27.10.2007   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 256/3


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a «Proposta de directiva do Parlamento Europeu e do Conselho relativa às medidas penais destinadas a assegurar o respeito pelos direitos de propriedade intelectual»

COM(2005) 276 final — 2005/0127 (COD)

(2007/C 256/02)

Em 21 de Setembro de 2005, o Conselho decidiu, nos termos do artigo 95.o do Tratado CE, consultar o Comité Económico e Social Europeu sobre a proposta supramencionada.

Foi incumbida da preparação dos correspondentes trabalhos a Secção Especializada de Mercado Único, Produção e Consumo, que emitiu parecer em 4 de Junho de 2007, sendo relator RETUREAU.

Na 437.a reunião plenária de 11 e 12 de Julho de 2007 (sessão de 12 de Julho), o Comité Económico e Social Europeu adoptou, por 76 votos a favor e 3 votos contra, o presente parecer:

1.   Conclusões

1.1

O Comité manter-se-á atento à aplicação da directiva de 2004 conjugada com a presente directiva alterada, bem como com as decisões-quadro complementares pertinentes, para verificar oportunamente a eficácia da luta contra a contrafacção e as suas ramificações internacionais, inclusivamente fora do território comunitário.

1.2

Concordando, em linhas gerais, com as disposições propostas, o Comité convida a Comissão a considerar as observações formuladas no presente parecer, o qual preconiza a concentração de diligências de repressão e de cooperação penal e aduaneira principalmente nas empresas de contrafacção maciça, bem assim nas contrafacções cometidas por organizações criminosas ou quando a infracção implicar um risco para a saúde ou para a segurança das pessoas.

1.3

O Comité apreciaria que a directiva abrangesse os direitos de propriedade industrial na sua íntegra e não excluísse as patentes de invenções, que são os domínios que mais interessam à indústria europeia.

1.4

O CESE salienta a imprecisão de determinados termos jurídicos, como os de «escala comercial» ou «natureza comercial» dos delitos, constantes da proposta de directiva em apreço, o que contradiz os princípios fundamentais do direito penal, segundo os quais o tipo penal deve ser objectivo e definido de forma clara e precisa. O CESE opõe se igualmente à forma de definição das penas previstas no artigo 2.o da proposta, por considerar que seria mais pertinente adoptar um quadro geral de sanções penais (limitado à recomendação de penas de prisão, de coimas ou de outras penas pecuniárias), devendo a determinação das penas concretas ser da competência das legislações nacionais.

2.   Introdução

2.1

No seu MEMO/05/437, de 25 de Novembro de 2005, a Comissão fez uma síntese da sua Comunicação dessa mesma data, regozijando-se com o acórdão do Tribunal de Justiça que reconhecia à Comunidade competências na adopção de medidas penais dissuasivas e proporcionais para garantir a aplicação das normas a que estão sujeitas as políticas comunitárias contidas no TCE.

2.2

Na sua comunicação, a Comissão expõe a sua interpretação do acórdão do Tribunal de Justiça que anulou a decisão-quadro relativa à protecção do ambiente pelo direito penal. O Tribunal considerava que apenas a Comissão tinha competência para adoptar medidas no âmbito do direito penal necessárias para assegurar a eficácia do direito penal. Na opinião da Comissão, o alcance deste acórdão transcende largamente o âmbito do ambiente e visa todas as políticas comunitárias e as liberdades fundamentais reconhecidas pelo Tratado. A inserção de sanções penais no direito comunitário deve ser motivada por uma necessidade devidamente justificada e respeitar a coerência geral da arquitectura do direito penal da União.

2.3

Esta interpretação extensiva de uma sentença que diz respeito ao ambiente não contou com a adesão unânime dos Estados-Membros nem da doutrina. Muitos deles consideram que as incriminações e a escala das sanções penais respectivas relevam essencialmente da subsidiariedade e que a sua harmonização eventual ao nível comunitário releva da cooperação judiciária interestatal prevista no TUE.

2.4

Convém assinalar que esta interpretação é partilhada amplamente pelo Parlamento Europeu, uma vez que os âmbitos que relevam de uma competência penal comunitária já não têm unicamente por base a unanimidade dos Estados-Membros no Conselho, mas a maioria qualificada num processo de co-decisão que também envolve o Parlamento, cujas competências de co-legislador são assim alargadas (1).

2.5

Trata-se, contudo, de uma dilatação considerável das competências comunitárias decorrente de uma decisão do tribunal, podendo o risco de divergências de interpretação entre as instituições retardar, designadamente, a adopção de legislação comportando disposições penais ou restringir a posteriori a sua amplitude, por exemplo, em consequência de novos recursos judiciais ou de compromissos. No caso concreto desta proposta de directiva, continua em aberto a questão de incluir ou não as patentes de invenções no âmbito da protecção penal, visto o Parlamento considerar que o acórdão do Tribunal apenas diz respeito ao direito de origem comunitária, enquanto a Comissão defende a necessidade de visar a legislação em matéria de propriedade intelectual no seu conjunto, seja ela comunitária ou nacional.

3.   Propostas da Comissão

3.1

A proposta de directiva alterada (COM(2006) 168 final) visa a criação de um quadro penal horizontal e harmonizado para assegurar o respeito dos direitos de propriedade industrial, de propriedade literária e artística e outros direitos imateriais equiparados (agrupados sob a designação de «propriedade intelectual»). A proposta diz respeito ao mercado interno e é motivada pela necessidade afirmada de uma intervenção europeia neste domínio, observando os princípios de subsidiariedade e de proporcionalidade. A base jurídica é o artigo 95.o do TCE.

3.2

A proposta estabelece um quadro penal geral que define os «direitos de propriedade intelectual» (DPI) protegidos, as infracções a esses direitos e as sanções penais mínimas a aplicar, no mercado interno, com um intuito de harmonização da repressão penal da contrafacção de bens materiais, serviços e criações intelectuais e artísticas protegidos pelo direito substantivo europeu e pelos direitos nacionais, bem como pelas convenções internacionais pertinentes, designadamente o Acordo TRIPS (2), celebrado em 1994 na OMC, que contém disposições relativas à sanção penal (3) das violações de determinados direitos protegidos.

3.3

Uma directiva de 2004 fixa já um quadro de protecção contra a cópia, a pirataria e a contrafacção (4) para fins comerciais, fornecendo uma declaração da Comissão (5) uma lista detalhada dos direitos protegidos pelo artigo 2.o desta directiva. Trata-se da propriedade industrial (patentes de invenções e certificados complementares, certificados de utilidade, marcas, denominações de origem, desenhos e modelos, bem como variedades vegetais), do direito de autor e direitos conexos, bem como direitos sui generis criados pelo direito comunitário sobre as topografias de circuitos electrónicos e bases de dados. São direitos exclusivos considerados juridicamente como fazendo parte de um direito de propriedade imaterial. Uma parte destes direitos está incluída no acervo comunitário, tendo mesmo protecção material comunitária organizada (desenhos e modelos, marcas e variedades vegetais) (6). Outros, como as patentes, relevam exclusivamente do direito nacional, na expectativa da patente comunitária reivindicada por todos os sectores industriais. A designação consagrada de propriedade intelectual abarca um domínio muito heterogéneo de direitos imateriais, cuja natureza e regime jurídico diferem consideravelmente.

3.4

Os países membros estão sujeitos às obrigações do Acordo TRIPS, que exige a criação de legislação nacional adequada em matéria de acções judiciais e de sanções penais a aplicar à contrafacção para fins comerciais. Todavia, é-lhes dada uma certa latitude de interpretação, além de que alguns Estados ainda não estabeleceram repressão penal proporcional às violações dos DPI cometidas no seu território, inclusivamente entre os membros da UE. A directiva de 2004 permite o ressarcimento dos lesados, impondo aos países membros obrigações em matéria de investigação, procedimento, apreensão (7), muito activa em matéria de contrafacção e indemnização com o objectivo de harmonização do direito aplicável e de luta contra a criminalidade organizada (8). Todavia, esta directiva diz respeito apenas ao procedimento e às sanções em matéria civil, comercial e administrativa, visando principalmente a reparação de danos causados aos titulares de direitos protegidos que tenham instaurado uma acção por contrafacção, havendo países que nem sequer a transpuseram ainda!

3.5

A protecção da «propriedade intelectual» está consignada na Declaração Universal dos Direitos do Homem e na Carta dos Direitos Fundamentais da UE, declaração solene adoptada em Nice em Dezembro de 2000. Está igualmente prevista a protecção internacional através de convenções celebradas no âmbito dos organismos especializados da ONU competentes (OMPI, UNESCO) ou num âmbito regional (Convenção de Munique, de 1973, que cria a OEP e a patente europeia). Por ora, o Acordo TRIPS é o único que contém disposições penais mínimas. A proposta da Comissão preconiza uma certa harmonização comunitária, obrigando os Estados-Membros a introduzirem sanções penais no seu direito interno, com a definição de infracções e sanções-tipo comuns.

3.6

A proposta de directiva alterada visa, portanto, a aproximação do nível das penas por infracção aos DPI, nomeadamente penas de prisão, multas de natureza penal e perda. Pretende fixar regras de competência judiciária para, se possível, centralizar as acções num único Estado-Membro, quando a infracção disser respeito a vários países membros, e facilitar a investigação. Propõe-se que as vítimas ou os seus representantes sejam associados à investigação.

3.7

A principal revisão, relativamente às propostas anteriores, consiste em fixar o nível e natureza das sanções penais aplicáveis às incriminações de violações da propriedade intelectual, definidas igualmente no projecto.

3.8

As pessoas singulares culpadas de infracções previstas no artigo 3.o da directiva devem ser punidas com uma pena máxima de, pelo menos, 4 anos de prisão, quando tiverem agido no âmbito de uma organização criminosa, ou quando a infracção implicar um risco para a saúde ou para a segurança das pessoas (n.o 1 do artigo 2.o).

3.9

As pessoas singulares ou colectivas culpadas de infracções previstas no artigo 3.o da directiva serão passíveis de sanções eficazes, proporcionais e dissuasivas, que incluem multas de natureza penal ou não penal de um máximo de, pelo menos, 100 000 euros (300 000 euros para os casos graves mencionados no n.o 1, sem prejuízo de penas mais graves, nomeadamente em caso de risco de morte ou enfermidade).

3.10

O direito nacional deveria prever a perda dos produtos contrafeitos, dos bens e dos instrumentos relacionados com o crime, pelo menos nos casos graves (criminalidade organizada, risco para a saúde e para a segurança das pessoas) (artigo 3.o).

3.11

A proposta alterada permite aos Estados-Membros ultrapassar os níveis estabelecidos.

3.12

Na sequência da retirada do projecto de decisão-quadro do Conselho que acompanhava o projecto inicial, a Comissão encara a possibilidade de aplicar uma abordagem horizontal no âmbito dos procedimentos penais, adoptada em 23.12.2005, para apoiar o auxílio judicial mútuo e reconduzir a escala das penas a níveis comparáveis entre os vários países, a fim de ser possível solicitar a assistência da Eurojust (9).

3.13

A iniciativa da investigação e da acção penal compete aos Estados-Membros, não devendo depender apenas da apresentação de queixa pelas vítimas.

4.   Observações na generalidade

4.1

O Comité constata a utilização cada vez mais generalizada de um conceito impreciso, o conceito de «propriedade intelectual», que amalgama conceitos jurídicos distintos e vários modos de protecção e utilização, mas o facto é que este termo foi consagrado pelo direito europeu e internacional. A natureza, a duração e o alcance de cada um dos direitos imateriais em questão diferem substancialmente, relevando de um regime jurídico próprio, de uma validade territorial variável e de instâncias específicas de registo ou de protecção, podendo, além disso, a interpretação das infracções a estes direitos divergir consoante o país e evoluir rapidamente em certos casos.

4.2

As análises da composição de medicamentos (sem exploração nem publicação dos resultados) ou a engenharia inversa de programas ou de componentes electrónicas para fins de interoperabilidade ou ainda o exercício de um direito legítimo como o direito à cópia privada, contornando um dispositivo (geralmente bastante débil) de protecção, podem ser qualificados de contrafacção ou de cópia ilegal em vários Estados-Membros, onde aliás as penas podem ser muito elevadas, mesmo na ausência de intenção comercial ou associação criminosa.

4.2.1

O Comité já se pronunciou a favor da luta coordenada a nível comunitário contra as diversas formas de contrafacção comercial que afectam a economia europeia e a favor da repressão dos vários delitos contra a propriedade industrial e os direitos de autor (10), que causam importantes prejuízos à economia europeia; a contrafacção maciça também pode ser obra de organizações criminosas ou de grupos organizados, e pode afectar a saúde, a segurança ou a vida das pessoas: nestes últimos casos, deve ser encarada como circunstância agravante para a determinação das sanções penais. O projecto de directiva deveria considerar o princípio de agravamento das penas para todas as circunstâncias agravantes.

4.2.2

Tal como para a directiva de 2004, o Comité aprova o facto de a harmonização prevista visar apenas as infracções cometidas à escala comercial e, por conseguinte, susceptíveis de afectar o mercado único; seria ainda útil definir melhor esse carácter «comercial» precisando, por exemplo, que os produtos ou serviços de contrafacção se destinam à venda maciça, causando consideráveis prejuízos económicos, ou que são perigosos para as pessoas, independentemente da quantidade vendida ou ainda que em qualquer dos casos os autores dos delitos têm como móbil a obtenção de lucros ilícitos. A aplicação de sanções penais pressupõe a violação manifesta da ordem pública, violação essa que pode variar de intensidade e de gravidade. A escala dos delitos e das penas deve ser em proporção da violação, embora nos possamos interrogar sobre se a distinção entre «violações à escala comercial de um direito de propriedade intelectual» e «violações graves», e se o rigor das penas propostas respondem correctamente ao princípio da proporcionalidade inerente ao direito penal. Por outro lado, as trocas privadas de ficheiros efectuadas pela Internet, a reprodução (ou «remix» musical), a exibição de obras, materiais ou intelectuais, em ambiente familiar ou privado, ou para fins de estudos e experimentais, estão implicitamente excluídas do âmbito de aplicação da legislação proposta; seria conveniente explicitar essa exclusão.

4.2.3

O Comité recorda que os direitos imateriais afectados pela contrafacção não são direitos absolutos; cada direito afectado tem a sua especificidade concedendo, em princípio, exclusividade e um monopólio temporário de exploração cuja duração e extensão geográfica de validade variam, isto é, instaura uma medida proteccionista limitada no tempo (em contrapartida da publicação das invenções em matéria de patentes, devido à criação de uma obra protegida por direitos de autor). Mas os titulares de licenças e os utilizadores legítimos ou de boa-fé de produtos e serviços, ou de obras intelectuais, também têm direitos por vezes muito amplos no âmbito de determinadas licenças (11). Ora, vários direitos nacionais contêm incoerências, privilegiando muitas vezes unilateralmente os direitos dos produtores, dos distribuidores e das indústrias em detrimento dos direitos dos consumidores. A vontade de introduzir em numerosos países sanções penais pesadas no direito nacional também parece ir nesse sentido. Chega-se ao paradoxo de a pena máxima por violação do foro comercial prevista na proposta de directiva revelar-se até tão ou menos pesada que a aplicável a uma violação individual!

4.2.4

Comité apreciaria, por iniciativa da Comissão, por exemplo através de um estudo comparativo aprofundado das legislações nacionais após a transposição, um autêntico nivelamento do direito penal nacional pelo direito penal comunitário com vista a uma efectiva harmonização europeia, em particular no âmbito do direito de autor e dos direitos conexos que são por vezes objecto do excesso de sanções penais desproporcionadas, sem que isso seja realmente necessário, já que os modelos comerciais de difusão das obras estão em plena evolução e, em breve, serão suprimidos os dispositivos de protecção contra a cópia ilegal conhecidos como «GDD». Em certos casos, a tributação dos suportes compensa largamente os titulares de direitos contra cópias não autorizadas.

4.3   Observações na especialidade

4.3.1

O Comité solicita que a natureza do delito «de incitamento» à contrafacção de bens ou serviços da propriedade intelectual seja definida de forma mais clara. Numa infracção penal há a intenção de o seu autor, ou os seus cúmplices, a cometerem: o acordo TRIPS evoca «um acto deliberado de contrafacção» e a directiva fala de acto intencional, deliberado. Na infracção existe também um elemento material, que é a execução do delito, ou pelo menos a tentativa de o executar, equiparável a um começo de execução: os dois elementos são cumulativos, e a mera intenção não é suficiente para constituir a infracção (a não ser que se crie uma polícia do pensamento). Todavia, em geral, não se pode considerar incitamento à comissão de um delito se o «instigador» não fornecer instrumentos (geralmente ilícitos) para esse fim específico. O Comité também considera que o mero fornecimento de materiais ou programas informáticos de uso corrente, ou de acesso à Internet não pode ser equiparado a cumplicidade ou delito de «incitamento» (que, geralmente, só ocorre em situações muito limitadas em direito penal, sendo, aliás, difícil de provar), se esses meios forem utilizados pelos contrafactores. A noção de cumplicidade deveria ser suficiente na legislação comunitária e a questão da co-autoria ser regulada em detalhe pelas legislações nacionais. Doutro modo, incriminações na ausência de elementos intencionais poderiam provocar grande insegurança jurídica em vários fornecedores de material ou de serviços.

4.3.2

A reprodução ilícita de obras, modelos, processos ou invenções protegidas por um monopólio temporário constitui o delito de contrafacção; seria conveniente quedarmo-nos por esta definição, sem a alargar ao conceito de pirataria (que consiste geralmente em intrusão fraudulenta em sistemas informáticos para os controlar e lhes extrair os dados ou utilizar a banda passante, geralmente para fins ilícitos). A pirataria é diferente da contrafacção propriamente dita, e os delitos penais devem continuar a ter uma interpretação estrita. É claro que a intrusão, sem autorização, em sistemas informáticos, o roubo de dados ou de banda passante e a violação da privacidade devem estar sujeitos a incriminação penal adequada, mas não fazem parte directamente da contrafacção. A repressão da pirataria informática deveria ser tratada de um modo específico, mesmo que os conceitos sejam usados ambiguamente em várias declarações políticas que tendem a misturá-los e a causar uma certa confusão. Sendo a pirataria informática utilizada no âmbito de empreendimentos terroristas, deveria ser alvo de uma atenção muito especial e de uma cooperação internacional adequada.

4.3.3

O termo «organização criminosa» ou criminalidade organizada que consta da exposição de motivos deveria ser completado pelo termo «grupo organizado», que já existe como agravante em algumas legislações penais. Cometer contrafacção comercial em grupo organizado, ou no âmbito de uma organização criminosa, deveria constituir uma circunstância agravante, justificando o agravamento das penas e das multas.

4.3.4

A Comissão indica que os Estados-Membros podem fixar penas mais graves ou sancionar outros actos. Isso pode ser interpretado como um incentivo à penalização de actos sem finalidade comercial, e até a tornar o delito de contrafacção extensivo a actos que não constituem reprodução ou cópia propriamente ditas de um produto, de um processo ou de uma obra.

4.3.5

O Comité tem reservas quanto à assimilação pelo direito comunitário e em certos países de programas de cópia susceptíveis de contornar ou anular os GDD (12) (dispositivos anti-cópia, materiais ou programas, amiúde fracos e não codificados) à contrafacção de dispositivos GDD, quando o que é classificado de «contrafacção» não é uma cópia ou uma reprodução do dispositivo original. Além disso, os chamados dispositivos de GDD não são uniformes; dependem de uma plataforma ou de um fornecedor, os formatos dos ficheiros podem ser proprietários, o que dificulta a interoperabilidade ou visa constituir mercados cativos afastando a concorrência. A criação e a utilização de meios de cópia para permitir ao consumidor ou à empresa titular de uma licença de programas exercer os seus direitos (cópia privada, de salvaguarda, para utilizar em diversos materiais standard) não deveriam ser penalizadas enquanto tal, mas só se houver o elemento moral e o elemento material de um delito à escala comercial.

4.3.6

O Comité apoia o princípio da independência da acção penal em relação a qualquer queixa apresentada pela vítima em instâncias civis ou penais. Com efeito, num contexto mafioso, as vítimas poderiam hesitar em instaurar uma acção para proteger os seus direitos. Além disso, a contrafacção comercial, especialmente por bandos ou organizações que são parte da criminalidade organizada ou ainda por terroristas, afecta as economias e o bem-estar social, sendo a sua repressão da responsabilidade do Estado.

4.3.7

Espera que uma cooperação eficaz entre os Estados-Membros permita combater eficazmente as redes internacionais de contrafacção, especialmente as que têm ligações a organizações criminosas e actividades de branqueamento de capitais, recordando que várias destas redes operam a partir de países terceiros e que é indispensável uma acção que se estenda para além das fronteiras da União, com os meios oferecidos pelo direito internacional.

4.3.8

Ao nível comunitário, o Comité considera que as equipas conjuntas de investigação policial também deveriam cooperar com as equipas aduaneiras, bem assim com as vítimas da contrafacção ou com os respectivos peritos mandatados. Regozija-se com a integração das vítimas nos procedimentos de investigação, propondo embora que o seu papel se limite a informar as autoridades públicas. Seria excessivo que, após uma acusação de contrafacção à escala comercial, uma empresa pudesse, por exemplo, participar em controlos e apreensões num concorrente, considerado inocente até prova judiciária e definitiva em contrário por decisão transitada em julgado. O Comité faz questão de evitar derivas de justiça privada, ingerência ou intromissão abusiva de pessoas não dotadas de autoridade pública em processos penais.

4.3.9

Por último, o Comité está preocupado com a tendência para a invasão comercial crescente das redes da Internet e para os pedidos de ampliar a este sector de actividade as sanções penais previstas no TRIPS, conforme ficou bem evidente no relatório de 2006 do Ministério do Comércio dos EUA sobre os capítulos 301 e super 301 (13), em aplicação das convenções da OMPI (Organização Mundial da Propriedade Intelectual) sobre a propriedade intelectual na Internet, instrumento este livre do domínio público e bem comum universal.

Bruxelas, 12 de Julho de 2007

O Presidente

do Comité Económico e Social Europeu

Dimitris DIMITRIADIS


(1)  Os protocolos «opt in» para o Reino Unido e a Irlanda e a excepção no caso da Dinamarca deixariam de opor-se à legislação, como acontece com as iniciativas que relevam do terceiro pilar.

(2)  Acordo sobre os aspectos dos direitos de propriedade intelectual relacionados com o comércio.

(3)  Artigo 61.o do Acordo TRIPS.

(4)  Directiva 2004/48/CE relativa ao respeito dos direitos de propriedade intelectual.

(5)  Declaração 2005/295/CE da Comissão no que se refere ao artigo 2.o da supracitada directiva.

(6)  Com a honrosa excepção da patente comunitária, que continua no limbo (a.n.c.).

(7)  Decisão-Quadro 2005/212/JAI do Conselho relativa à perda de produtos, instrumentos e bens relacionados com o crime (contrafacção, pirataria) in JO L 68 de 15.3.2005.

(8)  Projecto de decisão-quadro do Conselho relativa à luta contra a criminalidade organizada. A contrafacção pode estar igualmente envolvida no financiamento de redes terroristas e o branqueamento dos rendimentos da contrafacção são também actos de natureza criminosa a combater com vigor.

(9)  COM(2005) 696 final.

(10)  Ver o parecer Malosse (JO C 221 de 7.8.2001).

(11)  Licença «Creative Commons», «General Public Licence», «BSD», licença audivisual livre da BBC, etc.

(12)  Digital Rights Management (gestão dos direitos digitais, eufemismo para «protecção contra a cópia»).

(13)  2006 SPECIAL 301 REPORT USA.