8.9.2005   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 221/46


Parecer do Comité Económico e Social Europeu «Beijing dez anos depois: avaliação dos progressos na Europa e nos países em desenvolvimento em matéria de igualdade entre homens e mulheres»

(2005/C 221/11)

Em 16 de Dezembro de 2004, o Comité Económico e Social Europeu decidiu elaborar, nos termos do n.o 2 do artigo 29.o do Regimento, um parecer de iniciativa sobre o tema «Beijing dez anos depois: avaliação dos progressos na Europa e nos países em desenvolvimento em matéria de igualdade entre homens e mulheres».

A Secção Especializada de Relações Externas, encarregada de preparar os correspondentes trabalhos, emitiu o parecer em 12 de Janeiro de 2005, com base no projecto da relatora S. FLORIO.

Na 414.a reunião plenária de 9 e 10 de Fevereiro de 2005 (sessão de 9 de Fevereiro), o Comité Económico e Social Europeu adoptou, por 135 votos a favor, 1 voto contra e 6 abstenções, o seguinte parecer.

1.   Introdução

1.1

A 49.a sessão da Comissão das Nações Unidas sobre o Estatuto da Mulher (CEM) que terá lugar de 28 de Fevereiro a 11 de Março de 2005 procederá à avaliação da execução da Plataforma de Acção e da Declaração de Beijing aprovadas durante a 4.a Conferência Mundial das Nações Unidas sobre a Mulher (Beijing, 1995) e dos documentos finais aprovados durante a 23.a Sessão Extraordinária da Assembleia Geral «Mulheres 2000: Igualdade entre os Sexos, Desenvolvimento e Paz no Século XXI» (Nova Iorque, 2000) onde se fez um primeiro ponto da situação dos progressos registados e dos obstáculos encontrados na via que conduz à igualdade de género.

1.2

Nessa ocasião a Assembleia Geral aprovou uma resolução contendo «Acções e iniciativas ulteriores para aplicar a Declaração de Beijing e a Plataforma de Acção» e uma declaração política que comprometia os Estados-Membros a reavaliarem, dez anos após a adopção da Plataforma, os progressos alcançados e a pensarem em novas actividades.

1.3

Conforme prevê o programa de trabalho plurianual da CEM, os trabalhos da 49.a sessão articular-se-ão em torno dos progressos alcançados nas doze áreas enunciadas na Plataforma de Acção e na identificação dos desafios actuais procurando gizar novas estratégias para a promoção e a emancipação das mulheres e das jovens. Com o fito de favorecer o diálogo, a assembleia estará aberta à participação mais ampla das delegações dos Estados-Membros, da sociedade civil e das organizações internacionais.

1.4

Tem sido fundamental o empenhamento das Nações Unidas no sentido de conferir ao problema da igualdade de direitos entre homens e mulheres uma valência internacional. Para ilustrá-lo, refira-se a convocação em 1975 da Primeira Conferência Mundial sobre a Mulher que inaugurou o Decénio da Mulher (Cidade do México). É com a Segunda Conferência («a meio do decénio» — Copenhaga, 1980) que os governos começam a assinar (57) a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres (CEDAW, 1979) que constitui um dos marcos fundamentais do difícil trajecto que conduz à igualdade de género. Com a Terceira Conferência (Nairobi, 1985) é aprovado o plano de acção «Futura estratégia para a promoção das mulheres» com o qual os governos e as organizações internacionais proclamam o objectivo da igualdade.

1.5

Outro passo essencial no processo de reconhecimento das especificidades femininas e do papel das mulheres foi a Resolução 1325 de 2000 do Conselho de Segurança das Nações Unidas sobre Mulheres, Paz e Segurança (em que se reconhece que é diferente o impacto da guerra nas mulheres e se reafirma a necessidade de reforçar o seu papel nos processo de decisão com respeito à prevenção e à resolução de conflitos). Mas, em termos mais gerais, há mais de dez anos que o tema da promoção das mulheres vem sendo considerado nas conclusões de todas as grandes conferências e dos encontros internacionais sob a égide das Nações Unidas (1).

1.6

Outro momento alto foi a Cimeira do Milénio das Nações Unidas realizada em Setembro de 2000 em que os Estados-Membros estabeleceram oito objectivos (Millennium Development Goals) claros e mensuráveis para reduzir significativamente, até 2015, a pobreza, a fome, as doenças e a degradação ambiental. A Declaração do Milénio surge igualmente do imperativo de criar uma lista de prioridades homogénea incluindo igualmente as estabelecidas no decénio anterior pelas várias conferências e cimeiras internacionais. Destes objectivos o terceiro tem por finalidade a promoção da igualdade de género e da emancipação das mulheres e encontra-se estreitamente ligado com a formação e a educação, enquanto o quinto se ocupa da saúde reprodutiva. A perspectiva de género é, de qualquer modo, transversal aos oito pontos.

2.   Observações na generalidade

2.1

Não obstante o sistema das Nações Unidas ter criado um quadro legislativo fundamental para alcançar a igualdade de género, nota-se por vezes uma certa falta de coerência entre as intenções da carta e a aplicação prática dos princípios nos vários Estados-Membros e as suas políticas comerciais e de desenvolvimento. A plena afirmação dos direitos cívicos, económicos, sociais e políticos das mulheres é, de facto, minada frequentemente por políticas macroeconómicas e acordos comerciais inspirados pelo neoliberalismo que ignoram completamente a dimensão do género.

2.2

Além disso, não há dúvida de que a complexa situação internacional não é o terreno mais propício para fazer singrar a promoção das mulheres que é antes ameaçada pela erosão persistente das posições conquistadas nos últimos anos.

2.3

Os conflitos actuais debilitam e deterioram cada vez mais a situação das mulheres.

2.4

A violência doméstica é, ainda, uma realidade em todo o mundo e atinge mulheres de todas as idades, classes sociais e religiões.

2.5

É, pois, essencial vincar a igualdade de género e a defesa dos direitos das mulheres como objectivo prioritário e como meio para alcançar um desenvolvimento equitativo, uma melhor redistribuição da riqueza, um crescimento económico sustentável e o reforço dos sistemas de protecção dos estratos mais vulneráveis da população.

3.   O papel do Comité Económico e Social Europeu

3.1

Parece-nos essencial que o Comité Económico e Social elabore um documento sobre a matéria que lhe dê a oportunidade de participar na avaliação em curso dos progressos realizados pela União Europeia na igualdade de género.

3.2

Convém lembrar a este propósito que o Comité sempre tem seguido com especial atenção as actividades centradas na melhoria da posição da mulher na sociedade, quer elaborando inúmeros pareceres sobre a matéria quer fazendo-se promotor de várias iniciativas. No contexto da Quarta Conferência sobre as Mulheres (Beijing 1995) e do seguimento que lhe foi dado posteriormente (Beijing +5), contribuiu com dois pareceres (EXT/131 e REX/033) em que sublinhava, designadamente, a importância da participação de uma delegação do Comité nos trabalhos das Nações Unidas.

3.3

Numa óptica de colaboração com as instituições europeias, sobretudo o Conselho, o Parlamento e a Comissão, o Comité tem tido um papel crucial no acompanhamento de numerosas iniciativas da União Europeia todas com o propósito de garantir a igualdade de género que, nos últimos anos têm procurado dar uma resposta aos desafios e aos obstáculos evidenciados em Beijing.

3.4

Neste contexto, é nossa convicção que, partindo dos progressos e dos obstáculos encontrados desde a Quarta Conferência até aos nossos dias, o Comité poderia ter um notável contributo para a integração sistemática das questões especificamente femininas num número cada vez maior de áreas da política e da sociedade europeia.

3.5

Além disso, tendo em mente o papel de protagonista que cabe à União Europeia no cenário internacional e a enorme responsabilidade que tal implica, propomo-nos delinear neste parecer os possíveis contributos da UE para a melhoria das condições de vida e de promoção das mulheres no mundo, através das suas políticas comerciais, de cooperação e de desenvolvimento.

4.   A União Europeia

4.1

Na União Europeia, o princípio da igualdade entre géneros, já presente no Tratado, foi codificado ulteriormente pelo Tratado de Amesterdão ao consagrar a «dupla abordagem» que coloca em paralelo, por um lado, a aplicação da perspectiva de género em todas as políticas comunitárias e, por outro, a adopção de medidas específicas a favor das mulheres. No entanto, a questão da igualdade de oportunidades entre homens e mulheres tinha sido já enquadrada na política de coesão económica e social da Comunidade e constituía, desde 1994, um objectivo primordial dos Fundos Estruturais.

4.2

A UE adoptou uma abordagem integrada, distinguindo entre os instrumentos legislativos e financeiros e a utilização do método aberto de coordenação nas políticas sociais. Os instrumentos mais recentes concebidos para a consecução da igualdade de género são, no âmbito da UE, a Estratégia-Quadro da Comunidade para a Igualdade de Géneros (2001-2005), com os correspondentes programas de trabalho anuais, e os Fundos Estruturais.

4.3

Esta estratégia-quadro propõe-se coordenar as actividades e os programas antes desenvolvidos numa base sectorial, adoptando a óptica da abordagem dupla de Amesterdão para garantir doravante uma maior coerência, sobretudo graças a indicadores adequados e a um sistema de controlo, avaliação e disseminação dos resultados obtidos.

4.4

As áreas de intervenção os objectivos, interdependentes, enunciados na estratégia para a promoção da igualdade de género são essencialmente cinco: economia (em ligação com a Estratégia Europeia de Emprego e Fundos Estruturais, bem como a efectiva integração da perspectiva de género em todas as políticas com repercussões na situação das mulheres na vida económica); participação e representação (relativamente aos processos de decisão); direitos sociais (vida quotidiana e disparidades bem visíveis nos sistemas de protecção social); vida civil (direitos humanos e liberdades fundamentais com ênfase especial na violência e no tráfico para fins de exploração sexual); mudança nos papéis e nos estereótipos de género (indústrias da cultura e meios de comunicação).

4.5

O reforço das políticas de igualdade entre homens e mulheres passou também pela adopção de medidas no âmbito dos Fundos Estruturais. O regulamento aplicável ao período de programação de 2000 a 2006, que adopta a abordagem dupla consagrada no Tratado de Amesterdão, é fruto de uma análise atenta e crítica das medidas em prol da igualdade de oportunidades e da constatação das suas fraquezas. De resto, os Fundos Estruturais sempre foram considerados — sobretudo o Fundo Social Europeu — o principal instrumento da Estratégia Europeia de Emprego; nas Novas Orientações para o Emprego, aprovadas em Julho de 2003, prevê-se que a igualdade de género tenha uma dimensão horizontal em todos os objectivos e a Paridade Homem-Mulher constitui uma das orientações específicas.

4.6

Foram sensíveis os avanços no contexto do Fundo Social Europeu (FSE), sobretudo nas políticas do emprego e da formação. Os esforços nesta área têm-se concentrado mormente na melhoria do acesso, na participação e na posição das mulheres no mercado de trabalho (eixo E) e nas possibilidades de conciliar a vida profissional com a vida familiar, sendo encorajador o número de exemplos positivos. Neste sentido, o FSE fez seu o objectivo quantitativo do Conselho Europeu de Lisboa de 2000, segundo o qual a percentagem de mulheres empregadas deve aumentar dos 51 % (2000) para 60 %, e o do Conselho Europeu de Barcelona, de 2002, segundo o qual deve ser assegurada a inserção pré-escolar a 90 % das crianças entre os três anos de idade e a idade escolar e, pelo menos, para 33 % das crianças com idade inferior a três anos.

4.7

Todavia, parece ainda esporádico o carácter das medidas destinadas a melhorar as condições de trabalho e as perspectivas de carreira, a estimular o espírito empresarial das mulheres, a reduzir as disparidades salariais e a aumentar a sua representatividade no sector das novas tecnologias; há diversas iniciativas ao nível das estruturas de acolhimento de crianças com o fito de reconciliar a vida profissional e familiar, mas já são escassas as que se dirigem explicitamente aos idosos ou aos familiares dependentes.

4.8

Em contrapartida, a dimensão de género continua muito débil nos demais Fundos, sobretudo os que contemplam a agricultura e a pesca, sectores em que as mulheres se encontram tradicionalmente sub-representadas apesar de terem um papel activo no seu desenvolvimento. Mantêm-se, por conseguinte, muito fortes as desigualdades neste domínio, continuando o contributo das mulheres para a comunidade a ser pouco valorizado, também no que se refere à maior protecção do ambiente.

4.9

As políticas comunitárias são apoiadas por diversas iniciativas e por programas de financiamento específicos. São dignos de menção, por exemplo, Novas Oportunidades para as Mulheres (NOW) no mercado laboral, STOP para o reforço da cooperação contra o tráfico de mulheres e de crianças, DAPHNE para a melhoria da informação e a protecção das vítimas da violência e Mulheres e Ciência (Programa-Quadro de Investigação e Desenvolvimento) no sector das novas tecnologias. A Estratégia-Quadro antes referida tem ainda o propósito de reforçar a integração da perspectiva de género em várias iniciativas comunitárias, por exemplo, EQUAL, INTERREG, URBAN, LEADER ou, no sector cultural, LEONARDO, SOCRATES, JUVENTUDE, CULTURA, etc..

4.10

O Relatório da Comissão sobre a igualdade entre homens e mulheres (COM(2004) 115 final) refere que existem já na União Europeia leis muito avançadas nesta matéria (2), algumas delas corroboradas por uma jurisprudência muito extensa. Está, além disso, a ser elaborado um projecto de directiva única sobre a aplicação do princípio da igualdade de oportunidades e da igualdade de tratamento de homens e mulheres em matéria de emprego que se propõe uniformizar e sistematizar a legislação em vigor sobre esta matéria.

4.11

Foi justamente neste espírito que o Conselho Europeu dos Ministros do Trabalho e dos Assuntos Sociais, realizado durante a Presidência holandesa, se pronunciou ao preconizar que a directiva única sobre a igualdade de tratamento deveria incidir prinicipalmente nas áreas que mais carecem de intervenção e que são: a igualdade salarial, a igualdade de oportunidades no acesso ao mercado de emprego, a igualdade de tratamento nos sistemas de protecção social, na formação e nas possibilidades de carreira e o ónus de prova no caso de discriminação em razão do sexo.

4.12

A proposta de directiva para a aplicação do princípio de igualdade de tratamento entre homens e mulheres no acesso a bens e serviços (2003/0265(CNS) também foi analisada num parecer do CESE (3) que realçou algumas lacunas importantes a colmatar num futuro próximo.

4.13

Na linha da aprovação da Plataforma de Acção de Beijing e na sequência do Conselho de Lisboa têm aumentado nos últimos anos as estatísticas de género, também graças à definição de novos indicadores (por exemplo, no atinente aos processos decisórios, ao mercado laboral ou à violência doméstica) que permitem analisar efectivamente os problemas e quantificar o impacto das políticas e das acções realizadas. Ao nível estatístico, portanto, são já perceptíveis alguns progressos embora ainda haja muito que fazer para controlar eficazmente os diversos sectores. Com efeito, só se for possível estudar e analisar fenómenos actuais de um ponto de vista quantitativo e qualitativo se poderá ter uma ideia exacta da dimensão dos progressos conseguidos.

4.14

Além disso, os orçamentos de género, concebidos para concretizar a integração da perspectiva de género nos procedimentos orçamentais, ainda são praticamente desconhecidos quer ao nível europeu quer ao nível nacional. Ao introduzir uma perspectiva de género em todas as fases do processo orçamental está-se a admitir que as decisões dos administradores não são neutras, mas têm repercussões diversas nos homens e nas mulheres. Neste sentido, a orçamentação de género pode ser considerada também como instrumento de avaliação do impacto das políticas, dos financiamentos e da tributação em homens e mulheres.

4.15

Infelizmente, não obstante o reforço das políticas comunitárias a favor das mulheres, para alcançar realmente os objectivos almejados são imprescindíveis a adopção de acções positivas e o máximo empenho dos Estados-Membros por serem os principais responsáveis pela aplicação destas políticas.

4.16

Se é verdade que a taxa de desemprego feminino, na Europa, diminuiu sensivelmente para os 55,6 %, parece ainda muito longínqua, em diversos países, a meta estabelecida pelo Conselho de Lisboa. De facto, as mulheres vieram engrossar as fileiras dos trabalhadores mais vulneráveis, os precários, e normalmente excluídos de qualquer sistema de protecção social. Em muitos Estados a discriminação salarial entre homens e mulheres continua a existir ou tem aumentado e a segregação quer vertical quer horizontal é ainda uma realidade deplorável. Como já assinalámos, as medidas para facilitar a conciliação entre vida profissional e familiar parecem concentrar-se exclusivamente no acolhimento das crianças, sendo praticamente inexistentes as dirigidas aos familiares que necessitam de cuidados especiais. Por outro lado, são poucos os Estados que adoptaram medidas para encorajar a licença parental também para os pais trabalhadores.

4.17

Também ainda são muito fortes as disparidades no sector da tomada de decisões. Basta pensar que na UE o Colégio de Comissários da Comissão Europeia é composto por 22 homens e 7 mulheres (apenas 24 %), enquanto o Parlamento conta com 510 deputados e 222 deputadas (apenas 30 %). Ao nível nacional a situação não é melhor: a média das mulheres com assento nos parlamentos nacionais não chega aos 25 % e nos governos não vai muito além dos 20 % (4). As mulheres também estão sub-representadas no CESE: em 317 conselheiros 79 são mulheres (apenas 25 %).

5.   A União Europeia e os países terceiros: cooperação e comércio internacional a favor das mulheres

5.1

A questão da igualdade de oportunidades entre homens e mulheres ocupa agora uma posição de pleno direito nas políticas de cooperação e de desenvolvimento da União Europeia. A comunicação da Comissão (COM(95)423 final) de 18 de Setembro de 1995, seguida pela resolução do Conselho sobre a integração das questões de género na cooperação para o desenvolvimento, de 20 de Dezembro de 1995, constituíram a base para a aprovação de um primeiro regulamento do Conselho em 1998 (n.o 2836/98 (CE) de 22 de Dezembro de 1998) recentemente renovado para o período 2004-2006. O novo texto (n.o 806/2004(CE)) consolida os objectivos definidos anteriormente — apoio da integração da perspectiva de género e adopção de medidas favoráveis à promoção da igualdade entre homens e mulheres, enquanto contributo importante para a luta contra a pobreza no mundo — e considera prioritário o controlo dos recursos e dos serviços a favor das mulheres, sobretudo nos domínios da educação, do emprego e da participação nos processos de decisão. É reafirmado igualmente o apoio às actividades públicas e privadas que têm por objectivo a igualdade entre os sexos.

5.2

O programa de acção para a integração da igualdade entre as mulheres e os homens na cooperação para o desenvolvimento da Comunidade (2001-2006) (5) pretende colmatar o desfasamento entre os princípios enunciados e a prática através de uma estratégia concreta e da definição de domínios de acção prioritários: apoio às políticas macroeconómicas, às estratégias para a redução da pobreza e aos programas de carácter social nos sectores da saúde e da educação, segurança alimentar e desenvolvimento rural sustentável, transportes, reforço das capacidades institucionais e boa governação, comércio e desenvolvimento, integração e cooperação regional, integração da dimensão do género nos projectos ou programas concebidos a nível nacional ou regional, munir o pessoal da Comissão Europeia com instrumentos e formação adequada em matéria de igualdade de género.

5.3

O documento de programação concebido para promover a igualdade de género na política de cooperação para 2005-2006 menciona como áreas de intervenção prioritária a promoção de atitudes e de comportamentos positivos nos adolescentes para combater a violência contra as mulheres e as jovens e a necessidade de formação e de apoio metodológico dos principais actores dos países parceiros.

5.4

A Comissão apoia, em geral, acções e projectos com vista a melhorar a igualdade de género através da cooperação bilateral e regional com os Balcãs Ocidentais, a Europa de Leste e a Ásia Central, a área do Mediterrâneo, a África, as Caraíbas e os países do Pacífico e da América Latina. Estão previstas outras ajudas financeiras numa base não geográfica mas temática.

5.5

Afigura-se, além disso, oportuno realçar um momento importante na evolução das relações da UE com os países terceiros, o da assinatura em 23 de Junho de 2000 do Acordo de Cotonou com os países ACP (África-Caraíbas-Pacífico). O Acordo, evidenciando as relações entre a política, o comércio e o desenvolvimento, introduz uma dimensão social ao promover a plena participação nas estratégias de desenvolvimento de intervenientes não estatais, incluindo a sociedade civil, e ao considerar a igualdade de género como um dos temas transversais do Acordo, devendo, por isso, ser tida sistematicamente em consideração (artigos 8.o e 31.o). Parece-nos extremamente positivo que o Acordo tenha instituído a participação dos intervenientes não estatais nas várias etapas da programação dos documentos estratégicos nacionais e esperamos que a inclusão das associações de mulheres mereça especial atenção neste contexto.

O Acordo atribui ainda explicitamente ao Comité um mandato de consulta dos grupos de interesses económicos e sociais, institucionalizando assim o seu papel de interlocutor privilegiado.

5.6

Embora cientes de que a plena inclusão e a participação activa das mulheres nas políticas de desenvolvimento será um processo difícil e de grande fôlego, reputamos fundamental que as instituições europeias se mantenham extremamente vigilantes para que os princípios deixem de ser letra morta e se traduzam em acções concretas.

5.7

Nesta óptica, é essencial que as políticas de coesão económica e social se apresentem como um modelo susceptível de ser exportado para o resto do mundo e que a UE se empenhe na promoção e na aplicação internacional dos seus princípios no âmbito das relações com os países terceiros.

5.8

A introdução de cláusulas específicas nos acordos comerciais e de cooperação pode ser um instrumento muito útil, tal como a adopção de medidas positivas a favor dos países que respeitam os direitos das mulheres.

5.9

Se é verdade que a liberalização do comércio aumentou as possibilidades de emprego das mulheres nos países em desenvolvimento, também é verdade que as tem relegado geralmente para o grupo de trabalhadores precários, menos qualificados, menos remunerados e excluídos de qualquer sistema de protecção social. Além disso, a liberalização dos intercâmbios é muitas vezes acompanhada de políticas de ajustamento estrutural sugeridas ou impostas pelos organismos internacionais que, sem o amparo de mecanismos adequados de protecção social, se revelam insustentáveis para os estratos da população mais vulneráveis em que as mulheres representam, muitas vezes, a maioria.

5.10

Não obstante este facto, estas políticas, e em especial as políticas comerciais, ainda não prestam atenção suficiente às questões de género. Tendo em conta que estas, muito longe de serem neutras, têm um impacto negativo justamente sobre as mulheres e o desenvolvimento de um país não se dever fazer em detrimento da justiça social, seria conveniente introduzir sistemas de avaliação dos efeitos produzidos por essas políticas tanto ao nível macroeconómico como microecoómico.

6.   Conclusões e propostas de trabalho

A boa colaboração conseguida até à data graças aos esforços das instituições europeias tem facilitado o estabelecimento de políticas activas a favor das mulheres com reflexos perceptíveis nos programas e projectos específicos os quais têm contribuído para a sua inserção no mercado de emprego, para a defesa dos seus direitos e para a melhoria das suas condições de vida. O CESE é, todavia, de opinião que ainda há muitas áreas onde é preciso intervir:

A participação nos processos de decisão e a representatividade das mulheres ainda são incipientes quer nas instituições europeias quer na maioria dos Estados-Membros, tanto no níveis nacional, como regional e local. É, portanto, indispensável promovê-las em todas as sedes e até com uma reflexão sobre o sistema de quotas.

É imperioso levar a cabo acções de formação directas para propagar a integração da perspectiva de género nas instituições e nos Estados-Membros, que são os níveis de decisão onde são concretizadas as políticas e as estratégias.

São imprescindíveis estudos e análises de género bem focadas, estatísticas e indicadores específicos para definir os temas, afinar as políticas e as estratégias de intervenção e para avaliar realmente o seu impacto. É igualmente necessário continuar a produzir estatísticas desagregadas e estabelecer novos indicadores.

Importa quantificar os recursos reservados às acções positivas a favor das mulheres em todos os fundos e instrumentos de financiamento da UE e nos Estados-Membros, mediante, sobretudo, a promoção e a disseminação da orçamentação de género.

A condição de base mais importante é, essencialmente, reconhecer às mulheres a igualdade no direito de acesso ao ensino e à formação, conforme prevê o terceiro ponto dos Objectivos de Desenvolvimento para o Milénio.

No atinente aos Fundos Estruturais, seria oportuno reforçar as acções dirigidas às mulheres nos sectores da agricultura (FEOGA) e da pesca (IFOP), relacionando-as com a protecção do ambiente, outra questão em que as políticas comunitárias ligadas ao género são muito pouco incisivas.

Convém imprimir uma nova dinâmica às políticas a favor do espírito empresarial das mulheres com vista a aumentar a presença das mulheres no sector das novas tecnologias.

É necessário intensificar as acções de formação no sector da sociedade do conhecimento, para que esta não se torne num momento ulterior de discriminação e exclusão das mulheres, que muito podem contribuir para a consecução dos objectivos fixados pela Estratégia de Lisboa.

De um modo mais geral, e com respeito ao mercado de emprego, importa continuar a insistir em medidas de combate à segregação vertical e horizontal e na remoção de todos os obstáculos à verdadeira igualdade; tal implica que os Estados-Membros terão de estabelecer objectivos e alvos específicos e quantificáveis em consenso com os parceiros sociais. Sobretudo no tocante às discriminações salariais, os Estados-Membros deverão começar a aplicar a abordagem individualizada nas orientações para as políticas de emprego dos Estados-Membros (6) que menciona a formação e a educação, a classificação do tipo de trabalho, os sistemas salariais e os estereótipos culturais como aspectos fundamentais do problema.

É preciso dar maior atenção, nas medidas destinadas a conciliar a vida profissional com a vida familiar, à assistência a familiares idosos, dado o envelhecimento da população, mas sem diminuir os cuidados prestados à infância.

Para favorecer a igualdade de oportunidades entre homens e mulheres, importa incentivar e melhorar os investimentos nos serviços públicos, particularmente no sector da educação escolar e universitária, da saúde e da assistência.

É preciso reforçar, também ao nível nacional, as políticas de imigração e de integração das imigrantes e as favoráveis ao asilo, bem como as iniciativas dirigidas às mulheres vítimas de conflitos, de discriminação e de violência no seu país de origem.

É mais do que nunca imperioso lutar contra o tráfico de mulheres e de crianças.

Com respeito às políticas de desenvolvimento e comerciais, haverá que intensificar a abordagem participativa da sociedade em geral e consolidar o papel das mulheres em particular, com o envolvimento em pé de igualdade dos grupos de interesse das mulheres na formulação das políticas de desenvolvimento e na elaboração dos documentos de estratégia nacionais de cada país, aumentando também e sobretudo os meios de financiamento específicos para as mulheres de modo a obterem mais peso nos níveis económico e social.

Convém seguir de perto as repercussões dos acordos comerciais e das políticas de desenvolvimento, também ao nível microeconómico, prevendo análises específicas do seu impacto nas condições de vida dos grupos mais vulneráveis da sociedade e tendo em conta as diferenças de género.

Urge valorizar o papel da Comissão e das delegações que poderão exercer uma influência concreta na salvaguarda dos direitos humanos e, por conseguinte, no respeito dos direitos das mulheres sempre que estes sejam violados.

Deveriam ser conferidas responsabilidades específicas às delegações na promoção da integração da perspectiva de género.

A União Europeia deveria usar de toda a sua influência para levar o maior número possível de Estados a ratificar e a aplicar todos os tratados internacionais com impacto positivo na condição feminina e, em particular, a Convenção internacional contra todas as formas de discriminação das mulheres e o seu Protocolo adicional, e para persuadir os Estados signatários a retirar as reservas que insistem em colocar.

O Comité está empenhado em aprofundar a análise da situação da condição feminina nos novos Estado-Membros da União Europeia.

Tendo em mente a natureza do Comité, o seu papel face à sociedade civil, os seus objectivos e a experiência adquirida graças ao acompanhamento constante dos temas que dizem respeito à igualdade de género, seria sem dúvida útil que um dos seus representantes fizesse parte da delegação da Comissão da União Europeia à 49.a sessão da Comissão das Nações Unidas sobre o Estatuto da Mulher.

Bruxelas, 9 de Fevereiro de 2005.

A Presidente

do Comité Económico e Social Europeu

Anne-Marie SIGMUND


(1)  Conferência sobre Ambiente e Desenvolvimento (Rio de Janeiro, 1992), Conferência Mundial sobre os direitos Humanos (Viena, 1993), Sessão Extraordinária da Assembleia Geral das Nações Unidas sobre o VIH/SIDA (Nova Iorque, 2001), Conferência Internacional sobre a População e o Desenvolvimento (Cairo, 1994), Cimeira Mundial sobre o Desenvolvimento Social (Copenhaga, 1995), Conferência Mundial contra o Racismo, a Discriminação Racial, a Xenofobia e a Intolerância Conexa (Durban, 2001), Conferência Internacional sobre o Financiamento do Desenvolvimento (Monterrey, 2002), Segunda Assembleia Mundial sobre o Envelhecimento (Madrid, 2002), a Cimeira Mundial sobre o Desenvolvimento Sustentável (Joanesburgo, 2002) e a Cimeira Mundial sobre a Sociedade da Informação (Genebra, 2005 – Túnis, 2005).

(2)  Directivas relativas à concretização do princípio da igualdade de tratamento entre homens e mulheres no que se refere à paridade de remunerações (75/117/CE); ao acesso ao emprego, à formação e promoção profissionais e às condições de trabalho (directiva do Conselho 2002/73/CE que altera a 76/207/CEE), à segurança social (79/7/CEE) e aos regimes jurídicos e profissionais de segurança social (86/378/CEE), para os trabalhadores independentes (86/613/CEE) e ainda a directiva relativa à segurança e á saúde das mulheres no local de trabalho durante a gravidez e o aleitamento (92/85/CEE), à organização do tempo de trabalho (93/104/CE), às licenças parentais (96/34/CE), ao ónus de prova nos casos de discriminação em razão do sexo (97/80/CE) e ao trabalho em tempo parcial (97/81/CE).

(3)  JO C 241, de 28/9/2004.

(4)  Dados da Comissão Europeia, DG do Emprego e Assuntos Sociais, actualizados em 29/9/2004.

(5)  COM(2001) 295 final.

(6)  Decisão do Conselho de 22 de Julho de 2003 sobre as orientações para as políticas de emprego dos Estados-Membros (JO L 197/2003).