28.6.2005   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 157/141


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre «O acesso à Europa por mar — Evolução e soluções»

(2005/C 157/25)

Em 1 de Julho de 2004, o Comité Económico e Social Europeu decidiu, nos termos do n.o 2 do artigo 29.o do Regimento, elaborar de um parecer sobre o tema: «O acesso à Europa por mar — Evolução e soluções».

Incumbida da preparação dos correspondentes trabalhos, a Secção Especializada de Transportes, Energia, Infra-estruturas e Sociedade da Informação emitiu parecer em 24 de Novembro de 2004, sendo relator Jan SIMONS.

O Comité adoptou na 413.a reunião plenária de 15 e 16 de Dezembro de 2004 (sessão de 16 de Dezembro) por 124 votos a favor e 2 abstenções, o seguinte parecer:

1.   Introdução

1.1

É extraordinária a importância do transporte marítimo dos, para e entre os países da União Europeia. Todos os anos, entram e saem mais de 3 500 milhões de toneladas de carga transportada por mar nos mais de mil portos marítimos da UE. Além disso, são transportados anualmente em ferries e navios de cruzeiro à volta de 350 milhões de passageiros.

1.2

Mais de 90 % do transporte entre a Europa e o resto do mundo é realizado através de portos marítimos. Além disso, 40 % do transporte intra-europeu é igualmente efectuado por via marítima. Quer do ponto de vista da energia quer do ambiente, o transporte marítimo apresenta resultados que são dignos de destaque. Em comparação com o transporte rodoviário é treze vezes menos poluidor ao nível de emissões de CO2 e de partículas e mesmo dezanove vezes no atinente às emissões de CHx (1).

1.3

Cerca de 250 000 pessoas trabalham nos portos da Europa ou no sector de serviços conexos. O complexo marítimo dá, no seu conjunto, emprego a cerca de 2,5 milhões de pessoas na Europa e gera aproximadamente 111 mil milhões de valor acrescentado. Estes números evidenciam claramente o interesse do transporte marítimo para a Europa.

1.4

A amplitude do transporte marítimo intra-comunitário e extra-comunitário cresce todos os anos. É, pois, fundamental que a UE siga de perto o crescimento destes fluxos marítimos e encoraje a tempo as medidas mais adequadas, ou as adopte ela própria se necessário, a fim de se acomodar a esse crescimento.

1.5

O transporte marítimo abrange diversas espécies e categorias. Em função do seu objectivo, subdivide-se em transporte de recreio e comercial, consoante a sua forma de organização, em transporte marítimo não regular (tramp shipping) e regular, consoante a zona de operação, em navegação de alto mar (deepsea) e navegação de curta distância (short sea) e consoante o tipo de carga, em transporte de passageiros e transporte de mercadorias. O transporte comercial e as quatro últimas categorias mencionadas são os segmentos que concernem mais directamente ao mercado interno e serão, por isso, tratadas no presente parecer.

1.6

No transporte de passageiros ressalta a diferença entre o transporte em navios de cruzeiro e em ferries ou ro-ro, ao passo que o transporte de mercadorias é classificado consoante o tipo de carga.

Carga a granel sólida — este tipo de carga é transportada a granel por graneleiros, por exemplo, minérios, carvão e cereais.

Carga a granel líquida — este tipo de carga é transportada em navios-tanque, por exemplo, petróleo bruto, produtos petrolíferos e substâncias químicas.

Carga geral — este tipo de carga subdivide-se em carga roll on roll off, carga geral restante e contentores.

2.   Esboço da situação do mercado de cada uma das categorias

2.1

Tanto os serviços regulares de cruzeiro como os ferries/navios ro-ro são utilizados para o transporte de passageiros mas apresentam características totalmente diversas. O transporte em navios de cruzeiro é uma forma de turismo em paquetes de luxo, enquanto o transporte por ferry serve para ligar dois pontos, o que se aplica, aliás, às mercadorias no caso do transporte ro-ro. NA UE, são transportados por via marítima 350 milhões passageiros, dos quais 4 milhões utiliza os serviços de cruzeiro.

2.2

Os maiores portos de navios de cruzeiro da Europa são: Barcelona (832 000 passageiros), Palma de Maiorca (665 000), Veneza (634 000), Nápoles (534 000), Southampton (533 000) e Civitavecchia (520 000). Foi lançado ao mar este ano o maior paquete do mundo, o Queen Mary II com 345 metros de comprimento, 41 metros de largura e um calado de 10,3 metros.

Refira-se que o Queen Mary é aproximadamente duas vezes mais comprido do que os maiores graneleiros e os porta-contentores. O calado dos paquetes é, contudo, reduzido em comparação com este últimos. Estas embarcações não têm grandes problemas em entrar nos portos de maiores dimensões.

2.3

Em geral, os ferries fazem também transporte de mercadorias ro-ro e transporte combinado de passageiros e mercadorias. Na UE, o transporte por ferry entre o continente europeu e o Reino Unido, a Irlanda, a Escandinávia, os Estados bálticos, as Ilhas Canárias e, especialmente, no Mar Mediterrâneo, abarca uma ampla rede de ligações, também para países fora da UE. Os maiores navios ferry/ro-ro são o Pride of Rotterdam e o Pride of Hull, ambos da frota da companhia de navegação P&O North Sea Ferries. Estes navios têm 215 metros de comprimento, 32 metros de largura e um calado que não ultrapassa os 6,3 metros.

2.4

Se não se atender às dificuldades devidas por vezes à localização, não é para já necessário, ao nível europeu, preocupar-se especialmente com as possibilidades físicas de acesso à Europa desta categoria, que já tem de qualquer modo o futuro assegurado, sendo por isso realista esperar um maior crescimento neste tipo de transporte.

2.5

As cargas a granel sólidas e líquidas são de importância vital para o aprovisionamento das indústrias europeias. O transporte deste tipo registou, aliás, nos anos sessenta e setenta do século passado um enorme crescimento tanto no atinente ao volume das cargas como às dimensões das embarcações.

2.6

No caso da carga a granel líquida, o encerramento do Canal de Suez em consequência da Guerra dos Seis Dias e o crescimento incessante da procura de petróleo bruto fez aumentar a arqueação dos navios de 85 000 dwt em 1968 para 560 000 dwt (2) em 1976. Diversos portos europeus tomaram providências para poderem acolher estes navios. Mas com a primeira crise petrolífera em 1973, estes navios deixaram de ser rentáveis e acabaram por ser desmontados. Na construção de raiz de petroleiros nos anos oitenta e noventa não são visíveis mais quaisquer mudanças na arqueação dos navios. Os maiores petroleiros continuaram sem ultrapassar as 300 000 dwt. Só em 2002 voltaram a ser construídos alguns superpetroleiros (Ultra Large Crude Carrier) mas estes também entram sem problemas nos portos existentes.

2.7

A carga a granel sólida passou por um desenvolvimento semelhante no fim dos anos sessenta. Esta evolução resultou na construção do «Berge Stahl» com 365 000 dwt que já há dezoito anos transporta minério de ferro do Brasil para Roterdão. Com o seu calado de 23 metros (76 pés) não pode atracar em nenhum outro porto do mundo. A grande maioria dos novos graneleiros apresenta, contudo, desde os anos oitenta uma tonelagem situada entre 150 000 e 175 000 dwt. Depreende-se do exposto que estes dois tipos de carga constituem mercados que atingiram já a sua maturidade e que os portos marítimos europeus, pelo menos os mais relevantes, já se encontram entretanto devidamente preparados, até para acolher o maior petroleiro do mundo. Não é de esperar um grande crescimento no volume da carga nem na arqueação dos navios, pelo que o acesso à Europa deste tipo de embarcações já se encontra assegurado futuramente.

2.8

No transporte de carga acondicionada são empregues embarcações de carga geral ou polivalentes. Desde que surgiram os primeiros contentores, a carga geral sofreu um grande retrocesso e circunscreve-se actualmente a alguns nichos de mercado, como o tráfego marítimo com a África e o transporte em navios-frigorífico no comércio especializado de fruta. Os navios têm uma arqueação que não excede as 40 000 toneladas/dwt e não é de esperar qualquer alteração das suas dimensões.

2.9

Em contrapartida, o transporte em contentores passa actualmente por um crescimento estrutural inaudito, tanto em termos do volume da carga como das dimensões dos navios. Em 1996, o Fairland foi o primeiro navio a efectuar o transporte intercontinental de contentores dos EUA para a Europa. O Fairland, da companhia de navegação Sea-Land, tinha uma capacidade de 266 contentores de 35 pés cada. Actualmente, o CSCL Europe é, com as suas 8 500TEU (unidade equivalente a 20 pés), o maior porta-contentores do mundo, mas neste momento já estão a ser construídos navios com 9 200 TEU. O CSCL Europe tem 334 metros de comprimento, 42,8 metros de largura e um calado máximo de 14,5 metros.

No quadro infra indica-se o maior porta-contentores construído em cada um dos anos referidos. É espectacular o crescimento verificado, sobretudo a partir de 1995. Neste momento, há encomendas de 156 navios com uma capacidade de mais de 7 000 TEU.

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2.10

Segundo se prevê, não tardarão a chegar aos estaleiros encomendas de navios de 10 000 TEU e até de 12 000 TEU munidos de um único motor. Já se calculou (3) até o limite máximo possível que poderão alcançar. Dada a configuração rochosa do estreito de Malaca, que é um trajecto essencial na rota do comércio asiático, este limite seria de 18 000 TEU, mas com a ajuda de dois motores, o que elevaria substancialmente o preço do transporte por contentor. O crescimento dos navios de transporte intercontinental de contentores até aos seus limites técnicos e geográficos não é, porém, inevitável. Igualmente possível é um recuo para dimensões mais modestas, como se tem verificado nos últimos anos no caso dos navios de transporte de cargas a granel sólidas e líquidas.

2.11

Nos últimos anos, aumentou exponencialmente, sobretudo, o transporte intercontinental de contentores de e para os portos europeus. O processo imparável de globalização e, em sua consequência, a forte ascensão da China como país produtor redundaram, por exemplo, num crescimento estrutural de mais de 10 % ao ano dos portos de contentores do Noroeste da Europa situados entre Hamburgo e Le Havre. Os portos do Mediterrâneo também conheceram um crescimento explosivo.

2.12

Os grandes navios porta-contentores provenientes, por exemplo, do Extremo Oriente apenas transitam por um número muito reduzido de portos europeus. Por um lado, são demasiado grandes para a maioria dos portos europeus, por outro, o seu preço elevadíssimo não lhes permite perder demasiado tempo em cada um deles. Os navios de maiores dimensões fazem escala essencialmente em dois ou três portos do Mediterrâneo e em quatro portos do Noroeste da Europa. Os contentores são, depois, transportados a partir desses portos para todos os pontos da Europa, uns por mar graças a uma extensa rede de distribuição, outros por terra com o recurso cada vez mais frequente aos caminhos-de-ferro e às vias de navegação interior.

2.13

Porém, são recorrentes, principalmente nos portos de contentores situados no topo dos portos mais importantes da Europa (4), os congestionamentos causados pela gestão do fluxo crescente de contentores nos terminais portuários e pelo seu ulterior escoamento. A par das medidas adoptadas nos terminais para combater este problema, como por exemplo a sua ampliação, é imperioso garantir nos portos propriamente ditos uma gestão eficaz das operações anteriores e posteriores ao tráfego das mercadorias tanto marítimo como terrestre.

2.14

Além disso, os portos têm de prestar especial atenção às novas exigências de segurança para, apesar do número crescente de controlos, manterem a maior flexibilidade possível nos serviços de transbordo e de transporte.

2.15

Dado o aumento das dimensões dos navios, conforme referem os pontos 2.9 e 2.10, não é fácil com efeito distribuir os fluxos das cargas transportadas em porta-contentores de mar alto pelos demais portos europeus, no âmbito do mercado de transporte marítimo. Os principais motivos para essa dificuldade são as características físicas como, por vezes, um calado insuficiente e/ou as estruturas existentes e/ou os períodos de navegação excessivamente longos, e/ou um volume de carga insuficiente (5) para ser rentável atracar num porto. Mas isto não é absolutamente verdade porque a dinâmica económica pode intensificar a actividade dos portos mais pequenos.

3.   Ligações entre o literal e o interior

3.1

Uma grande parte dos contentores descarregados nos portos europeus têm de ser transportados posteriormente para outras localidades. Uma parte é transportada para outros portos por mar em navios de distribuição (feeders) mais pequenos. Mas a sua maioria é transportada para as regiões do interior da Europa por estrada em camiões, pelas vias navegáveis ou por caminho-de-ferro. A capacidade das ligações no interior deverá, por conseguinte, acompanhar a par e passo o crescimento do transporte de contentores, mas procurando, em consonância com a política da UE, e sem criar obstáculos ao transporte rodoviário, o que é aliás uma condição indispensável, estimular o mais possível a utilização da navegação interior, do caminho-de-ferro e do transporte marítimo de curta distância/de distribuição (feeders).

3.2

A UE apoia, por isso, vigorosamente a navegação de curta distância dentro da Europa. A prová-lo, a inclusão no âmbito da nova rede transeuropeia de transportes do programa «Auto-estradas do mar», que se encontra aliás ainda em fase de preparação. Concretizando, em conformidade com as novas propostas (16/7/2004), o orçamento da rede transeuropeia de transportes (TEN-T) ascende a 20,35 mil milhões de euros, incluindo o programa MARCO POLO II medidas no âmbito das «auto-estradas do mar» e do «evitamento de tráfego» com um orçamento de 740 milhões de euros.

3.3.

A Comissão desenvolveu o conceito de «auto-estradas do mar» para secundar as outras modalidades apoiadas pelo programa da rede transeuropeia. As «auto-estradas do mar» são uma alternativa muito razoável, numa base equitativa, ao transporte rodoviário na Europa, já que dispensam trâmites desnecessários e oferecem ligações intermodais eficazes. O objectivo do programa é diminuir o congestionamento rodoviário na Europa e melhorar a acessibilidade das regiões e dos países insulares e periféricos.

3.4

Para a promoção do transporte marítimo de curta distância propriamente dito ainda é possível melhorar muito tanto as instalações portuárias como a cooperação entre os portos. A chave do sucesso é uma frequência de serviços elevada, o que implica o transporte de grandes volumes de carga. O potencial do mercado e a exploração comercial são, por conseguinte, dois factores fundamentais para a viabilidade das ligações de curta distância.

3.5

O transporte interior requer igualmente especial atenção no âmbito da União Europeia. A política europeia de transportes, que inclui também as infra-estruturas correspondentes, com a defesa de outros valores sociais, como a sustentabilidade, tem dado mostras do seu esforço de eficácia e de eficiência ao permitir a livre formação do mercado em determinadas circunstâncias.

3.6

No transporte rodoviário e na navegação interior, há regulamentação que já está a ser aplicada, enquanto no transporte ferroviário este processo só agora começa a dar os primeiros passos em toda a Europa. Haveria toda a conveniência em acelerá-lo, também face à evolução do transporte em contentores a que nos referimos acima.

4.   Tipos de portos

4.1

No processo comunitário de decisão (6) faz-se unicamente a distinção entre três tipos de portos da rede transeuropeia de transportes (TEN):

a.

Portos marítimos internacionais com um volume anual de transbordo ou de transporte de carga de, pelo menos, 1,5 milhões de toneladas ou um transbordo ou um transporte de 200 000 passageiros.

b.

Portos marítimos com um volume anual de transbordo ou de transporte de, pelo menos, 0,5 milhões de toneladas ou um transporte ou um transbordo de 199 000 passageiros, os quais se encontram equipados com instalações para a navegação de curta distância;

c.

Portos marítimos regionais que não obedecem aos critérios de A) e B), situados em ilhas ou em regiões periféricas.

4.2

Esta distinção não deu até à data origem a uma abordagem diferente ao nível do conteúdo. Com efeito, nem no elenco de prioridades das novas TEN nem na prioridade «Auto-estradas do mar» são nomeados portos seja de que tipo for. Salvo raras excepções, nem as autoridades nem as empresas consideraram oportuno, com vista a obter co-financiamento comunitário para fazerem face aos investimentos gigantescos requeridos pelos portos de contentores de alto mar, estabelecer uma distinção mais exacta entre portos com um tráfego de mercadorias na sua maioria em trânsito que geram um valor acrescentado relativamente pequeno para os próprios portos.

O CESE apoia os recentes apelos emanados da Conferência de Regiões Marítimas Periféricas da Europa (20/7/2004) para equilibrar as noções de «Auto-estradas do mar» e de acessibilidade, tendo em conta também os portos de pequenas e médias dimensões.

4.3

À luz do exposto, o CESE exorta veementemente a Comissão a investigar o problema de congestionamento nos portos comunitários e, especialmente, nos portos de contentores e a explorar vias possíveis para colmatar este problema.

4.4

Não obstante, os grandes portos de contentores (7) da Europa, disseminados com relativo equilíbrio pelo Mar Mediterrâneo e o Noroeste da Europa, ou são portos realmente grandes ou médios e, na sua maioria, não são especializados exclusivamente em contentores, mas têm também um papel relevante no transporte de carga a granel e de carga geral. Face ao seu crescimento contínuo, estes portos têm diante de si uma série de desafios específicos:

Como conseguir rapidamente uma maior capacidade de transbordo, tanto do lado marítimo como terrestre, com a minuciosa regulamentação em vigor em matéria de poluição sonora, de ambiente e de segurança externa?

Como adaptar-se do ponto de vista da acessibilidade náutica, do calado dos cais e das dimensões do equipamento de transbordo ao aumento iminente do número de navios com capacidade superior a 8 000 TEU?

Como assegurar que as ligações entre o porto e o interior da Europa tenham capacidade suficiente para absorver o fluxo crescente de contentores?

Como conseguir o maior grau possível de flexibilidade dos procedimentos logísticos nos portos não obstante os controlos cada vez mais severos?

4.5

Sendo um dos objectivos da Agenda de Lisboa que a Europa mantenha a sua posição competitiva no mundo, é do seu interesse que estes portos estejam em condições de enfrentar adequadamente os desafios que lhes são colocados e de avançar com soluções. Se a União Europeia pode influir de qualquer modo neste processo não deve desperdiçar esta oportunidade.

4.6

Portos, sobretudo os referidos neste ponto, são também, do ponto de vista da segurança, as portas de entrada na UE. Os portos são também estradas do mar para a UE, o que tem implicações para a sua segurança. O CESE recorda, a propósito, os seus pareceres anteriores em que solicitava à Comissão Europeia a realização de um estudo de impacto global sobre os custos da segurança portuária e a convidava a delinear um esquema comunitário para o seu financiamento.

4.7

Prestar mais atenção aos grandes portos de contentores não está em contradição com a promoção da navegação de curta distância nem com o conceito de «auto-estradas do mar». Até porque os grandes portos de contentores de navegação de alto mar são por norma também portos de navegação de curta distância. Além disso, estes portos dispõem do espaço, da infra-estrutura e do interior (hinterland) necessários para gerarem um volume de carga suficiente e fomentarem, deste modo, através do programa «auto-estradas do mar», o crescimento dos outros portos de transporte de curta distância.

5.   Que poderia fazer já concretamente a União Europeia?

5.1

É preciso evitar por todos os meios que as distorções de concorrência e/ou insuficiências infra-estruturais e/ou uma política ineficaz de transportes, retirem a eficácia ou comprometam os efeitos positivos dos enormes investimentos realizados ou a realizar brevemente pelos grandes portos de contentores para fazer face aos desafios referidos no ponto 4.3 e a sua disposição de avançar com soluções concretas. Face à relação estreita entre os portos de contentores e a navegação de curta distância, através das linhas de distribuição e da utilização das «auto-estradas do mar» e das ligações com o interior, esta política terá grandes repercussões e irá beneficiar o mercado de transporte no seu todo.

5.2

Antes de mais, a UE deveria fazer o possível por assegurar condições de concorrência leal compatíveis com o conceito de «level playing field». Os portos, e estamos a falar aqui sobretudo dos agentes económicos que neles operam, devem estar à altura de concorrer lealmente entre si, e esta lealdade de concorrência terá de ser um facto não só dentro como fora deles.

5.3

Ante as experiências adquiridas no transporte de mercadorias por outros sectores de transporte, uma certa liberalização do mercado portuário afigura-se positiva e até promissora ao nível da optimização das possibilidades de utilização. No último momento, a Comissão demissionária, apresentou ao Conselho, em seguimento da proposta da comissária de Transportes, Loyola de PALACIO, uma nova directiva relativa ao acesso ao mercado de serviços portuários. Este documento oferece (8) ao Comité mais uma oportunidade para expor em parecer circunstanciado a sua visão sobre o assunto, pelo que se abstém de tecer considerações a esse respeito.

5.4

Deverá haver muito mais clareza, especialmente, no que respeita aos auxílios estatais, para se saber o que é permitido e o que não é. Por exemplo, em que medida a infra-estrutura de um porto marítimo — que tem uma relação directa com as dimensões dos navios — é financiada pelo erário público? As autoridades nacionais e as administrações portuárias têm de saber com o que poderão contar. São, pois, urgentes orientações inequívocas sobre os auxílios estatais. Conhecendo o propósito da Comissão de elaborar orientações neste contexto, o Comité espera que tal aconteça o mais brevemente possível e a adopção da nova directiva proposta não se faça esperar.

5.5

A aplicação e a observância da regulamentação devem ser seguidas com a máxima atenção. Isto porque há uma certa margem de interpretação no momento de transpor as disposições comunitárias para a legislação nacional. É conveniente que a UE controle mais criteriosamente a transposição consequente da legislação comunitária. Verifica-se, aliás, um fenómeno idêntico na aplicação da legislação e da regulamentação da UE em vigor, que se revela insatisfatória e inconsequente. Sobretudo no atinente à interpretação das disposições relacionadas com o ambiente, a natureza e a segurança, são patentes grandes discrepâncias entre a UE e os Estados-Membros. A concorrência entre os portos neste domínio deve ser evitada por todos os meios.

5.6

Para ter uma ideia mais nítida sobre as formas de financiamento dos portos, é absolutamente imprescindível que a sua contabilidade seja transparente, sobretudo quando se trata de movimentos financeiros de e para diversas autoridades públicas (locais, regionais e nacionais). Também neste contexto a UE terá de desenvolver instrumentos eficazes. Ainda não teve confirmação na prática a convicção expressa pelo Comité no seu parecer de 2001 (9) de que a Directiva «Transparência» aplicada ao conjunto dos portos da RTE, em conjugação com os artigos do Tratado relativos à concorrência e os auxílios e subvenções públicas e ainda com a jurisprudência do Tribunal de Justiça sobre a matéria, bastaria para dar à Comissão meios eficazes e suficientes.

6.   Resumo e conclusões

6.1

A amplitude do transporte marítimo dentro, da e para a Europa cresce anualmente. É, por isso, fundamental que a UE siga de perto o crescimento destes fluxos marítimos e encoraje a tempo as medidas mais adequadas, ou as adopte ela própria se necessário, a fim de se acomodar a esse crescimento.

6.2

O transporte marítimo distribui-se por diversas espécies e categorias, designadamente consoante o seu objectivo, de recreio e comercial e consoante a zona de operação, em navegação de alto mar (deepsea) e navegação de curta distância (short sea). O transporte comercial e as categorias mencionadas são tratados neste parecer por serem os segmentos com mais repercussões no mercado interno.

6.3

O transporte marítimo de passageiros tem um grande peso na UE já que serve 350 milhões de pessoas. No entanto, em termos de crescimento e de aumento das dimensões dos navios, não é um sector que requeira da UE atenção de maior ao nível das infra-estruturas, ao inverso do que sucede com a evolução do seu crescimento que terá de ser seguido atentamente. A segurança dos passageiros é, em contrapartida, motivo de grande preocupação, especialmente no caso concreto dos cruzeiros.

6.4

Também a carga a granel líquida e sólida sofreu um considerável crescimento nos anos sessenta e setenta do século passado, pelo que foram adoptadas nessa altura medidas adequadas para adaptar os portos a embarcações cada vez maiores. Entretanto, estes mercados já atingiram a sua maturidade. Por outro lado, é bem visível o declínio do transporte convencional de carga geral. O transporte em navios ro-ro coincide parcialmente com o transporte por ferry e constitui um mercado importante e bem implantado.

6.5

Por outro lado, o transporte em contentores passa actualmente por um crescimento estrutural inaudito, tanto em termos do volume transportado como da arqueação dos navios.

6.6

São cada vez mais frequentes os congestionamentos causados pela gestão do fluxo crescente de contentores nos terminais portuários e pelo seu ulterior escoamento. A par das medidas adoptadas nos terminais para combater este problema, como por exemplo a sua ampliação, é imperioso garantir nos próprios portos uma gestão eficaz das operações anteriores e posteriores ao tráfego das mercadorias, tanto marítimo como terrestre.

6.7

Dado o aumento das dimensões das embarcações não é fácil com efeito disseminar os fluxos de porta-contentores de alto mar pelos demais portos europeus no âmbito do mercado do sector marítimo, o que não significa que a dinâmica económica não venha a impulsionar o crescimento dos portos mais pequenos.

6.8

À luz do exposto, o CESE exorta veementemente a Comissão a investigar os problemas de congestionamento nos portos comunitários e, especialmente, nos portos de contentores e a explorar vias possíveis para resolvê-los, por forma a facilitar o processo para além do que tem sido feito no âmbito da rede transeuropeia.

6.9

O processo de racionalização da rede europeia de transportes no seu todo, já concluído no caso do transporte rodoviário, só agora começa a dar finalmente os primeiros passos, também no que se refere ao transporte rodoviário. Seria de toda a conveniência acelerar este processo.

6.10

Para manter a sua posição competitiva no mundo, é do interesse da Europa que estes portos estejam em condições de enfrentar adequadamente os novos desafios e de avançar com soluções. Se a União Europeia puder influir de qualquer modo neste processo, não deverá desperdiçar esta oportunidade. É certo que, neste momento, não são esperadas propostas diversas das formuladas pela União Europeia no âmbito do apoio financeiro aos portos. Embora estas propostas se justifiquem sobretudo no caso do transporte de contentores, não contam ainda com o apoio suficiente, já que nem as autoridades nem as empresas estão dispostas a estabelecer uma distinção mais exacta entre os portos europeus para além da que foi feita no âmbito das redes transeuropeias.

6.11

Os portos são também estradas do mar para a UE, o que tem implicações para a sua segurança. O CESE recorda, a propósito, os seus pareceres anteriores em que solicitava à Comissão Europeia a realização de um estudo de impacto global sobre os custos da segurança portuária e a convidava a delinear um esquema comunitário para o seu financiamento.

6.12

A União Europeia poderia já começar a providenciar por condições de concorrência leal equitativas (level playing field), promover uma certa liberalização do mercado do sector marítimo, criar maior clareza, especialmente no que respeita aos auxílios estatais, mediante orientações inequívocas, prestar a máxima atenção à aplicação e à observância da regulamentação em vigor e impor a transparência dos fluxos financeiros.

Bruxelas, 16 de Dezembro de 2004.

A Presidente

do Comité Económico e Social Europeu

Anne-Marie SIGMUND


(1)  Fonte: Brochura ESPO: «Ports creating opportunities by connecting people, products and business – by connecting Europe» (Os portos aproximam as pessoas, os produtos e as empresas).

(2)  DWT = Deadweight Tonnage (tonelagem de porte bruto – TPB) de uma embarcação, ou seja, a arqueação de um navio traduzida em toneladas. No caso dos porta-contentores toma-se como unidade de capacidade o número de TEU (Twenty Foot Equivalent Unit). É o número máximo de contentores traduzido em TEU que o navio consegue transportar. Uma vez que um contentor vazio ocupa o mesmo espaço de um contentor cheio, não se usa a unidade TPB no caso de porta-contentores.

(3)  Niko WIJNOLST e outros: Malacca-Max, The Ultimate Container Carrier, TU Delft (Universidade Técnica ) 1999.

(4)  Para obter um panorama dos portos de contentores mais importantes da Europa consultar o quadro e o gráfico nos anexos.

(5)  Estes são, designadamente, os motivos por que os porta-contentores de maiores dimensões não podem fazer escala nos portos do Mar Adriático, no Norte do Reino Unido, na Irlanda e no Mar Báltico. Graças aos serviços de distribuição (feeder) previstos nos portos onde esses navios podem aportar, é possível transbordar a carga para navios mais pequenos e distribuí-la por outras localidades.

(6)  Orientações comunitárias para o desenvolvimento da rede transeuropeia de transportes (Decisão 1692/96) em que foram incluídos os portos marítimos, os portos de navegação interior e os terminais internacionais.

(7)  Ver anexo, também referido na nota n.o 2.

(8)  Esta proposta, apresentada no início de 2001 e entretanto rejeitada pelo Parlamento Europeu, na sua qualidade de co-legislador, foi objecto de um parecer do Comité (TEN/075) sobre o «Acesso ao mercado dos serviços portuários» (in JO C 48 de 21/2/2002, p. 122).

(9)  Ver nota de rodapé n.o 7.