30.12.2006   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 325/3


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre «UE e administrações nacionais — práticas e ligações»

(2006/C 325/03)

Em 19 de Janeiro de 2006, o Comité Económico e Social Europeu decidiu elaborar, nos termos do n.o 2 do artigo 29.o do Regimento, um parecer sobre «UE e administrações nacionaispráticas e ligações».

Incumbida da preparação dos correspondentes trabalhos, a Secção Especializada de Mercado Único, Produção e Consumo adoptou parecer em 14 de Novembro de 2006, tendo sido relator Joost van IERSEL.

Na 431a reunião plenária de 13 e 14 de Dezembro de 2006 (sessão de 14 de Dezembro), o Comité Económico e Social Europeu adoptou, por 102 votos a favor, 5 votos contra e 48 abstenções, o seguinte parecer:

1.   Síntese

1.1

No processo decisório da UE, a instância decisiva é o Conselho de Ministros. Não obstante, nunca a nível comunitário se aprofundou a questão da coordenação e da formulação de políticas no plano nacional. A UE é, sem dúvida, única a partilhar soberania, mas isso exige dela uma governação transparente de múltiplos níveis num vasto leque de domínios. O CESE crê que a adopção de procedimentos políticos e administrativos nacionais bem definidos e eficazes nos Estados-Membros e uma melhor elaboração e execução/cumprimento da legislação são parte integrante de uma boa governação comunitária, para além do que aumentam a transparência e clarificam o impacto da legislação e políticas comunitárias no conjunto da sociedade. A análise das práticas nacionais revela diferenças substanciais entre os Estados-Membros no que toca à gestão política e administrativa dos assuntos europeus. Essa mesma análise deverá estimular uma discussão sobre os procedimentos governamentais — políticos e administrativos — de gestão desses assuntos, na qual faria sentido dar particular destaque às melhores e mais interessantes práticas seguidas. Por outro lado, um debate aberto, à escala europeia, sobre como gerir os assuntos europeus a nível nacional contribuiria para a discussão geral sobre como legislar melhor e melhor executar e fazer cumprir a legislação comunitária. O CESE preconiza, assim, um estudo contínuo das práticas e dos procedimentos administrativos em causa.

2.   Introdução

2.1

Em 2005, o CESE adoptou um parecer sobre «Legislar Melhor» e um outro sobre «Melhorar a execução e o cumprimento da legislação». Ambos partiam do princípio de que, sob a primazia do direito, uma boa lei é uma lei exequível e realmente cumprida (1). O processo legislativo comunitário tem de se tornar um processo transparente, democrático e acessível, que escore a legitimidade da UE. Daí que as práticas internas dos governos façam parte desse processo.

2.2

É de notar — e de lamentar — que, decorridos já tantos anos de integração europeia, a legislação e a política comunitárias não estejam ainda integradas numa série de Estados-Membros, enquanto plano político e administrativo da formulação das suas políticas internas, nas áreas em que estes se comprometeram a seguir políticas comuns e a executar decisões comuns.

2.3

A transposição e a execução da legislação pelos Estados-Membros são factores essenciais do processo legislativo comunitário, pelo que crucial é também a forma de eles as gerirem: quanto melhor for a organização, melhor será o resultado final para a UE, e isso no próprio interesse dos Estados-Membros e do conjunto da sociedade.

2.4

É imperioso adoptar uma abordagem eficaz e transparente dos assuntos comunitários a nível nacional, pois são 25 os Estados — cada um com a sua cultura e tradição administrativas e a sua maneira própria de gerir estes processos — a dever respeitar um mesmo acervo e requisitos muito semelhantes no que respeita à elaboração, à transposição, à execução e ao cumprimento da legislação comunitária.

2.5

A coordenação e a formulação de políticas a nível nacional nunca foram questões aprofundadas a nível comunitário, o que se deve em parte ao respeito do princípio da subsidiariedade e em parte à falta de interesse genuíno dos órgãos decisórios de Bruxelas e das demais capitais da UE. Estranhamente, salvo raras excepções, o mundo académico também não tem prestado grande atenção a estes aspectos. Mas o que é facto é que a forma como a coordenação e a formulação das políticas estão organizadas e a funcionar a nível nacional é susceptível ter efeitos substanciais nas decisões tomadas em Bruxelas e, por conseguinte, na transposição e execução do direito comunitário. Daí que, ao se examinar como melhor legislar e aplicar a legislação, se deva ter igualmente em conta a forma como está a ser organizada a coordenação e a formulação das políticas a nível nacional.

2.6

Esta questão está longe de ser meramente técnica. Ela é essencialmente política, pelo interesse que haveria em discutir a melhoria da organização e dos procedimentos internos dos Estados-Membros, bem como uma possível redefinição das responsabilidades de parte a parte dos Estados-Membros e da Comissão. Paralelamente, também será necessário garantir a transparência e acessibilidade destes processos nos Estados-Membros, a fim de melhorar a comunicação entre a UE e a sociedade e a fazer dissipar a confusão ou a desconfiança dos cidadãos.

2.7

Comissão tem sido muito relutante em discutir procedimentos nacionais, e isso por razões óbvias. E ainda assim, a Comissão declarou — muito acertadamente — em 2001 (2): «Chegou a altura de reconhecer que a União passou de um processo diplomático para um processo democrático, com políticas que atingem o âmago das sociedades nacionais e da vida quotidiana. É necessário que o Conselho desenvolva a sua capacidade de coordenar todos os aspectos da política da União Europeia tanto a nível do Conselho como a nível nacional».

2.8

Quanto à transposição do direito comunitário, uma recomendação da Comissão que data de 2004 faz propostas práticas directamente dirigidas aos Estados-Membros, com vista a promover a execução e cumprimento correctos da legislação comunitária adoptada (3). Várias destas propostas podem ser muito úteis para melhorar os mecanismos nacionais de coordenação e formulação das políticas quando da preparação da legislação comunitária e da execução dos objectivos políticos acordados.

2.9

A necessidade de racionalizar os procedimentos políticos e administrativos nacionais nos Estados-Membros tornou-se inegavelmente mais premente desde:

a introdução de painéis de avaliação sobre a execução do direito comunitário,

o envolvimento da UE num número crescente de domínios,

as negociações sobre o Tratado Constitucional, e

o alargamento da União e a confirmação das futuras adesões.

Resta, porém, ainda muito trabalho a fazer.

3.   Contexto Geral

3.1

A UE não é um Estado nem está em vias de o ser. A Comissão é o centro do direito de iniciativa em áreas bem definidas. O Conselho comanda a tomada de decisão em matéria legislativa e orçamental, frequentemente sob influência do PE, na qualidade de co-legislador, e do Tribunal de Justiça, enquanto guardião do direito comunitário. Mas não há uma liderança decisiva: a UE é uma realidade muito complexa de interdependências entre muitos intervenientes, mas é única pelo facto de ter criado uma grelha de responsabilidades nacionais e federais.

3.2

A UE é única na partilha da soberania. Isso requer uma governação transparente de múltiplos níveis num vasto leque de domínios, mas a verdade é que as implicações desse requisito para a gestão e a administração das partes que a constituem — isto é, os seus Estados-Membros — são tudo menos claras (4). É o que acontece com as matérias de responsabilidade partilhada entre os Estados-Membros e «Bruxelas», mas também quando apenas estão em jogo as responsabilidades independentes dos Estados-Membros, como é o caso da aplicação da Estratégia de Lisboa.

3.3

Durante as últimas décadas, a UE tem vindo a intervir num número crescente de domínios. Trata-se de um processo dinâmico, participado pelas capitais nacionais, mas também, cada vez mais, pelos órgãos da administração regional, pelos meios económicos e sociais e pelas organizações da sociedade civil. Assim, recentemente, a UE tem começado a pôr em prática políticas do «terceiro pilar», como, por exemplo, a de «Justiça e Assuntos Internos», mas, até agora, a Comissão não tem podido recorrer a processos por infracção contra os Estados-Membros, a fim de remediar deficiências da execução da legislação comum a nível nacional (5).

3.4

Independentemente das consequências, frequentemente directas, das leis e decisões comunitárias para os cidadãos, as empresas e as organizações, a UE ainda é vista em muitos Estados-Membros como um organismo internacional externo à organização nacional do Estado, e, nalguns deles, como pura política externa. Isso contribui para criar a confusão e um distanciamento contraprodutivo. Os problemas que a UE tem conhecido em se implantar política e administrativamente nos Estados-Membros devem-se largamente a esse estado de espírito.

3.4.1

A posição e o papel dos parlamentos nacionais revestem uma importância primordial no cenário político europeu. Em muitos casos, ainda há um certo desfasamento entre o grau a que estão informados e empenhados e o processo decisório a nível comunitário, situação que constitui outro factor de distanciamento entre a UE e a sociedade europeia.

3.4.2

Um segundo elemento neste contexto é a diferença de percepções e compromissos por parte de políticos, administrações estatais e elementos do sector privado.

3.4.3

Em terceiro lugar, se a formulação das políticas carece de transparência, pode gerar-se ambiguidade sobre o modo e o momento decisivo em que são definidos e negociados os pontos de vista nacionais, tanto a nível interno como a nível da UE. Ilustrativa disso é a existência, em vários ministérios, de «secções europeias» que, embora tratando de questões de fundo e não apenas da sua coordenação, estão mais ou menos separadas das secções responsáveis pelas políticas internas, o que pode afectar negativamente a sensibilidade e a atenção destes últimos para as questões europeias. Idênticos problemas de coordenação existem, aliás, entre os comités permanentes dos parlamentos nacionais.

3.4.4

Em quarto lugar, a tomada de decisão a nível nacional no que respeita à «Europa» decorre demasiadas vezes à margem do trabalho das direcções ou agências de execução e está demasiado distante da acção das administrações regionais e locais.

3.5

Sabe-se que os Estados-Membros são bastante relutantes em adaptar os seus procedimentos administrativos e políticos, mas se não os ajustarem à complexidade e importância crescentes da UE, podem gerar-se fricções contínuas a diferentes níveis da tomada de decisão.

3.6

Interesses, tradições e retórica específicos da política — tanto nacional como partidária — constam habitualmente na ordem do dia das sessões parlamentares e tendem a criar um desfasamento artificial entre as decisões tomadas em Bruxelas e o que se considera serem os interesses e procedimentos nacionais.

3.7

Esta evolução é a principal fonte do paradoxo peculiar que consiste em, por um lado, os governos acordarem objectivos políticos e legislação nos fóruns da UE — em «Bruxelas», portanto –, mas, por outro, os repelirem mal são discutidos no palco político nacional.

3.8

Este desfasamento pode vir a ser muito confuso para as partes interessadas e o público em geral. O que é facto é que vem agravar a já grave crise de legitimidade da UE, pela relação directa que existe entre a qualidade e a fiabilidade da gestão dos objectivos políticos da UE a nível nacional e a opinião pública e expectativas dos cidadãos.

3.8.1

O CESE nota, porém, neste contexto, que uma eventual crise de legitimidade da UE não poderá ser atribuída em primeira instância a problemas de comunicação. A abordagem de base para reconquistar a confiança dos cidadãos na UE terá de permanecer a resolução dos problemas mais prementes da União.

3.9

Neste contexto, é justo afirmar que uma série de organizações de parceiros sociais e da sociedade civil em geral reflectem mais ou menos o mesmo padrão dicotómico de comportamento conforme lidam ou com assuntos de «Bruxelas» ou com assuntos da competência nacional.

3.10

A reputação da UE pode sofrer pelo facto de as críticas nacionais visarem sobretudo «Bruxelas» ou a Comissão e raramente os próprios Estados-Membros, que são os principais agentes do processo de integração.

3.11

Os grupos de pressão nacionais tendem a agir da mesma forma quando se trata de transpor e executar a legislação comunitária. A sua atitude resulta por vezes de oportunidades criadas por compromissos dificilmente alcançados no Conselho, que dão margem de manobra ao poder discricionário nacional. Noutras ocasiões, os grupos de pressão tiram simplesmente partido de oportunidades injustificadas, criadas pelos legisladores nacionais, que levam ou a uma «sobre-regulamentação» (gold-plating — isto é, a inclusão no direito nacional de procedimentos não previstos no direito comunitário) ou a uma «sub-regulamentação» (cherry-picking — ou seja, a exclusão do direito nacional de procedimentos previstos no direito comunitário).

3.12

A orientação nacionalista dada aos assuntos europeus também pode estar a ser fomentada pela tendência para usar instrumentos flexíveis em vez de instrumentos jurídicos rigorosos, como o demonstra o «método aberto de coordenação»: quanto maior a margem concedida à interpretação nacional, maiores as diferenças entre as nações.

4.   Coordenação a nível nacional

4.1

Parece que, pelo menos até recentemente, em muitos Estados-Membros, a questão da racionalização dos processos e procedimentos no plano nacional tem sido essencialmente abordada por medidas espontâneas, pontuais, envolvendo um ou vários ministérios, sem se procurar uma abordagem devidamente estruturada. Se bem que todos os Estados-Membros estejam a desenvolver um processo de coordenação mais ou menos estruturado — e respectivos órgãos — estes últimos só intervêm, em muitos dos casos, na fase final do processo decisório nacional. As etapas precedentes tendem a ser organizadas de forma menos ordenada.

4.2

Esse quadro revela um modelo complexo de cooperação intergovernamental em vez de processo legislativo comunitário mais dinâmico com a sua complicada negociação política. Na realidade, a integração europeia criou vastos e intensos contactos, estabelecendo inúmeros elos entre todos quantos, no sector público ou privado, intervêm no processo legislativo e em negociações e procedimentos administrativos na Europa. A preparação da legislação europeia assenta na interligação de muitos planos: consulta de peritos e partes interessadas, negociação e transposição da nova legislação, execução e cumprimento da legislação adoptada, observância do direito comunitário pelas autoridades judiciárias nacionais e pelo Tribunal de Justiça Europeu, e finalmente, discussão com o Legislador europeu sobre experiências nacionais com o direito comunitário. De notar ainda que estes processos requerem um elevado grau de profissionalismo na organização global das administrações nacionais.

4.3

A estreita ligação — interdependência, até — entre os objectivos e decisões da UE e os objectivos políticos nacionais aumenta a necessidade de uma gestão e coordenação adequadas a nível nacional e de uma rede eficaz de contactos no plano internacional. A «Estratégia de Lisboa» é bom exemplo disso: embora definida a nível da UE, na prática, as decisões tomadas a esse nível só a afectam muito parcialmente, visto ser aos Estados-Membros que cabe a responsabilidade pelos aspectos principais da sua execução. Mas o resultado final é duvidoso quando, por falta de procedimentos interactivos obrigatórios entre a UE e as políticas nacionais, os Estados-Membros não cumprem, ou só em parte, os objectivos acordados.

4.4

A intensificação da integração europeia, tantas vezes apoiada — em estreita cooperação com a Comissão Europeia — nas sucessivas cimeiras da UE e em muitas reuniões do Conselho, devia reflectir-se na organização política e administrativa dos Estados-Membros. Mas, a este respeito, há diferenças substanciais entre os Estados-Membros (6). Em função da evolução histórica de cada país, as diferenças estão presentes em praticamente todos os aspectos da vida política e governativa.

4.5

Essas diferenças dizem nomeadamente respeito aos conceitos de governo e aos procedimentos governativos, à qualidade dos ministérios e à hierarquia entre eles, bem como à dicotomia entre sistemas centralizados e descentralizados.

4.6

Mais especificamente, há diferenças políticas consideráveis entre os Estados-Membros, no que respeita:

a posição e o poder do primeiro-ministro ou do chefe do governo,

ao papel e à função dos ministros dos assuntos internos,

à relação entre o primeiro-ministro e o ministro dos negócios estrangeiros e/ou o recente cargo de ministro dos assuntos europeus,

à constituição de governos por coligação ou por maioria, e às respectivas prioridades,

à relação entre governo e parlamento e ao papel do parlamento nacional no processo de integração europeia,

ao ponto a que os objectivos de melhorar a elaboração e a execução da legislação da UE estão a ser levados a sério.

4.7

O mesmo tipo de diferenças no que respeita a questões de autoridade e de métodos de trabalho se encontram entre ministérios ou entre serviços de um mesmo ministério, a saber:

na organização do gabinete do primeiro-ministro ou do chefe do governo e na respectiva posição política,

na existência ou não de «muralhas da China» entre as secções «europeias» e as restantes secções dos ministérios,

no momento em que os ministérios adquirem genuíno interesse por uma proposta específica,

no grau e no nível da coordenação do trabalho no que diz respeito a «Bruxelas»,

no momento em se que inicia a coordenação sobre uma proposta específica,

no papel do ministério dos negócios estrangeiros e, consequentemente, no grau de independência de outros ministérios,

na formação (contínua) dos funcionários públicos,

no modo como as partes interessadas da sociedade são consultadas durante as fases de negociação e de execução,

na forma como as directivas são habitualmente transpostas: ou mediante integração formal na legislação nacional, ou mediante regulamentação decretada pelo governo (modalidade «aligeirada»).

4.8

A divisão do trabalho entre ministérios nacionais também pode ter consequências sérias para o Conselho. Assim, para citar um exemplo: nas reuniões do Conselho sobre a política de competitividade chegam a participar quatro a cinco ministérios por país, o que impede uma estratégia a longo prazo, bloqueia a capacidade de liderança e contribui para a fragmentação daquela política.

4.9

As situações tornam-se ainda mais complicadas quando também existe uma divisão de competências entre os níveis nacional e regional, como acontece nos sistemas federais. A complexidade ou, por vezes, opacidade das relações entre os níveis nacionais e regional podem facilmente gerar maior confusão.

4.10

Certas práticas inadequadas da Comissão e do Secretariado do Conselho da EU inviabilizam igualmente o bom funcionamento do processo decisório nos Estados-Membros. Cite-se, a título de exemplo, o facto de a aplicação dos processos de decisão nacionais, mesmo os mais eficazes, se tornar impossível quando as versões finais dos projectos de documentos examinados pelo Conselho são enviadas em data muito próxima da marcada para a reunião.

4.11

As múltiplas situações de divisão do trabalho entre ministérios e departamentos dos Estados-Membros contrariam frequentemente o funcionamento eficaz da rede de contactos internacional ou relações pessoais de longa data entre funcionários públicos de toda a Europa.

4.12

Por último, a falta de conhecimentos específicos de grande parte do mundo jurídico, bem como, em particular, dos juízes nacionais, de quem se espera observância total do direito comunitário, ainda é uma experiência quotidiana que certamente não encoraja as administrações nacionais a aceitar espontaneamente a UE como plano de intervenção política e administrativa na elaboração das políticas internas.

5.   Tendências actuais

5.1

A sucessão de processos por infracção, o papel crucial da Comissão para correcção das deficiências na aplicação da legislação comunitária a nível nacional e a ampliação dos já comprovados painéis de avaliação da transposição do direito comunitário para o direito nacional fizeram aumentar a consciência de que os procedimentos nacionais têm de se alinhar com os requisitos europeus.

5.2

O processo de introdução do acervo comunitário em três novos Estados-Membros concluído no final de 2003 também fez despertar a atenção para esta questão.

5.3

O Tratado Constitucional proposto visava, entre outros aspectos, ligar os procedimentos políticos nacionais à preparação da legislação da UE, nomeadamente através de um envolvimento precoce dos parlamentos nacionais nos procedimentos comunitários.

5.4

Independentemente das melhorias ocasionais dos procedimentos de coordenação, importa reconhecer que os administradores nacionais estão na sua maioria hesitantes em alterar os procedimentos burocráticos internos, e certamente também em discutir as suas práticas entre si ou a nível da UE. Aí a regra do jogo chama-se «subsidiariedade».

5.5

Para além da subsidiariedade, é um facto da vida — e frequente factor de complicação da relação entre a UE e os Estados-Membros — que a tomada de decisão a nível da UE obedece a um ciclo diferente do da formulação das políticas nacionais.

5.6

Ainda que se discutam ajustes nos procedimentos de coordenação adoptados pelos Estados-Membros (7), são as diferenças que persistem a nível da abordagem e das práticas.

5.6.1

Na Dinamarca, por exemplo, o parlamento acompanha desde cedo a preparação da legislação das políticas comunitárias, o que contribui para a visibilidade sistemática e transparência do que acontece na UE. Além disso, a Dinamarca tem vindo a proceder desde há muito a adaptações eficazes dos procedimentos administrativos e a estabelecer correlações para conciliar as legislações nacional e comunitária.

5.6.2

No Reino Unido, foram adoptados procedimentos administrativos para aproximar os assuntos europeus da formulação das políticas internas, que passaram, nomeadamente, por criar um mecanismo eficaz de coordenação entre ministérios e por confiar ao governo um amplo mandato para se dedicar à questão da legislação comunitária. Assim, a Câmara dos Comuns tem oportunidade de analisar a legislação comunitária, enquanto a Câmara dos Lordes se empenha em comentar o direito comunitário e respectivas políticas.

5.6.3

Em contraste, em França e em Espanha o parlamento só é normalmente envolvido numa fase tardia, o que naturalmente influencia o lugar que a UE ocupa no debate público. A legislação e as políticas comunitárias são essencialmente preocupação da administração central e da liderança política. De notar, porém, que o principal órgão da Escola Nacional de Administração (ENA) foi transferido de Paris para Estrasburgo, o que pode ser visto como sinal do crescente impacto da UE em França.

5.6.4

Nos Países Baixos, algumas experiências infelizes com a aplicação da legislação comunitária fizeram aumentar o interesse pela gestão e os procedimentos seguidos nesta área. Uma reorganização dos procedimentos internos nos ministérios, visando interligar os interesses «internos» aos «europeus», está em vias de acontecer, mas revela-se um processo difícil na prática. O mesmo se diria das tentativas de envolver os parlamentos de forma mais eficaz e oportuna nos assuntos comunitários. No parlamento do Luxemburgo, os procedimentos já foram ajustados com êxito.

5.6.5

Nos «novos» Estados-Membros, os procedimentos que foram introduzidos ou ajustados na fase de preparação para a adesão à UE — isto é, quando o acervo teve de ser integrado no direito nacional — deram fruto sempre que permaneceram intactos. Um amplo projecto de «geminação» entre peritos dos «antigos» e dos «novos» Estados-Membros veio reforçar a capacidade dos novos Estados-Membros para adoptarem melhores práticas ao executaram o direito comunitário e poderá ainda vir a apoiar os esforços de integração de questões comunitárias numa fase precoce da tomada de decisão.

5.6.6

Nos sistemas federais, como é o caso da Alemanha e da Espanha, não é certamente nada fácil nivelar o desfasamento entre as regiões — respectivamente «Estados federados» (ou «Länder») e «Províncias» — e a «Europa». É especialmente quando as regiões são exclusivamente responsáveis por executar a legislação comunitária — como acontece na Alemanha — que há maiores probabilidades de surgirem problemas graves. Assim, todos os Estados federados têm um gabinete de representação em Bruxelas, a fim de acompanharem mais de perto os assuntos europeus que mais lhes interessam.

5.7

A introdução e vasta utilização do sistema de «peritos nacionais», enquanto interacção permanente entre administradores nacionais e a Comissão Europeia, pode ajudar a desenvolver uma interacção muito construtiva entre o nível nacional e «Bruxelas».

5.8

A Comissão Europeia presta apoio a uma série de redes de cooperação bem sucedidas, quer entre as administrações dos Estados-Membros quer entre a própria Comissão e as administrações nacionais (por exemplo, SOLVIT, redes de consumidores, etc.). Além disso, a Comissão está prestes a lançar o sistema de «Informação sobre o Mercado Interno» (IMI), que visa facilitar às administrações dos Estados-Membros a aplicação das regras do Mercado Interno.

5.9

Por outro lado, o sistema de «legisladores nacionais» em vários domínios, como concorrência, telecomunicações, energia e outros, contribui para fazer convergir as formas como são executadas nos Estados-Membros as políticas comunitárias acordadas.

5.10

De uma maneira mais geral, subsistem diferenças de abordagem entre os países que criam novas estruturas para melhorarem a interacção entre a UE e a gestão nacional dos assuntos europeus e os que até agora se têm abstido de repensar a organização e os procedimentos. Estes processos dependem fundamentalmente da vontade política.

6.   Conclusões e recomendações

6.1   Conclusões

6.1.1

A forma como as administrações nacionais estão organizadas resulta da evolução histórica de cada país. Consequentemente, as diferenças entre países estão presentes em praticamente todos os aspectos da vida política e pública e, na maior parte dos casos, tendem a manter-se de futuro. Mas essas diferenças não deviam necessariamente impedir o ajuste, ou mesmo a convergência dos procedimentos e dos métodos de trabalho no que toca à preparação e aplicação da legislação comunitária e das políticas acordadas em comum.

6.1.2

O CESE acredita que a aplicação de procedimentos políticos e administrativos nacionais bem definidos e eficazes e uma melhor elaboração e execução/cumprimento da legislação são parte integrante de uma boa governação comunitária.

6.1.3

Seria, por conseguinte, fortemente recomendável avaliar o ajuste e a melhoria dos procedimentos nacionais à luz dos procedimentos seguidos a nível europeu e das prioridades da UE de legislar melhor e melhor aplicar e fazer cumprir a legislação comunitária, já que estes objectivos dependem em grande medida de uma abordagem nacional satisfatória em todos os Estados-Membros.

6.1.4

A organização dos assuntos comunitários nos Estados-Membros é da competência destes. No entanto, já se daria um grande passo em frente se a forças políticas e as administrações nacionais vissem os assuntos comunitários como parte integrante das políticas internas, reconhecessem publicamente que são elas próprias que constituem a UE e agissem em conformidade. A vontade política nesse sentido é decisiva.

6.1.5

Tal passo estaria perfeitamente de acordo com as características especiais da relação entre as políticas comunitária e nacionais e das suas consequências, que estão interligadas ou são mesmo interdependentes. O reconhecimento da UE como plano de intervenção política e administrativa na elaboração das políticas internas também ajudaria a legislar melhor na UE.

6.1.6

Em alguns Estados-Membros, em especial na Dinamarca e mais recentemente no Luxemburgo, as propostas da Comissão são precocemente inseridas na agenda política. Isso implica o envolvimento sistemático do parlamento dinamarquês. Noutros Estados-Membros estão a ser propostos ajustes similares, mas é correcto dizer que a maioria dos parlamentos nacionais não se sentem à-vontade para se comprometerem harmoniosamente com as políticas comunitárias.

6.1.7

O Tratado Constitucional proposto também visava integrar os parlamentos nacionais numa fase precoce dos procedimentos comunitários. Em linha com este pensamento, os parlamentos têm recentemente vindo a receber propostas políticas e legislativas directamente da Comissão (8). Estas mudanças de procedimentos são propícias a antecipar na maioria dos Estados-Membros as discussões nacionais sobre a legislação e as políticas europeias e respectivas implicações.

6.1.8

Por outro lado, uma maior ênfase na discussão política e na consulta precoce à escala nacional também pode incentivar o empenho dos governos em participar em negociações sobre assuntos concretos.

6.1.9

O conjunto da sociedade reclama transparência, o que pode fortalecer a confiança e a legitimidade. Seria, pois, desejável que os procedimentos administrativos e políticos com que os Estados-Membros tratam os assuntos comunitários se conformassem com essa reclamação. A eficácia e a transparência dos procedimentos não só favoreceriam a primazia do direito, mas ajudariam também a melhorar a comunicação entre a UE e os círculos empresariais, os parceiros sociais e a sociedade civil, incrementando a compreensão e, finalmente, a participação e o compromisso (9).

6.1.10

Consequentemente, a transparência e a comunicação são igualmente condições cruciais para as consultas já estabelecidas ou recentemente lançadas junto de partes interessadas do sector privado, as quais são por vezes subestimadas.

6.1.11

Melhorar o ambiente regulador é uma prioridade partilhada por todas as instituições, como prioritária é também a coerência do Mercado Único ou ainda, desde o ano 2000, a realização da Estratégia de Lisboa. Todos estes objectivos serão melhor servidos quando os processos legislativos comunitário e nacional estiverem convenientemente interligados.

6.1.12

Embora a subsidiariedade seja um princípio ancorado na forma de pensar e de agir da UE, importa guardar em mente que a gestão e a aplicação da legislação comunitária — e o cumprimento das obrigações daí decorrentes — pelos Estados-Membros tem frequentemente repercussões directas nos outros países e sociedades da União. Isso significa que os parceiros públicos e privados estão interessados na forma como cada país gere a sua relação com a UE. Por outras palavras, a organização e os métodos de trabalho das administrações nacionais fazem parte da gestão da UE enquanto todo.

6.1.13

A adopção de procedimentos adequados e o acompanhamento dos assuntos europeus nos Estados-Membros também reforçariam os esforços da Comissão e a qualidade do seu trabalho.

6.2   Recomendações

6.2.1

Além das sugestões feitas no seu parecer «Aplicar melhor a legislação comunitária» (10), o CESE recomenda que, para obter uma panorâmica global, se analisem exaustivamente os procedimentos e práticas de gestão política e administrativa dos assuntos europeus seguidos pelas instâncias nacionais e regionais dos 25 Estados-Membros.

6.2.2

Particular atenção merecem todos os aspectos relacionados com a forma como os decisores políticos e administrativos nacionais estão envolvidos no processo, como mencionado na secção 4 do presente parecer («Coordenação a nível nacional»). Para além das suas crescentes actividades em matéria de elaboração e execução/cumprimento da legislação comunitária, a Comissão pode ainda desempenhar um maior papel de iniciativa e de apoio nesta área.

6.2.3

As análises referidas serão um bom ponto de partida para uma discussão sobre a eficácia dos procedimentos governamentais, políticos e administrativos de gestão dos assuntos europeus. Essa panorâmica geral deve fazer ressaltar melhores práticas e outras medidas recomendáveis e criar uma base sólida para um debate aberto à escala europeia sobre a melhor forma de lidar com os assuntos europeus ao nível nacional, o qual também alimentará o debate sobre como legislar melhor e melhor aplicar e fazer cumprir a legislação.

6.2.4

Não será fácil proceder à referida análise global e dela retirar conclusões exequíveis. As autoridades nacionais e regionais reclamam cada vez mais a necessidade de trocas de conhecimentos e ideias sobre como conseguir uma gestão apropriada dos assuntos comunitários. O CESE preconiza, assim, um estudo contínuo das práticas e dos procedimentos administrativos em causa. Por outro lado, poder-se-á igualmente incentivar o diálogo bilateral entre as autoridades nacionais, como acontece, por exemplo, com o centro de excelência IMPEL (11) e a rede Solvit.

6.2.5

Além disso, as observações provenientes dos círculos empresariais, dos parceiros sociais e da sociedade civil devem ser sistematicamente levadas em consideração. Todas estas partes têm particular interesse na melhoria da elaboração e da execução/cumprimento da legislação comunitária, a qual também requer transparência e a organização precoce de consultas eficazes a nível nacional.

6.2.6

Havia ainda que desenvolver e pôr a funcionar o sistema de «Informação sobre o Mercado Interno» (IMI), que facilita o intercâmbio de informações entre as administrações dos Estados-Membros com vista a melhorar a aplicação das regras do Mercado Único.

6.2.7

Seria finalmente útil elaborar um vademecum comunitário dos procedimentos e práticas nacionais neste domínio, o qual incorporaria os resultados do centro de excelência e serviria de orientação para o bom funcionamento dos procedimentos nacionais e para uma melhor elaboração e execução/cumprimento da legislação na sua globalidade.

Bruxelas, 14 de Dezembro de 2006

O Presidente

do Comité Económico e Social Europeu

Dimitris DIMITRIADIS


(1)  JO C 24, 31.1.2006.

(2)  Livro Branco sobre a Governação Europeia (COM(2001) 428 final).

(3)  Recomendação da Comissão, de 12 de Julho de 2004, sobre a transposição para o direito nacional de directivas relativas ao mercado interno (2005/309/EC).

(4)  Cf. o estudo de Adriaan Schout e Andrew Jordan, «Coordinating European Union Affairs: How do different actors manage multilevel complexity?» [Coordenar os Assuntos da União Europeia: como geram os diferentes intervenientes a complexidade dos múltiplos níveis?], 29 de Maio de 2006. O estudo analisa práticas de coordenação da Comissão Europeia na Alemanha, no Reino Unido e nos Países Baixos e contém vasta literatura sobre aspectos parciais desta temática geral, que revela simultaneamente a falta de uma análise global das práticas dos 25 Estados-Membros.

(5)  Ver considerações do Conselho informal «Justiça e Assuntos Internos» realizado em Tampere, de 20 a 22 de Setembro de 2006, sobre o tema «Melhoria da tomada de decisão no âmbito da Justiça e dos Assuntos Internos».

(6)  Cf. «De Omzetting van Europese richtlijnen: Instrumenten, technieken en processen in zes lidstaten vergeleken» [A transpositção das directivas europeias: um estudo comparativo dos instrumentos, técnicas e processos utilizados em seis Estados-Membros], Prof. Dr. B. Steunenberg e Prof. Dr. W. Voermans, Universidade de Leyden, Países Baixos, 2006. Além de uma profunda análise da situação nos Países Baixos e de recomendações sobre ela, este estudo comparativo examina ainda a situação na Dinamarca, na França, na Alemanha, na Itália, na Espanha e no Reino Unido.

(7)  Vd. opus cit.: Steunenberg e Voermans, Leyden, 2006.

(8)  Vd. Conclusões do Conselho Europeu, Junho de 2006.

(9)  É de assinalar que a primeira reacção da opinião pública dinamarquesa ao Tratado Constitucional foi bastante positiva pelo simples facto de o Tratado prever procedimentos mais democráticos e transparentes. Ao invés, o «comité de diálogo» francês, uma plataforma do governo e dos parceiros sociais criada para discutir assuntos europeus, já perdeu todo o significado prático.

(10)  JO C 24, de 31.01.06. Neste parecer, o CESE argumenta que, embora os Estados-Membros devessem «continuar a ter margem de manobra na determinação dos seus próprios métodos e procedimentos de aplicação [...], o próximo passo na cooperação entre as instituições comunitárias e as autoridades nacionais na aplicação do direito e das políticas da União é o reforço ou a racionalização da capacidade administrativa nacional para aplicar as políticas» (pontos 4.2.1 e 4.2.4). Na secção 4 são feitas propostas para esse fim.

(11)  Esta «Rede Europeia para a Implementação e Execução da Legislação Ambiental» (IMPEL = «Implementation and Enforcement of Environmental Law», criada em 1992, é uma rede informal de entidades regulamentadoras europeias preocupadas com a execução e o cumprimento da legislação em matéria de ambiente. Além da Comissão Europeia, integram a rede 30 países — todos os Estados-Membros da União Europeia, 2 países aderentes (Bulgária e Roménia), 2 países candidatos (Croácia e Turquia), e ainda a Noruega.


ANEXO

ao parecer do Comité Económico e Social Europeu

O seguinte trecho do parecer da Secção Especializada foi substituído por uma alteração adoptada pela Assembleia, tendo recolhido, contudo, pelo menos um quarto dos votos expressos:

«1.1

No processo decisório da UE, a instância decisiva é o Conselho de Ministros. Não obstante, nunca a nível comunitário se aprofundou a questão da coordenação e da formulação de políticas no plano nacional. A UE é, sem dúvida, única a partilhar soberania, mas isso exige dela uma governação transparente de múltiplos níveis num vasto leque de domínios. O CESE crê que a adopção de procedimentos políticos e administrativos nacionais bem definidos e eficazes nos Estados-Membros e uma melhor elaboração e execução/cumprimento da legislação são parte integrante de uma boa governação comunitária, para além do que aumentam a transparência e clarificam o impacto da legislação e políticas comunitárias no conjunto da sociedade. A análise das práticas nacionais revela diferenças substanciais entre os Estados-Membros no que toca à gestão política e administrativa dos assuntos europeus. Essa mesma análise deverá estimular uma discussão sobre os procedimentos governamentaispolíticos e administrativosde gestão desses assuntos, na qual faria sentido dar particular destaque a melhores práticas e outras medidas recomendáveis. Por outro lado, um debate aberto, à escala europeia, sobre como gerir os assuntos europeus a nível nacional contribuiria para a discussão geral sobre como legislar melhor e melhor executar e fazer cumprir a legislação comunitária. O CESE sugere assim a criação de um centro de excelência nesta matéria, onde funcionários e académicos dos diferentes países e representantes da Comissão possam reunir conhecimentos, recolher informação sobre práticas nacionais, promover a troca de pontos de vista e dinamizar o debate. Neste contexto, deviam ser igualmente ouvidas as observações dos círculos empresariais, dos parceiros sociais e da sociedade civil.»

Resultado da votação (alteração do ponto): Votos a favor: 74. Votos contra: 59. Abstenções: 16.