52005IP0072

Resolução do Parlamento Europeu sobre o Plano de Acção Europeu em matéria de alimentação e agricultura biológicas (2004/2202(INI))

Jornal Oficial nº 320 E de 15/12/2005 p. 0242 - 0247


P6_TA(2005)0072

Alimentação e agricultura biológicas

Resolução do Parlamento Europeu sobre o Plano de Acção Europeu em matéria de alimentação e agricultura biológicas (2004/2202(INI))

O Parlamento Europeu,

- Tendo em conta a Comunicação da Comissão intitulada "Plano de acção europeu para os alimentos e a agricultura biológicos" (COM(2004)0415),

- Tendo em conta as conclusões do Conselho Europeu de Gotemburgo de 15 e 16 de Junho de 2001,

- Tendo em conta as conclusões da Conferência Europeia sobre o Desenvolvimento Rural realizada em Salzburgo, de 12 a 14 de Novembro de 2003,

- Tendo em conta o Regulamento (CEE) no 2092/91 do Conselho, de 24 de Junho de 1991, relativo ao modo de produção biológico de produtos agrícolas e a sua indicação nos produtos agrícolas e nos géneros alimentícios [1],

- Tendo em conta a sua resolução de 18 de Dezembro de 2003 [2], sobre a co-existência entre as culturas geneticamente modificadas e as culturas convencionais e biológicas,

- Tendo em conta o artigo 45o do seu Regimento,

- Tendo em conta o relatório da Comissão da Agricultura e do Desenvolvimento Rural (A6-0039/2005),

A. Considerando que a agricultura biológica se tornou, na União Europeia, um sector e um modo de produção em grande crescimento devido ao aumento constante da procura dos consumidores e da oferta dos produtores,

B. Considerando que este modo de produção contribui de forma significativa para a multifuncionalidade da agricultura europeia, uma vez que assegura uma produção sã e de qualidade, garantindo simultaneamente a redução da poluição do ambiente, a conservação e a utilização sustentável da biodiversidade, a protecção das paisagens cultivadas, bem como a preservação e mesmo a criação de empregos,

C. Considerando que, na UE dos Quinze, a superfície agrícola consagrada à agricultura biológica aumentou de 0,1% para 3,3 % entre 1985 e 2002 e que a alimentação biológica representa um volume de negócios avaliado em 11000 milhões de euros a nível europeu e em 23000 milhões de euros a nível mundial,

D. Considerando que, até 1992, data a partir da qual a União Europeia deu o seu apoio à agricultura biológica no âmbito da política agro-ambiental, a agricultura biológica se desenvolveu apenas por iniciativa dos agricultores e com o apoio dos cidadãos interessados,

E. Considerando que o Regulamento (CEE) no 2092/91 se baseia na promoção e nos critérios de controlo da produção e da comercialização já anteriormente elaborados pelas associações competentes de agricultores biológicos,

F. Considerando que, em virtude da última reforma da PAC, o apoio à agricultura biológica depende do volume global dos recursos do segundo pilar da PAC, bem como da parte que será obrigatoriamente reservada a este tipo de exploração,

G. Considerando as características especiais da produção biológica, não só em termos de requisitos ambientais para a sua implementação, mas também no que diz respeito:

a) à evidente necessidade de comercializar estes produtos através de circuitos curtos,

b) aos preços elevados que os produtos finais continuam a registar,

c) à adequação da legislação ambiental e sanitária, que também deve ser cumprida pelos pequenos agricultores e as PME de transformação,

d) à extensão da produção biológica a outros sectores específicos, como a pecuária e a viticultura, aspectos,

todos eles, que requerem um tratamento especial a nível legislativo e financeiro, diferente do das produções tradicionais,

H. Considerando que existem grandes disparidades na forma como os Estados-Membros apoiam o desenvolvimento da agricultura biológica e que essas disparidades devem ser reduzidas no âmbito de um programa de acção europeu que promova a agricultura biológica,

I. Considerando que a eventual contaminação por OGM reveste uma importância muito especial para a agricultura biológica, nomeadamente no que respeita às medidas a tomar para regulamentar a coexistência entre as culturas geneticamente modificadas e biológicas,

Desenvolvimento do mercado dos alimentos biológicos e desenvolvimento das normas (acções 1-3)

1. Congratula-se com o facto de a Comissão reconhecer que a agricultura biológica desempenha um papel importante nos objectivos da nova PAC, tal como foram definidos no Acordo do Conselho de Ministros no Luxemburgo em Junho de 2003; toma nota de que a Comissão não considera necessário prever recursos humanos ou financeiros no âmbito do orçamento da União Europeia; congratula-se por a Comissão ter escolhido uma abordagem baseada na procura para estimular a agricultura biológica;

2. Considera que:

a) as medidas que visam apoiar acções de informação e de promoção são úteis se tiverem em conta as experiências das organizações profissionais do sector, a legislação e os programas dos Estados-Membros; os agrupamentos de produtores e as cooperativas devem desempenhar um papel particular na boa gestão da produção e da comercialização dos produtos e alimentos biológicos; poderão igualmente contribuir para garantir uma produção de qualidade, bem como a transformação e a comercialização dos produtos, quer mediante uma distribuição directa, quer através de cadeias comerciais, assegurando deste modo um valor acrescentado aos próprios produtores;

b) a Comissão deveria basear as suas acções de promoção em análises do mercado e das consequências do processo de concentração do comércio para os produtos "bio", prestando uma especial atenção à grande distribuição;

c) as acções de informação dos consumidores, em particular das crianças e dos jovens, deverão ser integradas e associadas a programas de informação sobre o valor ambiental e nutritivo dos produtos biológicos; as acções de promoção deveriam concentrar-se nas cantinas públicas, em especial nas cantinas dos estabelecimentos de ensino; a promoção dos produtos biológicos deve ser apoiada no âmbito dos programas comunitários ad hoc, tanto no interior como no exterior da União Europeia;

d) em todas as acções de promoção contempladas na "Acção 1", a Comissão deveria especificar e promover de igual modo as vantagens ambientais da agricultura biológica e os benefícios deste tipo de produtos para a saúde humana;

e) os pequenos produtores e as PME activas no sector alimentar deveriam beneficiar prioritariamente dessas acções, tanto mais se estiverem integrados em iniciativas regionais multiparceiros;

f) o desenvolvimento de um mercado interno dos produtos biológicos, alimentares ou outros, conduzirá à uniformização dos seus métodos de produção, tendo naturalmente em conta as particularidades regionais e os métodos tradicionais de produção, tornará os controlos mais homogéneos, assim como o funcionamento dos organismos nacionais de certificação dos produtos biológicos, e contribuirá para a eliminação dos obstáculos ao comércio e para uma informação mais completa dos consumidores europeus; considera igualmente que o logótipo comunitário deveria ser completado com informação relativa à origem local e regional dos produtos;

3. Congratula-se com a intenção da Comissão de continuar a harmonizar as normas europeias para a produção e os produtos biológicos, possibilitando assim um bom funcionamento do mercado único, pondo fim às distorções de concorrência e garantindo o comércio totalmente livre dos produtos biológicos em todo o território da União Europeia; considera que a existência de normas nacionais mais elevadas em alguns Estados-Membros não deve impedir que produtos biológicos provenientes de outros Estados-Membros sejam vendidos livremente como produtos biológicos certificados nesses Estados-Membros;

4. Reconhece a importância do papel desempenhado pela Internet como instrumento de difusão e promoção da agricultura biológica e considera que é extremamente importante que a informação circule entre os agentes interessados; por essa razão, propõe que se realize um sério esforço em matéria de transferência da tecnologia já disponível; solicita igualmente à Comissão que também sejam propostas medidas de formação com apoio comunitário (para além do previsto na Acção 6 dirigida aos Estados-Membros) para os agricultores e produtores que queiram optar pela conversão das suas explorações tradicionais em explorações biológicas;

5. Considera que convém proceder a uma maior harmonização dos cadernos de encargos, nomeadamente no sector da produção animal;

6. Considera que, na sua proposta relativa à elaboração de planos nos Estados-Membros a nível nacional, regional ou local, a Comissão deveria incluir a promoção da produção de sementes para a agricultura biológica e o fomento dos viveiros dedicados à produção de plantas adequadas à agricultura biológica;

7. Recorda que, no âmbito do processo orçamental 2005, o Parlamento incluiu expressamente o Plano de Acção na rubrica orçamental relativa às acções de promoção (05 08 05 01) e considera que se poderia prever um aumento dessa rubrica para o ano de 2006, na sequência de uma análise das necessidades dos Estados-Membros;

8. Entende que o plano de acção deveria incluir uma recomendação no sentido de que a ajuda ao desenvolvimento e a promoção do comércio equitativo fomentem a produção e o comércio de produtos biológicos, por forma a que este plano de acção adquira uma dimensão global;

Ajuda pública a favor da agricultura biológica (acções 4-6)

9. Considera essencial que as acções e ajudas previstas no âmbito do regulamento relativo ao desenvolvimento rural sejam definidas de forma mais clara no que se refere à produção biológica, a fim de promover este modo de produção em todos os Estados-Membros; neste contexto, considera conveniente acompanhar atentamente a dinâmica da aplicação do novo programa FEADER para o desenvolvimento rural nos Estados-Membros;

10. Insiste na necessidade de fomentar a ajuda pública à agricultura biológica e às indústrias relacionadas com a produção biológica, incentivando a implantação de sistemas de qualidade;

11. Considera necessário velar por que a introdução privilegiada da agricultura biológica, nomeadamente em zonas sensíveis, não provoque um desequilíbrio da oferta de produtos biológicos. Por essa razão, as reconversões à agricultura biológica deveriam ser apoiadas em função dos mercados identificados;

12. Considera que as normas de higiene e de saúde aplicáveis às PME de transformação, particularmente no sector do leite e da carne, devem ser objecto de maior precisão a fim de facilitar a comercialização local dos produtos frescos, no âmbito do regime de derrogação existente para as instalações de transformação;

13. Considera que o Plano de Acção deveria indicar claramente a contribuição da agricultura biológica em domínios como a Directiva "nitratos" [3], a Directiva "habitats" [4], a política da água, a promoção da biodiversidade, bem como a sua contribuição em matéria de emprego;

14. Considera que a Comissão deveria prestar uma particular atenção à situação da agricultura biológica nos novos Estados-Membros, designadamente no que se refere ao emprego e à economia rural;

Investigação (acção 7)

15. Propõe que, no programa-quadro de investigação europeu, se reconheça a prioridade do modo de produção da agricultura biológica e a coexistência de explorações biológicas com explorações convencionais e culturas geneticamente modificadas, bem como a avaliação do impacto das tecnologias que apresentam riscos par esta produção, incluindo uma investigação de orientação ecológica em matéria de selecção, tanto para as espécies cultivadas como para os animais de criação;

16. Lamenta que o Plano de Acção apresentado não contenha nenhuma medida concreta de fomento da investigação para além da declaração genérica de "reforçar a investigação em agricultura biológica". Nesta óptica, insta a Comissão a aprofundar a definição desses instrumentos:

a) promovendo a elaboração de estudos, análises e estatísticas específicas sobre os diferentes aspectos da agricultura biológica,

b) aprofundando os estudos sobre a produção de alimentos para a pecuária biológica,

c) incorporando as novas tecnologias no desenvolvimento da agricultura biológica,

d) compilando e publicando no âmbito europeu os estudos e investigações realizados nos diversos Estados-Membros relacionados com a agricultura biológica,

Solicita que essa investigação tenha em conta a abordagem sistémica (abordagem global ou holística) que é a da agricultura biológica, em particular incluindo acções de investigação no local;

Normas e inspecções (acções 8-21)

17. Regozija-se com a aplicação de normas mais avançadas em matéria do bem-estar dos animais, sublinhando, contudo, que esta deverá ser acompanhada de apoios aos investimentos, uma vez que muitas vezes pode exigir obras dispendiosas de transformação ou de construção de novas instalações de exploração; paralelamente, deverão ser promovidas soluções económicas (filtros de palha, tanques tampão de sedimentação, etc.);

18. Apoia a proposta apresentada pela Comissão na Acção 9, que visa garantir a integridade da produção biológica reforçando as normas e mantendo as datas-limite previstas para os períodos transitórios, mas solicita que sejam estudados casos especiais, que se encontram, por exemplo, no domínio da criação de gado, em que a não prorrogação dos prazos para a introdução de animais não procedentes de criação biológica representaria um obstáculo à recuperação e manutenção de algumas raças autóctones que se encontram já em risco de abandono em alguns países comunitários;

19. Deplora que a Comissão ainda não tenha proposto uma solução para o comércio de variedades locais tradicionais, ou de variedades que já não constem do registo, por forma a proporcionar uma liberdade da acção aos agricultores e permitir o respeito das exigências sanitárias das sementes e dos critérios de pureza varietal e de taxas de germinação, em conformidade com a legislação existente;

20. Considera que, a fim de assegurar a credibilidade dos produtos ecológicos, a Comissão deverá controlar o cumprimento pelos Estados-Membros das suas obrigações de vigilância das instituições privadas e públicas e, se for caso disso, sancionar as infracções; a Comissão elaborará anualmente uma lista das notificações dos Estados-Membros e informará o Parlamento;

21. Exorta a Comissão a aprofundar o quinto aspecto da Acção 10 especificando de que maneira pretende levar a cabo o objectivo de melhorar a legislação ambiental no que diz respeito à agricultura biológica;

22. Aprova a criação, proposta a título da Acção 11, de um grupo de peritos independentes com o objectivo de apresentar pareceres técnicos, desde que conte com a participação das pessoas interessadas, ou seja, os agricultores, as empresas de transformação e os consumidores;

23. Considera que, no Plano de Acção, a questão dos OGM não pode ser abordada apenas na perspectiva dos limiares, pelo que a Comissão deve indicar o que tenciona fazer em matéria de coexistência entre as culturas geneticamente modificadas e as culturas biológicas; de qualquer forma, deve ficar claro que, em caso de contaminação, mesmo fortuita, a responsabilidade financeira deve incumbir exclusivamente às pessoas que comercializam ilegalmente OGM e não a todo o sector agrícola; insiste em que, em matéria de OGM, sejam aplicáveis as mesmas regras aos produtos comunitários e aos produtos importados;

24. Interroga-se sobre a pertinência da Acção 17 que visa transferir o sistema de acreditação dos organismos de controlo para uma organização internacional independente, e solicita que esta etapa importante, que assegura a legitimidade da produção da agricultura biológica europeia junto do cidadão europeu, seja sempre controlada pela Comissão e pelos Estados-Membros;

25. Propõe que o acesso a todas as decisões dos tribunais relativas a fraudes na qualidade biológica de um produto ou de uma produção seja facilitado em toda a União, a fim de impedir, tal como já aconteceu no passado, que um operador fraudulento condenado possa recorrer a um novo organismo certificador para voltar a obter a sua certificação, ou passe de um Estado-Membro para outro para retomar o seu comércio fraudulento, ou ainda que os operadores do sector ignorem o seu passado de infractor;

26. Insiste no facto de que a definição de agricultura biológica deve, não só incidir no modo de produção, mas também num conjunto de práticas agrícolas que assegurem o respeito do ambiente e da biodiversidade e permitam a produção de alimentos sãos e de qualidade. Importa fazer prevalecer esta definição de agricultura biológica nas instâncias internacionais, de modo a proteger a especificidade do sector da agricultura biológica no quadro das trocas comerciais internacionais;

27. Lamenta que a Comissão não apresente medidas financeiras concretas relativas à organização das cadeias produtivas e solicita que seja fornecido apoio, nomeadamente financeiro, no quadro da estruturação da produção, da transformação, e da colocação no mercado;

28. Insiste no facto de que a agricultura biológica europeia necessita de um apoio decisivo para a comercialização e distribuição da sua produção. Convida a Comissão a apresentar propostas mais concretas nesta matéria, tendo em conta:

a) que é necessário fazer face ao actual problema dos elevados preços dos produtos biológicos,

b) que é necessário fomentar a concentração da oferta numa produção biológica,

c) que o agrupamento em associações e a criação de organizações de produtores biológicos pode desempenhar um papel fundamental facilitando a comercialização através de circuitos comuns,

d) que a constituição de um vasto mercado, que favorece a existência de longos circuitos de comercialização e, consequentemente, custos ambientais suplementares (de transformação, conservação e transporte), não parece ser o sistema mais adequado dadas as características da produção biológica. Por essa razão, seria conveniente fomentar circuitos de comercialização mais curtos, que implicariam indiscutivelmente uma melhor distribuição, preços mais acessíveis e uma rastreabilidade e um controlo dos alimentos mais fáceis;

***

29. Encarrega o seu Presidente de transmitir a presente resolução ao Conselho e à Comissão.

[1] JO L 198 de 22.7.1991, p. 1.

[2] JO C 91 E de 15.4.2004, p. 680.

[3] Directiva 91/676/CEE do Conselho de 12 de Dezembro de 1991, relativa à protecção das águas contra a poluição causada por nitratos de origem agrícola (JO L 375 de 31.12.1991, p. 1).

[4] Directiva 92/43/CEE do Conselho de 21 de Maio de 1992, relativa à preservação dos habitats naturais e da fauna e flora selvagens, (JO L 206 de 22.7.1992, p. 7).

--------------------------------------------------