16.12.2006   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 309/26


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre o «Livro Branco: A política no domínio dos serviços financeiros para o período 2005-2010»

COM(2005) 629 final

(2006/C 309/06)

Em 1 de Dezembro de 2005, a Comissão decidiu, nos termos do artigo 262.o do Tratado que institui a Comunidade Europeia, consultar o Comité Económico e Social Europeu sobre o «Livro Branco: A política no domínio dos serviços financeiros para o período 2005-2010».

A Secção Especializada de Mercado Único, Produção e Consumo, encarregada de preparar os correspondentes trabalhos, emitiu parecer em 31 de Maio de 2006 com base no projecto do relator Edgardo Maria IOZIA.

Na 428.a reunião plenária de 5 e 6 de Julho de 2006 (sessão de 5 de Julho), o Comité Económico e Social Europeu adoptou, por 152 votos a favor, 1 voto contra e 9 abstenções, o seguinte parecer:

1.   Conclusões e propostas

1.1

O CESE concorda com a proposta da Comissão de dedicar o próximo quinquénio à consolidação dinâmica do sector financeiro, mediante a aplicação e o reforço da legislação vigente e evitando, ao mesmo tempo, uma sobreposição de demasiados actos normativos (o denominado gold-plating), respeitando o espírito da Estratégia de Lisboa e a especificidade do modelo social europeu.

1.2

O CESE considera ainda essencial examinar com atenção o papel e a actividade das autoridades de supervisão, fomentando a melhor coordenação possível, como previsto para os comités de nível 3 do processo Lamfalussy.

1.2.1

O CESE considera que, nas actuais condições, é prematuro criar uma autoridade única de supervisão europeia, que poderia contribuir, no futuro, para a integração dos mercados, mas considera útil que se proponha, neste momento, às autoridades europeias a determinação de uma autoridade de supervisão principal, que seria a do país de origem da sociedade-mãe, a quem seria confiada a tarefa de supervisionar também as actividades das sociedades afiliadas e das sociedades controladas nos outros países da União. As vantagens para as empresas de dimensão europeia e para os consumidores são evidentes.

1.3

O aumento da eficiência das transacções financeiras está na base do crescente peso que as actividades financeiras têm na economia (é a chamada «financeirização» da economia). Se, por um lado, a financeirização da economia se traduz por interessantes possibilidades de desenvolvimento económico e de emprego no sector financeiro, por outro lado, também pode ter consequências negativas para a economia em geral. A importância dos mercados bolsistas animados pela «shareholder value» pode entrar em rota de colisão com estratégias industriais. As pressões comerciais e financeiras sobre os empresários podem condicionar problemas no longo prazo e desencadear uma Oferta Pública de Aquisição (OPA) irreflectida que, nessas condições, leva muitas vezes à destruição de riqueza no curto prazo, como a experiência tem demonstrado.

1.3.1

Não se deve, porém, esquecer que, na sequência do processo de consolidação, se assiste, pelo menos a médio-curto prazo, a uma redução do emprego no sector financeiro que gera crescente insegurança nos trabalhadores. O CESE destaca a necessidade de se ter em conta as repercussões sociais dos processos de consolidação e exorta os Estados-Membros a adoptarem sistemas de apoio social adequados e a apoiarem planos de formação e de reconversão profissional, indispensáveis à realização dos objectivos previstos na Estratégia de Lisboa.

1.4

O CESE aprova os objectivos de simplificação, codificação e clarificação para se «legislar melhor» e aplaude, neste contexto, o compromisso da Comissão de manter consultas permanentes, frequentes e abertas com todos os interessados e de fazer preceder cada proposta de uma avaliação específica de impacto que foque também a dimensão social e ambiental e os factores externos sobre todo o sistema económico.

1.4.1

O CESE solicita que os trabalhos em torno do Plano de Acção para os Serviços Financeiros sejam objecto de maior visibilidade e de debate mais aprofundado que transcenda os círculos de especialistas.

1.5

O CESE concorda com a iniciativa proposta pela Comissão de apresentar uma comunicação/recomendação sobre os OICVM (organismos de investimento colectivo em valores mobiliários) para procurar ultrapassar os obstáculos ainda existentes na livre circulação desses instrumentos financeiros.

1.6

Será essencial reforçar a informação, a cultura financeira e o conhecimento dos consumidores. A intenção da Comissão de lançar acções específicas juntamente com as associações europeias de consumidores é oportuna, mas a Comissão deveria actuar mais junto dos Estados-Membros para levá-los a adoptar formas mais vinculativas de envolvimento das partes interessadas no nível nacional. O CESE declara-se disposto a colaborar nestas iniciativas, mediante uma intervenção específica junto das associações de consumidores e dos conselhos económicos e sociais nacionais.

1.7

Em virtude das diferenças entre os Estados-Membros, as actuais regras de supervisão impõem às empresas obrigações consideráveis em matéria de elaboração de balanços de contas e de relatórios de informação sobre a empresa. A adopção das normas internacionais de relato financeiro (IFRS) pode ser a ocasião adequada para uniformizar, a nível europeu, esses deveres de informação. O CESE faz notar que o IASB, organismo de normalização internacional privado, não reflecte totalmente a realidade económica mundial e espera que ela se abra à cooperação internacional com outros parceiros, como por exemplo a Comissão Europeia.

1.8

Quanto às s propostas de directivas sobre o mercado de retalho, o CESE pronunciar-se-á especificamente sobre a directiva do crédito ao consumo, a aprovar em breve, e sobre os serviços de pagamento, quanto aos quais está a elaborar um parecer. Todavia, no que toca os empréstimos hipotecários, o CESE, apesar de partilhar os objectivos, manifesta-se extremamente céptico quanto à possibilidade real de criar, a curto prazo, um mercado integrado dos empréstimos. Quanto aos sistemas de liquidação e compensação, o CESE veria com agrado a adopção de uma directiva-quadro.

1.9

A Comissão exprimiu perplexidade quanto à adopção do dito «26.o regime» no sector dos serviços financeiros. O CESE toma nota e declara-se pronto a avaliar, depois de criadas, as condições para uma aplicabilidade efectiva, a qual deverá ter sempre em consideração os interesses e as vantagens reais para os consumidores.

1.10

Quanto às iniciativas futuras, o CESE realça:

a utilidade de uma intervenção no âmbito dos OICVM, destinada à harmonização das normas das apólices associadas a unidades de participação com os outros produtos financeiros,

a importância de se garantir o acesso a uma conta bancária,

e a necessidade de se eliminar os obstáculos à mobilidade das contas bancárias transfronteiriças.

1.11

O CESE está convicto da elevada qualidade das normas europeias em matéria de regulamentação dos serviços financeiros, pelo que a UE pode aspirar a tornar-se a referência nesta matéria para todos os outros países. A Europa deveria entrar em diálogo, não só com os países da nova industrialização (por exemplo, Índia, Brasil e China), como proposto pela Comissão, mas também com os países em vias de desenvolvimento que necessitam de grande ajuda para desenvolverem o mercado dos seus serviços financeiros.

1.12

O CESE apoia todas as instituições europeias e nacionais no combate à criminalidade e ao terrorismo, incluindo quando a Comissão solicita que o sistema financeiro colabore plena e continuamente com as autoridades competentes. O CESE apoia e reitera tal apelo às instituições financeiras, mas também às autoridades competentes, as quais deverão informar sobre o seguimento dado às informações recebidas dos intermediários financeiros.

2.   Preâmbulo

2.1

O Livro Branco sobre a política dos serviços financeiros para 2005-2010 identifica alguns objectivos a realizar para promover a consolidação dinâmica do sector destes serviços, na certeza de que um mercado financeiro eficiente é um elemento fundamental para a prossecução de uma estratégia de desenvolvimento e de crescimento económico. A palavra de ordem do Livro Branco é a «consolidação dinâmica», que fixa o objectivo de remover os obstáculos remanescentes à livre circulação de serviços financeiros e de capitais, não obstante os importantes resultados já conseguidos com o Plano de Acção para os Serviços Financeiros 1999-2005 (PASF).

2.2

O papel essencial que a regulamentação desempenha no funcionamento dos mercados financeiros legitima a atenção e a ênfase com as quais o Livro Branco se detém na necessidade de aplicar e reforçar a legislação existente, evitando simultaneamente uma sobreposição de demasiados actos normativos, sobretudo da parte dos Estados-Membros (o denominado gold-plating).

2.3

A análise do quadro normativo não pode prescindir de uma reflexão sobre os limites, as competências e a responsabilidade de coordenação das autoridades de supervisão na UE. Na fase actual, a manutenção de uma base nacional de supervisão pode revelar-se a melhor forma de protecção e de garantia para os consumidores e investidores, mas não se podem menosprezar dois importantes problemas que esta abordagem de fundo coloca.

2.3.1

O exercício de uma supervisão não integrada no nível supranacional limita fortemente a integração dos mercados. É, portanto, necessário estimular e consolidar uma cooperação o mais estreita possível entre as autoridades dos Estados-Membros. Com efeito, a gestão dos riscos nos grandes bancos europeus com actividade em vários Estados-Membros é feita a nível do grupo numa base consolidada. As autoridades de supervisão estão em condições de avaliar correctamente o perfil de risco destes grandes grupos europeus.

2.3.2

A manutenção de fortes prerrogativas a nível da supervisão nacional não deve servir de pretexto para o aumento dos obstáculos à «consolidação dinâmica» a nível da UE, os quais devem ser, segundo o Livro Branco, gradualmente eliminados.

3.   Observações na generalidade

3.1

Em parecer recente, o CESE formulou observações sobre o Livro Verde sobre a política no domínio dos serviços financeiros (2005-2010). Uma vez que o Livro Branco retoma muitas das propostas avançadas no primeiro, o CESE reitera as considerações já formuladas, retomando-as sinteticamente no presente parecer (1).

3.1.1

O Livro Branco sublinha as potencialidades de desenvolvimento económico e do emprego no sector dos serviços financeiros. O Comité nota, contudo, que se deve reflectir atentamente e com realismo neste pressuposto essencial do documento, tendo presentes diversos factos já bem documentados.

3.2

O processo de consolidação do sector pode promover uma maior eficiência e economias de escala que poderão, em última análise, beneficiar os detentores de participações de capital de risco dos intermediários (mediante o aumento dos lucros do capital investido) e os beneficiários dos serviços financeiros (mediante a redução dos custos dos mesmos).

3.3

Paralelamente, há, porém, ampla prova empírica que aponta para uma redução do emprego no sector financeiro na sequência de processos de consolidação, o que gera uma crescente insegurança nos trabalhadores. Não se pode ocultar o facto de que os planos industriais apresentados por ocasião de fusões e aquisições destacam, sobretudo, as economias decorrentes de menores custos com o pessoal. No imediato, os processos de consolidação traduzem-se por uma perda nítida de postos de trabalho, mas deve-se, contudo, reconhecer que estes abrem espaço ao desenvolvimento de serviços e domínios de actividade inovadores que, por seu turno, terão um impacto positivo no emprego. Ao reduzirem-se os obstáculos que impedem os fornecedores de serviços financeiros de desfrutar plenamente das sinergias das fusões transfronteiriças, permitir-se-ia aos bancos prestar os seus serviços a custos inferiores, o que possibilitaria uma política de preços mais favorável aos clientes, favorecendo, portanto, um aumento da procura. Assim, conseguir-se-ia estimular o investimento da parte dos intermediários financeiros, o que teria igualmente repercussões positivas para o emprego. Estes novos postos de trabalho, com excepção de sectores particulares como os centros de chamadas (call center) e os serviços de retaguarda (back office), carecem, regra geral, de profissionais com perfis mais qualificados e melhor remunerados.

3.4

Assim, mesmo admitindo que a consolidação do sector não tenha repercussões negativas absolutas no emprego, o Comité destaca enfaticamente que não se pode ignorar o fosso temporal e de diversidade de qualificações profissionais que existe entre a perda dos postos de trabalho existentes e a criação de novos. Num momento em que se transfere a ênfase da protecção dos postos de trabalho para as possibilidades de encontrar um emprego, os Estados-Membros deveriam dar prioridade não só à existência de sistemas de apoio social adequados, mas também ao apoio a planos de formação e de reconversão profissional.

3.5

Se os trabalhadores compreenderem que as suas qualificações e as suas competências são facilmente utilizáveis mesmo num contexto económico em rápida evolução, aceitarão de melhor grado a menor estabilidade dos postos de trabalho que a «consolidação dinâmica» do sector comporta. Esta constatação deve levar a encarar a formação profissional, não como um instrumento de contenção da instabilidade social, mas sim como um elemento essencial e imprescindível para o êxito a longo prazo do plano de «consolidação dinâmica» e, mais em geral, da Estratégia de Lisboa, que visa transformar a economia europeia na mais importante «economia do conhecimento» do mundo. Há ainda que criar uma rede social adequada que contribua para mitigar os efeitos, muitas vezes graves, de tais fases de transição.

4.   Observações na especialidade

4.1   Melhorar o enquadramento normativo

4.1.1

Os três princípios que regem o processo para melhorar o enquadramento normativo são: a simplificação, a codificação e a clarificação. É importante prosseguir neste rumo para garantir a necessária coerência das disposições, simplicidade de aplicação e uniformidade na transposição.

4.1.2

O CESE aprova a proposta da Comissão sobre «legislar melhor» e concorda, em particular, com o compromisso assumido de manter consultas frequentes e abertas com todos os interessados e de fazer preceder sempre todas as propostas de uma avaliação de impacto centrada nos custos/benefícios económicos em sentido lato, isto é, incluindo também a dimensão social e ambiental. É, igualmente, importante o compromisso a assumir com o Conselho e o Parlamento para melhorar a qualidade da legislação e os factores externos relativos a todo o sistema económico.

4.1.3

O CESE partilha da opinião da Comissão sobre o desafio que representa quer uma transposição correcta e atempada quer a subsequente aplicação correcta da legislação europeia pelos 25 Estados-Membros, tendo igualmente em conta alargamentos posteriores, e concorda também com a exigência de se travar o gold-plating , ou seja a adopção unilateral de outras normas que vão contra o princípio do mercado único. De facto, a injustificada diversidade de regras nacionais para protecção dos consumidores constitui um dos principais obstáculos à integração dos serviços financeiros em toda a UE.

4.1.4

O CESE considera também fundamental verificar posteriormente (avaliação ex-post ) se as regras deram os frutos esperados e se, pelo menos para os sectores abrangidos pelo processo «Lamfalussy», os mercados evoluíram como previsto.

4.1.5

A verificação da coerência entre a legislação comunitária e a nacional deve ser feita a partir dos sectores mais relevantes ou onde possa haver mais problemas de harmonização e consolidação normativa, como no caso da distribuição e da publicidade dos Organismos de Investimento Colectivo em Valores Mobiliários (OICVM). O aumento da concorrência e da eficiência neste sector passa necessariamente também por uma maior margem de manobra a nível distributivo e comercial, fortemente entravada por um quadro normativo que não está ainda bem definido. Portanto, a iniciativa da Comissão de preparar uma comunicação/recomendação para 2006 e um Livro Branco sobre «asset management» para Novembro é particularmente oportuna.

4.1.6

A Comissão irá propor a compilação numa única directiva das dezasseis directivas em vigor sobre o sector dos seguros. O CESE apoia esta proposta de codificação, considerando-a como um excelente exemplo que deve ser seguido igualmente noutros domínios, mediante a adopção de actos legislativos que condensem, simplifiquem e reordenem as diversas matérias tratadas em várias directivas.

4.1.7

O CESE considera, igualmente, útil recorrer a processos de infracção sempre que se tenha registado uma transposição ou uma aplicação incorrectas das normas europeias; nota, contudo, que, nos últimos tempos, a Comissão tem sido muito condicionada pelo Conselho e tem recorrido cada vez menos a estes procedimentos.

4.1.8

O melhoramento e a racionalização no sector dos serviços financeiros a retalho não podem descurar o problema da informação, da educação e do conhecimento dos consumidores, elementos, na verdade, essenciais à eficácia de qualquer quadro normativo. É assaz oportuna, portanto, a intenção de lançar acções específicas a nível europeu com as associações que representam os consumidores e com os representantes do sector financeiro, mas a Comissão deveria empenhar-se mais para que, a nível nacional, tais práticas passem a ser, se não obrigatórias, pelo menos fortemente recomendadas. O boletim europeu para os consumidores é, em princípio, uma excelente iniciativa, mas há, porém, que estar consciente de que os instrumentos de informação devem ter como característica a proximidade real com o consumidor. O CESE solicita à Comissão que actue junto do Conselho e do Parlamento para examinarem formas mais vinculativas de envolvimento das partes interessadas no nível nacional, a exemplo do que se pretende realizar a nível europeu. O desenvolvimento do FIN-NET (mecanismo extrajudicial para resolução de litígios no domínio dos serviços financeiros), instrumento actualmente desconhecido da maior parte dos consumidores, vai no rumo certo. Na perspectiva de uma revisão do papel deste instrumento, o CESE recomenda que se envolvam as organizações dos consumidores e da sociedade civil, bem como os actores sociais e mostra-se pronto a apoiar a iniciativa mediante, por exemplo, uma intervenção específica junto das associações de consumidores e dos conselhos económicos e sociais nacionais.

4.1.9

Numa altura em que a Comissão insiste na importância da difusão da informação, sobretudo entre consumidores, investidores e trabalhadores do sector financeiro, o CESE afirma que não se pode subestimar o problema da língua em que são redigidos os documentos. A Comissão deve estar mais atenta a este problema, envidando todos os esforços necessários para disponibilizar, no maior número de línguas possível, pelo menos os documentos essenciais.

4.1.10

O CESE aprecia a atenção dada aos consumidores e ao pessoal dos estabelecimentos bancários e financeiros e o compromisso quanto à sua consulta regular sobre os temas que lhes dizem respeito. O valor acrescentado da integração dos mercados reside na satisfação do consumidor, mas dando-se a necessária atenção ao impacto social das decisões tomadas. Porém, no passado, as directivas em matéria financeira nem sempre foram conformes a esta abordagem. As observações propostas no ponto «Observações na generalidade» pretendem reiterar com veemência esta perspectiva de análise.

4.1.11

Quanto à interacção com outros domínios da política económica europeia, o CESE já sublinhou como o regime do IVA para os grandes grupos europeus (2) pode ser um obstáculo ao reforço dos serviços financeiros, pelo que apraz-lhe verificar que a Comissão tenha manifestado intenção de apresentar uma proposta legislativa neste domínio. No entanto, há que dar particular atenção à avaliação do impacto económico, social e ambiental que pode ter um processo, mesmo que desejável, de harmonização do regime do IVA. Não obstante, o CESE já observou que a actual situação pode constituir um obstáculo à plena integração e ao pleno desenvolvimento do mercado financeiro. Ademais, pretende, deste modo, chamar a atenção para o caso da externalização ( outsourcing ) que pode ser particularmente instigada por um quadro fiscal não harmonizado, com repercussões negativas para o emprego, a qualidade dos serviços e a fiabilidade global do sistema. O CESE espera que seja feita uma reflexão aprofundada sobre esta questão, uma vez que os resultados desta prática são muitas vezes pouco satisfatórios.

4.2   Assegurar uma estrutura normativa e de supervisão adequada

4.2.1

O objectivo de se conseguir uma maior coordenação entre as autoridades de supervisão dos mercados é sem dúvida partilhado. Este objectivo pode ser facilitado mediante um papel gradualmente mais incisivo dos comités de nível 3, harmonizando as competências dos membros, no âmbito do «processo Lamfalussy», para completar o quadro normativo europeu. Tal permitiria não só aliviar o trabalho da Comissão, assim como diminuir o risco de gold-plating por parte dos Estados-Membros ou das autoridades de supervisão.

4.2.2

O CESE considera prematuro, na fase actual, pensar numa única autoridade de supervisão europeia a que se possa atribuir a responsabilidade de coordenação das acções de vigilância. No entanto, considera que as autoridades de supervisão nacionais devem cooperar activa e continuamente, procurando estabelecer protocolos de conduta e de acção comuns. A confiança mútua que daí advirá será um primeiro passo para lançar um processo que conduza, no futuro, à criação de uma autoridade de supervisão europeia para os grandes grupos financeiros, bancários e de seguros com actividade em vários Estados-Membros. Uma primeira decisão importante deve dizer respeito à determinação de uma autoridade de supervisão principal, no país onde se encontra a sede social da sociedade-mãe, que seria incumbida da responsabilidade de supervisionar as sociedades afiliadas e as sociedades controladas nos outros países europeus. As multinacionais e as autoridades de supervisão podem efectivamente tirar partido do mercado único, evitando deste modo a multiplicação da apresentação de relatórios e de documentos de informação e a observância de diferentes regulamentações nacionais.

4.2.3

O método utilizado, por exemplo, na directiva sobre o abuso de mercado deve ser incentivado. A apresentação de um projecto de directiva muito pormenorizado possibilitou que as transposições fossem muito homogéneas e permitiu deixar aos reguladores uma responsabilidade importante, que foi, igualmente, partilhada a nível europeu, identificando as actividades específicas a transferir entre as diversas autoridades de supervisão.

4.2.4

A adopção das normas internacionais de relato financeiro (IFRSInternational Financing Reporting Standards ) foi uma ocasião importante para uniformizar e fazer convergir para normas modernas a representação contável da gestão das empresas. Pode também vir a ser a ocasião de uniformizar a nível europeu o tipo de dados que os intermediários devem fornecer às respectivas autoridades de supervisão. O CESE entende que a adopção das IFRS elimina todos os pretextos para adiamentos ou atrasos na prossecução deste objectivo, pré-requisito indispensável a uma coordenação e a uma cooperação eficientes e eficazes da actividade de supervisão a nível europeu. No entanto, estas devem estar alinhadas com os objectivos correspondentes no projecto europeu «Solvency II». As empresas que ainda não harmonizaram os seus balanços de contas e os seus balanços consolidados com as IFRS não devem, contudo, ficar em desvantagem em relação às empresas sujeitas a esta obrigação.

4.3   Iniciativas legislativas presentes e futuras

4.3.1   Iniciativas legislativas presentes

4.3.1.1

A banca de retalho está abrangida por três iniciativas muito importantes. No que diz respeito aos empréstimos hipotecários, o CESE (3) já exprimiu algumas reticências bem fundamentadas quanto à possibilidade concreta de integrar o mercado, à luz das implicações jurídicas e das dificuldades substanciais evidenciadas em recente parecer. O CESE está à espera de conhecer as orientações da Comissão e as suas respostas às objecções levantadas.

4.3.1.2

As alterações propostas pela Comissão à directiva sobre o consumo, ora no Parlamento, melhoram a precedente proposta, embora não satisfazendo plenamente os consumidores. O CESE aguarda poder conhecer o resultado dos debates, fazendo votos de que em breve a directiva seja aprovada.

4.3.1.3

A directiva sobre os serviços de pagamento também assume um papel importante. Existe ainda uma certa ambiguidade em relação aos serviços de pagamento transfronteiriços. O sistema financeiro deve sujeitar-se às regras de concorrência, transparência e comparabilidade elaboradas pela DG da Concorrência. A construção da Zona Europeia Única de Pagamentos (SEPA) até 2010 é um objectivo ambicioso e útil, que tornará mais eficientes os pagamentos transfronteiriços e protegerá os consumidores. No entanto, há que ter em consideração que já existem sistemas eficientes e pouco onerosos (por exemplo, o sistema de débito directo) a funcionar em alguns Estados-Membros. Ao realizar-se a SEPA, há que ter em conta os interesses dos utentes e oferecer um valor acrescentado. Está em curso no CESE a elaboração de um parecer específico sobre serviços de pagamento, em que serão mencionadas as apreciações do Comité.

4.3.1.4

A revisão do conceito de participação qualificada, mediante intervenção nos artigos 16.o e 15.o respectivamente da directiva sobre os bancos e da directiva sobre os seguros, é uma iniciativa essencial para impedir que uma qualquer autoridade de supervisão possa entravar o desenvolvimento equilibrado do mercado interno, refugiando-se no pretexto da gestão prudencial dos sistemas financeiros. O CESE entende que a melhor garantia da estabilidade de um sistema consiste no melhoramento da sua eficiência, em vez da colocação de limitações à transferência do controlo das empresas.

4.3.1.5

Quanto aos sistemas de liquidação e compensação, a ausência de um quadro de referência normativa contribuiu para a manutenção de fortes deseconomias e de verdadeiros abusos. As compensações e as liquidações transfronteiriças são mais caras e menos eficazes do que as nacionais. O CESE veria favoravelmente a adopção de uma directiva-quadro com o objectivo de aumentar a capacidade competitiva dos operadores europeus, inclusive em relação aos seus concorrentes internacionais. Um mercado eficiente e bem regulado atrai os investimentos e a Europa necessita de investimento se pretende perseguir realmente os objectivos de crescimento económico e emprego.

4.3.2   Reflexões presentes

4.3.2.1

O CESE concorda com a avaliação da Comissão sobre os obstáculos injustificados à plena aplicação da circulação do capital e dos investimentos transfronteiriços.

4.3.2.2

A Comissão exprimiu perplexidade quanto ao dito «26. o regime» no sector dos serviços financeiros. O princípio da harmonização mínima levou, por outro lado, a muitas diferenças. O princípio do país de origem foi um instrumento formidável de liberalização e de concorrência no âmbito da UE. Este princípio é, de facto, tanto mais aceite totalmente pelos Estados-Membros, quanto mais consolidada está a confiança mútua em relação à qualidade da legislação interna de cada Estado-Membro. Nesta perspectiva, o objectivo de plena harmonização legislativa é um importante motor que alimenta e consolida as referidas relações de confiança, que estão na base do surgimento gradual de uma cultura comum, a qual deverá levar à harmonização das cláusulas essenciais dos contratos de serviços financeiros. O CESE nota, aliás, que até hoje não foi invocada nenhuma prova da aplicabilidade (efectiva) do 26.o regime e que a Comissão deveria, em qualquer caso, efectuar um exame aprofundado da sua aplicação. Em parecer recente, o CESE afirma: (o 26.o regime) poderia ser uma opção praticável apenas após se verificar, mediante estudo aprofundado da legislação e dos contratos dos 25 Estados Membros, que o instrumento «paralelo» não se infringe nem os regulamentos nem a legislação respectivos. Em qualquer caso, as regras de normalização não devem obstar à oferta de novos produtos, travando a inovação. (4).

4.3.3   Iniciativas futuras

4.3.3.1

Em recente parecer sobre o Livro Verde de Julho de 2005, o CESE realçou a utilidade de uma iniciativa sobre os OICVM  (5). «Os fundos de investimento deparam-se com produtos financeiros, como as apólices associadas a unidades de participação, considerados comparáveis pelos investidores, não obstante a sua regulamentação ser bastante diferente. Esta situação pode implicar distorções nas escolhas dos investidores, com consequências negativas em termos de custos e de riscos dos investimentos efectuados. O Comité considera que não se pode atacar o problema reduzindo a concorrência ou diminuindo as restrições e as garantias exigidas aos fundos de investimento. É desejável, pelo contrário, que se ajustem em alta as normas para que os produtos financeiros que, na realidade, são considerados como uma alternativa directa aos fundos de investimento sejam sujeitos a exigências regulamentares comparáveis às que se aplicam a estes fundos.». A assimetria das obrigações entre fundos e apólices associadas a unidades de participação, o desenvolvimento meramente parcial do passaporte europeu, em razão dos obstáculos que algumas autoridades de supervisão continuam a interpor, a escassa transparência em matéria dos custos, e em particular os de saída, a fragmentação do mercado e os custos relativamente elevados são alguns dos problemas mencionados. Ademais, o CESE vê com preocupação o desenvolvimento em alguns Estados-Membros de fundos de capital garantido sem qualquer obrigação da sociedade de gestão deter fundos próprios adequados, o que em caso de evolução particularmente desfavorável do mercado pode levar a uma situação de protecção não adequada dos consumidores. O CESE solicita à Comissão que colmate esta lacuna, fixando para as sociedades proponentes de fundos de capital garantido obrigações adequadas em matéria de fundos próprios bem como um nível específico e adequado de vigilância. A pressão para se atingir uma melhor eficiência dos OICVM é particularmente sentida pelo CESE, sobretudo pelo facto de que, enquanto elemento significativo dos esquemas de fundos de pensão, estes podem dar um contributo importante para a solução de um problema justamente recordado no início do Livro Branco, a saber, o financiamento do enorme défice no regime de pensões presente na maior parte das economias europeias.

4.3.3.2

O CESE concorda com a Comissão quanto à importância, não apenas económica, do acesso a uma conta bancária. Na economia moderna, ser titular de uma conta bancária atribui de facto ao indivíduo uma espécie de cidadania económica. Nalguns países da União, este direito de cidadania é reconhecido por lei, obrigando o sistema financeiro a garantir a prestação de serviços de base a custos mínimos de acesso. Noutros países da UE, as empresas estão cada vez mais conscientes desta situação e oferecem, por poucos euros por mês, um «pacote» de serviços associado à conta corrente.

4.3.3.3

O projecto de eliminar os obstáculos à mobilidade das contas correntes transfronteiriças é de admirar e pode contribuir para reduzir os preços aplicados pelos bancos. À luz da possibilidade de se abrirem contas em linha, este projecto pode tornar verdadeiramente alcançável o objectivo de assegurar a mobilidade intra-europeia das contas. Há, no entanto, que ter em conta que nem todos os consumidores têm condições para utilizar as tecnologias informáticas. A Comissão deveria procurar encontrar uma solução satisfatória também para estas pessoas, que normalmente pertencem aos grupos sociais mais vulneráveis. Realça-se, portanto, que apenas a consolidação de uma colaboração real e construtiva entre as autoridades de supervisão pode concretizar verdadeiramente esta hipótese. Em Maio de 2006 (6), a Comissão decidiu incumbir um grupo de peritos de analisar a questão da mobilidade dos clientes em relação às contas bancárias, dando seguimento às propostas formuladas no Livro Branco.

4.4   A dimensão externa

4.4.1

O ambicioso objectivo da Comissão de tornar a Europa líder na determinação de normas a nível global é seguramente partilhado. Em conformidade com as recomendações da ronda negocial de Doha, o CESE espera ainda que a Europa lidere os países mais desenvolvidos no compromisso de prestar aos menos desenvolvidos uma assistência técnica e financeira adequada, tanto no plano normativo como no da aplicação dos acordos e das normas adoptadas. A progressão da integração internacional deve ter, igualmente, em conta as exigências das economias mais vulneráveis, que necessitam de atrair investimento. O CESE espera que a Comissão tenha bem presentes estas exigências na negociação e no diálogo com as outras economias mais avançadas.

4.4.2

O CESE compromete-se a lutar activamente contra a utilização criminosa dos sistemas financeiros e apoia a Comissão e as outras instituições europeias no combate a quaisquer formas de criminalidade, frequentemente, aliás, relacionadas com o terrorismo internacional. O crime económico manifesta-se de inúmeras maneiras: fraudes empresariais e comerciais, branqueamento de capitais, evasão fiscal, corrupção. Muitas vezes utiliza os canais dos serviços financeiros para completar a acção criminosa. O CESE lança um apelo às instituições financeiras para que dêem uma real ajuda às autoridades competentes, as quais deverão, por seu turno, dar respostas adequadas às comunicações recebidas das instituições financeiras. Caso estas estejam, de facto, suficientemente informadas sobre o seguimento dado às informações fornecidas às autoridades a propósito de transacções suspeitas, estarão mais inclinadas a continuar e a incrementar os esforços necessários.

Bruxelas, 5 de Julho de 2006.

A Presidente

do Comité Económico e Social Europeu

Anne-Marie SIGMUND


(1)  JO C 65 de 17.3.2006.

(2)  JO C 65 de 17.3.2006.

(3)  JO C 65 de 17.3.2006.

(4)  JO C 65 de 17.3.2006.

(5)  JO C 110 de 17.5.2006.

(6)  Decisão da Comissão, de 16 de Maio de 2006, que cria um grupo de peritos sobre a mobilidade dos clientes em relação às contas bancárias (JO L 132 de 19.05.2006, p. 37).