27.7.2007   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 175/21


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre «Normas de qualidade a respeitar, da perspectiva dos parceiros sociais e outros actores da sociedade civil quanto ao conteúdo, procedimentos e métodos dos estudos de impacto social»

(2007/C 175/06)

Num ofício de 19 de Setembro de 2006, Wilhelm SCHÖNFELDER, Embaixador Extraordinário e Plenipotenciário, representante permanente da República da Alemanha junto da UE, solicitou ao Comité Económico e Social Europeu, em nome da presidência alemã do Conselho, um parecer sobre a proposta supramencionada.

Incumbida da preparação dos correspondentes trabalhos, a Secção Especializada de Mercado Único, Produção e Consumo, emitiu parecer em 3 de Maio de 2007, sendo relator D. RETUREAU.

Na 436.a reunião plenária de 30 e 31 de Maio de 2007 (sessão de 31 de Maio), o Comité Económico e Social Europeu adoptou, por 102 votos a favor, 3 votos contra e 5 abstenções, o seguinte parecer.

1.   Preâmbulo

O pedido da presidência alemã de um parecer exploratório sobre «Normas de qualidade a respeitar, da perspectiva dos parceiros sociais e outros actores da sociedade civil, quanto ao conteúdo, procedimentos e métodos dos estudo de impacto social» ilustra a vontade do governo alemão de conceder maior atenção à qualidade da regulamentação (better regulation) em cooperação com as presidências portuguesa e eslovena, e na sequência da Declaração das Seis Presidências de 2004. Assim, «o recurso consequente a estudos de impacto (1) para os novos projectos será um elemento central do plano de acção alemão, em vista (…) de ter em conta o impacto social (…) no processo legislativo» (2). «Pode-se definir o estudo de impacto simplesmente como um método de identificação dos efeitos prováveis ou efectivos de uma intervenção. Tem por objectivo melhorar a base de provas para a tomada de decisões, e melhorar, assim, a qualidade da tomada de decisões» (3).

2.   Observações gerais

A conferência da Comissão Europeia sobre a prossecução dos estudos de impacto na União Europeia, realizada em 20 de Março de 2006 em Bruxelas, revelou que há um amplo consenso para afirmar que o sistema de estudos de impacto da Comissão Europeia assenta em bases sólidas e que os estudos deverão determinar as incidências económicas, sociais e ambientais (4). Os estudos de impacto foram introduzidos em primeiro lugar no contexto da melhoria a montante do quadro regulador da União Europeia. Ter em conta a dimensão social ou os impactos da legislação comunitária significa respeitar a Agenda Social. Os cidadãos europeus esperam uma Europa social — ou um mercado único compatível com a dimensão social — e manifestam de diversas maneiras o desejo de se associarem ao processo de aproximar a Europa dos cidadãos.

2.1   Iniciativa da Comissão Europeia sobre os estudos de impacto — breve retrospectiva

A iniciativa da Comissão Europeia de 2003 relativa à realização de um processo de estudo de impacto para todas as principais propostas, por exemplo, as constantes da Estratégia Política Anual ou do programa de trabalho da Comissão, baseia-se no facto de que estas propostas podem ser objecto de um estudo de impacto «desde que tenham incidências económicas, sociais e/ou ambientais potenciais e/ou exijam medidas reguladoras para a sua implementação» (5). Esta iniciativa foi lançada com o objectivo de integrar gradualmente os estudos de impacto no processo legislativo a partir de 2005 (6).

Desde 2003, muito se tem dito sobre os estudos de impacto, na generalidade, mas pouco se tem dito dos aspectos sociais destes estudos, em particular.

2.2   Aspectos sociais dos estudos de impacto — breve síntese do trabalho da Comissão Europeia

2.2.1

Como é lógico, a DG Educação e Cultura e a DG Emprego, Assuntos Sociais e Igualdade de Oportunidades incluem aspectos sociais nos seus estudos de impacto. Por outro lado, o «princípio da análise proporcionada»  (7) induz diferenças no grau de integração de aspectos sociais noutros domínios. Levanta se a questão de saber se os aspectos sociais (inclusive questões relacionadas com a Agenda Social da UE) devem ser considerados como um critério maior (bottom line), por exemplo, igualmente no respeitante a propostas não relacionadas com questões sociais, ou com repercussões sociais provavelmente limitadas. Num aspecto empírico, o estudo do Instituto per la ricerca sociale (ver nota de rodapé da página 4) revela que «os estudos de impacto que não têm em conta os aspectos sociais relacionam-se principalmente com o sector económico. Neste domínio, um terço dos estudos de impacto não abrangem aspectos sociais, ou apenas fazem de modo superficial» (8).

2.2.2

Obviamente, «quando a relevância social da medida é evidente (…), os aspectos são tidos em conta e bem desenvolvidos no documento do estudo de impacto» (9). «A questão do emprego surge de modo claro como a consequência social mais frequente e mais destacada» (10).

2.2.3

Segundo o Instituto per la ricerca sociale, «o grau de consideração dos aspectos sociais nem sempre é “proporcional” (…) ao conteúdo político e à sua eventual incidência. Muitas vezes, estes impactos são referidos apenas de modo geral (…) e baseiam-se em hipóteses comuns (…). Tais relações são raramente debatidas quando se tem em conta o conteúdo específico da medida, a população-alvo e as áreas territoriais em questão, a selecção específica dos instrumentos de política e o efeito do processo de aplicação» (11). O estudo deste instituto revela igualmente que «vários estudos de impacto não previram qualquer correlação com outros domínios de acção ou políticas comunitárias». Os estudos de impacto representam um encargo considerável, mas não devem ter lacunas nem ser superficiais, com risco de as suas carências porem em causa o valor da legislação.

2.3   Papel dos actores interessados nos estudos de impacto

2.3.1

O estudo de impacto de uma proposta legislativa não se reduz a «marcar com uma cruzinha». Também necessita de controlo — preferivelmente por, ou em estreita cooperação com os utilizadores da lei, em particular os mais interessados. Dado que a dimensão social é um dos três critérios da avaliação das políticas comunitárias, há necessidade de estabelecer um procedimento padrão — transparente e simples — para a recolha de dados específicos no contexto dos estudos de impacto. Citemos:

Consulta via Internet: uma consulta em linha em larga escala não se adequa a projectos jurídicos específicos com impactos sociais. A consulta em linha deve limitar-se aos actores directamente implicados. Uma consulta específica requer redes temáticas (comunidades temáticas de estudos de impacto em linha?) e um mínimo de estrutura e coordenação — e acompanhamento;

Consulta via fóruns de partes interessadas: devido a prazos restritos, esta opção poderia não oferecer o nível necessário de precisão;

Consulta de plataformas consultivas oficiais: esta opção levanta a questão de envolver órgãos como o Comité Económico e Social Europeu no processo social de estudos de impacto (o mesmo se pode dizer dos estudos de impacto no domínio do desenvolvimento sustentável). Por definição, estes órgãos foram criados no intuito de manter o pluralismo de interesses e a correlação entre políticas;

Consulta específica das partes interessadas: opção exigida por um número de organizações da sociedade civil.

3.   Considerações de base em matéria de metodologia

3.1

Convém levantar uma série de questões a fim de determinar a metodologia a recomendar:

Qual é a situação actual, ou seja, qual o sucesso da Comissão Europeia em termos de inclusão de aspectos sociais nos seus estudos de impacto?

Um estudo de impacto social de uma proposta é extensível a todas as propostas legislativas, ou cada proposta requer um estudo eventual?

Qual é o papel das partes interessadas? Como podem ser optimamente associadas ao processo?

Que papel poderia ter o Comité Económico e Social Europeu como assembleia de representantes da sociedade civil organizada e como centro estratégico idealmente situado para efeitos de contactos e de redes?

Até que ponto a Comissão Europeia teve em conta os contributos dos parceiros sociais e das principais ONG nos estudos de impacto social das suas propostas? Como podem ser optimamente associadas?

É de prever um código de conduta mais preciso do que o actual ou regras éticas aplicáveis a tais estudos de impacto social?

Que modalidades para a elaboração dos estudos de impacto sociais (internamente ou por via externa, através de concursos públicos, e, neste caso, com base em que critérios)?

4.   Considerações internas

4.1

Dada a complexidade e a importância do estudo das consequências sociais das propostas legislativas, todos os actores envolvidos, por exemplo, parceiros sociais bem como representantes de organizações da sociedade civil, deveriam fazer uma reflexão sobre as seguintes questões de metodologia:

Que forma e alcance devem ter tais estudos?

O estudo abrange um vasto leque de questões (por exemplo, «Legislar melhor», Livro Verde relativo à resolução dos conflitos de leis em matéria de regime matrimonial, incluindo a questão da competência judiciária e do reconhecimento mútuo) ou há que focar a atenção em temas com um conteúdo social claro (por exemplo, serviços portuários, segurança marítima, Livro Verde sobre «Modernizar o direito do trabalho»)?

Que implicações em termos de trabalho preparatório e de elaboração?

Atenta a necessidade de uma abordagem «científica» (o título refere «normas de qualidade»), há que determinar normas implícitas baseadas em casos e experiências práticos, ou estas normas devem ser desenvolvidas em primeiro lugar?

4.2

Uma audição pública no Comité ofereceria às ONG sociais, aos parceiros sociais e a outros actores da sociedade civil organizada a oportunidade de manifestarem os seus pontos de vista, de debaterem o projecto de parecer, e, assim, transmitir mensagens claras às instituições europeias, em geral, e à Comissão Europeia, em particular.

4.3

Em última análise, e dado que os estudos de impacto social são um elemento de importância crucial no processo de decisão comunitário, o Comité deveria apresentar propostas sobre progressos e melhor integração das organizações da sociedade civil neste processo.

5.   Indicadores sociais: considerações gerais e problemas de metodologia

5.1

Há vários sistemas de indicadores sociais nos escalões nacional e internacional, mas convém verificar se são válidos e adequados para as necessidades específicas dos estudos de impacto.

5.2

Estes indicadores começaram a ser desenvolvidos há trinta anos em vários países para avaliar a oportunidade e as consequências de políticas económicas em termos diferentes dos simples dados quantitativos, para «orientar» o desenvolvimento social a par do desenvolvimento económico e obter meios de avaliação do bem-estar social e da sua evolução.

5.3

Do que resultou um importante desenvolvimento das estatísticas sociais, em primeiro lugar, no respeitante às principais funções colectivas: educação, saúde, protecção social, ambiente, habitação, transportes, investigação, desemprego… Mas não decorrem de modo automático dos indicadores sociais, se esses dados não forem organizados, sintetizados e interpretados.

5.4

«Um indicador é uma simples estatística a que tem particular importância para o conhecimento, a avaliação e/ou a acção» (12). Na perspectiva das análises de impacto, não se trata apenas de recolher estatísticas sociais por país, de diversas fontes, mas de organizar estes dados para avaliar a situação sobre temas seleccionados, conforme a sua importância, para a análise de impacto.

5.5

Pode acontecer que em dados domínios haja apenas estudos parciais, inquéritos dispersos, de forma que não se pode efectuar uma análise custo/benefício; sabe-se, por exemplo, que certas categorias de pesticidas têm efeitos nefastos para a saúde, e que a sua acumulação provoca doenças graves além de um certo limiar. Uma decisão de redução da utilização dos pesticidas químicos terá um efeito positivo para a saúde da população e dos trabalhadores que os utilizam, sem que se possa, no âmbito de um estudo de impacto proporcionado, propor valores exactos sobre os benefícios a longo prazo desta política.

5.6

É todavia claro que a dimensão social «saúde» justifica a medida proposta e reforça de modo substancial o raciocínio económico (como a redução dos custos de produção para a agricultura e o aumento da competitividade que daí advém). Por outro lado, a proposta pode evocar o direito fundamental a um ambiente são.

5.7

Na prática, dispõe-se todavia de uma considerável quantidade de estatísticas sociais, que são diversificadas em função das actualidades mutáveis dos debates políticos nos diferentes países (por exemplo, condições de trabalho, emprego dos jovens e dos idosos, emprego das mulheres, criminalidade, desigualdades de rendimentos, discriminação no emprego, deslocalizações); mas poucos indicadores sociais foram recolhidos da massa das estatísticas até recentemente, quando felizmente, adquirem actualidade no novo contexto socioeconómico desta última década, que revaloriza o papel dos estados na política social e da regulação no sector económico.

5.8

Mas estes indicadores sociais nem sempre são suficientemente úteis, se forem autónomos, e adquirem mais significado se integram um conceito mais vasto, o do desenvolvimento social e económico, ou do desenvolvimento sustentável; as suas fontes diversificaram-se; não provêm apenas da administração central do Estado, mas também de ONG, de «clubes» de reflexão (grupos de reflexão de grandes fundações); A apresentação destes indicadores também se diversificou, indo da selecção de estatísticas até inquéritos temáticos, passando por exercícios de agregação de dados a fim de formar indicadores compostos temáticos ou gerais.

5.9

Alguns organismos internacionais publicam indicadores e estatísticas sociais, e fazem comparações entre os seus países membros. Os principais órgãos fidedignos e significativos para os países da UE são (não por ordem): OCDE, PNUD, a Comissão Europeia — em particular Eurostat —, UNESCO, Banco Mundial, OIT.

5.10

Esta diversidade de fontes levanta problemas quanto à qualidade das estatísticas — nem todos os países têm serviços de estatísticas sofisticados —, à sua comparabilidade, à harmonização dos conceitos; «a selecção dos indicadores que servem para medir a convergência social dos países da União é um verdadeiro desafio político. Os indicadores utilizados para as comparações não são neutros: reflectem ordens de prioridade e, por vezes, concepções da situação desejável da sociedade que podem legitimamente diferir de país para país. O exemplo do desemprego mostra que determinados indicadores podem ter verdadeiros efeitos, eventualmente perversos, na orientação das políticas (13). Ora, há que constatar que a elaboração dos sistemas de indicadores está actualmente entregue aos técnicos» (14).

5.11

As críticas do PIB e do crescimento como indicadores do bem-estar social foram especialmente desenvolvidas no PNUD, a par do desenvolvimento do IDH (indicador de desenvolvimento humano), designadamente inspirados nos trabalhos de Amartya Sen sobre a pobreza, a fome, a democracia e a crítica dos indicadores quantitativos simplesmente económicos, trabalhos que lhe valeram o Prémio Nobel da Economia.

5.12

Os dados referentes ao acesso à água potável, os níveis de alfabetização dos homens e das mulheres, o sistema de saúde e os resultados das lutas contra as pandemias, a participação no processo democrático, a esperança de vida segundo o sexo, a mortalidade perinatal e infantil, etc., são dados tão relevantes para avaliar o estado do bem-estar numa sociedade, como da situação do ambiente. Estes dados não são todavia directamente correlatados com o PNB.

5.13

Assim, os primeiros indicadores agregados IDH do PNUD provocaram vastas polémicas e controvérsias, porque os países «ricos» estavam por vezes longe da vanguarda na classificação da «felicidade nacional bruta». Mas este indicador tornou-se a alternativa menos contestada aos indicadores puramente económicos, em virtude da sua solidez (educação, esperança de vida, rendimentos ajustados para ter em conta a pobreza).

5.14

As estatísticas sociais representam um complemento indissociável das estatísticas económicas, e a importância das principais questões sociais para a opinião pública confere-lhes um peso político a ter imperiosamente em conta pelos governantes.

5.15

Entre os obstáculos a esta tomada em consideração, além dos preconceitos economistas ou da abordagem contabilística a curto ou médio prazo, há que salientar ainda, objectivamente, a diversidade das questões sociais e a dificuldade de as relacionar entre si e de as quantificar para as integrar nas orientações de política económica.

5.16

Seria possível chegar, de modo intuitivo, às mesmas conclusões para a definição de indicadores ambientais, visando reintegrar as externalidades no crescimento económico; na pior das hipóteses, um crescimento ligado à desflorestação de uma floresta primordial deveria conduzir à rejeição deste modo de crescimento, se o estudo de impacto integrasse todos os factores sociais e ambientais que, como se sabe, fazem mais do que contrabalançar os factores económico-monetários. Mas é extremamente difícil avaliar em termos monetários o montante destas externalidades: alterações climáticas, perda da diversidade biológica, destino das pessoas que viviam da apanha ou da exploração de plantas medicinais, que conduzem ao esgotamento rápido do solo e à erosão, por exemplo. O balanço contabilístico a curto prazo poderia ser grandemente positivo, ao passo que a longo prazo, reintegrando as externalidades, seria consideravelmente negativo, não só para a região ou países em questão, como também para o planeta.

5.17

O exercício subjacente a algumas avaliações da «melhor legislação» em termos de balanço de custo-benefício, aplicado nos estudos de impacto comunitários revela limites objectivos no que respeita às dimensões sociais e ambientais do impacto (15). Embora avaliado com base num indicador relevante (número de empregos perdidos, ausência de possibilidades de reclassificação), o impacto não tem necessariamente uma importância determinante no processo de decisão política. Muitas vezes, compreende elementos impossíveis de avaliar, sobretudo quando os estudos de impacto fazem um balanço em termos monetários a curto prazo, ou mesmo a médio prazo; é mais difícil abranger o longo prazo, e como avaliar o benefício monetário esperado de uma diminuição da mortalidade ligada à poluição dos carburantes marítimos (16)?

5.18

Enfim, o debate social suscita conceitos por vezes mal determinados; um indicador relativo à flexigurança, por exemplo, seria concebido de modo diferente consoante os países, quer porque há uma experiência determinada na matéria, quer porque se procura introduzir o conceito no debate europeu (17) ou nacional, fazendo-se referência a «modelos» nacionais, construídos num contexto particular e dificilmente transponíveis para outras realidades sociais; quais seriam os elementos a ter em conta e, sobretudo, que valor, positivo ou negativo, atribuir-lhes? «A inclusão ou exclusão de determinados indicadores poderia ser reveladora de valores e de ideologias não explícitas» (18). E o problema complica-se ainda mais na concepção de índices compostos: que índices incluir, que coeficiente atribuir-lhes, qual é o verdadeiro significado do índice composto obtido?

5.19

Todavia, os índices compostos podem integrar dimensões quantitativas como qualitativas, dividir-se segundo a idade, o sexo e outros critérios significativos, mas devem ser de fácil compreensão; por exemplo, como elaborar um índice da qualidade de vida na Europa? Poder-se-ia prever incluir o rendimento, a esperança de vida, a percepção da eficácia do sistema de saúde, as pensões de reforma, o nível médio de educação, a percepção da satisfação no trabalho, etc. Mas por que razão não incluir a taxa de desemprego, o subemprego, ou as condições de habitação. E que importância relativa conferir a cada componente?

5.20

Daí que esta elaboração não seja apenas uma questão puramente técnica que conduz a um sistema de valores partilhados ou de tradições ainda actuais numa sociedade, que requer consultas das organizações sociais e que reflectirá finalmente uma opção ideológica e política. Actualmente, «é raro que os métodos sobre os indicadores sociais incluam efectivamente objectivos de sociedade, que traduzem os valores e as normas sociais… Um elemento fundamental de (…) método é a identificação e a classificação, por meio de consultas e de consensos, de referências (…) em vários domínios sociais; os dados e os resultados, bem como as ligações entre ambos, são também determinados neste processo(…). Por outras palavras, para que os indicadores sociais possam inspirar políticas, o processo deve fazer parte do produto.» (Les Associés de Recherche EKOS Inc.). (Associés EKOS Inc. 1998).

5.21

Coloca-se igualmente a questão da selecção do tema sobre que efectuar as análises estatísticas; devem-se ter em conta os indivíduos, comunidades, ou a unidade económica e social mínima que é o agregado familiar (household). A abordagem dos grupos étnicos levanta problemas em relação à exigência de não discriminação, mas seria útil para precisar a natureza e a amplitude das discriminações a fim de propor políticas para reduzi-las e eliminá-las mais ou menos a longo prazo.

5.22

A selecção das estatísticas e elaboração de indicadores podem-se efectuar em vista da avaliação de uma política já em aplicação, ou para clarificar ab initio as possibilidades de escolha; será sem dúvida necessário um leque mais alargado de dados estatísticos para decidir uma política (fins e meios para os atingir), que poderão ser mais tarde reduzidos quando se identificarem as estatísticas e os indicadores mais importantes; não obstante, estas selecções têm um forte cariz empírico: não se trata de uma ciência exacta e pode haver várias interpretações a partir dos mesmos dados estatísticos, que vão incluir dados monetários e não monetários.

5.23

A título de exemplo, os dados brutos recolhidos pela OCDE para os indicadores sociais do seu «Panorama da Sociedade, 2005» (ver breve bibliografia) são, para cada indicador:

Indicadores de contexto: rendimento nacional por habitante, rácio de dependência demográfica, taxa de fecundidade, estrangeiros e populações nascidas no estrangeiro, casamentos e divórcios;

indicadores de autonomia: emprego, desemprego, agregados familiares sem emprego, mães de família em actividade, prestações de não emprego, mínimos sociais, nível de formação, idade de passagem à reforma, inactividade dos jovens, alunos com deficiência;

Indicadores de equidade: pobreza, desigualdade dos rendimentos, pobreza das crianças, rendimento dos idosos, despesas sociais públicas, despesas sociais privadas, despesas sociais totais, pensão de velhice, esperança de pensão;

indicadores de saúde: esperança de vida, esperança de vida corrigida em função da saúde, mortalidade infantil, despesas totais de saúde, cuidados prolongados;

indicadores de coesão social: bem-estar subjectivo, isolamento social, participação na vida associativa, mães adolescentes, uso de estupefacientes e mortes daí resultantes, suicídios.

5.24

O Eurostat utiliza, por seu lado, os seguintes indicadores sociais:

Indicadores estruturais:

emprego: taxa de emprego, taxa de emprego dos trabalhadores idosos, idade média à saída do mercado de trabalho, disparidades salariais entre homens e mulheres, taxa de tributação na fonte sobre os salários baixos, carga da fiscalidade no custo da mão-de-obra, espirais do desemprego, espirais dos baixos salários, formação permanente, acidentes no trabalho (graves ou mortais), taxa de desemprego (total ou por sexo);

Coesão social: desigualdade de repartição dos rendimentos, taxa de risco de pobreza, taxa de risco de persistência da pobreza, dispersão das taxas de desemprego regional, jovens que abandonam a escola precocemente, taxa de desemprego de longa duração, número de membros de agregados familiares sem emprego;

desenvolvimento sustentável:

pobreza e exclusão social: taxa de risco de pobreza após transferências sociais, pobreza monetária, acesso ao mercado de trabalho, outros aspectos da exclusão social.

Envelhecimento da sociedade, taxa de dependências dos idosos, suficiência das pensões de reforma, mutações demográficas, estabilidade das finanças públicas;

saúde pública: anos de vida em boa saúde desde o nascimento por sexo, protecção da saúde humana e modos de vida, segurança e qualidade alimentar, gestão dos produtos químicos, riscos para a saúde decorrentes das condições ambientais;

mercado de trabalho:

desemprego harmonizado,

índice de custos da mão-de-obra.

5.25

Em que medida podem estes exemplos não exaustivos de indicadores integrar-se de modo eficaz nos objectivos gerais do Método Aberto de Coordenação (MOC) de Março de 2006, a saber:

promover a coesão social, a igualdade entre homens e mulheres e a igualdade de oportunidades para todos através de sistemas de protecção social e de políticas de inclusão social adequadas, acessíveis, financeiramente viáveis, adaptáveis e eficazes;

interagir de modo eficaz e mútuo com os objectivos de Lisboa que visam estimular o crescimento económico, a melhoria qualitativa e quantitativa do emprego e reforçar a coesão social, bem como com a estratégia da União Europeia em favor do desenvolvimento sustentável;

melhorar a governação, a transparência e a participação das partes interessadas na concepção, execução e acompanhamento da política.

5.26

É ainda necessário que os conceitos e métodos utilizados para determinados indicadores sejam precisos. No que respeita, por exemplo, à pobreza, o Conselho do Emprego, dos Rendimentos e da Coesão Social (CERC) (19) coloca em destaque a «multidimensionalidade» do conceito.

5.26.1

Assim, a pobreza compreende várias dimensões: insuficiência dos recursos monetários, condições de vida degradadas, recursos cognitivos, sociais e culturais insuficientes. Para cada uma destas dimensões, utilizam-se duas vertentes para determinar as situações de pobreza:

A primeira consiste em definir de modo «absoluto» as necessidades mínimas. As pessoas cujas necessidades mínimas não são satisfeitas são definidas como pobres;

A segunda define a pobreza de modo relativo. É a fixada em 1984 pelo Conselho Europeu, que estabeleceu uma definição da pobreza para os trabalhos estatísticos a efectuar na União Europeia. São pobres as pessoas cujos rendimentos e recursos (materiais, culturais e sociais) são de tal forma inadequados que as excluem de ter um nível de vida considerado aceitável no Estado-Membro em que vivem.

5.27

Resumindo e concluindo, os indicadores sociais têm por objectivo chamar a atenção da opinião pública e dos decisores para as questões sociais que podem ser subestimadas ou mal compreendidas. Esta função de concentração da atenção dos decisores para as questões mais fundamentais é tanto mais importante quanto estes, geralmente, dispõem de uma superabundância de informação. Ora, como Herbert SIMON explicou de modo muito claro, demasiada informação é prejudicial.

5.27.1

De um ponto de vista funcional, deduz-se que a finalidade dos sistemas de indicadores é efectuar uma «agregação optimal da informação».

5.28

Um indicador é mais que uma estatística:

Um sistema de indicadores não se reduz a uma simples compilação de dados. Suscita uma série de consequências:

1)

cada indicador individual deve poder justificar-se em referência a uma análise dos fenómenos complexos que deve resumir.

2)

Na mesma ordem de ideias, os indicadores devem ter qualidades «expressivas», ou seja, ter um forte poder de representação e de evocação da realidade. A este respeito, há quem fale de uma virtude «metafórica» dos indicadores.

3)

Tendo em conta a sua finalidade (chamar a atenção dos decisores e da opinião pública para os factos e tendências mais importantes, num intuito de influenciar políticas), os indicadores mais úteis referem-se a valores cujas variações podem ser afectadas por um valor (positivo ou negativo) unívoco. A este respeito, falar-se-á de «clareza normativa». Em contrapartida, pode-se referir o exemplo do aumento do trabalho a tempo parcial, um fenómeno que não é unanimemente considerado positivo, salvo se escolhido pelo trabalhador. Este critério de clareza pode conduzir à não inclusão nos painéis de avaliação de um certo número de indicadores menos relevantes para o projecto, por exemplo, relativos ao modo de vida ou às tendências culturais (gostos em matéria de vestuário e de música, etc.), se bem que estes últimos tenham impacto na organização do trabalho e na economia.

4)

De um ponto de vista prático, recomenda-se justificar a escolha dos indicadores pelas suas funcionalidades. Com efeito, são estes mais ou menos adaptados aos três seguintes tipos de utilização: comparações internacionais ou interregionais, comparações intertemporais, acompanhamento e avaliação da acção pública/qualidade e desempenho dos serviços públicos.

5)

Enfim, os indicadores devem ser reunidos em categorias e subcategorias num esquema estruturado que facilite uma boa compreensão do conjunto. Convém, em particular, distinguir os indicadores de contexto, de meios e de resultados, os indicadores objectivos e os indicadores subjectivos.

5.29

Na prática: qualidades de um indicador:

Univocidade: um indicador só é útil quando não há nenhuma ambiguidade sobre a natureza do fenómeno que reflecte (contra exemplo clássico: os dados relativos aos delitos e infracções constatados reflectem, tanto a evolução da delinquência, como a actividade dos serviços de polícia).

Representatividade: um indicador é tanto mais útil quando pode resumir efectivamente, através de um só número, um vasto leque de fenómenos.

Clareza normativa (Ver comentário supra).

Fiabilidade, regularidade: os dados necessários à informação do indicador devem ser fornecidos de modo regular, por meio de inquéritos fiáveis.

Comparabilidade no tempo e/ou no espaço (entre países, regiões…): a comparabilidade está intimamente ligada à univocidade e à fiabilidade.

5.30

Qualidades de um sistema de indicadores:

Integralidade: devem ser tomados em consideração os principais aspectos da realidade que se pretende observar.

Equilíbrio: o número e o estatuto dos indicadores destinados a cada tema devem reflectir a sua importância relativa. Nenhum aspecto da realidade merece maior relevo em detrimento dos outros.

Selectividade e/ou hierarquia: os indicadores devem ser pouco numerosos ou claramente hierarquizados.

6.

O CESE solicita que o estudo de impacto social das iniciativas legislativas e políticas da UE seja integrado em todos os domínios do espectro político. Por outras palavras, a Comissão deveria efectuar um estudo rigoroso do impacto social de todas as iniciativas em causa, independentemente da DG competente ou da matéria. Tal é importante se a Europa deseja verdadeiramente criar uma «Europa social» e ganhar a confiança dos cidadãos. A iniciativa «Legislar melhor» é a plataforma adequada para progredir nesta direcção.

6.1

Este estudo deveria analisar de modo individual os grupos específicos susceptíveis de serem potencialmente afectados pela nova legislação e de modos diferentes. Deve-se prestar particular atenção aos grupos menos favorecidos, tais como as mulheres, as pessoas com deficiência ou as minorias étnicas. Em alguns casos e conforme a matéria da iniciativa em questão, poderá mesmo ser necessário examinar subgrupos específicos como, por exemplo, os cegos.

7.   Conclusão

7.1

Do que precede, e da audição pública organizada pelo Comité Económico e Social Europeu em 28 de Março de 2007, deduz-se que valorizar um indicador social com base num único critério é impossível em virtude da multidimensionalidade de certos conceitos. Com efeito, a própria natureza do debate social introduz conceitos mal determinados e necessariamente flutuantes de país para país, ou de uma realidade social para outra, sem olvidar que a inclusão ou a exclusão de certos indicadores revela valores ou ideologias mais ou menos explícitos. A selecção dos indicadores tem ainda uma forte conotação empírica que, em princípio, deveria opor-se a qualquer rigidez na maneira de pensar.

7.2

É decerto louvável e necessário, e mesmo indispensável, chamar a atenção dos decisores políticos para o impacto social de uma proposta legislativa, mas tal suscita um problema de metodologia porque «demasiada informação é prejudicial». O Comité Económico e Social Europeu entende que se deve fazer um esforço particular em matéria de metodologia, que ainda não foi determinada.

7.3

O CESE considera igualmente que nesta fase de reflexão é crucial chamar a atenção da Comissão, entre outros, para os critérios de qualidade que um indicador deve preencher, a saber:

univocidade,

representatividade,

clareza normativa,

fiabilidade e regularidade, sem esquecer a comparabilidade no tempo e/ou no espaço, nem esquecer que a qualidade de um sistema de indicadores assenta numa necessidade de integralidade, de equilíbrio e de selectividade e/ou de hierarquia.

7.4

O CESE solicita igualmente à Comissão a integração em todas as políticas comunitárias do estudo de avaliação de impacto social das iniciativas e políticas da UE, sem necessidade de saber qual é a direcção-geral líder para decidir a necessidade de recurso ou não a um estudo de impacto social. Tal é fundamental se a Europa deseja verdadeiramente criar uma «Europa social» e ganhar a confiança dos cidadãos.

7.5

O Comité deveria ter em plena conta o roteiro e o estudo de impacto, simultaneamente à proposta legislativa sobre a qual emite parecer. Seria útil que os trabalhos fossem iniciados sem demora, desde a publicação da comunicação que acompanha a proposta legislativa.

7.6

Será crucial fazer avaliações regulares e, eventualmente, correcções na aplicação de todas as legislações que foram previamente objecto de um estudo de impacto, e associar os parceiros sociais e, se for caso disso, as ONG implicadas. Tal impõe-se para verificar a validade dos indicadores utilizados e da sua combinação no estudo de impacto social e de tirar ensinamentos, até mesmo urgir o legislador, se necessário, a prever uma possível revisão.

7.7

Em alguns casos particulares e de grande importância social, (direito do trabalho, por exemplo), deve-se prever a consulta dos parceiros sociais numa fase ainda mais precoce, para procurar os indicadores mais adequados para um estudo de impacto tão completo e objectivo quanto possível.

7.8

A iniciativa «Legislar melhor» é, sem dúvida alguma, a plataforma adequada par progredir nesta direcção, que consiste em propor uma medida legislativa necessária, eficaz, cujas consequências sejam previsíveis e estáveis para os destinatários, associados mais intimamente ao processo de análise e de verificação de impacto pelos órgãos consultivos comunitários (CESE e CR) e, conforme a natureza da legislação, através dos parceiros sociais e das ONG competentes no domínio em causa.

Bruxelas, 31 de Maio de 2007.

O Presidente

do Comité Económico e Social Europeu

Dimitris DIMITRIADIS


(1)  Abreviação: EI.

(2)  «Europa — juntos venceremos», programa da presidência, 1 de Janeiro de 2007 — elaborado pelo governo federal da Alemanha (ver igualmente

http://www.eu2007.de).

(3)  Fonte: «European Governance Reform: The Role of Sustainability Impact Assessment», C. Kirkpatrick, S. Mosedale, Universidade de Manchester, 2002.

(4)  O Parlamento propõe um quarto pilar das avaliações de impacto, o dos direitos fundamentais. A questão mantém-se em aberto: distinção dos direitos fundamentais ou mainstreaming no quadro dos três pilares propostos. De qualquer modo, há que avaliar o impacto sobre os direitos fundamentais.

(5)  «Inclusão da dimensão social no estudo de impacto» p. 13. Documento elaborado pelo Istituto per la ricerca sociale, Janeiro de 2006. Este instituto fez uma compilação de documentos da Comissão (decisões, regulamentos, comunicações e directivas) durante 3 anos, de 2003 a 2005.

(6)  Em Junho de 2005, a Comissão Europeia publicou um documento intitulado «Orientações para os estudos de impacto» SEC (2005) 791. Ver também:

http://ec.europa.eu/enterprise/regulation/better_regulation/impact_assessment/docs/sec_2005_791_guidelines_annexes.pdf.

(7)  O princípio da análise proporcional implica que «o grau de precisão varia em função dos efeitos prováveis da proposta. Tal significa que a profundidade da análise será proporcional à importâncias dos prováveis impactos.» COM (2002) 276.

(8)  «Inclusão da dimensão social no estudo de impacto» p. 28.

(9)  Ibid, p. 30 (NdT: tradução livre).

(10)  Ibid, p. 31 (NdT: tradução livre).

(11)  Ibid, p. 77 (NdT: tradução livre).

(12)  Bernard Perret, indicateurs sociaux, état des lieux et perspectives, les Papiers du CERC, no 2002/01,

www.cerc.gouv.fr.

(13)  “A luta contra o desemprego corre sempre o risco de se transformar numa luta contra os números referentes ao desemprego” Jean-Baptiste de FOUCAULT, in Joelle AFFICHARD “A relevância dos indicadores estatísticos para a orientação das políticas sociais” Institut Paris La Defense.

(14)  Bernard Perret, indicateurs sociaux, état des lieux et perspectives, les Papiers du CERC, no 2002/01,

www.cerc.gouv.fr.

(15)  Por exemplo, o estudo de impacto da reforma da OMC-banana da PAC revela que se perderão irremediavelmente dezenas de milhares de empregos a tempo inteiro, na ausência de possibilidades alternativas de emprego nas regiões ultraperiféricas produtoras da UE, onde já há considerável desemprego. Por imposição da OMC, foi decidido reformar a COM não obstante o elevado custo social.

(16)  Ver o estudo de impacto sobre este tema que aborda a avaliação do valor monetário das vidas salvas e das doenças evitadas; um estudo de impacto mais recente renunciou a este método (projecto de directiva «pesticidas»).

(17)  Livro Verde «Evolução do Direito do Trabalho».

(18)  Les Associés de Recherche EKOS Inc., «L'utilisation d'indicateurs sociaux comme instruments d'évaluation», 1998 (relatório elaborado para o governo do Canadá.

(19)  http://www.cerc.gouv.fr.