52006DC0283

Comunicação da Comissão ao Conselho e ao Parlamento Europeu - Recomendações para um compromisso renovado da União Europeia perante o Iraque /* COM/2006/0283 final */


[pic] | COMISSÃO DAS COMUNIDADES EUROPEIAS |

Bruxelas, 7.6.2006

COM(2006) 283 final

COMUNICAÇÃO DA COMISSÃO AO CONSELHO E AO PARLAMENTO EUROPEU

Recomendações para um compromisso renovado da União Europeia perante o Iraque

COMUNICAÇÃO DA COMISSÃO AO CONSELHO E AO PARLAMENTO EUROPEU

Recomendações para um compromisso renovado da União Europeia perante o Iraque

I. Introdu ÇÃO

O Iraque depara-se com enormes desafios: a insegurança provocada pelo terrorismo, as insurreições, o crime organizado e a violência inter-religiosa, a existência de graves carências a nível dos serviços básicos, as violações frequentes dos direitos humanos e a existência de carências institucionais generalizadas a nível da administração nacional.

A Comunicação da Comissão de 2004 intitulada “A União Europeia e o Iraque - Enquadramento da acção da UE”[1] e a carta que a acompanhava, assinada pelo Comissário responsável pelas Relações Externas e pelo Alto Representante, definiram uma estratégia a médio prazo para a intervenção da UE no Iraque na sequência da designação do novo governo provisório e da adopção da Resolução 1546 do Conselho de Segurança das Nações Unidas.

A partir de 2004, não obstante o sério agravamento das condições de segurança, o Iraque conseguiu realizar progressos consideráveis no âmbito do seu processo político e constitucional, que culminaram com a formação do primeiro governo iraquiano constitucionalmente eleito. Em 2005, foram realizadas duas eleições e foi redigida uma nova constituição, a qual foi posteriormente ratificada pelo referendo popular realizado em Outubro do mesmo ano. A taxa de participação em ambos os escrutínios foi muito elevada.

A tomada de posse do novo governo proporciona a oportunidade ideal para se fazer o ponto da situação sobre os progressos realizados, tal como previsto na comunicação de 2004, e se proceder a uma nova reflexão sobre a forma como a UE poderá desenvolver a sua acção no Iraque, começando por encetar o diálogo político com o novo governo.

A estratégia a médio prazo consagrada na comunicação de 2004 definia os seguintes objectivos:

- um Iraque seguro, estável e democrático

- uma economia de mercado aberta, viável e diversificada;

- um Iraque em paz com os países vizinhos e integrado na comunidade internacional.

Apesar da instabilidade, das tensões políticas e do agravamento das condições de segurança no país, estes objectivos continuam válidos.

Não obstante estas dificuldades, a União Europeia prosseguiu a execução das acções definidas na sua comunicação de 2004. Colocou-se na vanguarda dos esforços internacionais, prestando apoio ao processo político e constitucional, contribuindo decisivamente com os seus recursos e qualificações para os processos eleitorais e a instituição do Estado de Direito. A UE prestou um apoio financeiro considerável, nomeadamente através do Fundo Internacional para a Reconstrução do Iraque. A Comissão Europeia abriu uma delegação no país. Além disso, a UE reforçou o seu compromisso perante os dirigentes políticos iraquianos, designadamente, através da definição de um enquadramento para o diálogo político, assente na declaração comum relativa ao diálogo político UE-Iraque, assinada em 21 de Setembro de 2005, assim como das visitas da Tróica e da conferência internacional organizada em Bruxelas em Junho de 2005 sob a égide conjunta da UE e dos EUA. A União Europeia manteve-se em contacto com o novo governo iraquiano, tendo apresentado uma proposta para o início das negociações tendo em vista a conclusão de um acordo de comércio e cooperação. Ao longo de toda a sua intervenção, a UE manteve o diálogo e contactos estreitos com os principais interlocutores internacionais empenhados em ajudar os iraquianos a superarem os desafios que se lhes deparam.

A presente comunicação, assente numa análise da situação actual e dos desafios que se perspectivam, formula uma série de recomendações para a acção da UE , que se centram num conjunto de objectivos-chave. A comunicação cria um enquadramento para o diálogo e a cooperação entre a UE e o novo governo iraquiano. Embora o mandato deste último dure apenas quatro anos, as recomendações propostas na presente comunicação não estão sujeitas a qualquer calendário específico.

- Existem dois factores determinantes para um maior empenhamento da UE no Iraque: em primeiro lugar, a representatividade multiétnica e multiconfessional no âmbito do processo político e no interior do próprio governo; em segundo lugar, a situação do país em termos de segurança.

II. DESAFIOS PARA O IRAQUE

Os principais desafios que se deparam ao Iraque e ao novo governo iraquiano são: preservar a coesão nacional e assegurar a reconciliação nacional; garantir a segurança respeitando os direitos humanos; assegurar a prestação dos serviços básicos e criar oportunidades de emprego, de modo a aumentar as capacidades da administração pública nacional; promover a estabilidade económica e o crescimento sustentável em benefício de toda a população.

Para se avaliar os desafios globais que se colocam ao Iraque, importa examinar mais atentamente uma série de aspectos específicos. Embora interdependentes, tais aspectos, de carácter simultaneamente político e económico, podem, de um modo geral, ser classificados em duas categorias distintas: a consolidação da democracia e a promoção da economia.

Consolidação da democracia e reforço da sociedade civil

Embora o processo político tenha registado progressos significativos em 2005, os alicerces democráticos do Iraque precisam de ser consolidados. A organização das futuras eleições autárquicas e regionais, assim como o processo de revisão constitucional, darão indicações importantes quanto ao empenhamento do Iraque na defesa da democracia.

No referendo à Constituição realizado em Outubro de 2005, o povo iraquiano manifestou o seu apoio a uma união federal de regiões e de províncias. A Constituição proporciona o enquadramento ao abrigo do qual a maioria dos iraquianos aceita viver em comum. Algumas comunidades iraquianas consideram, todavia, que na sua redacção actual o texto constitucional não reconhece, na sua plenitude, as respectivas preocupações e aspirações. A Constituição iraquiana tem ainda de ser reconhecida como o fundamento legítimo para a representatividade multiétnica e multiconfessional e para uma governação moderna, assente na repartição das competências e das responsabilidades económicas pelos diferentes níveis de governo: central, provincial e autárquico. A Constituição proporciona igualmente as bases para a distribuição da riqueza nacional e para as políticas económica, energética e orçamental. A Constituição consagra como uma das principais atribuições do Conselho dos Representantes recentemente eleito a revisão e o desenvolvimento das medidas legislativas e institucionais enunciadas no texto constitucional.

O papel a desempenhar pela sociedade civil constitui um elemento determinante do processo democrático. Há ainda muito por fazer, tanto por parte do Iraque como pela comunidade internacional, no que respeita ao reforço da sociedade civil iraquiana, nomeadamente em domínios como a liberdade de imprensa, a promoção do activismo e da fiscalização, a promoção dos direitos humanos e das liberdades fundamentais, nomeadamente os direitos das mulheres, das crianças e das minorias étnicas e religiosas.

Coesão nacional

A questão da coesão nacional iraquiana está relacionada com o sentimento de pertença da população e com a tendência para as pessoas se identificarem em função de critérios religiosos ou étnicos. Este facto ficou bem claro nas mesas de voto e durante o referendo sobre a Constituição de 2005, assim como pelos actos de violência inter-religiosa. Um dos desafios mais prementes que se colocam aos novos dirigentes iraquianos consiste em apresentar e defender um modelo de governação que permita superar as profundas divisões existentes.

Esta tendência tem igualmente efeitos negativos no equilíbrio étnico, religioso e político dos países vizinhos, assim como para a região no seu conjunto. Vários dos países limítrofes do Iraque partilham as mesmas comunidades étnicas e religiosas deste país. Se o Iraque se desintegrar progressivamente, esse facto poderá incentivar o separatismo étnico e religioso nos outros países da região. A salvaguarda da integridade territorial do Iraque é, portanto, igualmente do interesse dos seus vizinhos e, em última análise, de toda a comunidade internacional.

Para se acabar com a violência inter-religiosa no país, as nomeações de pessoal, a composição das forças de segurança nacionais iraquianas e dos ministérios de tutela, assim como o acesso aos serviços públicos e à repartição dos recursos terão de reger-se pelo princípio da representatividade multiétnica e multiconfessional . A formação do governo de unidade nacional constituiu um primeiro passo nesse sentido. É igualmente essencial que se adoptem iniciativas destinadas a promover a reconciliação nacional.

Segurança e criação de um Estado de Direito

A vaga de violência que se seguiu ao atentado bombista contra a mesquita de Samarra, em 22 de Fevereiro último, veio agravar a tendência, já existente, para a violência de carácter religioso . Esta envolve, cada vez mais, confrontos entre milícias e grupos armados organizados em função das suas convicções religiosas. A situação é agravada pela incapacidade notória das forças nacionais de segurança para garantir a segurança, assim como pelas ligações existentes, tanto entre as milícias como entre as forças de segurança, com as actividades criminosas. Acresce ainda o facto de o crime organizado e a violência nas ruas continuarem a ameaçar os cidadãos iraquianos.

Consequentemente, os iraquianos voltam-se para as suas associações étnicas ou religiosas em busca de protecção e de apoio, o que tem suscitado um aumento das migrações internas, bem como da emigração. As comunidades que residem em bairros mistos onde se encontram em minoria deslocam-se para as zonas onde a sua comunidade étnica ou religiosa é maioritária.

A segurança constitui, por conseguinte, um dos principais problemas a que novo governo terá de se dedicar. A este respeito, o domínio dos revoltosos e das milícias assume uma importância crucial. Já foram lançados apelos a iniciativas de desarmamento, desmobilização e reintegração . Importa, todavia, que as acções adoptadas em matéria de segurança não comprometam o Estado de Direito ou o respeito dos direitos humanos . A prevenção da violação dos direitos humanos e do êxodo das comunidades deverá constituir uma prioridade absoluta. Após os anos de repressão que caracterizaram o antigo regime, os serviços de segurança, bem como os aparelhos judicial e penitenciário, terão de evidenciar alterações que sejam perceptíveis pelos cidadãos de forma a reconquistarem a sua confiança. Embora a criação de um Estado de Direito exija tempo, não podendo ser concretizada de um dia para o outro, os dirigentes iraquianos terão de demonstrar que registam progressos constantes no sentido de melhorar a situação.

Criação das bases para um desenvolvimento económico sustentável

Serviços básicos e criação de emprego

A prestação de serviços básicos e a criação de emprego e de actividades geradoras de rendimentos, mediante a retoma da actividade económica, são igualmente importantes, estando estreitamente ligadas à segurança. Estes dois objectivos assumem um lugar privilegiado em qualquer programa de governo. No caso do Iraque, contudo, onde a gestão e as infra-estruturas em sectores como a saúde, a educação e a electricidade se degradaram durante os últimos anos do regime de Saddam Hussein, não tendo registado qualquer melhoria qualitativa ou quantitativa recente, o governo tem de agir determinadamente para prestar os serviços básicos e assim melhorar a qualidade de vida da população. A falta de electricidade e de água, assim como as dificuldades de acesso à educação ou aos cuidados de saúde constituem preocupações diárias, que não só agravam as tensões sociais como entravam a retoma económica. A incapacidade de resolver estes problemas pode comprometer o potencial das futuras gerações iraquianas.

A criação de oportunidades de emprego e de actividades geradoras de rendimentos é igualmente premente. Para alguns iraquianos, a existência de um emprego poderá dissuadi-los de ceder ao apelo financeiro para se juntarem às milícias ou aos grupos de revoltosos ou terroristas. O capital de recursos humanos do Iraque constituiu anteriormente um dos principais atributos do país. Há 20-25 anos, os níveis de instrução iraquianos eram claramente superiores aos dos outros países da região, mas ao longo dos anos caíram para níveis muito inferiores aos dos seus países vizinhos. Hoje em dia é frequente as gerações mais jovens serem menos instruídas do que a dos seus pais. Para que o Iraque possa tirar pleno partido do seu capital humano, esta tendência terá de ser invertida.

Criação de um enquadramento administrativo eficaz

A função pública é o maior empregador do país, mas passou por muitos anos de má gestão, o que impediu a sua modernização e a melhoria das qualificações. A melhoria da sua eficácia e eficiência é indispensável para reforçar a sua capacidade em termos de definição e execução das políticas. As carências da função pública têm repercussões graves na gestão da economia e na prestação dos serviços públicos essenciais. A comunidade internacional deve apoiar a reforma da estrutura, da regulamentação e dos procedimentos da administração pública iraquiana.

Energia e diversificação económica

O Iraque possui as segundas maiores reservas de petróleo do mundo, assim como importantes recursos de gás natural por explorar. A economia iraquiana é dominada pelo sector energético, mas o seu desempenho está claramente abaixo das capacidades e os rendimentos estão longe de ser plenamente aproveitados. A utilização de técnicas antiquadas, a inexistência de uma administração transparente, eficaz e moderna, a falta de investimentos, assim como a pilhagem e a sabotagem frequentes das infra-estruturas são factores que impedem o desenvolvimento do sector. Além disso, devido às deficiências técnicas do sistema de medição do petróleo extraído, a administração não possui uma perspectiva clara dos níveis da produção e de exportação, o que facilita o tráfico e o desvio das receitas petrolíferas.

A forte dependência dos rendimentos petrolíferos torna o Iraque muito vulnerável aos factores económicos externos. O recente aumento dos preços do petróleo nos mercados internacionais beneficiou o país. Todavia, uma queda dos preços do petróleo poderá afectar gravemente a economia iraquiana. Reduzir a dependência do petróleo mediante a diversificação económica permitiria atenuar o impacto das flutuações dos preços do petróleo e criar novos postos de trabalho. Essa diversificação poderia ser levada a cabo mediante o incentivo a diferentes actividades geradoras de rendimentos (não ligadas ao sector da energia) que permitissem explorar outros recursos à disposição do Iraque, como a água e a agricultura . Com efeito, o Iraque distingue-se dentro da região em que se insere pelos dois grandes cursos de água que atravessam o seu território. No centro do antigo Crescente Fértil quase 20% da população activa iraquiana trabalha no sector agrícola. Numa região onde muitos países sofrem limitações de abastecimento de água ao sector agrícola, o Iraque encontra-se numa situação privilegiada. O aumento da produção e das exportações de produtos agrícolas apresenta um forte potencial de apoio à prosperidade e à diversificação da economia. A água pode, também, representar um activo importante a nível do comércio regional.

As carências orçamentais do Iraque têm de ser encaradas como uma prioridade. Actualmente, uma parte muito significativa do PIB iraquiano destina-se ao sistema de distribuição público (legado das sanções anteriores a 2003) e às subvenções ao consumo interno de petróleo. As reformas económicas impostas pelo acordo de stand-by com o FMI permitirão ao governo prosseguir os investimentos públicos e o seu programa de desenvolvimento consagrado na Estratégia de Desenvolvimento Nacional. São necessárias reformas urgentes a fim de reforçar o processo orçamental, nomeadamente em matéria de registo das receitas e despesas e de promoção da responsabilização. O processo orçamental deve ser utilizado como um instrumento político essencial. O governo iraquiano deverá elaborar um orçamento unificado para as despesas de investimento e as despesas correntes, integrado num enquadramento a médio prazo. Todas as ajudas prestadas por doadores deverão ser inscritas no orçamento nacional unificado.

Será igualmente necessário reformar a regulamentação aplicável aos serviços comerciais e financeiros , de modo a atrair os investimentos privados que, a médio prazo, serão necessários ao financiamento das infra-estruturas petrolíferas e eléctricas. Essa reforma deve, contudo, ser equilibrada, de modo a evitar eventuais repercussões negativas sobre o bem-estar social.

III. Recomendações relativas ao apoio da UE

O Iraque é um país rico em recursos humanos, naturais e culturais, dispondo de um vasto potencial para voltar a ser um parceiro regional e internacional importante. A sua situação actual é, todavia, muito prejudicada pela insegurança e pela instabilidade permanentes. Independentemente da sua situação futura, o Iraque continuará a ter implicações económicas, energéticas, políticas e em termos de segurança para a União Europeia. Por esse motivo, é do interesse da UE incentivar um Iraque seguro, estável, democrático e economicamente próspero, que mantenha a paz com os seus vizinhos e esteja integrado na comunidade internacional.

A formação do primeiro governo iraquiano constitucionalmente eleito proporciona novas possibilidades para a acção da União Europeia neste país. A UE encontra-se bem posicionada para o fazer. A proximidade geográfica, a experiência já adquirida neste país e noutras situações de pós-conflito, as suas relações sólidas com os principais interlocutores internacionais (nomeadamente os países vizinhos do Iraque), o seu poder económico, assim como o contributo potencial das populações iraquianas emigradas na Europa, constituem factores de que a UE deverá tirar partido para ajudar a população iraquiana a inverter o curso dos acontecimentos. A UE pode ainda tirar partido da experiência adquirida no Iraque, através do diálogo político, do financiamento da reconstrução (que se elevou a cerca de 720 milhões de euros durante o período 2003-2006), da cooperação em matéria de Estado de Direito e das relações estabelecidas através da sua presença neste país.

A curto prazo, a União Europeia deve centrar a sua acção num pequeno número de objectivos-chave, em relação aos quais possa proporcionar um valor acrescentado e obter rapidamente resultados tangíveis. Para maximizar o seu impacto e eficácia, a Comunidade e os Estados-Membros da UE devem concentrar os seus esforços nesses objectivos-chave, procurando assegurar a complementaridade das suas acções. As Nações Unidas devem continuar a assumir a liderança, tanto no plano político como no âmbito da reconstrução económica do país.

O apoio permanente aos esforços envidados pelas Nações Unidas deve continuar a desempenhar um papel central na intervenção da UE, assim como o aprofundamento do diálogo e da cooperação com as principais partes interessadas. Há que aprofundar o diálogo com os países vizinhos do Iraque e prestar apoio a iniciativas de consolidação da cooperação regional. A UE deve continuar igualmente a subscrever os apelos do Iraque relativamente a um novo empenho político e económico internacional através da realização de uma conferência internacional.

O apoio político e a ajuda externa não bastam, todavia, para colmatar todas as carências do Iraque. As mudanças a operar no país deverão provir dos próprios iraquianos e ser conduzidas por estes. A UE precisa de um parceiro sólido, determinado em aplicar as políticas definidas e empenhado na resolução dos problemas existentes. A sua intervenção neste país dependerá da definição de uma estratégia e da existência de condições de segurança no Iraque. Por conseguinte, foram identificados vários factores determinantes , que poderão influenciar o impacto das medidas adoptadas pela UE, os quais poderão ser objecto de um ajustamento em função do processo de diálogo com o novo governo iraquiano. Dois desses factores são, todavia, indispensáveis à resolução de qualquer problema : a vontade política do Iraque e a melhoria da situação em termos de segurança .

Com base na análise dos problemas que se deparam ao Iraque e do posicionamento da UE, propõe-se que os esforços se concentrem numa série de objectivos concretos.

Objectivo da UE: | Aprovar e apoiar um modelo de governo democrático que permita superar as divisões |

A União Europeia deve continuar a prestar apoio ao processo político iraquiano subscrevendo as estratégias e iniciativas que previnam a violência inter-religiosa e promovam o respeito e o diálogo entre as diferentes comunidades. Para o efeito, a UE deve colaborar activamente com o governo nacional e com as administrações regionais, assim como com a sociedade civil, as Nações Unidas e os outros parceiros internacionais. A UE deve apoiar igualmente os esforços de reconciliação nacional , bem como as políticas destinadas a assegurar a representatividade multiétnica e multiconfessional em todos os sectores da administração.

A UE deve, além disso, tirar partido das suas relações com outras partes interessadas a nível regional, incentivando-as a defenderem a integridade territorial e a unidade nacional do Iraque e desencorajando a sua interferência nos assuntos internos do país.

A UE deve ainda continuar a prestar o seu importante contributo para o processo de revisão constitucional , em estreita colaboração com as Nações Unidas, disponibilizando a experiência dos seus Estados-Membros em matéria de repartição das competências administrativas, de equilíbrio económico e de programas de solidariedade. Essa acção poderia ser complementada por medidas mais ambiciosas que abrangessem toda a população iraquiana, proporcionando-lhe uma melhor compreensão dos desafios políticos e económicos.

O apoio comunitário pode ter igualmente por objecto as instituições parlamentares e democráticas . Entre as medidas a considerar, importa referir o reforço das capacidades e a assistência técnica às instituições iraquianas em causa, os programas de intercâmbio ou de geminação com as administrações dos Estados-Membros da UE ou com o Parlamento Europeu. Poderiam beneficiar igualmente do apoio comunitário a Comissão Eleitoral Independente do Iraque e as outras organizações da sociedade civil iraquiana.

A União Europeia não deve limitar-se a lutar pela defesa dos direitos humanos e da democracia a nível central, devendo explorar igualmente as possibilidades de intervir a nível regional, provincial e local, de modo a assegurar a integração das políticas e a controlar a sua aplicação.

Factores determinantes: o carácter multiétnico e multiconfessional do novo governo iraquiano terá uma incidência positiva na ajuda prestada pela UE nestes domínios, a qual poderá beneficiar igualmente da adopção pela administração nacional de uma política de recrutamento transparente, assente no mérito e não discriminatória. O cumprimento do calendário fixado para o processo eleitoral incitará os iraquianos a participar e reforçará a sua confiança no processo político.

Objectivo da UE: | Contribuir para reforçar a segurança, salvaguardando o Estado de Direito e promovendo uma cultura de respeito dos direitos humanos |

Vários Estados-Membros da UE já participam em acções destinadas a melhorar a segurança no Iraque. Alguns deles ministram formação no domínio da segurança oferecida à polícia e ao pessoal militar. A Missão Integrada da União Europeia para o Estado de Direito no Iraque (EUJUST LEX), no âmbito da PESD, colabora com a polícia, os juízes e os funcionários penitenciários iraquianos no desenvolvimento de sistemas integrados em matéria de Estado de Direito e de justiça penal. Esta missão, iniciada em Julho de 2005, já foi objecto de uma prorrogação.

A União Europeia deve continuar a envidar esforços tendo em vista a melhoria da segurança e do Estado de Direito . A Comissão deve aproveitar a experiência adquirida com a Missão EUJUST LEX para preparar um programa em matéria de Estado de Direito, que permita reforçar o sistema judiciário, tanto em matéria penal como civil. Importa assegurar uma estreita coordenação entre os esforços envidados no âmbito da PESD e a acção comunitária neste domínio. A cooperação deverá promover a integração de uma cultura de respeito dos direitos humanos , nomeadamente os relacionados com a igualdade entre géneros, os direitos das crianças e a liberdade religiosa. Para tal, será necessário proceder a um reforço das capacidades, de forma a criar meios de controlo do respeito dos direitos humanos. A União Europeia deve igualmente estudar a possibilidade de prestar apoio às iniciativas em matéria de desarmamento, desmobilização e reintegração , com base na experiência por si adquirida noutra situações de pós-conflito. A UE poderia ainda contribuir para os esforços envidados em matéria de reforço das capacidades, a fim de ajudar as instituições e o governo iraquianos a acompanharem os progressos em matéria de aplicação das convenções internacionais em vigor em matéria de direitos humanos .

Factores determinantes: os esforços envidados pela UE poderão ser potenciados se o governo se empenhar na realização das reformas necessárias do sistema judiciário e se as forças de segurança iraquianas respeitarem os direitos humanos. O reforço do Ministério dos Direitos do Homem e a criação de uma Comissão dos Direitos do Homem e de outras instituições encarregadas de investigar os casos de violação dos direitos humanos constituiriam um passo nesse sentido. O governo tem igualmente de dominar as milícias e os grupos armados não governamentais. Seria também desejável que fosse definido um enquadramento que promovesse a participação da sociedade civil.

Objectivo da UE: | Ajudar as autoridades nacionais e regionais a melhorar a prestação de serviços básicos e a criar condições favoráveis à criação de empregos |

Através da ajuda comunitária e da estreita cooperação com as Nações Unidas, a UE tem prestado um importante contributo para os programas orientados que se destinam a melhorar o acesso da população iraquiana aos serviços básicos (água, educação, saúde, saneamento, etc.), prosseguindo o objectivo mais geral de melhorar a qualidade de vida no Iraque e de assegurar uma estabilidade sustentável a médio prazo. Para garantir a continuidade das melhorias introduzidas, o governo deverá adoptar políticas a longo prazo em matéria de desenvolvimento social . A aplicação dessas políticas poderia receber apoio da UE, com base na estratégia de desenvolvimento nacional adoptada pelo Iraque em Outubro de 2004, que certamente será actualizada pelo novo governo. A UE poderia ainda contribuir para a reforma do sistema de segurança social, em cooperação com as outras partes interessadas a nível internacional.

A criação de empregos constitui uma das prioridades do novo governo. Os esforços neste domínio deverão centrar-se na criação de um ambiente favorável à criação de novos postos de trabalho e ao desenvolvimento de actividades geradoras de rendimentos. Para o efeito, há que harmonizar os diferentes programas de reconstrução, assim como as diversas componentes da criação de emprego, e promover, em benefício das pequenas e médias empresas, actividades de criação de novos empregos no sector privado . Importa igualmente prosseguir os esforços já envidados no âmbito do Fundo Internacional para a Reconstrução do Iraque, assegurando a diversificação das actividades económicas e lançando as bases para o desenvolvimento das trocas comerciais.

Factores determinantes: o impacto do apoio da UE poderá ser potenciado pela actualização da estratégia de desenvolvimento nacional, de forma a que sejam definidas prioridades claras. O governo tem de encontrar um compromisso político entre a execução das principais reformas estruturais (cujos benefícios a longo prazo poderão implicar custos dolorosos a curto prazo) e a prevenção dos conflitos sociais. Simultaneamente, o bom funcionamento dos mecanismos de coordenação entre doadores deverá contribuir para fazer coincidir as necessidades e os recursos disponíveis. Os doadores são favoráveis a uma maior visibilidade da ajuda logo que as condições de segurança o permitam.

Objectivo da UE: | Apoiar mecanismos que abram caminho à retoma económica e à prosperidade do Iraque |

A União Europeia, que já contribui para promover as reformas económicas e o desenvolvimento na região, deverá utilizar essa experiência para colaborar com o governo iraquiano na promoção do desenvolvimento económico e da prosperidade. A UE prosseguirá o diálogo com o governo iraquiano a fim de promover o desenvolvimento económico através do apoio financeiro, de iniciativas destinadas a diminuir a dívida e do aprofundamento dos programas de cooperação.

A acção da UE deverá centrar-se inicialmente em suprir as carências actuais do sector energético iraquiano. A UE deve apoiar o enquadramento regulamentar, jurídico e financeiro , de modo a promover os investimentos e a desencorajar a corrupção, o crime organizado e a criminalidade. Paralelamente, a UE deverá incentivar a cooperação regional no sector da energia através das redes regionais da UE. Poderia encetar-se um diálogo de carácter técnico com o Iraque sobre o desenvolvimento dos recursos petrolíferos e a exploração das reservas de gás natural do país, em especial a sua exportação para o Machereque e para os mercados da UE, o que complementaria os esforços actualmente em curso a nível regional.

Por outro lado, a União Europeia deverá promover a diversificação económica, apoiando o desenvolvimento de um regime de trocas comerciais e de investimentos que garanta um mínimo de previsibilidade, transparência e segurança jurídica, condição indispensável para que os agentes económicos nacionais e internacionais decidam investir e criar novos postos de trabalho no país.

O processo de negociação de um acordo de comércio e de cooperação não deixará de ter uma incidência positiva nas reformas internas. Essas negociações poderiam servir como um precursor do processo de adesão à OMC, aproximando o regime comercial iraquiano das regras e disciplinas da OMC e facilitando assim o processo de adesão do Iraque a esta organização . A possibilidade de o Iraque tirar partido do Sistema de Preferências Generalizadas, que lhe facilitaria o acesso ao mercado da UE, continua em aberto. A intervenção do Banco Europeu de Investimento no Iraque poderia reforçar a confiança depositada no país no contexto financeiro internacional. A fim de complementar estes processos, a UE poderia apoiar o reforço do Banco Central e do Ministério das Finanças, em coordenação com as outras instituições financeiras internacionais.

Factores determinantes: uma vontade política determinada em erradicar o desvio de fundos e a corrupção, assim como em suprir as carências orçamentais existentes, constitui um pré-requisito para o bem-estar económico . O Iraque tem de empenhar-se em optimizar a exploração dos seus vastos recursos naturais, a fim de gerar receitas suplementares. O governo iraquiano terá de adoptar políticas e iniciativas adequadas neste sector.

Objectivo da UE: | Promover o desenvolvimento de um enquadramento administrativo eficaz e transparente |

É necessário proceder à reforma da administração pública iraquiana, nomeadamente actualizando as estruturas jurídicas, qualificando os recursos humanos e adoptando princípios de transparência, responsabilização e boa gestão financeira. A União Europeia e os seus Estados-Membros caracterizam-se, tanto ao nível comunitário como a nível nacional, por uma grande diversidade de sistemas de administração pública e de culturas administrativas. A experiência adquirida com o processo de alargamento e o apoio prestado ao reforço das capacidades e das instituições noutras regiões do mundo poderão ser úteis para ajudar a administração iraquiana a levar a cabo as reformas necessárias.

O processo de negociação de um acordo de comércio e cooperação entre a UE e o Iraque pode complementar o apoio concedido pela UE à reforma da administração pública iraquiana. O apoio direccionado da UE poderia beneficiar uma grande diversidade de aspectos, afectando domínios da competência de diferentes ministérios e organismos governamentais.

As negociações do acordo de comércio e cooperação e a sua conclusão com êxito beneficiariam com a instituição de uma administração eficaz. Em certos domínios-chave de interesse comum, a criação de grupos de trabalho técnicos encarregados de assegurar a transferência de know-how e de qualificações constitui outro domínio para o qual os recursos da UE poderão ser mobilizados.

Factores determinantes: o Iraque já se comprometeu a proceder a determinadas reformas, no âmbito das obrigações que assumiu perante as instituições financeiras internacionais e as outras partes interessadas a nível internacional. A reforma da administração iraquiana exige um compromisso político determinado, bem como um "roteiro" assente em objectivos e critérios realistas.

IV. CONCLUSÕES

Os desafios que se deparam ao Iraque caracterizam-se pela sua multiplicidade e complexidade, assim como pelo facto de exigirem uma resposta rápida. A UE tem todo o interesse em contribuir para a estabilização deste país e em apoiar a sua recuperação política e económica. A sua proximidade geográfica e o seu papel específico no Iraque colocam-na na situação ideal para aprofundar o seu compromisso perante o novo governo iraquiano. Trata-se de uma oportunidade estratégica para ajudar o Iraque a recuperar a sua importância enquanto parceiro à escala regional e internacional. O compromisso da UE nos termos enunciados no presente documento deverá ter em conta a apropriação pelos iraquianos do seu próprio futuro, assim como as capacidades e os valores destes, tomando como ponto de partida o programa e as prioridades definidas pelo novo governo.

A União Europeia não actua, todavia, isoladamente. As Nações Unidas continuarão a ser um protagonista essencial. Para optimizar a eficácia das acções adoptadas, é igualmente determinante que a UE coopere com outros protagonistas e interessados, tanto a nível regional como internacional, que prestam apoio aos esforços envidados pelo Iraque no sentido da estabilidade e da prosperidade. Este aspecto deve permanecer uma das prioridades da UE. O Iraque tem de encontrar o seu espaço político e económico na região, tendo os países vizinhos um importante papel a desempenhar a este respeito.

[1] COM (2004) 417 de 9 de Junho de 2004