíduos e subprodutos

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[1] JO L 114 de 27.4.2006, p. 9-21.

[2] As definições não constituem uma interpretação jurídica da Comissão Europeia e nem se destinam a ser utilizadas fora do contexto da presente Comunicação.

[3] JO L 242, de 10.9.2002, p. 1.

[4] COM(2003) 301 final.

[5] COM(2005) 666 final.

[6] Com a última redacção que lhe foi dada pela Decisão 2001/573/CE do Conselho, JO L 203 de 28.7.2001 p. 18.

[7] Processo C-9/00 Palin Granit Oy , Col. 2002, p. I-3533.

[8] Processo C-235/02, Despacho Saett de 15 de Janeiro de 2004.

[9] Processo C-444/00 Mayer Parry, Col. 2003, p. I-6163.

[10] Processos C-206/88 e 207/88, Vessoso e Zanetti , Col. 1990, p. 1461.

[11] Processos apensos C-304/94, C-330/94, C-342/94 & C-224/95 Tombesi , Col. 1997, p. I-3561

[12] Processo C-114/01 Acórdão AvestaPolarit Chrome Oy , de 11 de Setembro de 2003.

[13] Processo C-457/02, Niselli , Despacho de 11 de Novembro de 2004.

[14] Processos apensos C-418/97 & C-419/97 ARCO Chemie, Col. 2000, p. I-4475.

[15] JOJ L 243, de 24.9.1996, p. 31-35.

[16] (Conforme posição da Comissão perante o Tribunal no processo pendente Comissão contra a Itália , C-195/05 - a existência de características técnicas especificadas e uma determinada reutilização não é suficiente por si só – devendo ser aplicados os três critérios cumulativos da jurisprudência do TJCE)

[17] JO L 100, de 8.4.2006, p. 3.

[18] JO L 123, de 23.5.1996, p. 35-58.