27.10.2007   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 256/123


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre «Saúde e Migrações»

(2007/C 256/22)

A futura Presidência portuguesa enviou ao Comité Económico e Social Europeu uma carta, datada de 14 de Fevereiro de 2007, solicitando a elaboração de parecer sobre: Saúde e Migrações.

Foi incumbida da preparação dos correspondentes trabalhos a Secção Especializada de Emprego, Assuntos Sociais e Cidadania, que emitiu parecer em 18 de Junho de 2007, sendo relator S. SHARMA e co-relatora Cser.

Na 437.a reunião plenária de 11 e 12 de Julho de 2007 (sessão de 11 de Julho), o Comité Económico e Social Europeu aprovou, por 109 votos a favor, 3 votos contra e 0 abstenções, o presente parecer.

1.   Conclusões

O presente parecer versa sobre a relação entre saúde e migração e, como tal, não é um debate sobre migração per se. A migração é importante para a economia da UE e é um processo contínuo que envolve uma parte significativa e cada vez maior da UE e da população mundial.

Importa que as políticas da UE e os Estados-Membros proporcionem aos migrantes e às suas famílias um nível elevado de protecção da saúde. Isto significa agir num vasto número de políticas, incluindo emprego e saúde e segurança no trabalho, educação, protecção social, promoção da saúde e cuidados de saúde.

O presente parecer identificou várias questões no domínio da saúde que afectam os migrantes, assim como implicações para a saúde pública que requerem a intervenção dos Estados-Membros e da União Europeia.

1.1   Recomendações

Uma globalização humanista (1) e equitativa (2) deve basear se em valores universais e no respeito dos direitos humanos, de um nível elevado de saúde e de segurança alimentar para todas as camadas da população (sobretudo as mais vulneráveis), da diversidade cultural e linguística e do acesso de todos ao conhecimento.

No que respeita aos direitos humanos universais, o CESE faz as seguintes recomendações:

1.1.1

Há que criar pontos de encontro e centros de informação, que facilitem o acesso dos imigrantes a informação sobre cuidados de saúde e prestações sociais, a qual deve ser prestada por indivíduos provenientes das mesmas minorias migrantes que trabalhem nesses centros, bem como proporcionar um ponto de contacto de cooperação entre as autoridades e as ONG dos países de origem e as das comunidades de acolhimento dos migrantes.

1.1.2

Os Estados-Membros e a União Europeia no seu conjunto devem reforçar a cooperação com as organizações internacionais em matéria de saúde dos migrantes e monitorizar e avaliar os problemas e vantagens aos níveis local, regional, nacional e europeu.

1.1.3

Os programas nacionais de saúde pública devem ser incluídos nos programas pedagógicos tendo em conta a especificidade das culturas minoritárias.

1.1.4

Há que criar um fundo de compensação específico e programas para a formação, a reinstalação e a cooperação entre os países de acolhimento e os países de origem.

1.1.5

O acesso a tratamento médico e cuidados preventivos deveria ser permitido como um direito humano a todas as pessoas na UE, independentemente do seu estatuto, em consonância com a Carta dos Direitos Fundamentais, que garante o acesso a cuidados preventivos e médicos.

1.1.6

Devem ser criadas cláusulas de confidencialidade entre pacientes e instituições médicas (quando estas não existem) para garantir que a informação sobre o estatuto de imigração do paciente não é divulgada a terceiros e, por conseguinte, para não dissuadir os migrantes de procurarem ajuda e tratamento médico, sobretudo no caso de migrantes em situação irregular.

1.1.7

Os Estados-Membros e a UE deveriam colaborar na melhoria da recolha de dados e na investigação no domínio da migração e da saúde na UE.

1.1.8

A saúde deveria ser incluída enquanto dimensão essencial da migração.

1.1.9

As avaliações de impacto da saúde deveriam assinalar o potencial impacto das políticas de saúde e outras na saúde dos migrantes.

1.1.10

Os Estados-Membros que têm uma tradição de serviços de saúde especializados em medicina tropical devem alargar as suas competências a todos os residentes da UE e prosseguir uma investigação de qualidade nas terapias das doenças tropicais, em particular o paludismo.

1.1.11

São necessários mecanismos melhorados para avaliar e responder às necessidades de saúde de todas as categorias de migrantes assim que possível após a sua chegada. É necessária uma cooperação reforçada entre a UE e os Estados-Membros para responder às necessidades imediatas dos migrantes que chegam com necessidades médicas urgentes, garantindo em particular um serviço de interpretação.

1.1.12

Deve ser dada prioridade à saúde dos migrantes no trabalho. Para tal, os parceiros sociais e as autoridades competentes deveriam colaborar na manutenção de elevados níveis de saúde e segurança no trabalho nos sectores que empregam mais migrantes. Programas de promoção da saúde a partir do local de trabalho deveriam ainda ser desenvolvidos em cooperação com serviços da comunidade, com vista a responder às necessidades dos trabalhadores migrantes e das suas famílias.

1.1.13

Programas de promoção da saúde deveriam igualmente ser considerados uma forma de responder às necessidades das crianças migrantes no domínio da saúde. A saúde das crianças migrantes, em particular, é uma prioridade. Os serviços de saúde escolar e pré-escolar devem prestar atenção às necessidades de todas as crianças, na globalidade, inclusive os filhos dos migrantes, com uma especial atenção aos que chegaram recentemente.

1.1.14

Os cuidados de saúde e os serviços preventivos a desenvolver deveriam ser adequados e sensíveis do ponto de vista cultural, sem derrogações à proibição da excisão.

1.1.15

Os profissionais de saúde deveriam receber formação contínua e desenvolvimento profissional para prestarem assistência às comunidades migrantes, cujas necessidades a nível de saúde estão em mutação.

1.1.16

Prever o recrutamento de pessoal de saúde formado em países em desenvolvimento, numa perspectiva de co-desenvolvimento, que facilita o seu regresso após uma estadia temporária ou que oferece um reembolso ao país de origem que garantiu a formação. A Comissão tem de observar domínios de boas práticas de recrutamento de pessoal médico de países terceiros com vista a propor um Código de Boas Práticas da UE.

1.1.17

O papel das autoridades que controlam a saúde pública deveria ser reforçado e a partilha de boas práticas deveria ser incentivada, devendo o papel de coordenador caber às autoridades da UE.

1.1.18

Reforçar o diálogo intercultural — centrar as atenções no estado da saúde e dos cuidados de saúde (3).

1.1.19

O CESE sublinhou novamente as suas recomendações anteriores, referindo que os Estados-Membros deveriam executar as convenções da OIT sobre migrantes (4).

2.   Contexto

2.1

O Comité Económico e Social Europeu congratula-se com o interesse continuado da Presidência portuguesa em investigar a questão da saúde pública e da migração. As Presidências alemã, portuguesa e eslovena, concordaram que «a política de saúde desempenha um papel crucial, uma vez que uma prevenção melhor e os cuidados de saúde transfronteiras beneficiam directamente os cidadãos europeus» (5).

As três presidências comprometeram-se a trabalhar activamente no sentido de combater as desigualdades que afectam os migrantes em termos de acesso a serviços de saúde. Acordou-se igualmente apoiar um grande número de actividades comunitárias com vista a contribuir para um nível de saúde elevado para todos os cidadãos, centrando-se na promoção da saúde, prevenção de doenças, inovação e acesso a cuidados de saúde.

2.2

O Comité adoptou um vasto número de pareceres sobre a questão das migrações regulares e irregulares (6), razão pela qual o presente parecer se centrará em questões de saúde. Instamos a Presidência portuguesa e outras partes interessadas envolvidas a consultarem o nosso trabalho anterior no domínio da migração.

3.   Introdução

3.1

Muito tem sido escrito sobre saúde e migração e este relatório é elaborado com base no recente documento preparado para o Programa de Investigação e Análise Política da Comissão Mundial para a Migração Internacional (Carballo & Mboup, Setembro de 2005). Ao longo do parecer serão feitas outras referências.

3.2

A Organização Mundial de Saúde define a saúde como «um estado de completo bem-estar físico, mental e social e não apenas a inexistência de doenças ou enfermidades». O presente parecer defende que a «saúde», tal como definida, é um direito humano.

3.3

A saúde dos migrantes e refugiados é importante por inúmeras razões, nomeadamente:

Os direitos humanos e o respeito pela dignidade humana;

a dimensão da perda da vida, doença e risco para a saúde vivida por algumas pessoas, sobretudo emigrantes ilegais;

os riscos de saúde vividos por um grande número de emigrantes que se deslocam para outro país;

acesso variável a cuidados sociais e de saúde;

riscos para a população em geral; e

riscos para o país de origem com a perda de profissionais de saúde.

4.   Dimensão e âmbito da questão

4.1

A nível internacional, estima-se que mais de 200 milhões de pessoas se deslocam todos os anos para procurar trabalho e uma vida melhor. Pelo menos 30-40 (7) milhões não são oficiais. Reunidos, os migrantes de todo o mundo formariam o quinto país mais populoso do planeta (8). As mulheres representaram 49,6 % dos migrantes globais em 2005. Há entre 7 e 8 milhões de migrantes não registados na Europa (9).

4.2

Para o presente parecer exploratório, o CESE considerou as questões da migração e da saúde sobretudo em relação a nacionais de países terceiros emigrantes na UE. Actualmente, cerca de 18 milhões de cidadãos de países terceiros vivem na UE. Há ainda um número significativo de cidadãos nascidos no estrangeiro e de migrantes irregulares ou ilegais. A grande maioria dos migrantes que entram na UE, fazem-no de forma legal.

4.3

Os requerentes de asilo representam uma percentagem relativamente pequena do total da população migrante e o número de pedidos de asilo diminui nos últimos anos devido à política da UE e não à diminuição do número de requerentes de protecção.

 

2006

2005

2004

2003

2002

Pedidos de asilo na UE

266 270

350 103

421 236

532 300

640 347

Número de pedidos aceites

38 857

46 742

35 872

41 823

59 705

% pedidos aceites

22,71

20,55

13,36

12,4

14,73

Nos últimos anos, a migração legal e ilegal aumentou numa série de países do sul da Europa, nomeadamente, Portugal, Espanha e Itália. Muitos destes migrantes são oriundos da África do Norte ou Subsaariana, da América Latina e Ásia e dos países da CEI.

4.4

Apesar de os migrantes serem geralmente mais saudáveis do que as pessoas no seu país de origem, podem sofrer de mais problemas de saúde do que a média na sua comunidade de acolhimento. Tal deve-se a uma série de factores, designadamente:

stress psicológico e social (resultante de uma cultura desconhecida, da ilegalidade, das alterações de ambiente, desconhecimento de línguas estrangeiras, desconfiança e falta de informação, saúde mental);

riscos corridos no país de origem;

pobreza e trabalho em condições de risco;

difícil acesso a cuidados de saúde e informação sobre serviços de saúde, promoção da saúde e serviços preventivos;

riscos adicionais do país de acolhimento;

condições de alojamento.

4.5

Nos migrantes de algumas zonas, há maior incidência de doenças transmissíveis e prolongadas tais como problemas de saúde mental, doenças coronárias, doenças respiratórias e diabetes são muitas vezes mais comuns.

4.6

Os migrantes em situação irregular, incluindo as suas famílias e as crianças em particular, têm mais problemas de saúde do que os migrantes legais, o que pode estar relacionado com os riscos de saúde que correm ao tentar entrar no país, com condições económicas e sociais mais desfavoráveis e acesso inadequado a serviços.

5.   Diferentes tipos de migração

5.1   Migração voluntária

5.1.1

A principal motivação para a migração para a UE prende-se com factores económicos. A fuga a conflitos ou perseguições constitui outra motivação importante. As pessoas migram e continuam a migrar por várias razões. Há quem migre com intenção de se instalar e começar uma vida nova, outros pretendem ganhar o suficiente para poderem regressar a casa.

5.1.2

Alguns migram legalmente com o estatuto de trabalhador, outros fazem-no de forma ilegal mas encontram trabalho e permanecem por um período indeterminado. Ambos podem apresentar desafios a nível de saúde, muitas vezes relacionados com políticas nacionais e atitudes sociais para com os migrantes e as grandes determinantes da saúde tais como educação, emprego e habitação.

5.1.3

A migração circular é cada vez mais reconhecida como um tipo de migração-chave (10) que, se for bem gerida, pode ajudar a satisfazer a oferta a nível internacional e a procura de emprego, contribuindo assim para o crescimento económico e para uma atribuição dos recursos disponíveis mais eficaz. Pode ser uma resposta à necessidade da UE de oferecer uma alternativa credível à imigração ilegal.

5.2   Migração forçada

5.2.1

As implicações dos cuidados de saúde da migração forçada são graves e de longo alcance. Todos os anos, pessoas são forçadas a deixar os seus países de origem e a tornarem-se refugiadas sob a protecção das Nações Unidas. Milhões de pessoas são forçadas a deixar as suas casas e a permanecerem dentro das suas fronteiras.

5.2.2

Muitas vezes têm de pagar montantes elevados para receberem ajuda para atravessarem as fronteiras, o que representa uma grande carga financeira. Os migrantes vivem no medo e são facilmente explorados pelos empregadores. No caso das mulheres, a violação e a exploração são comuns.

5.2.3

O tráfico de seres humanos é um crime que viola os direitos humanos fundamentais e destrói vidas. É reconhecido como uma forma moderna de escravatura e estima-se que, todos os anos, o número de pessoas em todo o mundo que vive sob algum tipo de escravatura (de acordo com a OIT) é de 12 milhões, sendo 1 milhão vendido como mercadoria com vista à prostituição ou trabalhos forçados. Dados do Departamento de Estado dos Estados Unidos da América sugere que 80 % são mulheres e meninas e 50 % são menores. Os dados sugerem igualmente que a maioria é vítima de tráfico para exploração sexual.

5.2.4

O tráfico gera lucros avultados para os traficantes: algumas estimativas referem cerca de 10 mil milhões de dólares (11) por ano. (iii: UNICEF).

5.3   Viagens Internacionais

5.3.1

Segundo a Organização Internacional de Turismo, na última década do século XX, o turismo internacional representava 30 % das indústrias de serviços globais. Estima ainda que as «chegadas» internacionais serão superiores a 1,55 mil milhões em 2020, dos quais 0,4 mil milhões implicarão viagens de longo curso através de zonas ecológicas.

5.3.2

Calcula-se que, anualmente, 14 milhões de pessoas viagem de países industrializados para os trópicos em África, Ásia, América Latina e Ilhas do Pacífico. Uma percentagem considerável regressa com uma doença que necessita de tratamento. A diarreia é a mais comum, mas a malária tornou-se um problema comum em termos de diagnóstico, tratamento e custos para os países para os quais os turistas regressam.

5.3.3

Desprotegidos, os turistas correm o risco de infecção com hepatite A, bem como de doenças sexualmente transmissíveis, como o VIH.

6.   O impacto da Migração na Saúde e na Saúde Pública

6.1   Política

6.1.1

Muitos países na UE têm políticas referentes ao direito de entrada, duração da estadia e data de saída. Em geral, estas políticas são mais restritivas do que permissivas e complicam a migração. Isto pode criar um ambiente económico e social prejudicial para a saúde dos migrantes.

6.1.2

A abordagem à saúde pública e à despistagem de doenças varia de país para país, assim como a abordagem ao acesso à saúde e à assistência social. Contudo, parece haver falta de informação geral sobre a comparação de práticas nacionais.

6.2   Dados

6.2.1

Poucos países da UE possuem dados sobre a saúde dos migrantes, o que dificulta o facultar de informação fiável sobre a experiência da saúde e as necessidades dos migrantes no domínio da saúde. Em muitos países, os sistemas de registos de saúde não identificam as pessoas pelo seu estatuto de migrantes.

6.2.2

Alguns países fazem a recolha destes dados, outros centram as suas atenções na região de origem ou grupo étnico. Pode não ser claro quem é migrante e quem é descendente de migrante. Em alguns casos as pessoas são referidas apenas com base na sua origem étnica e não é feita distinção, por exemplo, entre crianças migrantes e crianças filhas de migrantes.

6.2.3

Há também um número desconhecido de migrantes em situação irregular e, por conseguinte, não registado, que pode mostrar-se relutante a procurar cuidados de saúde quando necessário.

6.2.4

Os migrantes podem ainda ser relutantes em facultar informação sobre o seu estatuto de migração às autoridades dos serviços de saúde, no caso destas poderem ser utilizadas para seu prejuízo. Isto prova a falta de informação de qualidade disponível.

6.2.5

Esta relutância pode ter origem em motivos culturais e religiosos. Acresce que as autoridades e os prestadores de serviços de saúde não dispõem do conhecimento adequado e não estão preparados para responder às suas necessidades especiais. Por estes motivos, não há informação suficiente sobre migrantes e o seu estado de saúde.

6.3   Migração e bem-estar psico-social

6.3.1

Tanto para os migrantes legais como irregulares, desafios como a língua, a cultura e políticas são exacerbados pelo medo do desconhecido (v: Tizon 1983). Outras questões, tais como:

separação das famílias, dos cônjuges e dos filhos,

exploração pelos empregadores,

exploração sexual,

ansiedade e saudades,

não integração nas comunidades locais,

deficiência física ou mental,

afectam a saúde dos indivíduos e das comunidades.

6.4   Migração e Saúde Mental

6.4.1

Investigações (12) revelaram que alguns grupos de migrantes na Europa apresentam as mais elevadas taxas de esquizofrenia e suicídio, elevada incidência de abuso de drogas e álcool e elevado risco de depressão e ansiedade. A investigação sugere ainda que o acesso ao apoio à saúde e o apoio social a estes grupos não são adequados.

6.4.2

Alguns dos factores identificados como contributo para os problemas de saúde mental dos migrantes são: alterações na alimentação, família e apoio social; cultura, língua e clima; hostilidade, racismo e xenofobia das populações de acolhimento; refugiados de guerra com os horrores da tortura, da perda da família e do abuso sexual latentes.

6.4.3

A investigação sugere que dois terços dos refugiados são vítimas de ansiedade ou depressão e apresentam sintomas de stress pós-traumático, tais como pesadelos e ataques de pânico.

6.4.4

O acesso a tratamento e apoio a estas doenças é particularmente difícil para os requerentes de asilo e migrantes sem documentação, que são quem mais necessita destes serviços.

6.5   Migração e saúde física

6.5.1

Todas têm um «passado» de saúde, marcado pela sua origem e ambiente social em que vivem. Em geral, os migrantes económicos tendem a deslocar-se de países mais pobres para países mais ricos, razão pela qual parte destes migrantes terá um perfil de saúde relacionado com a pobreza.

6.6   Doenças transmissíveis

6.6.1

O apoio aos migrantes infectados com VIH ou tuberculose é variável e implica desafios em relação à cultura, a linguagem e a religião, assim como o estatuto legal e económico dos migrantes. Para as gerações mais jovens, mulheres e raparigas, o risco de contacto com o VIH/SIDA é superior.

6.6.2

Não há políticas consistentes de controlo médico e a forma como o controlo médico que precede a entrada no território é feito varia até a nível local. Inacreditavelmente, as respostas a nível de controlo médico local diferem consideravelmente. Em alguns serviços, a taxa de absentismo nas consultas de acompanhamento é superior a 50 % e os prestadores dos serviços justificam este facto com dificuldades de comunicação, medo da autoridade e falta de compreensão sobre os serviços disponíveis. O CESE tem conhecimento de que o Comissário Kyprianou solicitou ao Centro Europeu de Prevenção e Controlo de Doenças um plano de acção para a tuberculose. O Plano deverá ser publicado no Outono de 2007 e considerará a situação em vários Estados-Membros.

6.6.3

Entre 1995 e 2005, o número de casos de tuberculose aumentou consideravelmente na UE. O último relatório epidemiológico ECDC refere que «os casos de origem estrangeira» representavam 30 % do total dos casos registados nos 25 países (vi: The First European Communicable Disease Epidemological Report, European Centre for Disease Prevention and Control, 2007 (Primeiro Relatório Epidemiológico Europeu sobre Doenças Transmissíveis, Centro Europeu de Prevenção e Controlo de Doenças, 2007)). Há que reconhecer também que os migrantes estão muitas vezes em zonas com poucas condições de habitação, com lares e locais de trabalho sobrelotados com o risco latente de disseminação de infecções respiratórias. É igualmente provável que os migrantes estejam sobre representados entre os sem abrigo.

6.6.4

No que toca ao VIH, o Relatório da UE «SIDA e Mobilidade — Cuidados de Saúde e Apoios no âmbito do VIH/SIDA nos Migrantes e Comunidades de Minorias Étnicas na Europa» (vii: UE — Edição de Clark K & Broring G) apresenta relatórios dos países sobre:

políticas nacionais;

acesso a apoio médico e social;

serviços de cuidados e apoio.

6.6.5

O relatório sublinha o facto de a situação dos migrantes (número de pessoas, contexto étnico e epidemiologia) e as respostas da sociedade variarem muito em toda a Europa.

6.6.6

É possível que as pessoas oriundas de países com elevadas taxas de VIH tragam com elas a doença. De facto, entre 1997 e 2005, 47 % das infecções com VIH transmitidas entre heterossexuais na UE foram diagnosticadas em pessoas provenientes de países com uma elevada incidência de VIH.

6.6.7

Em contrapartida, os migrantes de países com baixa prevalência de VIH não parecem estar em grande risco (e podem estar em menor risco) do que os nacionais no país de origem.

6.7   Doenças não transmissíveis

6.7.1

Doenças prolongadas como a Doença das Artérias Coronárias (DAC), a Doença Pulmonar Obstrutiva Crónica (DPOC), o enfarte e a diabetes representam um grande desafio para os serviços de saúde em grande parte do mundo e é a elas que se deve cerca de metade do número anual de mortes.

6.7.2

A DAC é a principal causa de morte e tem um grande impacto em termos de tratamento, custos e impacto nos indivíduos, prestadores de cuidados e comunidades. Nas comunidades migrantes, a DAC pode estar relacionada com uma predisposição étnica, alimentação e stress. No Reino Unido, os homens asiáticos parecem ser mais propensos à DAC (viii: Baljaran & Raleigh, 1992; McKeigue & Sevak, 1994, BMJ 2003).

Tanto os homens como as mulheres de origem sul asiática têm taxas de DAC 30-40 % superiores (ex.: Balajaran, 1991).

6.7.3

Dados do Reino Unido sugerem que a incidência de enfarte nos migrantes das Caraíbas é duas vezes superior à da população «branca» (x: Stewart 1999). Na Suécia verificaram-se elevadas taxas de obesidade e DAC entre migrantes finlandeses, relacionadas com dieta e consumo de álcool (xi: Jarhult et.al 1992).

6.8   Doenças hereditárias

6.8.1

A migração de pessoas de várias partes do mundo pode significar igualmente movimento de doenças genéticas. A anemia falciforme e a talassemia tornaram-se mais evidentes na sequência da migração de África, das Caraíbas e do Mediterrâneo. A anemia falciforme é relativamente comum na UE e calcula-se que afecte todos anos 6 000 adultos e entre 75 a 300 bebés no Reino Unido. (xii: Karmi 1995). Também se verificou uma elevada incidência de anemia falciforme em migrantes em Portugal (xiii: Carrerio et al, 1996).

6.8.2

A talassemia é uma doença do sangue hereditária de origem mediterrânea detectada no reino Unido em minorias étnicas do Médio Oriente e de origem cipriota. Há provas de que poderá ser comum em pessoas do Paquistão, China e Bangladesh.

6.8.3

Estas doenças requerem o diagnóstico de um especialista e serviços de aconselhamento que nem sempre existem.

6.9   Doenças de trabalho

6.9.1

Os migrantes tendem a aceitar empregos pouco qualificados que se tornaram pouco atractivos para a população local. Alguns destes empregos, tais como nas minas, o trabalho com amianto, a indústria química ou a indústria transformadora pesada implicam riscos de saúde. No sector agrícola a exposição a pesticidas e outros químicos tem sido associada a uma elevada incidência de depressões, dores de cabeça e abortos espontâneos.

6.9.2

No caso dos migrantes altamente instruídos, qualificados ou incluídos na «fuga de cérebros», assim como dos migrantes circulares, o stress relacionado com o trabalho é frequente, uma vez que as suas condições de trabalho são piores do que as dos trabalhadores do país de acolhimento (direitos diferentes, etc.). Contudo, o seu estatuto de dependência económica não lhes permite escolher (13).

6.10   Acidentes

6.10.1

O número de acidentes de trabalho é aproximadamente duas vezes superior entre os trabalhadores migrantes na Europa. (xiv: Bollini & Siem, 1995). Na Alemanha, o número de acidentes tende a ser elevado entre os migrantes, em particular entre os que trabalham em indústrias com fracas medidas de saúde e segurança (xv: Huismann et al, 1997). Dados referentes a viagens sugerem que as crianças da faixa etária entre os 5 e 9 anos são mais vulneráveis a acidentes rodoviários e outras lesões(xvi: Korporal & Geiger, 1990). Nos Países Baixos, as crianças de origem turca e marroquina parecem correr um risco superior de acidentes domésticos, incluindo envenenamento e queimaduras, bem como acidentes rodoviários (xvii: de Jong & Wesenbeek, 1997).

6.11   Saúde reprodutiva

6.11.1

Em alguns grupos de migrantes, tais como homens separados das suas esposas, a incidência de doenças sexualmente transmissíveis é superior. Em muitos países da UE, a mortalidade relacionada com gravidezes é superior nas mulheres migrantes do que nas mulheres locais. As taxas de aborto tendem a ser superiores entre as mulheres migrantes. Em Barcelona, o número de pedidos de aborto voluntário é duas vezes superior entre as mulheres migrantes do que entre as mulheres espanholas. Um estudo do ICMH em Genebra revela que a taxa de aborto entre mulheres migrantes ilegais é três vezes superior à verificada entre mulheres nacionais da mesma idade. (xviii: Carballo et al, 2004).

6.11.2

No Reino Unido, os bebés de mães asiáticas tendem a ter menos peso à nascença do que outros grupos étnicos e o risco de mortalidade perinatal e pós-natal tende a ser superior. Entre os bebés de mulheres oriundas das Caraíbas, a taxa média de mortalidade pós-neonatal é igualmente superior. Na Bélgica e na Alemanha, verificaram-se elevadas taxas de mortalidade perinatal e infantil nas mulheres migrantes de Marrocos e da Turquia. As mulheres da África subsaariana e da América Central e do Sul sofrem de complicações durante o parto e têm filhos com baixo peso à nascença.

6.11.3

Os filhos de migrantes podem ter taxas inferiores de recurso a serviços preventivos, tais como a imunização.

6.12   Obstáculos ao acesso e utilização efectiva dos sistemas de saúde por parte dos migrantes

6.12.1

Os migrantes têm dificuldades legais, psicossociais e económicas no acesso aos cuidados de saúde. O obstáculo da linguagem é um problema óbvio, assim como os custos dos cuidados de saúde quando, para um migrante, até uma despesa muito reduzida constitui uma barreira significativa perante um salário baixo. Os migrantes irregulares e os requerentes de asilo que aguardam o processamento dos seus pedidos deparam-se com obstáculos legais aos cuidados de saúde em muitos países.

6.12.2

Acresce que os serviços de saúde pública muitas vezes não têm condições para enfrentar os problemas de saúde específicos dos migrantes e não têm a sensibilidade e as qualificações necessárias para prestar cuidados de saúde a pessoas que podem ter diferentes concepções de saúde e diferentes atitudes em relação à doença, à dor e à morte, bem como outras formas de manifestar os sintomas, lidar com a doença e exprimir as suas expectativas ao médico.

6.12.3

A complexidade do sector da saúde dos Estados-Membros, altamente desenvolvido e diferenciado, poderá complicar ainda mais esta situação.

6.12.4

A organização da prevenção de doenças e a promoção da saúde nas populações migrantes é muitas vezes desadequada. Isto verifica-se não apenas nos exames pré-natais mas também nos programas de vacinação e outros tipos de prevenção e diagnóstico precoce, incluindo o rastreio. Até à data, os programas de prevenção raramente recorriam a uma abordagem sensível à cultura para chegar aos vários grupos de migrantes.

6.12.5

Os preços elevados de alguns serviços de saúde e o custo dos medicamentos são um fardo pesado para a maioria dos migrantes. Estes elementos podem fazer com que o tratamento não seja procurado com a antecedência necessária, ou que o tratamento prescrito não seja seguido ou os medicamentos não sejam tomados. O resultado é o aumento incalculável do sofrimento humano de cada um, assim como dos custos a nível económico para a sociedade.

6.13   Profissionais de saúde

6.13.1

A tendência crescente de recrutamento activo de profissionais de saúde de países pobres por parte da UE e de outros países desenvolvidos representa um desafio cada vez maior. Se se mantiver, poderá tornar-se um obstáculo ao progresso no domínio da saúde nos países de origem (que são igualmente os países perdedores) e tornar a educação médica e de enfermagem menos sustentável nestes países. O êxodo de profissionais de saúde de países com poucos recursos representa uma perda significativa a nível de investimento na formação de profissionais de saúde (14). Há que encontrar novas soluções para responder a este problema, tais como o fundo de compensação especial para a formação e a reinstalação. O exemplo do Reino Unido, e da República da Irlanda, ao garantir que o Sistema nacional de Saúde respeita práticas de recrutamento ético, são amplamente reconhecidos como uma boa prática. Os Estados-Membros devem garantir que essas práticas são adoptadas e aplicadas às agências de recrutamento no domínio da saúde e aos serviços de saúde do sector privado, assim como a serviços públicos.

6.13.2

Os profissionais de saúde (sobretudo enfermeiros e médicos) desempenham um papel crucial na manutenção e melhoria dos cuidados de saúde dos migrantes. Os Estados-Membros devem garantir que os profissionais de saúde respondem às necessidades dos migrantes a nível de cuidados de saúde e que compreendem os factores culturais, religiosos e relacionados com o estilo de vida que influenciam os hábitos de saúde desses grupos específicos. Tal é necessário para garantir que os migrantes têm acesso a serviços de saúde adequados e sensíveis do ponto de vista cultural.

Bruxelas, 11 de Julho de 2007

O Presidente

do Comité Económico e Social Europeu

Dimitris DIMITRIADIS


(1)  Ver parecer do CESE de 31 de Maio de 2007 sobre «Desafios e oportunidades da UE no contexto da globalização» (parecer exploratório), relator Staffan Nilsson, JO C 175, 27.7.2007.

(2)  OIT. A Fair Globalization, 2004.

(3)  Ver o parecer do CESE de 20.04.2006 sobre a «Proposta de Decisão do Parlamento Europeu e do Conselho sobre o “Ano Europeu do Diálogo Intercultural (2008)”» — COM(2005) 467 final — 2005/0203 (COD), relatora Cser (JO C 185, 8.8.2006).

(4)  A Convenção Internacional para a protecção dos direitos dos trabalhadores migrantes e das suas famílias, adoptada em 1990, entrou em vigor em Julho de 2003. Esta convenção complementa a Convenção n.o 97 da OIT sobre Trabalhadores Migrantes e a Convenção n.o 143 da OIT sobre Trabalhadores Migrantes (disposições suplementares), 1975. O conjunto das referidas três convenções constitui um quadro para a questão dos direitos dos trabalhadores migrantes e da migração irregular. Insere-se num contexto político mais vasto, incluindo tratados das NU recentemente adoptados sobre tráfico, a passagem ilícita e a exploração, tais como: a Convenção da NU contra o Crime Transnacional Organizado (2000); o Protocolo das NU para Prevenir, Suprimir e Punir o tráfico de pessoas, especialmente mulheres e crianças (2000) e o Protocolo contra o tráfico de migrantes por terra, ar e mar (2000); o Protocolo opcional à Convenção sobre os direitos das crianças, sobre a venda de crianças, prostituição infantil e pornografia infantil (2000), bem como a anterior convenção de 1951 e o Protocolo de 1967 sobre o estatuto dos refugiados. Apesar de relativamente poucos países e, nos casos relevantes, organizações económicas regionais, terem ratificado estas convenções até à data (com excepção dos tratados sobre refugiados), os instrumentos referidossão elementos importantes para uma agenda mais abrangente.

(5)  Conselho da União Europeia, programa de dezoito meses das Presidências alemã, portuguesa e eslovena, Bruxelas, 21 de Dezembro de 2006.

(6)  Ver os seguintes pareceres do CESE:

13.09.2006 sobre «A imigração na UE e as políticas de integração: Colaboração entre os governos regionais e locais e as organizações da sociedade civil», relator: Pariza Castaños (JO C 318 23.12.2006).

15.12.2005 sobre a «Comunicação da Comissão ao Conselho e ao Parlamento Europeu Programa da Haia: dez prioridades para os próximos cinco anos — Parceria para a renovação europeia no domínio da liberdade, segurança e justiça» (COM(2005) 184 final — Relator: L. PARIZA CASTAÑOS) (JO C 65 17.3.2006).

20.04.2006 sobre a «Proposta de Decisão do Parlamento Europeu e do Conselho relativo às estatísticas comunitárias sobre migração e protecção internacional» — COM(2005) 375 final — 2005/0203 (COD), relatora Cser (JO C 185, 8.8.2006).

(7)  United Nations' Trends in Total Migrant Stock: The 2003 Revision.

(8)  US Census Bureau, IDB — Rank Countries by Population,

http://www.census.gov/ipc/www/idbrank.html.

(9)  Migration Information Source,

http://www.migrationinformation.org/Feature/display.cfm?id=336.

(10)  COM sobre migração circular, 16 de Maio de 2007.

(11)  The New Global Slave Trade, Ethan B. Kapstein, in Foreign Affairs, Novembro/Dezembro de 2006.

(12)  M.G. Carta, M Bernal, MC Harday and JM Abad: Migration and mental health in Europe 2005.

(13)  «Who Cares? Women Health Workers in the Global Labour Market», edited by Kim Van Eyck, PhD, 2005.

(14)  Kim Van Eyck ed., 2005. Who cares? UNISON UK: PSI.


ANEXO

ao parecer do Comité Económico e Social Europeu

As seguintes propostas de alteração obtiveram pelo menos um quarto dos votos expressos, mas foram rejeitadas durante o debate (nos termos do n.o 3 do artigo 54.o do Regimento):

Ponto 1.1.8

Elidir ponto:

«Os programas nacionais de saúde pública devem ser incluídos nos programas pedagógicos tendo em conta a especificidade das culturas minoritárias».

Votação

A favor: 44

Contra: 51

Abstenções: 11