31.1.2006   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 24/73


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a «Política social num sistema pan-europeu de navegação interior»

(2006/C 24/15)

Em 1 de Julho de 2004, o Comité Económico e Social Europeu decidiu, nos termos do n.o 2 do artigo 29.o do Regimento, elaborar parecer sobre a «Política social num sistema pan-europeu de navegação interior».

Incumbida da preparação dos correspondentes trabalhos, a Secção Especializada de Transportes, Energia, Infra-estruturas e Sociedade da Informação emitiu parecer em 15 de Junho de 2005, do qual foi relator T. ETTY e co-relator J. SIMONS.

Na 420.a reunião plenária de 28 e 29 de Setembro de 2005 (sessão de 29 de Setembro), o Comité Económico e Social Europeu adoptou, por 92 votos a favor, 7 votos contra, com 12 abstenções, o seguinte parecer:

1.   Introdução

1.1

Tomando como ponto de partida a intenção da Comissão Europeia de explorar o enorme potencial da navegação interior, o parecer de iniciativa emitido em 2004 (1) concentrou-se sobretudo no problema da fragmentação das legislações que a regem. O parecer apelou à harmonização e uniformização da legislação, sobretudo porque o alargamento da UE veio complicar ainda mais a situação (os regimes do Reno e do Danúbio devem ser alinhados e aplicados em sintonia). A nova política da Comissão procura alcançar um equilíbrio entre os diferentes modos de transporte. A navegação interior é vista nessa política como uma forma de criar um mercado de transportes mais equilibrado. Para aproveitar plenamente as potencialidades desta modalidade de transporte haverá que suprimir uma série de entraves que continuam a dificultar o crescimento do sector.

1.2

No que concerne à política social e à situação do mercado de trabalho, o parecer tece considerações nomeadamente sobre:

o princípio da livre circulação de trabalhadores e a decorrente necessidade de coordenar os sistemas de segurança social;

a falta de pessoal qualificado no domínio da navegação interior nos 15 Estados-Membros primitivos e o respectivo excedente nos novos e nos futuros Estados-Membros;

os diferentes requisitos em matéria de qualificação e exame e as complicações que daí derivam para a contratação de pessoal e para a livre circulação de trabalhadores do sector, bem como as diferenças entre os regimes do Reno e do Danúbio no que se refere às regras aplicáveis às tripulações das embarcações que usam as vias navegáveis interiores (incluindo a distinção entre regras obrigatórias e recomendações);

a coerência entre as regras aplicáveis às tripulações e os requisitos técnicos a que devem conformar-se as embarcações;

a necessidade de harmonizar as formações, a fim de facilitar a aproximação das regras aplicáveis às tripulações a nível europeu;

possíveis problemas de comunicação entre membros das tripulações e entre os vários implicados na navegação nas vias navegáveis interiores da Europa, e a conveniência de resolver estes problemas para tornar o transporte mais seguro;

o facto de o regime do Reno ser de aplicação a todos os membros da tripulação (tanto trabalhadores contratados como independentes) e não conter quaisquer disposições específicas para os trabalhadores, ao passo que a legislação da UE se concentra na protecção dos trabalhadores e não entra em linha de conta com as circunstâncias específicas e com as regras aplicáveis à tripulação na navegação interior. É necessário um diálogo social a nível comunitário para conciliar estas duas regulamentações.

2.   Observações na generalidade

2.1

De há muito que as regras técnicas e sociais aplicáveis à navegação interior estão intimamente relacionadas. É o caso, sobretudo, das normas para a tripulação, as quais, perfeitamente adequadas aos requisitos técnicos para a embarcação, zelam tanto pela segurança geral como pela protecção dos tripulantes.

2.2

As normas técnicas para a navegação no Reno estão estipuladas na Convenção de Mannheim, da qual derivam as competências da Comissão Central de Navegação no Reno (CCNR), com sede em Estrasburgo. Em alguns Estados-Membros, o regime do Reno é aplicável a todas as vias navegáveis.

Dado que à navegação no Danúbio também se aplica o Tratado de Belgrado, que prevê um procedimento distinto (a Comissão do Danúbio faz recomendações, em vez de impor normas), ao lado da legislação comunitária, pode descrever-se a regulamentação europeia neste domínio como uma complexa manta de retalhos.

A Convenção de Mannheim pode tornar-se uma das pedras basilares de uma legislação comunitária plenamente desenvolvida no domínio técnico para a navegação interior.

2.3

Ao lado das normas para as tripulações, o tempo de navegação das embarcações e os períodos de descanso dos tripulantes são os principais aspectos sociais regulamentados pela CCNR.

2.4

Os países do Danúbio procedem actualmente a uma revisão do Tratado de Belgrado para dar à Comissão do Danúbio competências semelhantes às da CCNR. O tratado revisto deverá ser aprovado proximamente. Todos os países interessados poderão então tornar-se partes do tratado.

2.4.1

Face aos crescentes interesses económicos (a navegação no Danúbio tem-se intensificado rapidamente), esta questão é prioritária para os países do Danúbio. Para a Comissão do Danúbio, os objectivos seguintes são primordiais:

a.

reconhecimento mútuo de patentes, qualificações profissionais e certificados técnicos;

b.

parâmetros equivalentes para a navegação interior;

c.

abertura do mercado europeu da navegação interior;

d.

integração da dimensão social.

2.4.2

Um problema central para a navegação no Danúbio é o relativamente mau estado técnico de manutenção das frotas locais, consequência, nomeadamente, da vetustez das embarcações e seu equipamento e do prolongado subaproveitamento devido ao bloqueio perto de Novi Sad.

A navegação interior nos países do Reno vê-se confrontada com uma enorme falta de pessoal desses países.

2.4.3

De acordo com a Comissão do Danúbio, e à excepção do carácter não vinculativo do Tratado de Belgrado, não há diferenças de maior entre os regimes do Reno e do Danúbio no que respeita aos requisitos técnicos e sociais. A definição das normas sociais para a navegação no Danúbio é em grande parte deixada à legislação nacional e a acordos colectivos.

As enormes restrições ao acesso de capitães dos países do Danúbio à navegação no Reno são vistas pela Comissão do Danúbio como o principal problema a nível social.

2.4.4

A Comissão do Danúbio nunca realizou um estudo comparativo sobre a legislação social dos países membros no domínio da navegação interior. Ao que parece não houve até agora qualquer interesse neste aspecto da navegação interior, conquanto seja um factor importante para a concorrência.

2.5

De acordo com os sindicatos, os maiores problemas que se colocam aos trabalhadores do sector da navegação interior tanto no Reno como no Danúbio prendem-se com as regras em matéria de tripulações e de períodos de trabalho e de descanso, com as disparidades entre as disposições nacionais de segurança social e com o desconhecimento das diferentes regulamentações nacionais e dos acordos colectivos.

Os principais problemas sociais para os empregadores dos países do Reno devem-se, em seu entender, à inflexibilidade e à complexidade das normas e às diferenças entre as legislações nacionais. Dado que esta situação afecta consideravelmente a posição concorrencial, há empresas que procuram sediar-se nos países com a legislação mais favorável e/ou transferem os seus trabalhadores em função das obrigações a nível social e laboral. Procuram assim tirar o máximo partido das diferenças a nível dos custos laborais e dos encargos sociais.

2.6

O sector da navegação interior emprega cerca de 40 000 pessoas: 30 000 nos «antigos» Estados-Membros e 10 000 nos «novos». Destas últimas, umas 3 000 trabalham actualmente na navegação no Reno. Aproximadamente metade dos trabalhadores do sector nos «antigos» Estados-Membros são assalariados, os restantes trabalham por conta própria.

2.7

No âmbito da CCNR, os parceiros sociais são consultados sobre questões relacionadas com a política social. Contudo, os sindicatos consideram estas consultas insuficientes.

Nos países do Danúbio, estas consultas não existem. A maior parte dos trabalhadores está afiliada a sindicatos; quanto aos empregadores, vive-se actualmente uma situação de transição decorrente do processo de privatização.

2.7.1

O diálogo social entre trabalhadores e empregadores do sector está pouco desenvolvido nos «antigos» Estados-Membros e é inexistente nos «novos» Estados-Membros e nos países candidatos. Para um verdadeiro diálogo social são fundamentais organizações independentes e realmente representativas de empregadores e trabalhadores. Esta é uma questão a ter em consideração nos países do Danúbio.

2.7.2

Este facto, aliado à posição tradicionalmente dominante das normas e regras técnicas, explica por que motivo o factor humano tem sido tão negligenciado na navegação interior. Os proprietários das embarcações têm a esse respeito a seguinte posição: como a maior parte das embarcações usadas na navegação interior pertence a particulares, interessa aos proprietários manter todos os riscos operacionais, incluindo o factor humano, sob controlo. É por isso que, em comparação com outros modos de transporte, se tem feito sentir menos intensamente a necessidade de legislação específica sobre as qualificações necessárias.

2.8

Será de augurar uma alteração positiva desta situação, atendendo ao crescente interesse em conferir um papel mais importante à navegação interior na futura política europeia de transportes e em aumentar a coerência entre os diferentes regimes de navegação interior? Três relatórios recentemente publicados e uma importante conferência europeia, todos relacionados com o futuro do sector, parecem indicar o contrário.

2.8.1

O relatório da CCNR intitulado Ships of the Future  (2) analisa o futuro da navegação interior sobretudo de um ponto de vista tecnológico.

2.8.1.1

Quanto às questões sociais, a atenção tem-se concentrado quase exclusivamente nos futuros capitães, que são descritos como «gestores» com muito poucas tarefas físicas mas capazes de reagir adequadamente em caso de emergência. De momento, esta não é ainda uma imagem realista, mas revela a enorme influência da evolução tecnológica no contexto social da navegação interior. Partindo desta premissa, o relatório preconiza uma política social activa para o sector.

2.8.1.2

Da leitura do relatório parece poder-se inferir que na navegação interior só há doravante lugar para pessoal altamente qualificado. Mas também esta conclusão é irrealista. É possível que venha a haver cada vez menos oportunidade de trabalho para trabalhadores não qualificados, mas a navegação interior não poderá passar sem esses trabalhadores.

2.8.1.3

No que toca ao mercado de trabalho, o relatório salienta a importância de períodos regulares de lazer, do alargamento do leque de funções a efectuar e da mobilidade.

2.8.2

O relatório PINE (3) considera o futuro da navegação interior principalmente de uma perspectiva económica. O problema social mais importante em debate é o do impacto da livre circulação de trabalhadores na UE sobre os aspectos financeiros e económicos da navegação interior.

Paralelamente é também considerada a questão da actual e futura falta de pessoal na navegação interior.

2.8.3

O relatório EFIN (4) analisa a possibilidade de criar um quadro geral de cooperação que abranja os países e instâncias implicados. O CESE terá dentro em breve ocasião de analisar mais aprofundadamente as propostas deste relatório num parecer separado. O relatório não faz qualquer referência ao papel dos parceiros sociais; este parece ser considerado irrelevante para as questões tratadas no relatório.

2.8.4

Os aspectos sociais tampouco receberam muita atenção no congresso intitulado «O poder da navegação interior» organizado pela presidência neerlandesa do Conselho para debater o contributo da navegação interior para o crescimento económico e o progresso social.

2.9

Da leitura dos três estudos e dos debates realizados no quadro do congresso referido pode inferir-se que os governos e muitos dos implicados no sector continuam a considerar as questões sociais de importância apenas marginal para a navegação interior.

A corroborar esta conclusão está o facto de os autores e organizadores não terem solicitado o mínimo contributo dos parceiros sociais. A única excepção foi o relatório PINE. Para a elaboração deste relatório a Comissão procurou a colaboração dos parceiros sociais, embora, como acima referido, tenha dado pouco relevo a questões sociais que esses parceiros (certamente os sindicatos) consideram da máxima importância.

2.10

Dada a complexidade da política social na navegação interior, o anterior parecer do CESE intitulado «Rumo a um sistema pan-europeu de navegação fluvial» não a examinou em pormenor, remetendo-a para o presente parecer. As considerações até agora expendidas são outros tantos argumentos para examinar mais de perto a política social. Já é altura de dissociar a política social da posição tradicionalmente dominante dos aspectos técnicos e de a tratar de forma mais equilibrada, com o pleno envolvimento de todas as partes interessadas, tanto dos países do Reno como dos países do Danúbio e tanto nos «antigos» Estados-Membros como nos «novos» Estados-Membros, nos países candidatos e em todos os outros países implicados.

3.   Observações na especialidade

3.1

A actual política social deve construir-se segundo moldes amplamente uniformes, mas com margem para integrar condicionalismos específicos regionais ou locais. É fundamental associar os parceiros sociais à configuração dessa política.

3.2   Regras sobre a tripulação

3.2.1

As principais disposições em matéria de tripulações nos países da CCNR constam do Capítulo 23 do Regulamento sobre a inspecção das embarcações no Reno. Isso quer dizer que a classificação da embarcação e os horários de navegação diária são determinantes para as dimensões e a composição da tripulação. É extremamente importante controlar eficazmente o cumprimento destas regras, uma vez que a prática dá ainda abundantes exemplos da sua violação.

3.2.2

A Comissão Europeia começou já há 20 anos a elaborar um instrumento comunitário. Até à data, porém, não houve progressos assinaláveis. Isso deve-se em parte à intenção dos países implicados, desde há muito, de aguardarem antes de mais uma revisão do Capítulo 23. O instrumento europeu a desenvolver deverá incluir regras sobre a composição das tripulações, horários de trabalho e períodos obrigatórios de descanso para os tripulantes.

3.2.3

Nos países do Reno, as regras sobre as tripulações formam um pomo de discórdia entre os governos e os empregadores/independentes, por um lado, e os sindicatos, por outro. A revisão das regras respeitantes às tripulações em Julho de 2002, da responsabilidade da CCNR, foi inadequada ao parecer dos sindicatos. Estes consideram que os padrões mínimos para a tripulação são demasiado baixos e que os requisitos em matéria de formação profissional e de qualificações são insuficientes. Em seu entender, a segurança das tripulações é posta em risco por estas regras, aliadas aos actuais períodos de trabalho e de descanso.

As organizações de empregadores defendem, pelo contrário, que as disposições actuais contribuem justamente para a segurança no sector. Seria de desejar ainda maior flexibilidade, nomeadamente na contratação de trabalhadores oriundos de outros sectores da navegação. Em particular, as regras sobre a tripulação das embarcações que disponham do equipamento mais moderno deveriam ser mais maleáveis.

3.2.4

No regime do Danúbio, as normas mínimas para a tripulação não parecem suscitar quaisquer problemas. Os artigos correspondentes do Tratado de Belgrado referem-se essencialmente aos capitães e aos maquinistas; muito pouco é dito sobre os tripulantes dos escalões inferiores. Em comparação com os seus homólogos nos países do Reno, o nível de formação dos capitães e dos maquinistas dos países do Danúbio é bastante elevado.

Os países do Danúbio tencionam harmonizar as suas regulamentações nacionais em matéria de tripulações a partir de 2005. As organizações de empregadores serão envolvidas nesse processo enquanto observadoras. Os empregadores representarão os seus trabalhadores, entende a Comissão do Danúbio; esta não é, por certo, a posição dos sindicatos destes países.

3.2.5

As normas sobre a tripulação são muitas vezes ignoradas nos países do Reno, o que para os sindicatos é mais uma razão para recear pela segurança. No sector da navegação interior há poucos controlos do cumprimento dessas normas.

As organizações de empregadores e independentes consideram importante uma aplicação adequada das regras sobre a tripulação, não só por razões de segurança mas também para assegurar uma concorrência leal. Salientam ainda que essas regras devem ser formuladas de forma a promover, e não a entravar, a inovação na navegação interior.

3.3   Períodos de trabalho e de descanso

3.3.1

Como ficou dito, os períodos de trabalho e de descanso das tripulações constituem o mais importante aspecto social do regime do Reno. As regras em vigor definem apenas o número de horas prestadas durante o funcionamento da embarcação, e não o número de horas efectivamente prestadas. Estas últimas não são, pois, controladas.

3.3.2

Horários com longos períodos de trabalho diário são a regra mais do que a excepção na navegação interior. A tripulação permanece geralmente longos períodos a bordo (p. ex., duas semanas), mas alguns membros residem permanentemente nas embarcações. As regras sobre este ponto definem os períodos de descanso a respeitar, mas a tripulação deve muitas vezes manter-se disponível durante esses períodos.

3.3.3

Em contactos com a CCNR, os sindicatos queixaram-se do facto de só serem controladas as horas de navegação das embarcações, e não as horas de trabalho realmente prestadas. Os governos dos Estados implicados não atenderam, até à data, a estas queixas.

3.3.4

Os períodos de trabalho não são definidos na actual legislação e regulamentação em matéria de navegação interior (que se aplica tanto a assalariados como a independentes). Na legislação dos países do Reno as regras em matéria de períodos de actividade da embarcação, composição das tripulações e períodos de descanso obrigatórios são interdependentes.

3.3.4.1

Segundo os interessados, a Directiva comunitária sobre a organização dos tempos de trabalho (actualmente em revisão) não dá a devida atenção às condições específicas da navegação interior. Daí as queixas que manifestaram. No quadro do diálogo social há pouco relançado após um período de inactividade, a conclusão de um acordo sobre esta matéria é descrita como prioritária; os parceiros sociais implicados a nível europeu comprometeram-se a pugnar por esse objectivo.

3.3.5

No Reno, como noutras vias navegáveis dos países do Reno, devem ser observadas pelo menos 8 horas de descanso por dia de trabalho, das quais 6 ininterruptas.

3.3.6

No Danúbio não há quaisquer regras sobre períodos de actividade das embarcações ou horários de trabalho. Na prática, uma tripulação compõe-se no mínimo de 4 pessoas; dessa forma, a embarcação pode manter-se em actividade 24 horas por dia. Não há regras vinculativas em matéria de períodos de descanso.

3.3.7

Face às disparidades entre as diferentes regulamentações sobre as vias navegáveis europeias, são necessárias normas mínimas comuns. Para esse fim pode revelar-se extremamente importante o acordo a que chegarem os parceiros sociais (v. ponto 3.2.4.1).

Para criar condições equitativas, importa que ao Reno, ao Danúbio e às outras vias navegáveis interiores possam ser aplicadas disposições semelhantes. Além disso, essas disposições deverão ser mutuamente compatíveis e transparentes.

3.4   Saúde e segurança no trabalho

3.4.1

Como é o caso de outros domínios da actual política social na navegação interior, as regras em matéria de saúde e segurança no trabalho são estreitamente dependentes dos requisitos técnicos para as embarcações. Essas regras dimanam em grande medida da regulamentação sobre a inspecção de embarcações no Reno e das legislações nacionais, sob a forma de normas de construção e equipamento das embarcações.

3.4.2

Para protecção dos trabalhadores, a UE dispõe de directivas no domínio da saúde e da segurança no local de trabalho. De acordo com elas, os empregadores têm a obrigação de efectuar avaliações dos riscos, o que nem sempre ocorre na navegação interior.

3.4.3

A legislação europeia no domínio da saúde e da segurança é criticada por alguns dos intervenientes na navegação interior; estes consideram que não é tida conta de situações reais e dos condicionalismos específicos do sector e que as regras não se quadram com a legislação em vigor para a navegação interior, aplicáveis a todos os tripulantes. O âmbito de aplicação das directivas limita-se à protecção dos trabalhadores assalariados, estando excluídos os independentes. Observe-se que esta situação se verifica igualmente noutros sectores de actividade económica. No sector do transporte rodoviário, por exemplo, foi adoptada uma directiva específica sobre a organização do tempo de trabalho com base nos artigos 71.o e 137.o, n.o 2, do Tratado (5).

3.5   Inspecção do trabalho

3.5.1

Além de uma regulamentação uniforme e vinculativa, é necessária uma inspecção séria, regular e qualificada num sector em que muitos independentes (incluindo semi- e quasi-independentes) trabalham lado a lado com trabalhadores assalariados, com o risco inerente de menor protecção para estes últimos e/ou de concorrência desleal.

3.5.2

A inspecção do trabalho na navegação interior é ineficaz e vê-se confrontada com dificuldades específicas ao sector. Um problema particular é a situação única a bordo das embarcações, que torna difícil distinguir entre vida profissional e privada, ao contrário do que sucede com a maior parte das actividades económicas. Nestas condições, não é raro que os inspectores se tornem inoportunamente amigáveis.

3.5.3

Em muitos países, a inspecção revela graves deficiências (a Alemanha e a Suíça são as grandes excepções positivas entre os países do Reno). Os serviços de inspecção sofrem de falta de pessoal. Por este motivo, a inspecção do trabalho efectua poucos controlos, sobretudo nos Países Baixos e na Bélgica (na prática, uma embarcação é inspeccionada uma vez cada dois/três anos). De referir ainda que a construção e o equipamento das embarcações são supervisionados pela autoridade nacional de inspecção e que cabe à polícia fluvial controlar o cumprimento da legislação.

No Danúbio não há praticamente inspecções.

3.5.4

Não são só os requisitos legais que são desrespeitados. Também há problemas de incumprimento dos acordos colectivos de trabalho.

3.5.5

As inspecções de grande escala acusam constantemente violações das regras por grande número de embarcações.

3.5.6

A navegação interior tem a reputação de ser um modo de transporte relativamente seguro, mas isso não significa de modo algum que não ocorram acidentes. No entanto, os acidentes só são registados em caso de mortes ou de outras catástrofes. Não há uma definição inequívoca de acidente na navegação interior. Estas são questões que terão de ser atentamente ponderadas por todos os interessados na promoção da navegação interior, face ao recurso crescente a este modo de transporte e às considerações anteriores sobre o cumprimento na prática das regras sobre tripulações.

3.6   Educação, formação, exames

3.6.1

Um elevado nível de educação e de formação é indispensável para o futuro do emprego no sector da navegação interior, assim como para manter a sua reputação de segurança. Para isso, haverá que definir normas de formação comuns e claras e aplicá-las rigorosamente.

Nos países do Danúbio, o nível de formação (sobretudo dos capitães) é relativamente elevado. Nos países do Reno, há disparidades significativas ao nível da qualidade.

A introdução de normas mínimas comuns, de preferência a nível pan-europeu, é pois uma necessidade.

3.6.2

A CCNR assumiu a tarefa de realizar os trabalhos preparatórios para o desenvolvimento de perfis harmonizados para as funções de marinheiro e condutor de embarcação, com a cooperação dos parceiros sociais. Estes perfis, que deverão ser publicados em 2005, poderão servir de base para a harmonização das formações profissionais correspondentes nos países europeus em que se pratica a navegação interior. Isto tornará igualmente mais fácil o reconhecimento mútuo das qualificações.

3.6.3

No âmbito do diálogo social neste sector foi recentemente obtida informação sobre formação na navegação interior nos novos Estados-Membros.

3.6.4

A harmonização da formação deverá ser acompanhada de medidas destinadas a tornar uma carreira na navegação interior mais atraente para os jovens.

3.7   Comunicação

3.7.1

O relatório PINE constata acertadamente as insuficiências a nível dos conhecimentos de línguas e das vias navegáveis estrangeiras, provocadas pela migração dos trabalhadores e pelo aumento do tráfego entre o Leste e o Ocidente. Estes problemas podem gerar riscos para a segurança da navegação interior.

3.7.2

Talvez seja altura de introduzir uma língua comum para a navegação internacional no Reno e no Danúbio, tanto entre embarcações como entre estas e terra.

3.8   Diálogo social

3.8.1

A CCNR e a Comissão do Danúbio só em escassa medida têm envolvido os parceiros sociais na elaboração da política social da navegação interior. Trata-se de uma situação insatisfatória, que os parceiros sociais deverão ser os primeiros a tentar alterar. Os governos dos Estados-Membros, que até à data não se têm mostrado particularmente atentos às reivindicações dos parceiros sociais, deveriam reconsiderar a sua posição.

3.8.2

Ao desenvolver a dimensão social da política da navegação interior para os UE-25, que procurará encontrar um novo equilíbrio no sector dos transportes intensificando o papel da navegação interior, a Comissão Europeia terá a oportunidade, graças à sua tradição comprovada de consulta dos parceiros sociais e de diálogo social, de obter melhores resultados do que a CCNR e a Comissão do Danúbio.

3.8.3

A este respeito, é de louvar que os parceiros sociais tenham iniciado o diálogo social, que decorre no quadro do comité para o diálogo social na navegação interior, criado por decisão da Comissão a instâncias dos parceiros sociais.

Infelizmente, os trabalhos deste comité têm avançado muito lentamente. Na Primavera de 2004 tiveram início os debates sobre a organização dos horários de trabalho na navegação interior, e em Junho de 2005 teve lugar a primeira reunião plenária.

3.8.4

Uma outra questão considerada prioritária para o diálogo social é o funcionamento do mercado interno da navegação interior, incluindo a livre circulação de trabalhadores.

3.8.5

O diálogo social é da inteira responsabilidade dos parceiros sociais. Não obstante, é de recomendar que a Comissão Europeia lhe dê novos incentivos. Uma forma seria a solicitação, em condições perfeitamente definidas, de pareceres aos parceiros sociais e a obrigação de que estes pareceres sejam elaborados dentro de um prazo razoável, nomeadamente através da definição de prazos claros.

3.8.6

Os acordos entre os parceiros sociais a nível comunitário com base no artigo 139.o do Tratado CE podem levar à adopção de regras específicas para satisfazer as necessidades específicas da navegação interior. Tais acordos, baseados nas normas mínimas definidas pelo Conselho em conformidade com o artigo 137.o do Tratado, só serão aplicáveis se os parceiros sociais concordarem na necessidade de regras adicionais específicas.

4.   Conclusões e recomendações

4.1

O CESE considera que é chegado o momento de formular uma política social comunitária para a navegação interior, de preferência num âmbito pan-europeu. Essa política deverá vigorar em todas as vias navegáveis europeias, dispor de uma base ampla e uniforme e ter em conta as condições específicas locais e regionais. Os parceiros sociais devem ser intimamente associados à configuração desta política social.

4.2

As anteriores afirmações do CESE em termos gerais sobre o regime jurídico europeu para a navegação interior aplica-se igualmente à legislação e às normas sociais no sector: estas estão enormemente fragmentadas e deveriam ser harmonizadas e uniformizadas da forma referida, sobretudo à luz das novas complicações trazidas pelo alargamento da UE.

4.3

A política social tem desde sempre sido considerada de interesse secundário na navegação interior. No essencial, resume-se a um capítulo da legislação técnica sobre as embarcações. É urgente que o factor humano ultrapasse esta posição de segunda classe.

4.4

Isso requer uma mudança de posição por parte de todos os implicados, sobretudo no que concerne ao papel dos parceiros sociais na formulação de uma política social moderna, e ao mesmo tempo uma modernização de outros aspectos da navegação interior.

4.5

Vários aspectos deviam ser objecto de uma análise cuidada e de decisões bem preparadas e equilibradas. De momento, as principais prioridades parecem ser as regras em matéria de tripulações e de períodos de trabalho e de descanso, assim como a instauração de um verdadeiro diálogo social activo.

4.6

A Comissão Europeia é a mais indicada para promover este processo, baseando-se na longa tradição, na experiência e nos conhecimentos da CCNR e da Comissão do Danúbio. Entretanto, atendendo ao funcionamento destas duas comissões nestas últimas décadas, à importância que reservaram à política social nos seus trabalhos e à forma como até agora neles envolveram os parceiros sociais, torna-se claro que as condições ideais para a formulação de uma política social moderna na navegação interior não poderão ser criadas apenas pela aproximação e interligação dos regimes do Reno e do Danúbio.

4.7

Para elaborar um novo projecto de política social na navegação interior na UE, a Comissão deverá colaborar estreitamente com os parceiros sociais, a CCNR e a Comissão do Danúbio. Isso requer que os países membros da CCNR e da Comissão do Danúbio dêem às suas instâncias as competências necessárias no domínio da política social e reforcem a sua capacidade de modo a que estas possam cooperar o melhor possível com a Comissão Europeia. Por outro lado, a Comissão Europeia deverá igualmente envidar maiores esforços para desenvolver a sua experiência no domínio da navegação interior.

4.8

Se os problemas actuais da política social na navegação interior forem atacados desta forma, será possível introduzir um regime social capaz de conciliar as características e os problemas específicos do sector com os interesses de todos os que nele trabalham.

4.9

Durante este processo de revisão e de adaptação será primordial criar condições equitativas e tornar o sector mais atraente tanto para as pessoas que nele estão já empregadas como para potenciais interessados, em razão sobretudo do esperado aumento da concorrência quer no interior do próprio sector da navegação interior quer entre este e os outros modos de transporte.

4.10

Este processo de transformação consumirá muito tempo e exigirá o máximo empenho dos parceiros sociais. O diálogo social sectorial (a nível nacional e europeu) é o melhor instrumento para conciliar os pontos de vista dos empregadores, dos independentes e dos trabalhadores assalariados, e os objectivos da política comunitária, sobretudo no que respeita à legislação e à regulamentação sobre a tripulação e os períodos de trabalho e de descanso dos tripulantes.

4.11

Para o futuro da União Europeia é essencial uma maior atenção ao aspecto da educação e da formação, para o que é necessária a contribuição dos parceiros sociais.

4.12

Os acordos entre os parceiros sociais a nível comunitário com base no artigo 139.o do Tratado CE podem levar à adopção de regras específicas para a navegação interior. Na opinião do CESE, tais acordos serão aplicáveis se os parceiros sociais concordarem em que as necessidades específicas do sector requerem disposições adicionais às normas mínimas definidas pelo Conselho com base no artigo 137.o do Tratado.

Bruxelas, 29 de Setembro de 2005.

A Presidente

do Comité Económico e Social Europeu

Anne-Marie SIGMUND


(1)  O presente parecer surge na linha do parecer de iniciativa intitulado «Rumo a um sistema pan-europeu de navegação fluvial», JO C 10, de 14/1/2004, p. 49.

(2)  Relatório final da CCNR à Comissão Central, Navios do Futuro, 2002.

(3)  «Prospects of Inland Navigation within the enlarged Europe» (Março de 2004), estudo encomendado pela Comissão Europeia.

(4)  Enquadramento Institucional para a Navegação Interior na Europa [no original European Framework for Inland Navigation], 2004. Este relatório foi encomendado pelo governo dos Países Baixos, com a colaboração da Bélgica, da Alemanha, da França e da Suíça.

(5)  Directiva 2002/15/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de Março de 2002, relativa à organização do tempo de trabalho das pessoas que exercem actividades móveis de transporte rodoviário (JO L 80, de 23/3/2002, pp. 35-39).