52007DC0033

Comunicação da Comissão - Inquérito nos termos do artigo 17.º do Regulamento n.º 1/2003 relativo ao sector da banca a retalho (relatório final) {SEC(2007) 106} /* COM/2007/0033 final */


[pic] | COMISSÃO DAS COMUNIDADES EUROPEIAS |

Bruxelas, 31.1.2007

COM(2007) 33 final

COMUNICAÇÃO DA COMISSÃO

Inquérito nos termos do artigo 17.º do Regulamento n.º 1/2003 relativo ao sector da banca a retalho (relatório final)

{SEC(2007) 106}

COMUNICAÇÃO DA COMISSÃO

Inquérito nos termos do artigo 17.º do Regulamento n.º 1/2003 relativo ao sector da banca a retalho (relatório final)

1. Em 13 de Junho de 2005, a Comissão lançou um inquérito relativo ao sector da banca a retalho. A realização de inquéritos por sectores tem como base legal o disposto no n.º 1 do artigo 17.º do Regulamento (CE) n.º 1/2003. Nos termos desta disposição, sempre que a evolução das trocas comerciais entre os Estados-Membros, a rigidez dos preços ou outras circunstâncias fizerem presumir que a concorrência no mercado comum pode ser restringida ou distorcida, a Comissão pode realizar um inquérito a determinado sector da economia ou a determinado tipo de acordos em vários sectores da economia. O presente documento é o relatório final do inquérito relativo ao sector da banca a retalho[1].

1. INTRODUÇÃO

2. O sector europeu da banca a retalho tem registado um crescimento importante e uma diversificação significativa ao longo das últimas duas décadas. Hoje em dia, é directamente responsável por mais de três milhões de postos de trabalho na UE. A banca a retalho, entendida como os serviços prestados aos consumidores e às pequenas e médias empresas (PME), continua a ser o subsector mais importante do sector bancário, representando mais de 50% da totalidade das actividades na UE, em termos de receitas brutas. A Comissão estima que, em 2004, as actividades da banca a retalho na União Europeia tenham gerado rendimentos brutos em torno de 250 a 275 mil milhões de euros, o que equivale a aproximadamente 2% do PIB total da EU[2].

3. O sector europeu da banca a retalho presta serviços fundamentais aos consumidores e às pequenas e médias empresas (PME), tais como serviços de aforro, de contracção de empréstimos e de pagamento. Todavia, uma série de indicadores como, por exemplo, a fragmentação do mercado, a rigidez dos preços e a ausência de mobilidade por parte dos clientes apontam para um eventual funcionamento inadequado da concorrência no mercado da banca a retalho na União Europeia. Com base no Regulamento (CE) n.º 1/2003[3], a Comissão decidiu, por conseguinte, lançar um inquérito relativo ao sector da banca a retalho[4], nomeadamente no que respeita à concorrência transfronteiras.

4. O inquérito sectorial insere-se no contexto político mais lato da Estratégia de Lisboa e contribuirá para a prossecução dos objectivos fixados no Livro Branco intitulado " Política dos serviços financeiros 2005-2010 "[5], em que a Comissão salientou a importância de uma interacção estreita entre a política do mercado interno e a política da concorrência. De igual modo, um objectivo prioritário identificado neste contexto prendia-se com a criação de um quadro mais concorrencial entre os prestadores de serviços, nomeadamente os que desenvolvem actividades nos mercados a retalho. A prossecução destes objectivos permitirá aos consumidores europeus tirar pleno partido do mercado interno. O inquérito ao sector da banca a retalho representa um contributo útil para o efeito, uma vez que clarificará como funciona o mercado, salientando as suas deficiências eventuais e identificando as que podem ser supridas através do direito da concorrência e, se for caso disso, de outras medidas.

5. No intuito de fomentar o desenvolvimento de um mercado único de serviços financeiros e a fim de tirar pleno partido das vantagens potenciais do euro, o sector bancário europeu está a criar um espaço único de pagamentos em euros (SEPA). O projecto SEPA visa a criação de um mercado integrado de serviços de pagamento sujeito a uma concorrência efectiva, em que não será estabelecida qualquer distinção entre os pagamentos transfronteiras e nacionais na área euro. Este projecto conta com o pleno apoio da Comissão e do Banco Central Europeu, que têm vindo a colaborar estreitamente com o sector tendo em vista o desenvolvimento do SEPA.

2. PRINCIPAIS CONCLUSÕES DO INQUÉRITO RELATIVO AO SECTOR DA BANCA A RETALHO

6. O inquérito sectorial identificou uma série de factores que indicam que a concorrência pode não estar a funcionar de forma adequada nalgumas áreas da banca a retalho. O inquérito confirmou a fragmentação dos mercados em função das fronteiras nacionais, nomeadamente no que respeita às infra-estruturas da banca a retalho, como os sistemas de pagamento e os registos de crédito.

7. A existência de estruturas de mercado distintas pode explicar as divergências a nível do comportamento e desempenho do sector bancário em função dos Estados-Membros. Como revelado pelo inquérito, tal reflecte-se, por exemplo, por uma grande diversidade de margens de lucro, de preços e de sistemas de vendas entre os Estados-Membros. Em contrapartida, o inquérito identificou elementos que apontavam para a convergência dos preços e das políticas dos bancos no âmbito dos Estados-Membros individuais. A elevada rendibilidade pode ser o resultado de uma conjuntura ou de condições macroeconómicas favoráveis ou ainda de vários outros factores, nomeadamente uma maior eficiência das operações bancárias. Todavia, nalguns Estados-Membros, a conjugação de uma rendibilidade elevada com uma forte concentração do mercado e a existência de obstáculos à entrada suscita preocupações quanto ao facto de os bancos poderem abusar do seu poder de mercado face aos consumidores e às pequenas empresas.

8. O inquérito sectorial identificou uma série de factores que parecem indicar que as características supramencionadas reflectem a existência de um problema de concorrência. Em primeiro lugar, o sector bancário caracteriza-se por diversos obstáculos potenciais à entrada no mercado. Pode tratar-se de requisitos em matéria de redes e de normalização no que se refere a determinadas infra-estruturas ou entraves regulamentares ou ainda em termos de comportamento. Do ponto de vista da política da concorrência, a maior fonte de preocupação prende-se com os obstáculos à entrada decorrentes das práticas bancárias como, por exemplo, os obstáculos em matéria de acesso aos sistemas de pagamento que podem advir do abuso de uma posição dominante, nomeadamente por parte de uma rede dominante, ou de práticas concertadas por parte dos operadores históricos no sentido de excluir os novos operadores.

9. Em segundo lugar, por natureza, o sector da banca a retalho presta-se a uma cooperação formal entre os operadores no mercado. Certos tipos de cooperação (que consistem, por exemplo, em criar e explorar normas e plataformas comuns) podem ser necessários para obter ganhos de eficiência. No entanto, se for alargada às estratégias e às políticas de preços ou de venda dos bancos, a cooperação pode conduzir a práticas concertadas, restringir a concorrência e/ou excluir terceiros.

10. Durante a realização do inquérito sectorial e na sequência de uma consulta pública, os bancos dispuseram da oportunidade de salientar, de forma confidencial, os obstáculos à entrada ou outros problemas de concorrência por eles defrontados. Raros foram os bancos que optaram por prestar informações a este respeito, apesar de alguns terem indicado a existência de importantes obstáculos à entrada na sua qualidade de operadores estrangeiros.

11. O inquérito sectorial identificou preocupações do ponto de vista da concorrência nas seguintes áreas: (1) sistemas de pagamento, nomeadamente sistemas de cartões de pagamento; (2) registos de crédito; (3) cooperação entre os bancos; e (4) fixação dos preços e definição das políticas. Poderá ser assim necessária a intervenção das autoridades de concorrência, em estreita cooperação com as autoridades de regulamentação e supervisão, a fim de reforçar a concorrência em vários Estados-Membros.

2.1. Sistemas de pagamento

2.1.1. Sistemas de cartões pagamento

12. O sector europeu dos cartões de pagamento assegura os meios para realizar uma parte significativa das vendas na Europa. O volume total das vendas realizadas através das operações por cartão na UE ascendeu a mais de 1 350 milhares de milhões de euros em 2005[6] .

13. O inquérito sectorial identificou vários problemas significativos de concorrência no mercado europeu dos cartões de pagamento[7] que reiteram a necessidade de aplicar com firmeza o direito da concorrência, em estreita cooperação com as autoridades de concorrência nacionais. A Comissão já tomou medidas em diversos casos, nomeadamente no âmbito do processo MasterCard[8] e do Groupement des Cartes Bancaires.[9]

2.1.1.1. Grandes variações nas taxas associadas aos cartões na UE

14. A existência de divergências significativas a nível das taxas a pagar pelos comerciantes, titulares de cartões, bem como das comissões interbancárias (comissões interbancárias multilaterais) entre os Estados-Membros é prova patente da fragmentação do mercado. Em 2004, as comissões interbancárias cobradas sobre os cartões de crédito nas redes Visa e MasterCard em Portugal eram o dobro do nível registado na Eslováquia. Simultaneamente, as taxas pagas pelos comerciantes pelo mesmo tipo de cartões em Portugal e na República Checa eram três vezes superiores ao nível das taxas cobradas na Finlândia e em Itália. Apesar de os Estados-Membros tenderem a ter antecedentes bastante distintos, a escala destas diferenças poderá ser explicada pela existência de obstáculos à entrada no mercado.

15. As comissões interbancárias multilaterais suscitam preocupações da concorrência, particularmente nalguns países. Os operadores das redes de cartões de pagamento argumentam que, dadas as especificidades dos mecanismos de pagamento por cartão[10], os respectivos emitentes suportam normalmente a maior parte dos custos inerentes ao sistema de pagamento, enquanto a maioria das receitas são cobradas pelos adquirentes sob a forma de taxas pagas pelos comerciantes. Por conseguinte, alegam que é necessário suprir o desequilíbrio em matéria de custos mediante um mecanismo de comissões interbancárias, que consiste basicamente no pagamento de uma taxa pelos adquirentes aos emitentes. Afigura-se, contudo, que a maioria das redes nacionais de cartões de débito fixa as comissões interbancárias em níveis significativamente inferiores aos estabelecidos pelas redes internacionais sobre as operações por cartão de débito (ou não as cobram sequer), o que se traduz normalmente num montante mais reduzido das taxas pagas pelos comerciantes.

16. A análise dos dados de mercado apurados pelos inquérito indica que só a emissão dos cartões em si (ou seja, sem a cobrança de comissões interbancárias) representa uma fonte de lucros em vinte Estados-Membros[11]. Está a ser actualmente debatido em que medida os mecanismos das comissões interbancárias multilaterais são efectivamente indispensáveis na prática para permitir o funcionamento eficientes das redes de cartões de pagamentos. Caso seja confirmado o seu carácter indispensável, caberá definir as condições necessárias que deverão preencher a fim de serem admissíveis.

2.1.1.2. Os entraves estruturais nas redes de cartões de pagamento

17. Em vários Estados-Membros, trata-se de um operador em situação de monopólio que adquire as operações realizadas através de um cartão Visa e/ou MasterCard. Tais adquirentes actuam como empresas comuns dos bancos implantados há longa data, sendo simultaneamente emitentes de cartões nesse mercado. Esta situação pode permitir aos emitentes exercerem um poder de mercado significativo e conduzir assim a taxas pagas pelos comerciantes fixadas a níveis pouco concorrenciais.

2.1.1.3. Acordos relativos ao acesso e à governação dos sistemas

18. Nas redes internacionais (Visa e MasterCard), bem como nos sistemas nacionais de cartões de pagamento na Bélgica, Dinamarca, Finlândia, França, Hungria, Irlanda, Itália, Luxemburgo, Países Baixos, Portugal e Espanha, as regras em matéria de participação reservam o direito de emissão ou de aquisição às instituições de crédito e/ou financeiras ou a uma entidade por elas directamente controlada. Apesar de ser possível sustentar que esta condições prévia se justifica por razões que se prendem com a supervisão ou a estabilidade financeira, tal limita a participação dos comerciantes e das empresas de tratamento das operações nas actividades de emissão e de aquisição, o que compromete a concorrência entre as redes nestes países. O acesso à infra-estrutura suscita preocupações semelhantes[12]. Na Irlanda, nos Países Baixos e em Portugal, as regras dos sistemas nacionais exigem a presença a nível local de um operador estrangeiro, mediante o estabelecimento de uma sucursal e/ou uma filial local . Este requisito agrava os custos associados à entrada no mercado de um operador estrangeiro, o que pode restringir a concorrência entre as redes.

19. Nos termos de determinados acordos de governação no âmbito dos sistemas nacionais de cartões de pagamento, bem como nas redes Visa e MasterCard em França e em Espanha, os membros associados estão obrigados a comunicar informações sensíveis do ponto de vista comercial aos membros principais, sem a partilha recíproca de dados. Tal compromete a posição concorrencial dos membros associados e atenua as pressões concorrenciais defrontadas pelos membros principais.

2.1.1.4. Regras aplicáveis às redes e taxas de participação

20. Os adquirentes aplicam um preço médio único (blending )[13] aos produtos concorrentes nos sistemas de cartões de pagamento nacionais e internacionais. Os adquirentes em França, Bélgica, Dinamarca, Hungria, Irlanda e Portugal afirmam sempre aplicar um preço médio único (isto é, em 100% dos casos) no que respeita às taxas pagas pelos operadores relativamente às operações com os cartões Visa e MasterCard, enquanto em Espanha, na Suécia e em Malta, esta prática é assinalada em mais de 60% dos casos. Os resultados do inquérito indicam que a aplicação de um preço médio único pode atenuar a concorrência entre as redes em matéria de preços o que, por seu turno, pode implicar taxas mais elevadas pagas pelos comerciantes.

21. As regras em matéria de co-marcas [14] aplicadas por algumas redes podem igualmente representar um obstáculo à entrada no mercado ou pelo menos dificultá-la. A proibição desta prática em relação às redes que sejam consideradas concorrentes e às instituições não bancárias pode limitar a concorrência entre as redes e entre as instituições bancárias e não bancárias, respectivamente.

22. De igual forma, a proibição imposta aos comerciantes de facturar aos clientes uma taxa de utilização, ou seja, um suplemento [15], em muitas redes pode entravar o desenvolvimento de instrumentos de pagamento mais eficientes, dado que os verdadeiros custos são dissimulados aos consumidores através de subvenções cruzadas.

23. Muito embora as taxas de adesão aplicáveis aos bancos variem de forma significativa entre as redes da UE, os sistemas de pagamento nalguns Estados-Membros (por exemplo, Bélgica, Dinamarca, Finlândia) impõem taxas de adesão particularmente elevadas, o que desincentiva directamente os novos operadores de aderirem ao círculo de membros. A análise do nível destas taxas demonstrou que a importância das taxas de adesão/participação não se explica unicamente pela dimensão do país em causa.

2.1.1.5. Acordos bilaterais preferenciais em matéria de comissões

24. Com a celebração e a aplicação de acordos preferenciais em matéria de comissões interbancárias os operadores em situação de monopólio, que desenvolvem simultaneamente actividades de emissão e de aquisição, podem ter entravado indirectamente a entrada de novos operados no mercado, uma vez que não lhes aplicam as mesmas condições preferenciais, o que se traduz num aumento dos custos associados à sua entrada. Existiram acordos bilaterais preferenciais em matéria de comissões[16] (comissões bancárias «on us») pelo menos em Portugal, na Bélgica, na Áustria, em Espanha e no Reino Unido. Desde a publicação do relatório intercalar sobre os cartões de pagamento em Abril de 2006, os bancos na maioria destes países lançaram um reexame dos seus acordos relativos às comissões interbancárias, o que é encarado pela Comissão como um primeiro passo no bom sentido.

25. No Reino Unido, na Irlanda e na Finlândia, a existência de acordos de compensação bilaterais entre os bancos locais dificulta a entrada de novos operadores no mercado. Regra geral, para procederem à compensação das suas operações, os novos operadores carecem de um banco que os patrocine e, em geral, este último manifesta uma certa relutância em prestar assistência a concorrentes potenciais.

2.1.2. Outros sistemas de pagamento que não os cartões de pagamento

26. Qualquer banco que pretenda penetrar no mercado da banca a retalho e que tencione prestar aos clientes serviços bancários de base, tais como contas à ordem, necessita de ter acesso aos sistemas de compensação e liquidação. Os operadores das infra-estruturas estabelecidas estão potencialmente em condições de criar obstáculos à entrada que podem assumir as mais diversas formas:

- Diferentes tipos de participação e condições específicas aplicáveis aos membros directos: os sistemas de compensação nacionais estabelecem uma distinção entre diferentes tipos de participação. Nalguns casos, essas modalidades de participação podem distorcer as condições ao abrigo das quais as diferentes instituições membros concorrem entre si ou em que os novos operadores potenciais podem concorrer com os operadores históricos.

- A obrigação de ser um banco : a maioria dos sistemas de compensação admite unicamente os bancos. Este controlo pode contribuir para garantir a estabilidade financeira, mas pode igualmente entravar a entrada de instituições não bancárias nos sistemas de pagamento, nomeadamente se existirem outros meios eficientes de assegurar a fiabilidade financeira.

- Taxas de participação e estrutura dos encargos: nalguns Estados-Membros, a estrutura de encargos dos sistemas de pagamento, ou seja, o nível das taxas de adesão e os encargos facturados por operação, são susceptíveis de constituírem um entrave à concorrência no que se refere a operadores novos ou de dimensão mais reduzida no mercado da banca a retalho.

- Necessidade de se adaptar a normas nacionais diferentes: os prestadores de serviços de pagamento devem respeitar especificações técnicas distintas para entrar nos diferentes sistemas de pagamentos nacionais, bem como seguir um procedimento de ensaio e certificação. Nalguns sistemas, este procedimento pode demorar doze meses e ser fonte de custos avultados.

- As comissões interbancárias aplicáveis às transferências e aos débitos directos : nos Estados-Membros em que vigoram acordos em matéria de comissões interbancárias, tais encargos podem distorcer a concorrência entre os diferentes meios de pagamento, bem como a concorrência a nível da prestação de serviços de pagamento aos clientes. A concorrência entre os meios de pagamento pode ser distorcida sempre que os bancos tiverem um incentivo no sentido de promover a utilização dos meios de pagamento que comportam comissões interbancárias elevadas.

2.2. Registos de crédito

27. O acesso livre, a preços acessíveis, a dados fiáveis relativamente aos créditos constitui uma condição prévia importante para os bancos que pretendem prestar serviços básicos no sector da banca a retalho, tais como empréstimos hipotecários, crédito ao consumo e cartões de crédito. Contudo, o acesso generalizado a dados em matéria de crédito não se encontra disponível em vários Estados-Membros, quer por razões regulamentares, quer em virtude do desenvolvimento limitado dos mercados de dados relativos ao crédito[17].

28. Além disso, os elementos recolhidos durante o inquérito sectorial indicam que certos aspectos do funcionamentos dos registos de crédito nalguns Estados-Membros podem ser incompatíveis com o direito da concorrência. Em dois Estados-Membros, pelo menos, afigura-se que os registos de crédito pertencentes a empresas comuns dos bancos nacionais e por elas explorados facultam o acesso aos dados em condições discriminatórias, desincentivando assim a entrada de operadores potenciais no mercado bancário.

2.3. Cooperação entre os bancos

29. Os bancos a retalho cooperam nos mais diversos domínios, tais como a nível da normalização e das infra-estruturas ou do funcionamento dos sistemas de pagamento. As caixas económicas e as cooperativas bancárias caracterizam-se normalmente por vínculos ainda mais estreitos em matéria de cooperação. Estes tipos específicos de instituições bancárias representam uma proporção significativa das actividades da banca a retalho na Europa e desempenham um papel importante em vários Estados-Membros tais como a Alemanha, a França, a Áustria, a Itália e a Espanha. Contudo, as estruturas de propriedade e das sociedades, o grau de cooperação, bem como as disposições regulamentares e prudenciais específicas diferem significativamente consoante os Estados-Membros[18]. Uma apreciação uniforme é consequentemente impossível.

30. Na medida em que as caixas económicas e as cooperativas continuam a ser juridicamente independentes, tendem a cooperar nos mais diversos domínios. A título ilustrativo, exploram as suas próprias infra-estruturas de pagamento, dispõem de um sistema comum de gestão do risco e de protecção dos depósitos ou podem ainda adoptar uma estratégia comum em matéria de relações com os clientes e de marketing, nomeadamente uma marca comum. Algumas caixas económicas e/ou bancos que assumem a forma de cooperativa aplicam o princípio regional ou territorial, segundo o qual uma dada área geográfica é reservada às actividades desenvolvidas por um determinado banco a retalho.

31. A cooperação entre os bancos pode traduzir-se em vantagens no plano económico, bem como para os consumidores. Trata-se normalmente do caso quando os bancos em causa são PME e não dispõem, no seu conjunto, de uma quota de mercado significativa. Mas quando bancos independentes, com uma forte posição no mercado no seu conjunto, estabelecem uma cooperação entre si, tendo como objecto ou efeito limitar a concorrência entre si ou ainda excluir a entrada de novos operadores, é possível que a concorrência seja entravada. Nesses casos, a Comissão pode proceder a uma análise mais aprofundada no intuito de suprir os eventuais problemas de concorrência suscitados por uma coordenação que transcenda o estritamente necessário para assegurar quaisquer vantagens do ponto de vista da concorrência.

32. Por conseguinte, em caso de problemas de concorrência, a Comissão deve examinar se o comportamento anticoncorrencial é induzido ou mantido por disposições legislativas ou outras medidas adoptadas pelo Estado.

2.4. Fixação dos preços e definição das políticas

33. As decisões dos clientes da banca a retalho são igualmente condicionadas pela assimetria da informação e pelos elevados custos inerentes à mudança de banco. A assimetria da informação variará em função da complexidade dos produtos vendidos e da transparência dos preços. Uma informação clara e transparente para os consumidores pode contribuir para atenuar os problemas neste domínio. Além disso, as autoridades em vários Estados-Membros envidam esforços com vista a sensibilizar os consumidores para o sector financeiro.

34. Os custos elevados que comportam a mudança de banco limitam igualmente a mobilidade dos clientes. Alguns custos de mudança de índole não financeira afiguram-se inevitáveis para produtos tais como as contas à ordem, em que os encargos administrativos inerentes à transferência, bem como a percepção de tais encargos pelos consumidores, podem desincentivar estes últimos de mudar de prestador de serviços. No entanto, o inquérito revela que alguns bancos criam obstáculos artificiais (por exemplo, vendas subordinadas[19] de produtos bancários ou a imposição de elevados custos de encerramento das contas) que incrementam os custos de mudança para os consumidores, reduzindo assim a intensidade da concorrência.

35. Os dados do inquérito revelam que a mobilidade dos clientes nos mercados das contas à ordem é geralmente reduzida. O elevado grau de satisfação dos clientes pode explicar, em parte, os reduzidos níveis de mobilidade. Contudo, a análise do inquérito sugere igualmente que os bancos poderão exercer um maior poder de mercado quando os clientes se pautam por uma mobilidade restrita.

36. Os preços dos produtos da banca a retalho oscilam de forma significativa consoante os Estados-Membros. Todavia, o inquérito demonstrou que, a nível nacional, há dados que apontam para um comportamento convergente no que respeita à fixação dos preços e à definição das políticas relativamente aos produtos de base da banca a retalho. No caso das contas à ordem, esse comportamento convergente é patente no que respeita à fixação de diversos parâmetros, incluindo custos de gestão das contas, custos de encerramento das contas, custos de utilização dos caixas automáticos (ATM) e custos em caso de incumprimento.

37. As vendas subordinadas de produtos constituem um outro domínio em que os bancos na maioria dos Estados-Membros denotam um comportamento convergente. Esta prática pode atenuar a concorrência no sector da banca a retalho, uma vez que aumenta os custos inerentes à mudança, reduz a transparência dos preços e desincentiva a entrada no mercado de novos operadores (nomeadamente os fornecedores de uma única linha de produtos). O estudo de mercado realizado no âmbito do inquérito indica que, na maior parte dos Estados-Membros, a maioria[20] dos bancos subordina a concessão de créditos hipotecários, de empréstimos pessoais e de empréstimos às PME à abertura de uma conta à ordem. Além disso, quando o maior banco num Estado-Membro opta por subordinar os seus produtos, o inquérito revela que a maioria dos seus concorrentes adopta práticas semelhantes.

3. MEDIDAS A TOMAR EVENTUALMENTE

38. Com base nos elementos recolhidos no âmbito do inquérito sectorial, a Comissão recomenda uma série de medidas destinadas a reforçar a concorrência no sector da banca a retalho, nomeadamente no mercado dos cartões de pagamento.

3.1. Aplicação do direito da concorrência

39. A aplicação do direito da concorrência pode permitir suprir diversos problemas de concorrência identificados no inquérito sectorial. Os domínios que justificam uma intervenção eventual incluem, em primeiro lugar, os obstáculos em matéria de acesso, as regras discriminatórias, as estruturas de custos e os acordos de governação em determinadas redes de cartões de pagamento e sistemas de compensação e liquidação.

40. Em segundo lugar, pode igualmente justificar-se a adopção de medidas neste contexto atendendo ao nível elevado das comissões interbancárias e taxas pagas pelos comerciantes nalgumas redes de cartões de pagamento.

41. Em terceiro lugar, a Comissão poderá recolher informações suplementares a fim de apurar se a cooperação entre as caixas económicas e/ou bancos sob forma de cooperativa com quotas de mercado significativas restringe a concorrência de forma significativa, quer entre si, quer em relação a concorrentes efectivos ou potenciais.

42. Em quarto lugar, algumas formas de vendas subordinadas adoptadas pelos bancos podem não ser consentâneas com o direito da concorrência, por exemplo, sempre que esta prática represente um abuso de posição dominante nos mercados do produto relevantes.

43. Por último, a aplicação do direito da concorrência pode ser igualmente útil para eliminar os obstáculos em matéria de acesso e as regras discriminatórias no que respeita aos registos de crédito.

44. As eventuais medidas a tomar para o efeito exigiriam uma análise aprofundada das circunstâncias específicas de cada caso, em consulta com as autoridades de concorrência nacionais.

3.2. Medidas regulamentares e de autoregulamentação com vista a dirimir as preocupações da concorrência

3.2.1. Sistemas de pagamento

3.2.1.1. Espaço único de pagamentos em euros (SEPA)

45. O inquérito sectorial salientou a existência de vários obstáculos à concorrência susceptíveis de serem eliminados mediante a criação de um espaço único de pagamentos em euros (SEPA) favorável à concorrência. Em relação às redes de cartões de pagamento, o SEPA tem potencialidades para permitir a supressão de diversas regras restritivas. A Comissão atribuirá especial atenção neste contexto, com vista a assegurar que as restrições em matéria de co-marcas não sejam utilizadas para fragmentar os mercados[21].

46. O quadro SEPA no domínio dos cartões de pagamento deverá assegurar aos comerciantes um maior leque de escolha a nível dos prestadores de serviços de aquisição, de molde a fomentar uma maior concorrência neste mercado extremamente concentrado[22].

47. A fim de assegurar o funcionamento adequado do mercado interno, a Comissão Europeia tem o direito de propor medidas legislativas. Na sua proposta de directiva relativa aos serviços de pagamento[23], a Comissão proíbe as restrições de acesso aos sistemas e às infra-estruturas de pagamento em função do estatuto da instituição em causa. Esta directiva está actualmente a ser debatida pelo Conselho e pelo Parlamento Europeu. A sua aplicação permitirá aos cidadãos beneficiar de serviços de pagamentos mais concorrenciais e eficientes. No âmbito do SEPA, as redes de cartões de pagamento e os sistemas de compensação e liquidação não devem ter a possibilidade de distorcer a concorrência mediante a imposição de regras e acordos de governação discriminatórios.

48. A Comissão continuará, juntamente com as autoridades de concorrências nacionais, a controlar a compatibilidade do quadro SEPA com o direito da concorrência, como proposto pelo Conselho Ecofin[24].

3.2.2. Registos de crédito

49. O inquérito sectorial revelou que o princípio de um acesso recíproco em condições não discriminatórias aos registos de crédito não era ainda plenamente aplicado. Subsistem igualmente entraves significativos à partilha transfronteiras de dados. A proposta de directiva relativa ao crédito aos consumidores requer que os Estados-Membros assegurem um acesso transfronteiras aos registos de crédito em condições não discriminatórias[25]. A Comissão examina actualmente estas questões no contexto do mercado europeu de empréstimos hipotecários[26]. Poderá igualmente justificar-se uma futura análise da sua compatibilidade com um mercado de crédito europeu aberto e concorrencial.

50. As autoridades que pretendam fomentar a concorrência e a eficiência nos mercados de crédito poderão ponderar a possibilidade de reformas regulamentares no que respeita à partilha de dados sobre o crédito, nomeadamente a fim de alargar o âmbito de aplicação dos registos de crédito. É de ressalvar, contudo, que os enquadramentos em matéria de protecção e de partilha de dados são questões sensíveis que requerem um exame cuidadoso pelos Governos dos Estados-Membros. Num reduzido número de Estados-Membros, o inquérito identificou preocupações quanto ao facto de os registos de crédito poderem não estar a aplicar plenamente as regras em matéria de protecção de dados.

3.2.3. Fixação dos preços e definição das políticas

51. Poderá ser útil examinar os efeitos das vendas subordinadas a nível da concorrência nalguns mercados de produtos bancários específicos. As autoridades num pequeno número de Estados-Membros introduziram disposições regulamentares destinadas a limitar ou a proibir esta prática no sector da banca a retalho.

52. A Comissão criou um grupo de peritos[27] a fim de examinar a mobilidade dos clientes em relação às contas bancárias. O grupo está actualmente a analisar medidas destinadas a facilitar a abertura e a mudança de contas bancárias numa base nacional e transfronteiras, examinando para o efeito as melhores práticas nos Estados-Membros. O grupo de peritos formulará as suas recomendações no primeiro semestre de 2007.

4. CONCLUSÕES

53. O presente inquérito sectorial identificou quatro questões fundamentais a serem abordadas pela Comissão e pelas autoridades de concorrência nacionais:

- A concepção e o funcionamento dos sistemas de pagamento, nomeadamente os sistemas de cartões de pagamento;

- Os registos de crédito;

- A cooperação entre os bancos; e

- A fixação dos preços e a definição das políticas dos bancos, nomeadamente em matéria de vendas subordinadas.

54. A Comissão Europeia não hesitará em exercer as competências que lhe são atribuídas pelos artigos 81.º, 82.º e 86.º do Tratado CE, no intuito de velar pelo cumprimento das regras da concorrência no sector da banca a retalho, bem como nos diferentes mercados de pagamento e no que se refere nomeadamente ao projecto SEPA. A Comissão Europeia prosseguirá igualmente os seus esforços noutros domínios que não o direito da concorrência, para que os cidadãos possam tirar maior partido das vantagens do mercado interno no sector da banca a retalho.

[1] Foram publicados relatórios intercalares em 12 de Abril de 2006 (cartões de pagamento) e 17 de Julho de 2006 (contas à ordem e serviços conexos)

[2] Dados extraídos do segundo relatório intercalar sobre o sector da banca a retalho.

[3] Ver: http://eur-lex.europa.eu/LexUriServ/site/en/oj/2003/l_001/l_00120030104en00010025.pdf.

[4] Ver: http://ec.europa.eu/comm/competition/antitrust/others/sector_inquiries/financial_services/decision_retailbanking_en.pdf

[5] Ver: http://ec.europa.eu/internal_market/finances/policy/index_en.htm

[6] Esta estimativa prende-se unicamente com as operações através dos terminais pontos de venda, não sendo incluídas as operações com os caixas automáticos (ATM).

[7] A presente análise não engloba as operações relacionadas com os caixas automáticos (ATM).

[8] Processo COMP/34579

[9] Processo COMP/38606.

[10] Uma descrição de um mecanismo de pagamento por cartão figura no relatório intercalar I sobre os cartões de pagamento.

[11] De acordo com as estimativas, Portugal, a Letónia, a Estónia, a República Checa e a Itália apresentam os mais elevados níveis de rendibilidade em matéria de emissão (com uma margem bruta de lucro em relação aos custos de, pelo menos, 60%) no sector dos cartões de crédito, sem ter em conta as receitas provenientes das comissões interbancárias.

[12] A obrigação de ser uma instituição financeira poderá, contudo, deixar de ser aplicável após a transposição da proposta de directiva relativa aos serviços de pagamento.

[13] Com esta política, ou seja, mediante a aplicação de um preço médio único, os bancos adquirentes facturam às empresas um preço global para efeitos de aceitação dos cartões de diferentes tipos e/ou emitidos por diferentes redes, sem estabelecer qualquer distinção entre os níveis das comissões interbancárias.

[14] A definição de "co-marcas" pode divergir consoante as redes. De modo geral, refere-se à existência do logotipo da rede do cartão e de um segundo logotipo (de uma outra rede ou de uma instituição não bancária) na face do cartão.

[15] A imposição de um suplemento é a possibilidade de que dispõem os comerciantes de solicitar taxas adicionais pela utilização dos instrumentos de pagamento mais onerosos.

[16] Operações realizadas ao abrigo dos acordos preferenciais em matéria de comissões, igualmente denominadas as operações «on us», isto é, quando o emitente e o adquirente são uma única entidade ou quando pertencem ao mesmo grupo. Em contrapartida, as operações «off us» são aquelas em que o emitente e o adquirente são instituições de crédito distintas.

[17] É evidente que a criação e a exploração dos registos de crédito deve estar em plena consonância com a legislação relativa à protecção dos dados nos Estados-Membros. No entanto, uma plena avaliação deste tipo transcende o âmbito do inquérito.

[18] Por exemplo, as caixas económicas continuam a ser da propriedade e/ou geridos pelo Estado nalguns Estados-Membros tais como a Alemanha, o Luxemburgo e, em grande medida, em Espanha. Mas são totalmente privatizadas noutros, sobretudo nos novos Estados-Membros, ou foram reestruturadas sob forma de um grupo em regime de cooperativa (França) ou formam estruturas híbridas com a coexistência de caixas económicas privadas e públicas (Áustria e Itália). Em contrapartida, os bancos que assumem a forma de cooperativa baseiam-se geralmente no princípio de que prestam serviços bancários aos seus proprietários, que não estão autorizados a possuir (ou a alienar) um certo número de acções que conferem o controlo.

[19] Verificam-se vendas subordinadas quando um banco subordina a aquisição de um produto (por exemplo, um crédito hipotecário) à aceitação de um outro produto distinto (por exemplo, conta à ordem).

[20] Por "maioria" dos bancos, deve entender-se os bancos que, no estudo de mercado da Comissão, têm uma quota de mercado global superior a 50%.

[21] Tal poderia ocorrer, por exemplo, no caso de um sistema de cartões internacionais considerar um outro sistema como um concorrente meramente porque este último decide desenvolver as suas actividades fora do seu Estado-Membro de origem.

[22] É de recordar que, em certos Estados-Membros, os comerciantes dispõem actualmente de uma única "oferta" por parte de um prestador de serviços de aquisição em situação de monopólio (ver ponto 17 para informações mais pormenorizadas).

[23] Ver: http://ec.europa.eu/internal_market/payments/framework/index_en.htm

[24] Ver conclusões do Conselho sobre o SEPA de 10 de Outubro de 2006: http://www.consilium.europa.eu/ueDocs/COUNCIL-LIVE/20061010_14209_6.PDF

[25] Ver: http://ec.europa.eu/consumers/cons_int/fina_serv/cons_directive/2ndproposal_en.pdf. As disposições relevantes figuram no artigo 8º.

[26] O Livro Verde da Comissão sobre o crédito hipotecário na UE, publicado em Julho de 2005, pode ser consultado no seguinte sítio: http://ec.europa.eu/internal_market/finservices-retail/home-loans/integration_en.htm#greenpaper

[27] Ver: http://ec.europa.eu/internal_market/finservices-retail/baeg_en.htm